Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RUI MOREIRA | ||
| Descritores: | ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS OBRIGAÇÃO LÍQUIDA EFEITO DO RECURSO | ||
| Nº do Documento: | RP2022012526582/17.0T8PRT-B.P1 | ||
| Data do Acordão: | 01/25/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | SENTENÇA REVOGADA/ RECURSO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | - Numa acção de prestação de contas, o saldo cujo pagamento é imposto ao devedor vence juros desde a data da sua fixação, na sentença em 1ª instância, e não desde o trânsito em julgado. A obrigação assim fixada é líquida, sem prejuízo de poder ser alterada por efeito de recurso. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | PROC. Nº 26582/17.0T8PRT-B.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução do Porto - Juiz 6 REL. N.º 648 Relator: Rui Moreira Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Andrade Miranda * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1 – RELATÓRIO Nos presentes autos de execução de sentença, C..., Ldª veio pretender o pagamento, por M..., S.A., da quantia de € 1.788.060,30, acrescida de juros vencidos, calculados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, às diversas taxas comerciais, sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento, que também peticionou. Mais pediu a Exequente, acautelando a hipótese de ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto da sentença exequenda, pela Executada, que seja acrescentado ao referido valor peticionado, nos termos do art. 829.º-A, nº 5, do Código Civil, o pagamento de juros à taxa de 5%, desde a data em que a referida sentença de condenação transitar em julgado, sem prejuízo dos juros vincendos calculados até efectivo e integral pagamento, que também peticiona. Depois de prolongada tramitação processual ocorrida no âmbito da acção de prestação de contas de que sobreveio a decisão dada à execução ainda antes do seu trânsito em julgado, tramitação essa que incluiu a anulação do primeiro julgamento, a prolação de uma nova sentença e dois acórdãos, do TRP e do STJ, que a confirmaram, veio o juízo de execução indeferir parcialmente o requerimento executivo, relativamente ao montante correspondente aos “juros vencidos até ao trânsito em julgado da sentença dada à execução, com a consequente redução da quantia exequenda ao montante de € 1.788.060,30, acrescido dos juros peticionados, mas apenas os vencidos desde o trânsito, que ocorreu no dia 11-03-2021.” Na parte mais relevante, dispôs essa decisão: “Daqui resulta que a obrigação só se tornou líquida com o trânsito em julgado da sentença, pelo que só a partir de tal data há mora. Pelo que, tal como quanto à sanção pecuniária compulsória, só a partir de tal data é que podem ser exigidos juros de mora. Nesta conformidade se conclui que o título executivo não abrange os juros peticionados desde a sentença, mas apenas desde o seu trânsito, e muito menos os contabilizados pela Agente de Execução, assim como apenas abrange os juros compulsórios que se venceram depois do trânsito em julgado, como aliás refere a própria exequente no requerimento executivo.” * É desta decisão que vem interposto o presente recurso, pela exequente, sem prejuízo de assinalar que a indicação da quantia correspondente ao capital exequendo padece de lapso, por não ter considerado um despacho de rectificação proferido após a decisão condenatória e sem que sobre isso exista qualquer controvérsia.A exequente terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões: ………………………… ………………………… ………………………… A executada ofereceu resposta ao recurso, que foi desentranhada por omissão de pagamento da taxa de justiça correspondente. O recurso foi devidamente admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo. Cumpre decidi-lo. * 2- FUNDAMENTAÇÃONão podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC, é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso. No caso, importará decidir: I. Se se verifica o lapso apontado, relativamente ao valor do capital exequendo, II. Se, perante a obrigação de pagamento de um capital determinado por sentença proferida no termo de uma acção de prestação de contas, se começam a contar juros desde a data da sentença ou desde a data de trânsito em julgado dessa mesma sentença, considerando que dela foram interpostos recursos para o Tribunal da Relação e para o STJ, ambos admitidos com efeito devolutivo e ambos julgados improcedentes. * Para a análise das questões identificadas, é útil ter presentes alguns dos pressupostos da decisão recorrida, que nela própria se elencam e ressumam dos próprios autos. I - Ali se incluiu o seguinte: “1. Na presente execução, C..., Ldª exige de M..., S.A. o pagamento do montante de 1 868 988,41€, para tanto alegando «QUESTÃO PRÉVIA 1-Por sentença, a Executada foi condenada a pagar à Exequente a quantia de €1.788.060,30 (um milhão setecentos e oitenta e oito mil e sessenta euros e trinta cêntimos). 2-Sucede que, tal sentença ainda não transitou em julgado, dado que foi interposto recurso pela Executada. (…), 6- Pela douta Sentença proferida, foi a Executada condenada a "Pelo exposto, considero prestadas as contas nos termos expostos na presente decisão e, consequentemente: I) condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor de 358.473.906$00 (€ 1.788.060,30);" 7- Sucede que, não obstante tal douta decisão, a Executada não pagou qualquer valor referente ao título executivo em questão até ao presente. 8- Assim, peticiona a Exequente o pagamento pela Executada do valor de €1.788.060,30 (um milhão setecentos e oitenta e oito mil, sessenta euros e trinta cêntimos)., acrescido de juros vencidos, calculados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, às diversas taxas comerciais, sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento, que também se peticionam. 9- Mais declara a Exequente que, acautelando a hipótese de ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Executada, seja acrescentado ao referido valor peticionado, nos termos do art. 829.º-A, nº 5, do Código Civil, o pagamento referente aos juros à taxa de 5% desde a data em que a referida sentença de condenação transitar em julgado, sem prejuízo dos juros vincendos calculados até efectivo e integral pagamento, que também se peticionam, (…) A executada requereu à Sr.ª Agente de Execução a liquidação da sua responsabilidade, tendo em vista o pagamento voluntário, tendo a Sr.ª Agente de Execução elaborado e remetido a respectiva nota, datada de 17-05-2021, da qual constava «Saldo de que o executado é devedor -2.087.539,11 LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO Valor Líquido: 1 788 060,30 € Valor dependente de simples cálculo aritmético: 80 928,11€ Total: Capital em dívida: €1.788.060,30; Juros de mora, calculados às sucessivas taxas comerciais, desde a data da sentença ora executada (02/03/2017) até à presente data (23/10/2017), sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento: €80.928,11;». 2. Em 27.05.2021, o Banco S..., que havia prestado a garantia dada em caução, procedeu à transferência para o IBAN indicado pela Sra. Agente de execução do montante total de €2.087.539,11, correspondente ao valor indicado na aludida liquidação. 3. Posteriormente a tal transferência, concretizaram-se 14 penhoras electrónicas de saldos bancários que a Sr.ª Agente de Execução havia requerido em 09/06/2021 e 14/06/2021. 4. Em 18-06-2021 a Sr.ª Agente de Execução elabora mais duas notas discriminativas de apuramento de responsabilidades, uma incluindo juros vencidos entre 23/10/2017 até 30/06/2021, da qual resulta ainda um saldo devedor de -596.882,29€ e outra que calcula juros entre 01.07.2019 até 30.06.2021, da qual resulta um saldo devedor de - 233.254,51€. 5. A sentença dada à execução foi proferida em 2-3-2017 e decidiu, na parte relevante: «Pelo exposto, considero prestadas as contas nos termos expostos na presente decisão e, consequentemente: condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor de 358.473.906$00 (€ 1.788.060,30). 6. Na sequência e no âmbito de apelações de ambas as partes, a Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2020, julgou improcedentes ambas as apelações e confirmou a sentença recorrida. 7. Transitou em julgado no dia 11-03-2021 o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu, a final, os recursos interpostos de tal sentença, confirmando a sentença recorrida.” II – Após acórdão do TRP que anulou a sentença referida supra sob o ponto 5, foi proferida nova sentença, em 1/7/2019, que, corrigindo aquela, dispôs, na parte agora útil: “Pelo exposto, considero prestadas as contas nos termos expostos na presente decisão e, consequentemente: I) condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor total de € 1.755.184,35 (351.882.798,68$00); III – Esta sentença foi objecto de um despacho de rectificação, de 17/10/2019, que dispôs: “…vai deferida a mencionada rectificação, ordenando-se a correcção da sentença devendo dela constar na parte decisória: I) Condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor total de €1.818.201,62 (364.516.697$18). IV – Tal sentença mereceu os acórdãos de confirmação do TRP, de 24/9/2020, e do STJ, que transitou em 11-03-2021, como referido supra sob os pontos 6 e 7. * A primeira questão que importa resolver não se insere propriamente no objecto do recurso, por não sindicar qualquer juízo do tribunal recorrido. Corresponde, tão só, à correcção de um lapso proveniente já da sentença dada à execução e sucessivamente confirmada pelos tribunais superiores, mas que o próprio tribunal de 1ª instância oportunamente identificara e corrigira, ocorrido na indicação do valor da condenação e, assim, no valor do capital exequendo.Assim, entre os factos processuais elencados supra, no ponto I-5, consta: “(….) condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor de 358.473.906$00 (€1.788.060,30)”. Tal dispositivo foi alterado, após anulação dessa sentença, na sequência do que o próprio tribunal da condenação declarou, em termos que não foram impugnados e não assumem qualquer controvérsia que “(…) verificado o referido lapso de cálculo de conversão monetária, face à data do efectivo recebimento da importância de 1.338.025,43 USD, vai deferida a mencionada rectificação, ordenando-se a correcção da sentença devendo dela constar na parte decisória: I) Condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor total de €1.818.201,62 (364.516.697$18).” Cumpre, pois, não já ordenar qualquer rectificação, mas corrigir a decisão agora em crise para que esta assimile a rectificação anteriormente decretada e cuja força aqui se impõe. Pelo exposto, deferindo nestes termos a pretensão da exequente, determina-se aqui a correcção do texto da decisão recorrida, a qual passará a compreender, na identificação do capital cujo pagamento foi determinado à ora exequente, o valor de €1.818.201,62 (um milhão, oitocentos e dezoito mil, duzentos e um euros e sessenta e dois cêntimos), em vez do ali referido, que era de €1.788.060,30. Será, pois, aquele montante de €1.818.201,62 o que se considerará como constante da decisão dada à execução. * Importa, então passar à apreciação do mérito do recurso, traduzido na questão da determinação do momento a partir do qual se vencem juros de mora, na sequência da sentença que deu por prestadas as contas devidas, determinando à ora executada o pagamento do saldo apurado, de €1.818.201,62.Recorde-se que não está em discussão a quantia correspondente taxa sancionatória de 5% a que alude o nº 4 do art. 829º-A do Código Civil, também peticionada pela exequente. Quanto a ela, tal como afirma o tribunal recorrido, a lei é inequívoca ao dispor que só é devida depois do trânsito em julgado da sentença. E esta data apenas ocorreu em 11-03-2021. Por isso, a esse respeito, inexiste qualquer controvérsia a resolver. A questão coloca-se, pois, exclusivamente em relação aos juros de mora sobre aquele capital de €1.818.201,62, contados entre a data da sentença da 1ª instância (1/7/2019) e a data do trânsito em julgado da correspondente condenação (11-03-2021), já que a partir desta também é incontroverso o vencimento de juros de mora. Nessa sentença de que resultou a condenação ora dada à execução, não foi fixada qualquer obrigação de pagamento de juros. Todavia, por via do art. 703º, nº 2 do CPC, servirá ela também como título executivo apto à cobrança dos juros de mora que forem devidos. No caso, defende a exequente e ora apelante que os juros se vencem desde o momento em que a ré/executada se constituiu em mora, ou seja, desde a sentença condenatória, de 1/7/2019 (sendo irrelevante a data da anterior sentença, que fora anulada), “data a partir da qual passou a ter pleno conhecimento da sua obrigação e da sua certeza, liquidez e exigibilidade.” E isso porquanto os recursos dela interpostos tiveram sempre tido efeito devolutivo – sem que a devedora tenha requerido a atribuição de efeito suspensivo - e resultaram improcedentes. Já na decisão recorrida foi entendido que a obrigação de que emerge o crédito exequendo é, por natureza, “uma obrigação ilíquida, que, por isso, também só vence juros depois do trânsito da sentença que a liquida.” Por isso, apenas podem ser cobrados na execução juros contados sobre o capital da condenação, a partir de 11/3/2021. É conhecida a jurisprudência que, no âmbito desta problemática, costuma ser invocada. Assim, no Ac. do STJ de 12-06-1964 (Nº do Documento: SJ196406120599652, em www.dgsi.pt), escreveu-se: “(…) III - A prestação de contas não é uma liquidação de crédito já existente; é antes um acto constitutivo ou gerador do próprio crédito. IV - Assim, até ao momento de se fixar um saldo a favor do mandante, ou seja, enquanto as contas não forem aprovadas, não pode o mandante apresentar-se como credor do mandatário por virtude do exercício do mandato. V - E, portanto, enquanto não estiver fixado o saldo das contas não pode haver mora, pois para que esta se verifique é indispensável que a dívida seja certa, exigível e líquida e que o devedor esteja constituído em mora pelo decurso do tempo assinado à obrigação ou pela interpelação, quando não dependa de prazo certo. VI - Assim, só são devidos juros pela mora, nos termos do artigo 720º do CCIV867, a partir do trânsito em julgado do acórdão que fixou o saldo das contas.” Em sentido aparentemente semelhante se pronunciou o Ac. do STJ de 9-11/2017 (em proc. com o nº 628/14.1TBBGC-C.G1.S1, sobre Ac. do TRG). Para além disso, em acórdão mais recente, também do TRG, de 14/10/2021, no proc. nº 5392/19.5T8GMR-A.G1, voltou na afirmar-se: “I. Constituindo o título executivo uma sentença proferida no âmbito de uma acção especial de Prestação de Contas, apenas podem ser peticionados no processo executivo, ao abrigo do nº2 do artº 703º do Código de Processo Civil, os juros de mora a contar da data do trânsito em julgado da sentença e até integral pagamento.” A jurisprudência citada (com natural excepção do primeiro acórdão, que lhe é muito anterior), tal como a decisão sob recurso, não deixaram de referir um Ac. do STJ de 11/5/95, (doc. nº: SJ199505110867392, em dgsi.pt) que enunciou com clareza que o autor, numa acção de prestação de contas “deve limitar-se a pedir que o Réu as preste ou conteste a acção, não podendo incluir na petição a condenação em juros de mora. II - Prestadas as contas, o Autor pode pedir que o Réu seja notificado para lhe pagar o saldo que elas apresentem a seu favor, sem prejuízo da oposição que deduza contra as mesmas contas, sendo o pedido de juros é perfeitamente compatível com o pedido de pagamento de certa importância - o saldo. III - Não tendo a Ré pago o saldo apurado nas suas contas no prazo de 10 dias, após a notificação para o fazer caiu em mora e terá de pagar juros à taxa legal a partir do dia seguinte ao décimo posterior à notificação.” Em qualquer caso, cumpre reconhecer que nenhum dos acórdãos referidos teve por objecto uma situação idêntica à dos presentes autos, onde o que está em causa é a hipótese de vencimento de juros entre a data da sentença em primeira instância e a data do trânsito em julgado da decisão correspondente, ocorrido depois da tramitação de recurso em mais duas instâncias (TRP e STJ), recursos esses admitidos com efeito devolutivo e cujas decisões foram de improcedência, na confirmação daquela primeira sentença. Com efeito, naqueles casos, o que se discutiu foi a pretensão de cobrança de juros a contar da data da propositura da acção de prestação de contas, ou da data ulterior de notificação do devedor para a prestação de contas, depois de reconhecido este dever. Perante tais hipóteses, a jurisprudência estabeleceu-se no sentido de só serem devidos juros após o trânsito em julgado das decisões condenatórias ao pagamento dos saldos encontrados, por não se poder considerar haver mora no momento da citação do obrigado à prestação de contas, nem sequer no momento processual em que é declarada a obrigação de as prestar, por não estar então ainda constituído qualquer crédito. Nenhuma das decisões considerou, porém, a hipótese de a obrigação de pagamento do saldo ter sido fixada em sentença de primeira instância, que apenas não transitou de imediato por ter sido sucessivamente alvo de dois recursos (de apelação e de revista). E é esta, diferente daquelas outras, a situação que cumpre apreciar. Com efeito, perante a fixação do saldo a pagar, pelo executado/apelado, em 1/7/2019 (a rectificação do valor, por despacho de 17/10/2019 produz efeitos àquela data de 1/7/2019, pois que de mera correcção se trata), ficou líquido o valor do crédito da autora, ora exequente e apelante. A possibilidade de o respectivo valor poder ser alterado, por efeito dos recursos entretanto interpostos pela ré, não prejudica a liquidez daquele crédito. A sua concretização na quantia de €1.818.201,62 não ficou dependente de qualquer facto ou operação a conhecer ou a realizar ulteriormente, e a possibilidade de esse montante ser alterado por decisão de tribunal superior só suscita a hipótese de um valor liquido ser substituído por outro igualmente liquido. Pelo contrário, uma obrigação é ilíquida quando “…o seu valor não esteja apurado ou não seja conhecido das partes (ou, pelo menos, do devedor), quer porque está dependente de factos ou operações adicionais que ainda não ocorreram ou não foram realizadas, quer porque esses factos ou operações ainda não foram levados ao conhecimento do devedor, de tal forma que este não está em condições de saber qual o exacto conteúdo da sua obrigação (Ac. do TRC de 23/10/2012, proc. nº 2073/10.9T2AVR.C1). Ou, como se refere no Ac. do TRG Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-03-2015 (proc. nº 3333/13.2TBGMR.G1,): “A obrigação é ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor”. É por isso que, perante uma obrigação ilíquida, um qualquer procedimento executivo tem de iniciar-se pela liquidação da quantia em dívida, nos termos do art. 716º do CPC. Não assim no caso dos autos, nos quais a execução se processa ab initio para cobrança da quantia determinada na sentença da 1ª instância, independentemente do recurso ou recursos que a esta podem suceder, e porquanto o admite o efeito devolutivo desses mesmos recursos. Nenhuma operação de liquidação é exigida (como não o foi pelo tribunal recorrido) para que a execução possa iniciar-se. Esta circunstância torna evidente que a quantia exequenda é já líquida, sem prejuízo da sua natureza provisória, por passível de alteração em resultado do recurso. Aliás, se a obrigação deixasse de ter-se por líquida em função de o respectivo devedor interpor recurso da decisão que a determinou (o que se rejeita e só para efeitos de raciocínio de enuncia), nem por isso deixaria de vencer juros desde o momento daquela determinação, nos termos do nº 3 do art. 805º do C.Civil, pois que então a iliquidez haveria de imputar-se à própria actuação do devedor. Significa isto, em suma, que tendo a sentença de 1/7/2019 fixado o saldo devedor a pagar pela ora executada em €1.818.201,62 (conforme rectificação ulterior), logo então se mostra líquida a obrigação do devedor: ele sabe quanto tem de pagar para se exonerar dessa obrigação, sem prejuízo de essa quantia poder ser corrigida por efeito de recurso entretanto interposto. Correcção que, in casu, nem ocorreu, pois que a sentença da 1ª instância foi sucessivamente mantida e o crédito da autora, subsequente à prestação de contas, ficou definitivamente fixado naquele montante. Por essa quantia ser líquida, como se referiu, é que é admissível a sua imediata cobrança, por via de um processo executivo que começará sem necessidade de qualquer requerimento de liquidação. Assim, a partir do momento em que ao devedor é fixado o montante para cumprimento, torna-se ele responsável pelos danos decorrentes da não satisfação do direito do credor, ou seja, atenta a natureza da obrigação, pelo pagamento de juros de mora. Acresce que esses juros são passíveis de serem exigidos com base na sentença de prestação de contas, que fixou o saldo que o devedor deve pagar, ainda que essa sentença não compreenda uma condenação em juros, que lhe seria estranha. Isso resulta do disposto no nº 2 do art 703º do CPC, tal como bem se explica na decisão sob recurso, sem que isso seja alvo de qualquer questão. Por outro lado, resultando a obrigação de uma sentença que tem por efeito sujeitar o devedor ao pagamento da quantia nela fixada, desnecessária se torna qualquer outra interpelação para o seu ingresso em mora (neste sentido, cfr. o já citado Ac. do TRG, de 14/10/21). Inexiste, pois, fundamento para que não sejam contados juros desde a data da sentença em primeira instância, de 1/7/2019, tal como indicado pelo apelante , por ser essa a data em que ficou líquido o crédito da autora, ora exequente (no sentido da relevância da decisão da 1ª instância para a contagem de juros, cfr. Ac. do STJ de 27/4/2005, proc. nº 05A689; Ac. do TRL de 17/6/2021, proc. nº 269/04-1TVLSB-C.L1-2). Pelo exposto, resta afirmar que a obrigação exequenda resultante do título dado à execução compreende os juros a contar desde 1/7/2019, às taxas devidas para as operações comerciais sucessivamente em vigor (que a decisão recorrida só admitira a partir de 11/3/2021), em resultado do que cumpre revogar a decisão recorrida na parte em que rejeitou parcialmente o requerimento executivo, por insuficiência de título, quanto ao montante correspondente. Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC): ………………………… ………………………… ………………………… 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente a presente apelação, em resultado do que revogam a decisão recorrida na parte em que rejeitou parcialmente o requerimento executivo, por insuficiência de título, quanto ao montante correspondente aos juros sobre €1.818.201,62 (um milhão, oitocentos e dezoito mil, duzentos e um euros e sessenta e dois cêntimos), desde 1/7/2019, a calcular às taxas devidas para as operações comerciais sucessivamente em vigor (que a decisão recorrida só admitira a partir de 11/3/2021), até pagamento. Custas pela apelada. Reg e not. ** Porto, 25 de Janeiro de 2022Rui Moreira João Diogo Rodrigues Anabela Miranda |