Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0141415
Nº Convencional: JTRP00034618
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
SEGREDO DE TELECOMUNICAÇÕES
SEGREDO PROFISSIONAL
DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
ESCUSA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP200209250141415
Data do Acordão: 09/25/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J V N FAMALICÃO
Processo no Tribunal Recorrido: 1789/00
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE.
Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CONST97 ART26 ART32 N8 ART34 N1 N4.
CP95 ART192 N1 A ART194.
CPP98 ART135 ART187 ART189 ART190 ART268 ART269 N1 C.
Sumário: Nos serviços de telecomunicações distinguem-se três espécies de dados: os relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pelo utilização da rede (por ex. localização do utilizador e do destinatário, duração de utilização, data e hora, frequência) chamados dados de tráfico; e os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, os dados de conteúdo.
Os dados de base constituem os elementos necessários ao acesso à rede, designadamente através da ligação individual e para utilização própria do respectivo serviço; como dados de natureza pessoal, o seu titular deve ter sobre eles o direito de reserva.
Os elementos de informação relativos aos dados de base (designadamente a identificação do utilizador e sua morada), tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse privado do utilizador, que não contende com a sua esfera privada intima, deverão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fim de investigação criminal, por apelo ao preponderante dever de cooperação com a justiça.
Tendo sido deduzida escusa, deverá seguir-se o regime processual do incidente previsto no artigo 135 do Código de Processo Penal, cabendo exclusivamente ao tribunal a decisão do incidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (4.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. No inquérito n.º .../... dos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de ....., estando em investigação factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúrias, p. e p. pelos artigos 181.º e 183.º do Código Penal, através de mensagens via “internet”, o Ministério Público, com o propósito de identificar os autores de tais mensagens, solicitou aos diferentes servidores a identificação completa dos utentes dos quais terão partido tais mensagens.

2. Em resposta a essa solicitação “Via Net.Works” informou que só forneceria essas informações mediante ordem judicial.

3. Então, o Ministério Público requereu ao Exm.º Juiz que ordenasse a esse servidor a prestação da informação, nos termos do artigo 135.º do Código de Processo Penal.

4. Sobre esse requerimento, recaiu o seguinte despacho:

«Contrariamente ao que consta da douta promoção de fls. 66, entendemos (e não obstante decisão em contrário por nós já proferida) que é legítima a recusa por parte do servidor.

«Atento o princípio da inviolabilidade do dever de sigilo e as cautelas constitucionais que o legislador lhe atribui, julgamos não poder, em concreto, tal princípio ser derrogado tendo por base o interesse público subjacente ao dever de colaboração na administração da justiça.

«Pelo exposto, não se ordena a prestação de informação por parte do servidor.»

5. O Ministério Público veio interpor recurso desse despacho, formulando, na motivação apresentada, as seguintes conclusões:

«- O despacho da M.ª Juiz viola o artigo 97.º do CPPenal, por não estar suficientemente fundamentado.

«- A escusa do servidor “Net Work” em fornecer informações relativas à identificação dos utilizadores é ilegítima porque os elementos solicitados não são informações relativas ao conteúdo das comunicações.

«- As informações solicitadas não contendem com a esfera provada e íntima do utilizador.

«- A M.ª Juiz ao não considerar como ilegítima tal escusa e ao não ordenar tais informações violou o disposto no artigo 135.º do CPPenal.»

Termina pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que considere ilegítima a escusa por parte da “Net Work” e ordene a prestação das informações solicitadas.

6. Admitido o recurso e remetidos os autos a este tribunal, mediante promoção do Exm.º Procurador-Geral Adjunto foram os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de serem juntos determinados elementos. Satisfeito o pretendido, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso merece provimento.

7. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II

1. A questão objecto de recurso, relacionada com pedido de informação sobre dados pessoais de clientes ao servidor identificado, convoca uma abordagem, ainda que sumária, da temática relativa ao sigilo das comunicações [Pelos importantes subsídios que, na matéria, nele se podem colher, passamos a seguir, de muito perto, o parecer n.º 21/2000, de 16 de Junho de 2000, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (de que a ora relatora era, então, membro), publicado no Diário da República, II Série, n.º 198, de 28 de Agosto de 2000, pp. 14145 e ss].
1.1. Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies de dados ou elementos: os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), chamados dados de tráfego; e os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, os dados de conteúdo.

Os dados de base constituem, na perspectiva dos utilizadores, os elementos necessários ao acesso à rede, designadamente através da ligação individual e para utilização própria do respectivo serviço; interessa aqui essencialmente o número e os dados através dos quais o utilizador tem acesso ao serviço.

Estes elementos – por exemplo, a identificação do utilizador, a morada – são fornecidos ao explorador do serviço para efeitos do estabelecimento do acordo (o contrato) de ligação à respectiva rede ou atribuídos por este àquele (o número de acesso); como dados de natureza pessoal que são, o seu titular deve sobre eles ter o direito de reserva.

A reserva quanto aos elementos de base, pretendendo, essencialmente, prevenir a tranquilidade dos próprios interessados contra intromissões possibilitadas ou potenciadas pela divulgação pública de tais elementos, justificará porventura, também, por outro lado, que não devam ser utilizados, salvo autorização expressa, por outrem que não o operador de rede, justificando a existência de limites quanto à cessão com fins comerciais dos elementos das listas telefónicas ou de outros serviços complementares de telecomunicações.

1.2. O sigilo das comunicações merece garantias inscritas logo ao nível fundamental da Constituição.

O seu artigo 34.º, nos n.os 1 e 4, dispõe que «o domicílio e o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação provada são invioláveis» e que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».

O conteúdo do direito ao sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada abrange não só a correspondência postal como a que é veiculada por telecomunicações.

Por força do estatuído no n.º 4 da referida disposição, o direito ao sigilo das telecomunicações implica a proibição de devassa do seu conteúdo e da sua divulgação por quem a elas tenha acesso, designadamente, os empregados dos serviços de telecomunicações para quem decorre o dever de sigilo profissional.

Com a proibição de ingerência tem-se em vista a salvaguarda da liberdade de comunicar e a proibição de nela intervir.

E, correspondentemente, traduzindo o relevo e protecção na conformação de valores fundamentais, o Código Penal incriminou condutas violadoras do direito dos cidadãos à comunicação reservada – ao sigilo das comunicações.

Assim, tanto a intromissão na vida privada mediante acesso às comunicações telefónicas como a violação da correspondência e das telecomunicações constituem infracções tipificadas no Código Penal.

Prevêem a este respeito os artigos 192.º, n.º 1, alínea a), e 194.º - cada um com o respectivo âmbito de protecção definida – a reserva de intimidade da vida privada e, autonomamente, o próprio sigilo da correspondência e das telecomunicações.

A inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação está, por seu turno, relacionada com a reserva de intimidade da vida privada a que se reporta o artigo 26.º da Constituição.

O direito à intimidade da vida privada, como garantia de resguardo, de reserva, de protecção, supõe a faculdade de impedir a revelação de factos relativos à vida íntima e familiar, de requerer a cessação de algum eventual abuso e o ressarcimento dos danos derivados da divulgação de um facto respeitante à vida privada.

Só no domínio do processo penal é que a lei ordinária pode prever restrições à referida garantia.

As necessidades de perseguição criminal e de obtenção de provas justificam a compressão do direito individual à comunicação reservada, mas carecem de ser avaliadas pelas autoridades judiciárias em termos de necessidade, adequação e proporcionalidade.

Violado que seja o princípio da menor intervenção possível e da proporcionalidade, há-de a prova assim obtida ser considerada nula (artigos 32.º, n.º 8, da Constituição e 189.º do Código de Processo Penal).

1.3. Em estreita conexão com o direito à intimidade da vida privada está o conceito de segredo, relevando, agora, o segredo profissional.

O segredo profissional pode ser definido, em geral, como a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício que lhe incumbe ocultar, seja porque lhe é pedido segredo, seja porque este é inerente à natureza do próprio serviço ou profissão.

Consubstancia-se na proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados no exercício ou em razão de uma actividade profissional.

1.4. A protecção dos segredos, aí se incluindo os segredos profissionais e, como uma das suas modalidades, o sigilo das comunicações, encontra-se sujeito a limitações que resultam da prevalência de outros interesses públicos relevantes, como são os prosseguidos no âmbito da investigação de infracções criminais.

A norma constitucional (artigo 34.º, n.º 4) remete para a lei processual penal para efeito de identificação dos casos excepcionais em que pode ter lugar a quebra de protecção do sigilo profissional.

O Código de Processo Penal, actuando critérios de proporcionalidade do legislador, criou, pois, disciplina própria para solucionar os termos do conflito entre as necessidades do processo e a protecção dos segredos profissionais (e do sigilo da correspondência e das telecomunicações).

Com efeito, o artigo 135.º prevê:

- a faculdade da escusa a depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional (n.º 1);

- se dúvidas fundadas houver sobre a legitimidade da escusa, designadamente por se configurar que se trata de factos não abrangidos pelo segredo profissional, a autoridade judiciária procederá às averiguações necessárias e, realizadas estas, se a autoridade judiciária concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena – no caso do juiz – ou requer que seja ordenado – no caso do Ministério público – o depoimento (n.º 2);

- verificando o tribunal a existência de um interesse preponderante que o justifique, pode decidir a prestação do depoimento com quebra de segredo profissional, para cuja decisão é competente o tribunal imediatamente superior àquele em que se suscitou o incidente, ou plenário das secções criminais no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça (n.º 3).

O dever de segredo profissional pode, pois, ser preterido em caso de conflito de interesses tornando-se a divulgação lícita se o dever de revelação satisfizer um interesse superior ao de não revelação.

O tribunal superior tomará necessariamente em conta na decisão critérios de proporcionalidade face aos interesses de administração da justiça e do segredo profissional em causa.

Em estreita conexão com o disposto no artigo 135.º está o regime das apreensões inserto no artigo 182.º do mesmo diploma, seguindo o incidente da recusa de entrega de documentos ou objectos fundada em segredo profissional a tramitação prevista nos n.os 135.º, n.os 2 e 3.

1.5. O sigilo das comunicações, ao nível do Código de Processo Penal, sofre as limitações que decorrem do disposto nos artigos 187.º e 190.º do diploma.

Como o regime processual claramente pressupõe, a admissibilidade da intercepção e gravação de conversações telefónicas ou transmitidas por outro meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, está conformada pelo princípio da proporcionalidade; não só pela especial gravidade dos casos em que é admitida (os chamados «crimes de catálogo»), mas também pela exigência de um juízo de necessidade e do grande interesse para a descoberta da verdade..

1.6. No inquérito, alguns actos são cometidos em exclusivo à competência do juiz de instrução ou dependem da sua ordem ou autorização – artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal.

Entre os actos que compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar, incluem-se as intercepções, gravações ou registos de conversações ou comunicações, desde que se tornem legalmente admissíveis nos termos dos artigos 187.º e 190.º do CPP [artigo 269.º, n.º 1, alínea c)].

1.7. A questão que se deve, agora, discutir está em saber se a privacidade da comunicação, como corolário da reserva da vida privada, abrange não apenas a proibição da interferência, em tempo real, numa conversação ou comunicação, como também a impossibilidade do ulterior acesso de terceiros a elementos que revelem as condições factuais em que decorreu uma comunicação.

No parecer que estamos a seguir, sustentou-se [Com posições discordantes, designadamente, a da ora relatora, como decorre da declaração de voto que lavrou, no sentido de que o conteúdo da proibição de ingerência nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal (artigo 34.º, n.º 4, da Constituição), abrange apenas os dados de conteúdo] que é aceitável que os dados de tráfego sejam equiparados aos dados de conteúdo, que constituem o núcleo mais essencial da própria comunicação, para efeito de protecção do sigilo das comunicações.

E, assim sendo, para efeitos do artigo 269.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aceita-se o paralelismo entre as situações de intercepção, gravação ou registo de conversações ou comunicações e de divulgação de documentos ou informações, que, sendo inerentes à própria comunicação, permitam identificar, posteriormente, os intervenientes numa ligação, bem como o local, a data, a hora e a duração ou conteúdo de uma mensagem.

Porém, na tese do parecer, não parece que o mesmo critério deva ser aplicado aos dados de base.

Os dados de base respeitam à identificação dos emissores ou destinatários das comunicações, evidenciando, assim, a mera conexão a uma rede pública de telecomunicações, e não são susceptíveis de revelarem ou identificarem uma comunicação.

Os interesses em causa são de natureza privatística ou contratual e não assumem a dignidade que lhes permita conferir a protecção constitucional do sigilo das comunicações.

Por isso, em relação aos dados de base, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada íntima, os correspondentes elementos de informação deverão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal, em ordem ao prevalecente dever de colaboração com a justiça.

2. Em conformidade com a doutrina exposta, não se mostra fundada a recusa do servidor “Via Net.Works” em fornecer ao Ministério Público os elementos solicitados, uma vez que as identificações completas dos utentes dos quais terão partido as mensagens em causa constituem dados de base.

E, perante a resposta desse servidor, de que só forneceria tais informações mediante ordem judicial, o Ministério Público procedeu, como não podia deixar de ser, conforme dispõe o artigo 135.º do Código de Processo Penal.

2.1. Com efeito, o legislador ordinário, em cumprimento do comando constitucional contido no artigo 34.º, n.º 4, estruturou os artigos 187.º a 190.º do Código de Processo Penal no sentido de atribuir exclusivamente ao juiz a competência de autorizar ou determinar a obtenção dos chamados dados de conteúdo, neles não incluindo quer os dados de tráfego quer os dados de base.

O legislador não colocou no mesmo plano de protecção os dados de conteúdo, os dados de tráfego e os dados de base das comunicações.

Por outro lado, Ministério Público é a autoridade judiciária a quem compete, nos termos da lei constitucional e ordinária, exercer a acção penal e dirigir o inquérito, cabendo ao juiz de instrução uma intervenção exclusivamente direccionada para a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Por fim, há que ter presente a necessidade de articular os direitos individuais dos cidadãos com o interesse público na investigação dos crimes e na obtenção de provas de que depende a administração da justiça penal.

Assim sendo, por força do que dispõem os referidos artigos do Código de Processo Penal, os elementos de informação relativos a dados de base (os que, aqui, interessam) poderão ser solicitados pelo Ministério Público aos operadores de telecomunicação e a essa autoridade judiciária fornecidos por esses mesmos operadores, para fins de investigação criminal, em ordem ao prevalecente dever da colaboração com a administração da justiça.

2.2. Deduzida escusa, deve ser seguido o regime processual do incidente previsto no artigo 135.º do Código de Processo Penal.

O n.º 2 do preceito permite pôr em causa a legitimidade da escusa; no n.º 2 não se equaciona qualquer problema de rompimento do sigilo (matéria a que se dedica o n.º 3), do que se trata é de, invocada a escusa, averiguar da autenticidade e justificação da escusa.

Essa averiguação cabe apenas e só à autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (Ministério Público, juiz de instrução, juiz de julgamento).

Concluindo pela ilegitimidade da escusa, «ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento», o que parece querer significar que tendo sido um juiz o averiguador será ele próprio a ordenar o depoimento e que se o houver sido o Ministério Público terá este que requerer ao tribunal que o ordene.

Não há uniformidade de entendimentos quanto à solução a adoptar [Sobre o tema, M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I Volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, 1999, pp. 740 e ss].
Acolhendo o sentido literal da norma e tendo em conta que só uma decisão do tribunal assegurará a possibilidade do recurso, e sem prejuízo das dúvidas que são suscitadas pelos elementos lógico e sistemático de interpretação, inclinamo-nos para a posição de que cabe exclusivamente ao tribunal a decisão do incidente.

De qualquer modo, no despacho recorrido não se questiona a competência para decidir sobre o dever de fornecer as informações.

2.3. O Exm.º Juiz, no despacho recorrido, que, efectivamente, não observa o disposto no artigo 97.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (mera irregularidade que não foi tempestivamente arguida), aceitando a competência para decidir o incidente, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º, pronunciou-se pela legitimidade da recusa por parte do servidor.

Sem razão, como antes já deixamos evidenciado.

Os elementos de informação relativos aos dados de base – reafirmamos -, tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse privado do utilizador, que não contende com a sua esfera privada íntima, deverão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal, por apelo ao preponderante dever de cooperação com a justiça.

No caso, portanto, a recusa não se apresenta legítima.

III

Termos em que, no provimento do recurso, acordamos em revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, concluindo pela ilegitimidade da escusa, ordene ao servidor “Via Net.Works” a prestação das informações solicitadas.

Não há lugar a tributação.

Porto, 25 de Setembro de 2002

Isabel Celeste Alves Pais Martins

David Pinto Monteiro

Agostinho Tavares de Freitas