Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2256/22.9T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: LIVRANÇA
DIREITO DE REGRESSO DO AVALISTA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202404082256/22.9T8MTS.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O avalista que paga a quantia cambiária ao portador fica investido numa posição de credor cambiário, passando a ser titular de um direito próprio e autónomo, que nasce com esse pagamento, tratando-se de aquisição originária e “ex novo” de um direito que lhe faculta ressarcir-se, em via de regresso, contra o avalizado e, ainda, contra os subscritores que garantiam este;
II - O prazo de prescrição do direito de regresso do avalista que paga a livrança não está regulado na Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, sendo, por isso, e dadas as específicas relações entre avalistas e avalizados, o que resulta do nosso direito interno;
III - Dado o direito de regresso do avalista que paga ser um direito novo e autónomo, que nasce com o pagamento, na falta de disposição especial aplicável, prescreve no prazo ordinário, de 20 anos a contar do mesmo, nos termos da disposição geral (a constante do art. 309º do Código Civil).
IV - Tal é a solução, legal e justa, que decorre das específicas relações entre avalistas e avalizados e da falta de regulação na lei especial (LULL), conducente ao domínio de aplicação do direito comum.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2256/22.9T8MTS.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso:  Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 4


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. Anabela Morais
2º Adjunto: Des. Fátima Andrade




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO


Recorrente: AA
Recorridos: BB e CC


BB e CC propuseram ação declarativa comum, contra AA pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 19.096,62€, a título de direito de regresso, alegando, para tanto, que avalizaram uma livrança em benefício da R. e deram pagamento ao crédito cambiário.
Contestando, a R. excecionou a prescrição do direito de regresso e da dívida cambiária, bem como o abuso de direito, e alega que a dívida terá sido paga não apenas em benefício da própria, mas também do seu ex-marido, DD, cuja intervenção principal provocou.
Os AA. apresentaram-se a responder às exceções deduzidas, pugnando pela sua não verificação e alegando que nunca tomaram uma posição formal no sentido da interpelação da R. pelo facto de a mesma ser sua irmã, tendo-a, por essa razão, interpelado informalmente.
Foi admitida a intervenção principal provocada de DD, o qual passou a figurar como réu na ação, a par da Ré.
Citado para os termos da causa, o R. chamado permaneceu revel.
Convidados a aperfeiçoar a petição inicial, os AA. vieram discriminar as datas em que realizaram os pagamentos alegados.
Após, foi dada oportunidade aos Réus de contraditarem a nova factualidade concretizada, nada tendo os mesmos dito.
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Foi proferida sentença com a seguinte

parte dispositiva:
De harmonia com o expendido, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se:
Condenar AA e DD ao pagamento da quantia de 17.537,95€, na proporção de metade para cada um, acrescida que juros moratórios legais à taxa civil, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
Condenar as partes ao pagamento de custas processuais, na proporção do decaimento, respetivamente, 10% e 90%”.
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Apresentou a Ré recurso de apelação, pretendendo seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a Sentença proferida, sendo substituída por outra que absolva totalmente a Ré/Recorrente do pedido, por verificação das exceções perentórias aduzidas, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:
A) Os presentes autos têm origem na subscrição de uma livrança, avalizada pelos Autores, na qual se comprometeram ao pagamento de uma quantia que, atualmente, corresponde ao valor de 15.979,21€ (quinze mil novecentos e setenta e nove mil e vinte e um euros), ao “Banco 1..., S.A.”.
B) O referido valor foi pago pelos avalistas, aqui Autores, em ação instaurada pelo referido banco em 2003, tendo os presentes autos surgido para estes reaverem da Ré/Recorrente a quantia paga.
C) Vem o presente recurso interposto do Saneador-Sentença proferido a 06.12.2023 pelo tribunal a quo que julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu condenar os Réus no pagamento da quantia de 17.537,95€ (dezassete mil quinhentos e trinta e sete euros e noventa e cinco cêntimos), na proporção de metade cada um.
D) Sendo a Ré/Recorrente do entendimento que o direito dos avalistas se encontra, atualmente, prescrito em virtude da aplicação do prazo de três anos previsto no artigo 70.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, aplicável às livranças ex vi o artigo 77.º do mesmo diploma, prazo esse ultrapassado aquando da propositura da ação.
E) Ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, que admite haver discussão sobre a matéria, a Ré/Recorrente defende que “tendo o avalista procedido ao pagamento da dívida emergente do aval, dispõe agora de acção cambiária contra o subscritor”.[1]
F) “Ora revestindo, pois, natureza estruturalmente cambiária a obrigação do avalista de letras e livranças, também revestem igual natureza os direitos que, mediante o pagamento que faça desses títulos, a lei lhe reconhece, por subrogação, contra a pessoa a favor de quem deu aval e contra os obrigados para com esta virtude da letra ou da livrança - artigos 32.º, 47.°e 77.° da Lei Uniforme.”.[2](Sublinhado nosso)
G) “Daí, por conseguinte, que, não se estando em presença de direitos e obrigações de direito comum, haja de procurar-se a sua regulamentação, inclusive a do direito de acção respectiva e sua prescrição não nas normas do Código Civil, mas na Lei Uniforme e seu artigo 70.º, mesmo a despeito deste não se referir expressamente aos avalistas.”.[3](Negrito e sublinhado nossos)
H) Aliás, dúvidas sobre o exposto não parece haver se analisada jurisprudência sobre o prazo de prescrição do direito de regresso do avalista que pagou a livrança contra os demais co-avalistas do mesmo avalizado.
I) No máximo, e conforme doutrina citada, estaríamos perante uma lacuna pela falta de menção expressa, na norma referida, aos avalistas que sempre deveria ser suprida, por aplicação analógica, no sentido exposto.
J) Concluindo-se por isso que deverá a exceção perentória da prescrição ser julgada totalmente procedente por provada e a Ré/Recorrente absolvida do pedido.
K) Caso assim não se entenda, parecendo estar subjacente à dívida cambiária um contrato de mútuo com amortização fracionada do capital mutuado conjuntamente com o pagamento de juros, é de aplicação o prazo de 5 (cinco) anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
L) Prazo que também já se encontra ultrapassado e, por isso, não só o direito de regresso dos autores como também a própria dívida cambiária se encontra prescrita, concluindo-se da mesma forma que em J).
M) Por último, o exercício deste direito de regresso volvidos 16 (dezasseis) anos desde a sua constituição e mais de 20 (vinte) anos da data de vencimento da livrança, sempre constituiria abuso de direito, mais precisamente, na modalidade de suppressio.
N) Pois o período alargado de tempo decorrido - que originou a prescrição da dívida cambiária (seja pelo prazo de cinco ou vinte anos) e do direito de regresso dos Autores (sendo de ressaltar que mesmo que se sufrague o entendimento que este prescreve no prazo de vinte anos, ele já se encontrava quase totalmente decorrido) -, durante o qual a Ré nunca foi interpelada formalmente para o cumprimento, são suficientes para originar na mesma a convicção de que este direito nunca seria exercido.
O) Concluindo-se ser ilegítimo o seu exercício tardio e apenas se podendo concluir também pela verificação da presente exceção perentória que origina, uma vez mais, a absolvição total da Ré/Recorrente do pedido”.
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Apresentaram os Autores contra-alegações a pugnar pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida, por não ter qualquer razão a Apelante e nenhum reparo merecer a decisão proferida.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Da prescrição do direito de regresso dos avalistas que pagaram a livrança (quer o do crédito cambiário, nos termos da Lei Uniforme das Letras e Livranças, quer o do crédito causal, nos termos do prazo especial do art. 310º, do Código Civil).
- A entender-se ser o prazo ordinário de prescrição o aplicável (art. 309º, do Código Civil), se se verifica abuso de direito dos avalistas, por se apresentarem a exigir o pagamento próximo do terminus de tal prazo, sem interpelação formal.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS
Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, com relevância para a decisão (transcrição):
1. Em 27/05/2003, o Banco 1..., S.A. intentou contra os RR. e os AA. uma ação executiva para pagamento de quantia certa, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, 2ª. Vara de Competência Mista, com o n.º de processo 6590/03.9TBVNG, na qual peticionou «se digne mandar citar os executados para, no prazo legal, pagarem ao exequente a quantia de €17.252,30 (dezassete mil duzentos e cinquenta e dois euros e trinta cêntimos) com juros vincendos à taxa legal de 7%, nos termos da Portaria nº263/99 de 12 de Abril, sobre a quantia de €15.979,21, acrescidos do imposto de selo, contados até efectivo pagamento […]».
2. Para tanto entregou um documento designado por «Livrança n.º», emitido em 06/08/1998, e com a data de 15/03/2002 aposta no campo «vencimento», no que se mostra inscrito o seguinte: «No seu vencimento pagarei/emos por esta única via de livrança ao banco de investimento imobiliário ou à sua ordem a quantia de três milhões duzentos três mil quinhentos quarenta quatro escudos», valor que, hoje em dia, corresponde a 15.979,21€.
3. A tal inscrição segue-se aposta a assinatura dos RR.
4. O mesmo documento mostra-se subscrito pelos AA., seguido da expressão «Dou o meu aval aos subscritores».
5. No âmbito dessa ação, e uma vez que a quantia peticionada não foi paga nem pelos AA., nem pelos RR., nem aqueles nomearam bens à penhora, o Banco 1..., S.A., requereu a penhora do vencimento do 1.º A., o que veio acontecer, de Março de 2005 a Julho de 2005, num total retido de 1.289,80€.
6. Mais requereu o Banco 1..., S.A. a penhora do saldo das contas bancárias dos AA., o que veio a efetivar-se, por retenção do montante de 2.437,97€, constante da conta titulada pelo 1.º A. junto do Banco 1..., e dos montantes de 755,64€ e 125,56€, constantes da conta titulada pelo 1.º A. e sediada na Banco 2..., todos depositados à ordem daquele processo, respetivamente, a 09/05/2006, 20/04/2006 e 27/04/2006, tudo num valor total de 3.319,17€.
7. Estas quantias foram todas entregues ao Banco 1..., S.A.
8. Até que os AA. e o Banco 1..., S.A. chegaram a um acordo, que consistiu na entrega da quantia de 14.037,71€, por via de cheque emitido à ordem daquele banco, datado de 14/07/2005, ao que acrescia a entrega dos valores depositados já referidos.
9. Tendo liquidado, ao todo, a favor do Banco 1..., S.A. um total de 18.646,68€.
10. Além destes valores, em 28/07/2005, os AA. procederam igualmente ao depósito autónomo à ordem daquele processo da quantia de 450,00€ para pagamento de custas processuais.
11. A referida ação foi declarada extinta por sentença transitada em julgado a 29/01/2008.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não resulta provado que:
Apresentada a livrança a pagamento, em 15/03/2002, data do seu vencimento, a mesma não foi paga.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do erro da decisão de mérito:
- Da prescrição do direito dos Autores e do abuso de direito dos mesmos.

Insurge-se a Ré apelante contra a decisão proferida no despacho Saneador-Sentença que julgou as exceções perentórias deduzidas improcedentes, por entender deverem as mesmas ser julgadas procedentes, dado:
i) o direito dos avalistas que pagaram se encontrar prescrito, quer por aplicação do prazo de três anos previsto no artigo 70.º, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, abreviadamente LULL, aplicável às livranças ex vi o artigo 77.º, do mesmo diploma, quer por subjacente à dívida cambiária estar um contrato de mútuo, com amortização fracionada do capital mutuado conjuntamente com o pagamento de juros, e ser aplicável o prazo de 5 (cinco) anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, ambos decorridos à data da propositura da ação.
ii) o exercício do direito constituir abuso de direito, pois, mesmo que se sufrague o entendimento que este prescreve no prazo de vinte anos, já se mostrava o mesmo, à data da propositura da ação, quase totalmente decorrido, sem que a Ré tenha sido interpelada, formalmente, para o cumprimento, originando-se na mesma a convicção de que o direito nunca seria exercido.
Os Autores pronunciaram-se pelo bem fundado da decisão recorrida.
Vejamos as razões indicadas pelo Tribunal a quo para considerar que o prazo de prescrição é o ordinário e para a improcedência da arguida exceção do abuso de direito.
Quanto à prescrição do direito de regresso, entende o Tribunal a quo que o preceito convocado pela Ré – o art. 70º[4] da LULL, aplicável às livranças por força do art. 77º, de tal Lei - não é aplicável, analisando:
“Uniforme é o entendimento de que aqueles prazos são verdadeiros prazos prescricionais que versam sobre a própria obrigação cambiária, e não um prazo para proposição de ações – neste sentido, veja-se Abel Delgado, em Lei Uniforme sobre Letras e Livranças anotada, 6.ª edição, Julho, 1990, pág. 349, e o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 2/62.
Paralelamente, prevê o art. 32.º do mesmo diploma que «Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra».
Assim vertendo para a legislação especial o que já decorreria do regime geral aplicável a outros garantes que satisfazem a prestação do devedor principal, que o avalista solvens adquire com o pagamento da letra um direito de regresso.
Ao qual não se pode contrapor a imperfeição da letra da lei que se refere, erroneamente, a sub-rogação, pois que nenhuma sub-rogação existe neste campo – cfr. acórdãos do TRC, de 07/09/2020, proc. n.º 6099/16.0T8VIS-R.C1, e de 08/05/2019, proc. n.º 2209/17.9T8VIS.C1.
Neste sentido elucida Gonçalves Dias, em Da Letra e da Livrança, Vol. VII, pág. 563 e 564 apud último acórdão citado:
«É pois exacto que o avalista, pagando o título, não fica propriamente subrogado nos direitos do portador. Não há subrogação, mas aquisição própria. Não fica mesmo sub-rogado nos direitos daquele por quem pagou – nos direitos do avalizado: nem é sucessor do portador pago, porque não é seu cessionário, nem um sucessor do avalizado, porque este é sempre um obrigado cambiário a respeito do avalista que o garante.
Todas estas explicações servem para a Lei Uniforme e seriam desnecessárias se a tradução portuguesa não tivesse adulterado o texto original da alínea III do artº 32º. Esta alínea, reportando-nos à redacção francesa ou inglesa, nem de perto, nem de longe fala da “subrogação”. A versão correcta seria: “Efectuando o pagamento, o dador de aval adquire os direitos emergentes da letra contra o seu avalizado e contra os obrigados para com este».
E esse direito sempre será um direito novo e autónomo, que não reveste qualquer natureza cambiária, diferente que é da obrigação cambiária (de garantia) que emerge da prestação do aval, a qual se extinguiu com o pagamento da quantia caucionada pelo título.
Pois que apesar de relacionado com a prestação do aval, essa relação é meramente reflexa, não tendo qualquer repercussão em termos de natureza do direito que nasce ex novo na esfera jurídica do avalista, o qual emerge do ato naturalístico de pagamento de uma obrigação que é solidária.
Daí que se propenda para o entendimento segundo o qual o direito de regresso do avalista contra o avalizado não está abrangido por aquela norma, dado que está excluída da sua ratio.
Veja-se.
O legislador instituiu prazos prescricionais bastante curtos para o exercício de direitos emergentes de títulos cambiários com um determinado propósito: imprimir a celeridade e eficácia que se pretende no giro comercial e, ao mesmo tempo, garantir a proteção do devedor que se insira naquele círculo de que terá efetivas possibilidades de se defender e provar que pagou, evidentes que são as dificuldades que se podem colocar neste meio aos operadores económicos em termos de recolha de comprovativos.
Isto porque o título cambiário tem por desiderato a realização de uma específica função: a de financiamento de curto prazo ao ciclo produtivo ou comercial (Carolina Cunha, em Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pág. 16).
Conforme escreve Carolina Cunha (em ob. Cit., Almedina, 2016, pág. 204): «Por razões ligadas à especial eficácia coerciva do mecanismo cambiário (inversão do ónus da prova, acesso direto à via executiva, etc.), os prazos de prescrição são substancialmente mais curtos. Ora esta discrepância exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito […]».
Ora, a obrigação de regresso não obedece a esse racional, desde logo porque não é uma obrigação cambiária.
Não sendo a obrigação de regresso uma obrigação cartular, isto é, emergente do título, então não faz sentido aplicar-lhe os curtos prazos prescricionais do art. 70.º, porquanto não foram pensados para o exercício daquele direito, o qual se prende sobretudo com uma relação interna e subsidiária estabelecida entre avalista e avalizado.
(…) De resto, diga-se que também o elemento literal não induz nesse sentido: perscrutando o dito normativo não se encontra nenhuma referência a avalistas ou avalizados, mas antes a aceitantes, portadores, endossantes, e sacadores, o que desde logo faz duvidar que o legislador pretendeu subordinar o direito de regresso do avalista contra o avalizado àquele regime.
Por outro lado, conforme se defendeu, a conexão entre o novo direito de regresso do avalista e o título é de tal modo ténue que não justifica interpretar o segmento «relativas a letras», contido no § 1 da sobredita norma, como referentes a ações de regresso do avalista contra o avalizado.
Não se ignora que existe debate na jurisprudência e doutrina da questão, ainda que não oferecendo uma resposta unívoca ao problema.
No sentido da aplicabilidade do art. 70.º ao direito de regresso do avalista contra avalizado, encontram-se os arestos do STJ, de 19/12/1989, (cfr. BMJ n.º 392, pág. 469, e do TRC, de 21/02/1995, BMJ n.º 444, pág. 719, apud França Pitão, em Lei Uniforme sobre Letras e Livranças anotada, 4.ª edição, pág. 416.
Contrariamente, a defender que a LULL não prevê qualquer prazo para o exercício daquele direito, batem-se os acórdãos do STJ, de 26/03/1971, e de 30/01/1976 (Bol., págs. 205-236 e BMJ, págs. 202-253 apud Abel Delgado, em ob. Cit., 6.ª edição, Julho, 1990, pág. 350)”. (negrito nosso).

Considerou o Tribunal a quo ser aplicável o prazo prescricional de 20 anos, que ainda não transcorreu, o que pacífico é, julgando improcedente a exceção de prescrição do direito de regresso, considerando, ainda, não estar prescrito o direito subjacente, pois que o direito que os AA. pretendem exercer é o direito de regresso, gerado para as relações internas entre avalista e avalizado, que se não confunde com o direito que advém a um terceiro que cumpre a obrigação do mutuário por sub-rogação daquele pertencente ao mutuante credor, sendo manifesta a inaplicabilidade do prazo de cinco anos previsto na al. e) do art. 310.º do Código Civil.

E julgou improcedente a exceção do abuso de direito por falta de alegação, pela Ré, de factos suscetíveis “de corporizar uma situação de abuso de direito, limitando-se a alegar que a sua convicção de que aquele direito não seria exercido se baseia no facto de não ter sido nunca formalmente interpelada pelos AA. para pagamento, e no facto de a mesma e o 1.º A. serem irmãos”, “não alega nunca ter sido interpelada, apenas colocando em causa o seu formalismo”, “Não é legítimo que alguém invista a sua confiança no não ressarcimento do que é por si devido a outrem pelo simples facto de o pedido para que o faça não revestir uma determinada formalidade, como o envio de uma missiva”, sendo que “a lei não prescreve qualquer formalismo para a interpelação judicial ao devedor”.

Começa por se referir que a prescrição, traduz a repercussão do tempo nas relações jurídicas, consequência do caráter de ordem pública de que se reveste o instituto, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico[5], “é frequentemente considerada contrária à justiça e à moral, sendo muitas vezes questionada a sua necessidade e oportunidade. (…) Distintas razões concorrem para a sua justificação: probabilidade de o dever ter já sido cumprido, presunção de renúncia do titular do direito, sanção da sua negligência, consolidação de situações de facto, proteção do devedor contra dificuldades de prova, promoção do exercício oportuno de direitos, etc.” Valores essenciais de segurança e certeza jurídicas falam mais alto, prevalecendo sobre a justiça, tensão que tem de ser temperada, surgindo a prescrição, de qualquer modo, “como uma forma de sanção da inércia ou negligência injustificada do titular que não exerce o direito em período razoável. A passividade sugere que já não está interessado na invocação do direito, por isso se considera que, em tais casos, deixa de merecer a tutela jurídica”[6].

Contudo, desde já se decidindo, a questão do abuso de direito, bem julgada se mostra a exceção, sendo que o exercício do direito, não estando o prazo de prescrição, ainda, decorrido, como não está, adianta-se, nunca se poderia ter por abusivo, antes configurando o normal exercício de um direito tutelado por lei.
Na verdade, como se decidiu no Ac. da RG de 15/12/2022, proc. 6818/21.3T8VNF-B.G1 “Não faz sentido alegar que a exequente deixou passar muito tempo até demandar o avalista, o que tornaria o exercício do direito de crédito ilegítimo. A relevância do decurso do tempo nas relações jurídicas manifesta-se através de institutos jurídicos como a prescrição e a caducidade (arts. 298º e seguintes CC). Enquanto não decorrer o prazo de prescrição do direito de crédito, o seu exercício é legítimo”[7], não podendo deixar de, assim, ser considerado, como bem decidiu o Tribunal a quo, tanto mais que a apelante invoca, apenas, preterição de formalidades que, mesmo, não são impostas por lei.
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Vejamos, agora, a questão da prescrição.
Em função de ponderações efetuadas pelo legislador, são consagrados, conforme as diversas situações, distintos prazos de prescrição, como decorre da “Subsecção II”, arts 309º e segs, sendo que aquele artigo consagra o “Prazo ordinário”, que é de “vinte anos”, aplicável, sempre, independentemente da boa ou má fé de quem invoca a prescrição, na ausência de prazo especial, o caso, como bem considerou o Tribunal a quo, pois que o direito de regresso do avalista se não enquadra no preceito que, na lei especial (LULL), regula a prescrição e, sendo um direito novo, também se não enquadra no prazo especial da prescrição de curto prazo estatuída na al. e), do art. 310º, do Código Civil.

Resulta a prescrição “de dois fatores: inércia do titular do direito e decurso do tempo. E o período necessário para produção do efeito prescricional será aquele que, para o caso, for fixado”[8].

Analisemos, pois, da subsunção do caso a situação de prazo especial, caso em que será esse o aplicável, conforme o brocardo lex specialis derogat generalis, ou se, na falta dele, se subsume ao prazo geral, como decidiu o Tribunal a quo e pretendem os apelados.


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O direito cartular está sujeito a prazos de prescrição extintiva, nos termos do art. 70.º, da LULL, sendo tais prazos diferentes, consoante as posições dos sujeitos cambiários. Comecemos por referir que a prescrição é uma forma de extinção dos direitos cartulares[9] e que para os direitos cambiários há presunções especiais, com prazos prescricionais privativos, estando tais direitos “sujeitos a prazos de prescrição extintiva bastante curtos, que variam consoante a posição relativa dos signatários da letra: tais direitos prescrevem no prazo de 3 anos a contar da data do vencimento (contra o aceitante), de 1 ano a contar do protesto ou do vencimento se houver cláusula dispensando aquele (do portador contra os endossantes ou o sacador), ou de apenas seis meses a contar do acionamento ou pagamento do endossante (do endossante contra os demais endossantes ou o sacador) (art. 70º da LULL). Sublinhe-se que a prescrição dos direitos de um sujeito cambiário não afeta os demais – assim, o art. 71º da LULL determina que a interrupção da prescrição só opera em relação ao signatário a quem respeita (arts. 323º e segs do CCivil) – e não acarreta a extinção dos direitos subjacentes – já que, como vimos, as relações cambiárias e fundamentais coexistem, não importando a extinção prescritiva do crédito cambiário e extinção do crédito causal”[10]. Por força da regra remissiva do art. 77º, da LULL, são aplicáveis às livranças os mesmos prazos de prescrição das letras (arts 70º e 71º).

Contudo, cumpre reforçar e deixar claro que a prescrição de obrigação cartular, dado o princípio da autonomia, não implica a extinção da obrigação subjacente[11]. A extinção, por prescrição, da obrigação cambiária não atinge a obrigação causal ou subjacente[12].

O aval “é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador do aval) garante o pagamento da letra por parte de um dos seus subscritores (avalizado).

E o aval representa assim uma nova obrigação cambiária, que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente de um signatário da letra de câmbio”[13].

Ao contrário do que se passa com os restantes negócios cambiários, o aval não tem necessariamente uma relação subjacente[14].
Como se analisou no Ac. RG de 17/12/2018, proc. nº 337/17.0T8PTL.G1, em que a ora relatora foi adjunta, citando-se, também, as respetivas notas para melhor perceção:

“O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra ou da livrança (art. 30º/2 e 77º da LULL) e tem de ser prestado a favor de um dos obrigados, sem prejuízo de não constar do aval a designação daquele por quem é dado, se considerar prestado a favor do sacador da letra (art. 31º/4 da LULL) e, tratando-se de livrança, a favor do subscritor desta (art. 77º, parte final, da LULL).

O aval é escrito na letra ou na livrança ou numa folha anexa e exprime-se pelas palavras “bom por aval” ou qualquer outra fórmula equivalente e a simples assinatura na face anterior da letra, que não seja a do sacador ou do sacado, vale como aval (art. 31º da LULL), ou, no caso de livrança, a simples aposição de assinatura na face anterior desta, que não seja a do subscritor, vale como aval (art. 77º da LULL).

Nos termos do art. 32º da LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa que a responsabilidade do avalista se determina pela do avalizado, sendo esta sua responsabilidade não subsidiária, mas sim solidária e cumulativa[15].

Acresce que a posição do avalista, como a de qualquer interveniente na letra ou na livrança, é também autónoma, posto que o aval subsiste mesmo que o ato do avalizado seja nulo por qualquer razão que não seja um vício de forma (art. 32º/2 da LULL), pelo que com a prestação do aval, o avalista passa a ser um devedor cambiário, sujeito de uma obrigação cambiária, embora dependente, no plano formal, da do avalizado (art. 47º e 77º da LULL), essa sua obrigação é materialmente autónoma em relação à do avalizado, de modo que a sua obrigação se mantem mesmo no caso em que a obrigação garantida seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

A autonomia do aval traduz-se assim, “num regime segundo o qual o avalista é responsável pelo pagamento da obrigação cambiária própria, como avalista, que se define pela do avalizado, mas que vive e subsiste independentemente desta. Assim, o avalista do sacador é responsável mesmo que a assinatura do sacador seja falsa ou de uma pessoa fictícia (art. 7º da LULL), porque o avalista a garante, não só que o sacador pagará, mas também a sua genuinidade”[16]. Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pode funcionar separadamente da obrigação deste, o que significa que “o avalista não está só em posição paralela à do avalizado; está numa posição de todo autónoma em relação a este”[17].

Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o mesmo acontecendo com o subscritor, endossantes ou avalistas de uma livrança (arts. 47º/1 e 77º da LULL), tendo o portador da letra ou da livrança o direito de acionar todas estas pessoas, individual ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram, o mesmo direito possuído qualquer dos signatários de uma letra (ou livrança) quando a tenha pago, sendo que a ação intentada contra um dos co-obrigados não impede de acionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi acionado em primeiro lugar (art. 47º e 77º da LULL).

O avalista responsabiliza-se pelo pagamento da letra (ou livrança) e no caso de a pagar pode exigir dos seus garantes a soma integral do que pagou, os juros, desde a data em que a pagou e as despesas que tiver feito (arts. 49º e 77º da LULL).

Significa isto que o avalista que paga a letra ou a livrança ganha uma posição de credor cambiário, ficando sub-rogado nos direitos emergentes do título que pagou contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval – o avalizado – e contra os obrigados para com esta em virtude dessa letra ou livrança (arts. 32º/3 e 77º da LULL), tendo direito de regresso, contra o avalizado e os seus antecessores na escala cambiária (arts. 47º/2 e 77º), direito de regresso esse, cujo conteúdo, como referido, é indicado no art. 49º[18][19] (negrito nosso).

Com efeito, “o avalista que pagou a letra (livrança) “fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra” (art. 32º, nº3, da LULL): pagando a quantia cambiária ao portador, o avalista fica assim investido numa posição de credor cambiário, passando a ser titular de um direito próprio e autónomo graças ao qual poderá ressarcir-se em via de regresso contra o avalizado e ainda todos aqueles subscritores que garantiam este”[20].

E, na verdade, o “prazo do exercício da ação do avalista que pagou a livrança contra o avalizado não está regulado na Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, sendo o que resulta do direito interno português[21][22]. A Lei Uniforme não prevê qualquer prazo para o exercício da ação do avalista contra o avalizado[23], nem de prescrição e a analogia não é permitida dado estarmos perante regras especiais.

Deste modo, mantém-se a fundamentação que o Tribunal de 1ª Instância bem desenvolveu na decisão que proferiu, sendo que o direito que nasce na esfera jurídica do avalista emerge do ato naturalístico de pagamento de uma obrigação solidária, não se lhe aplicando os especiais curtos prazos prescricionais do art. 70.º, porquanto não foram pensados para o exercício daquele direito, o qual se prende, na essencialidade, com uma relação estabelecida entre avalista e avalizado, sendo o prazo prescricional para o direito de regresso o geral, de 20 anos, que, pacificamente, ainda não decorreu, não podendo a exceção da prescrição do direito de regresso deixar de ser julgada improcedente.


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E, com efeito, o prazo de direito comum aplicável não é o consagrado no art 310º, do Código Civil. Este artigo consagra, com a epígrafe “Prescrição de cinco anos”, casos de prescrição extintiva com prazo especial mais reduzido, prescrição de curto prazo, estatuindo a al. e) prescreverem no prazo de cinco anos “as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

Este reduzido prazo justifica-se, pela ideia de tutela do devedor, nestas situações em que estão em causa direitos que têm por objeto prestações periódicas e as prescrições de curto prazo destinam-se essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria geral, II, 1966, pág 452)[24], presidindo, pois, a esta opção do legislador dar “prevalência ao interesse do devedor  em  não acumular múltiplos encargos, perante a inércia do credor”, sendo que “As obrigações abrangidas por este preceito pressupõem diversos atos de execução, a satisfazer regularmente[25](sublinhado e negrito nosso).

Ora, quanto a estas prestações periódicas e à fixação em tais casos, do prazo quinquenal de prescrição, a ratio é “atenta a autonomização promovida entre o prazo prescricional aplicável  ao uno (i.e., à obrigação) – prazo ordinário de vinte anos (v. o art. 309º) – e ao múltiplo (i.e., a cada prestação singular que integra o complexo duradouro) – precisamente o prazo especial de cinco anos”[26] (negrito nosso). E “A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Moraes Antunes (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p.79)”[27]. Refere a mesma autora “julga-se que o critério que se impõe observar, na correta aplicação do artigo 310º, é precisamente o da periodicidade do direito, isto é, a circunstância de nos encontrarmos perante prestações que se constituem e se vencem, em certo e determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulação de dívida. O artigo 310º não pode, nesta medida, ser dissociado da ideia de prestação periódica.”[28], reportando-se, por isso, à obrigação fundamental ou subjacente.

Não é, contudo, este prazo especial, de cinco anos, aplicável a uma prestação exigida pelo avalista que pagou a livrança e que se encontra a exercer o direito de regresso.

O dador do aval assume uma obrigação cambiária que é autónoma[29] e independente da relação jurídica fundamental e o direito que, para ele, resulta do pagamento – o direito de regresso – é um direito novo. Com efeito, o direito do avalista que paga a letra de câmbio (ou livrança) é um direito próprio e autónomo, emergente da letra, e não um direito que lhe tenha sido transmitido ou que haja sucedido, porque não há sub-rogação. O termo “sub-rogado” inscrito no art. 32 § 3º da LULL está aí impropriamente empregue, por erro de tradução[30].

Como se refere no Ac. RG de 7/3/2019, proc. 934/18.6T8VCT-A.G1 o avalista “limita-se a prestar uma garantia autónoma ao portador do título, que assegura, ao tempo do vencimento, o pagamento deste, nos mesmos termos da obrigação do seu avalizado”[31], pelo que o exercício do direito de regresso que assiste ao avalista, que pagou, relativamente ao avalizado - tal como o direito de regresso entre co-avalistas[32] - quanto à importância que pagou está subordinado ao prazo geral de prescrição estabelecido no art. 309º do Cód. Civil.

Como ensina Ferrer Correia “Pagando pelo signatário garantido, o dador do aval (…) adquire o direito que o portador tinha contra o avalizado” e esse efeito deriva da natureza da “obrigação do dador de aval: obrigação de garantia. Assumindo uma obrigação igual à do avalizado, é justo que o avalista, pagando a letra” (ou livrança) adquira um “direito de regresso contra esse signatário”[33].  

O direito que os Autores exercem na presente ação tem natureza jurídica diversa dos demais direitos, o que fundamenta a aplicação do prazo ordinário de prescrição. E esse prazo, que se reflete na nova obrigação, subordinada ao prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, é o geral, disposto no artigo 309º, por inexistir consagrado prazo especial de prescrição do avalista que paga, nem na LULL nem no Código Civil.
Destarte, não se aplicando a LULL, que não regula o caso, que, por isso, cai no âmbito de regulação do direito comum, e, embora prescrevendo no prazo de 5 anos, nos termos de especial e explicita disposição - al. e), do art. 310º, do Código Civil, a derrogar a geral, constante do art 309º -, as obrigações relativas às quotas (partes/frações/prestações) em que se dividiu a prestação de amortização do capital mutuado com os juros, não é essa a situação dos autos (em que é exercido, em ação declarativa, um novo, próprio e autónomo direito: o direito de regresso), sendo, pois, o prazo geral o aplicável ao crédito dos Autores apelados, novo e com diversa natureza jurídica.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.

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- Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida.



Porto, 8 de abril de 2024
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Anabela Morais
Fátima Andrade
______________
[1] 16 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.01.2017 (Processo n.º 5530/15.7T8BRG.G1), disponível em www.dgsi.pt.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 19/12/1989 (Processo n.º 78 034), disponível em BMJ n.º 392.
[3]  Idem.
[4] Estatui o art. 70º, da LULL: “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula «sem despesas».
As acções dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador prescrevem em seis meses a contar do dia em que o endossante pagou a letra ou em que ele próprio foi accionado”.
[5] Sendo que “a prescrição não é, em rigor, uma causa de extinção das obrigações, atribuindo apenas ao devedor que a invoque “a faculdade de se recusar a cumprir ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” (neste sentido, p.ex., Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, 1988:67; Heinrich Ewald Hörster, 1992:214, e Pedro Pais de Vasconcelos, 2012: 328, para quem “a prescrição não extingue o direito nem a vinculação”; contra Brandão Proença, 2011:51, e Luís Carvalho Fernandes, 2010: 694, que define prescrição como “a extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido o seu cumprimento, como dever de justiça”). Com efeito, “o pagamento espontâneo da dívida prescrita é que gera o efeito extintivo que a prescrição não produziu” o que demonstra como mesmo depois da prescrição subsiste um débito e um devedor (Vitucci, 1980:30)” Júlio Gomes, anotação ao artigo 304º, com a epígrafe, “Efeitos da prescrição”, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 748 e seg.
[6] Rita Canas da Silva, Nota sobre a subsecção em geral em Anotação à “Subsecção I,- Disposições gerais” da “Secção II - Prescrição, in   Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord), volume 1, Almedina, pág 374
[7] Ac. da RG de 15/12/2022, proc. 6818/21.3T8VNF-B.G1, acessível in dgsi
[8] Ibidem, pág. 381
[9] António Pereira de Almeida, idem, pág. 298
[10] José A. Engrácia Antunes, Os Títulos de Crédito, Coimbra Editora, pág. 107 e seg.
[11] António Pereira de Almeida, idem, pág. 299
[12] Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª Edição, Livraria Petrony, Lda, pág. 349
[13] Ibidem, pág. 85.
[14] António Pereira de Almeida, Direito Comercial, 3º vol., Títulos de crédito, Associação Académica Lisboa
[15] Pedro Pais de Vasconcelos, “Direito Comercial, Títulos de Créditos”, Associação Académica da Faculdade de Lisboa, 1990, pág. 126.
[16] Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., págs. 127 e 128.
[17] Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 170 e 171.
[18] Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 223; Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 138.
[19] Ac. RG de 17/12/2018, proc. nº 337/17.0T8PTL.G1(Relator: José Alberto Moreira Dias), acessível in dgsi.
[20] José A. Engrácia Antunes, Idem, pág. 89
[21] Ac. do STJ de 26/3/1971, in Bol. 205-236.
[22] Ac. RP de 21/11/1994, proc. 9550281, (Relator: Ribeiro de Almeida) sumário acessível in dgsi.
[23] Ac. do STJ de 30/1/1976, in BMJ, 253-202
[24] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 280
[25] Rita Canas da Silva, Idem, pág. 382
[26] Ibidem, pág. 382
[27] Júlio Gomes, anotação ao artigo 310º, Idem, pág. 755 e seg.
[28] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 124 e seg.
[29] Como refere Pedro Paes de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, ed. da AAFDL, 1988/89, pg. 75, “a autonomia do aval traduz-se num regime segundo o qual o avalista é responsável pelo pagamento da obrigação cambiária própria como avalista, que define pela do avalizado, mas que vive e subsiste independentemente desta”.
[30] Ac. RC de 8/5/2019, proc. 2209/17.9T8VIS.C1, acessível in dgsi
[31] Ac. RG de 7/3/2019, proc. 934/18.6T8VCT-A.G1, acessível in dgsi
[32] Cfr. o já citado Ac. da RG de 17/12/2018, proc. 337/17.0T8PTL.G1, com o sumário:
“… 2- O avalista que pague integralmente o valor da letra ou da livrança, tem direito de regresso e de ressaque em relação às quantias que pagou quanto ao avalizado e a qualquer obrigado cambiário que se situe na cadeia cambiária antes dele.
3- A LULL nada prevê quanto ao eventual direito de regresso entre diversos avalistas do mesmo avalizado, deixando essa matéria para o direito interno de cada estado, que poderá ou não reconhecer esse direito de regresso.
4- Nas relações entre co-avalistas do mesmo avalizado não existe nexo cambiário, mas obrigações que são reguladas pelo direito comum. Por isso, o co-avalista que paga não tem ação cambiária contra os co-avalistas do mesmo avalizado para se pagar da soma que lhes cabe na distribuição da responsabilidade interna entre aqueles, não sendo aplicável a essas relações internas entre co-avalistas do mesmo avalizado os arts. 32º/3 e 52º da LULL.
5- O co-avalista do mesmo avalizado não pode instaurar execução contra os demais co-avalistas erigindo como título executivo a letra ou a livrança que avalizaram e que o primeiro pagou e, bem assim, os documentos que comprovam esse pagamento, dado que esses documentos não constituem o reconhecimento por parte desses co-avalistas da existência de qualquer direito de regresso entre aqueles, sequer contém a repartição entre eles das respetivas responsabilidades internas.
6- Com o pagamento, o avalista não fica sub-rogado nos direitos do portador da letra ou da livrança que serviu de título executivo em execução instaurada contra aquele e os demais co-avalistas do mesmo avalizado, na medida em que a sub-rogação legal pressupõe que o pagamento tenha sido feito por um terceiro”.
[33] A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, vol. III, Universidade de Coimbra, 1956, pág. 210.