Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | CAMINHO PÚBLICO DESAFETAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO | ||
Nº do Documento: | RP20240620346/22.7T8BAO.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Um caminho público pode perder essa natureza em várias situações, designadamente em caso de desafectação, que pode ser expressa, quando é afirmada por um acto administrativo, ou tácita quando advém da modificação do uso do caminho. II - Para haver desafectação tácita é necessário que caminho tenha deixado de servir o fim da utilidade pública, nomeadamente deixado de ser utilizado pelo público de forma continuada e definitiva, e tenha passado a estar nas condições comuns aos bens do domínio privado da Administração. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | RECURSO DE APELAÇÃO ECLI:PT:TRP:2024:346.22.7T8BAO.P1 * SUMÁRIO: …………………….. …………………….. …………………….. ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. Relatório: AA, contribuinte fiscal n.º ...37, e mulher, BB, contribuinte fiscal n.º ...20, residentes em Matosinhos, instauraram a presente acção popular contra CC, residente ..., ..., o Município de Baião e a Junta de Freguesia ..., ..., formulando os seguintes pedidos: a) Declaração de que o caminho que liga os lugares de ... e ..., permitindo a ligação à freguesia ... e vice-versa, dando acesso à estrada principal, que se desenvolve no sentido sul/nascente, e vice-versa, iniciando-se na actual estrada secundária e desembocando, percorridos cerca de 150 m, na estrada principal, com o comprimento de cerca de 150 m e, em média, a largura de 2.5/3 m, delimitado, na parte poente, por uma parede da habitação, propriedade dos réus e na parte nascente, por um muro de suporte de terras, o qual se estende durante toda a extensão, pertence ao domínio público e, consequentemente, está afecto ao interesse colectivo, desde tempos imemoriais. b) Condenação dos réus a reconhecerem o aludido caminho como fazendo parte do domínio público. c) Reconhecimento de apropriação por parte dos réus do caminho como abusiva, ilícita e não titulada; d) Condenação dos réus a desocupar o leito do aludido caminho público, adoptando, para o efeito, todas as condutas, de forma a deixá-lo totalmente livre, desimpedido e reposto na situação anterior; e) Condenação dos réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de uso, pelo público, em geral, e pelos autores em particular, do caminho melhor descrito em a); f) Condenação dos réus a pagar aos autores, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação em que os réus forem condenados ou por cada acto de turbação ou impedimento do exercício dos direitos de trânsito dos autores ou quaisquer outras pessoas, persistindo na ocupação do leito do caminho, com objectos e qualquer tipo de obras, ou impedindo de outra forma a circulação de pessoas pelo mesmo, o montante diário nunca inferior a €200,00. Para fundamentar o seu pedido alegaram, em súmula, que são donos de um prédio urbano sito em ..., Freguesia ..., concelho de Baião, que confronta a Poente com caminho público; que nessa freguesia existe desde tempos imemoriais um caminho a ligar os lugares de ... e ...; que durante muitos anos, até à construção da estrada secundária, paralela àquele, esse foi o único acesso entre os lugares de ... e ..., bem como, a única forma de aceder à freguesia ...; que o caminho se desenvolve no sentido sul/nascente, e vice-versa, inicia-se na actual estrada secundária e desemboca, percorridos cerca e 150 m, na estrada principal, com o comprimento de cerca de 150 m e, em média, a largura de 2,5/3 m; que o caminho é usado, desde tempo que a memória dos vivos não recorda, há mais de 100 anos, por todos que por ali transitam a pé, em ambos os sentidos, em direcção ao Lugar ... e freguesia ..., bem como com animais, veículos de tracção animal, tractores e carros; sempre sem oposição de ninguém, na convicção de que tal caminho pertencia, como pertence, ao domínio público e de que podia ser utilizado por todos, sem restrição, sendo que na actualidade, continua a ser utilizado por todas as pessoas que tenham necessidade de por aí passar a pé. Mais alegaram que o 1.º réu iniciou obras de reconstrução de uma habitação sita na Rua ..., a qual confronta, a nascente, com o leito do aludido caminho, tendo ocupado uma parcela do caminho, cuja largura foi assim diminuída, o que dificultou/privou, desde então, o acesso e circulação de veículos de tracção animal, tractores e veículos automóveis, o que sempre foi reportado pelos autores ao Município de Baião, que nada fez, para além de imputar à Junta de Freguesia ... a responsabilidade pela gestão e manutenção do caminho, a qual também nada fez. Finalmente alegaram que os actos do 1.º réu, sob a vigilância do Município de Baião e da Junta de Freguesia, impedem os habitantes do Lugar ... e demais cidadãos que usufruíam daquele como vinham fazendo desde tempos imemoriais, sendo que o prédio dos autores se encontra completamente encravado no acesso à sua habitação, não conseguindo aceder à sua habitação um carro de bombeiros ou uma ambulância ou um veículo de porte maior e a autora mulher não consegue sequer entrar com o seu carro na sua habitação. Os réus Município e Freguesia apresentaram contestação por excepção e impugnação, alegando, além do mais, que o troço do caminho em causa nunca permitiu e não permite a passagem de veículos automóveis, e que actualmente caiu em desuso, passando esporadicamente uma ou outra pessoa a pé, sendo utilizado unicamente pelos autores entre a Rua ... e o portão de entrada do prédio da sua habitação. Impugnam ainda a forma como os autores descrevem a delimitação, configuração e utilização do troço do caminho em causa nos autos. O réu CC contestou, por excepção e impugnação, dando como reproduzida a matéria de facto e de direito alegada pelas 2.ª e 3.ª rés, e alegando que as obras que realizou respeitam os limites do caminho, que os autores estacionam o automóvel no interior da sua propriedade. Pediu ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé em multa e indemnização no valor de €3.000,00. No despacho saneador foi declarada a ineptidão parcial da petição inicial «no que tange aos pedidos c) e d) em relação [ao] Município de Baião e [à] Junta de Freguesia ...», absolvendo-se estes réus «da instância no que tange aos referidos pedidos». Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e os réus absolvidos dos pedidos. Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto por discordar o recorrente do sentido da douta sentença. 2. É convicção dos ora recorrentes que a sentença enferma de erro de julgamento, o que decorre da incorrecta apreciação de toda a prova junta e produzida nos autos. 3. Discordam os recorrentes do decidido na douta sentença ora recorrida, por entender, que existem nos autos todos os elementos de prova que permitiriam ao Mmª Juiz a quo, responder diferentemente a determinados pontos da matéria factual. 4. Em face dos elementos de facto existentes e do direito aplicável, outra deveria ter sido a decisão do pleito. 5. Pretendem, por isso, ver alterada a decisão sobre a matéria de facto, devendo-se dar como não provado os factos alegados em 4), 8) a 13), 15), 16) a 18) e 22). 6. E como factos provados em b) a l). 7. AA e, mulher BB intentaram a presente Acção Popular contra CC, Município de Baião e Junta de Freguesia .... 8. Alegaram na sua petição inicial os recorrentes ser donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, situado no Lugar ..., Freguesia ..., do concelho de Baião, descrito na conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o número ..., e na matriz sob o artigo ...56. 9. Alegaram que na Freguesia ..., do concelho de Baião, existe um caminho antigo que desde tempos imemoriais liga os lugares de ... e ..., que foi, durante muitos anos, até à construção da estrada secundária, paralela àquele, o único acesso entre os lugares de ... e ..., bem como, a única forma de aceder a ..., que se desenvolve no sentido sul/nascente, e vice-versa, inicia-se na actual estrada secundária e desemboca, percorridos cerca de 50 m usado, desde tempo que a memória dos vivos não recorda, há mais de 50 e 100 anos, por todos que por ali transitam a pé, em ambos os sentidos, em direcção ao Lugar ... e freguesia ..., bem como, com animais, veículos de tracção animal, tractores e carros, sem oposição de ninguém, na convicção de que tal caminho pertencia, como pertence, ao domínio público e de que podia- como pode- ser utilizado por todos, sem restrição, sendo que na actualidade, continua a ser utilizado por todas as pessoas que tenham necessidade de por aí passar a pé. 10. O que se logrou provar por todas as testemunhas do presente processo, quer apresentadas pelos autores, quer apresentadas pelos réus. 11. Em momento algum foi questionado por qualquer das partes que o caminho referido pelos autores até à construção da actual Rua ... não fosse o único caminho que ligava aqueles lugares. 12. Aliás todas as testemunhas, incluído o 1. Réu nas suas declarações e depoimento de parte, assumiu que “não existia outro” caminho até à construção da actual Rua .... 13. Da própria sentença resulta “No que tange aos factos provados 3) a 6) é pacífico e unanimemente reconhecida a existência de um caminho na Freguesia ... que ligava o local onde reside hoje o 1.º Réu e a feira de gado ou curro, como referiram algumas das testemunhas inquiridas (agora centro cívico) e a outros locais, como ..., ... e .... O Tribunal não tem dúvidas que o caminho desembocava no local onde hoje se encontram caixas de correio colectivas (que visualizou in loco), naquela que é hoje a Rua .... 14. Após o início das obras do 1.º réu de reconstrução de uma habitação sita na Rua ..., a qual confronta, a nascente, com o leito do aludido caminho, este ocupou uma parcela do caminho, e, bem assim, a largura do mesmo ficou diminuída. 15. O que dificultou/privou, desde então, o acesso e circulação de veículos de tracção animal, tractores e veículos automóveis, o que sempre foi reportado pelos autores ao Município de Baião, que nada fez, para além de imputar à Junta de Freguesia ... a responsabilidade pela gestão e manutenção do caminho. 16. Sendo que esta nada fez, conforme se comprovou com os ofícios juntos com a contestação via citius 8371620, datada de 26 de Novembro de 2022, documentos 4 a 7, onde se poderá constatar os ofícios dirigidos à Junta de Freguesia ..., que nunca respondeu ao Município de Baião, conforme se constata peremptoriamente da análise do documento 7. 17. Os actos do 1.º réu, sob a vigilância quer do Município de Baião, quer da Junta de Freguesia, vêm impedindo os habitantes do Lugar ... e demais cidadãos que usufruíam daquele como vinham fazendo desde tempos imemoriais. 18. Reapreciada a prova produzida, nomeadamente da leitura dos depoimentos e a prova documental, conjugados com as regras da experiência comum, verifica-se existir fundamento para alterar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido sobre a matéria de facto e direito, não se concordando com a argumentação expendida, a qual não está em consonância com os meios probatórios produzidos. 19. A alteração à matéria de facto dada como provada e como não provada, que se propõe, resulta da conjugação da prova produzida, seja ela testemunhal, seja ela documental. 20. Em primeiro lugar é necessário que fique claro desde logo que não existia, mas existe na Freguesia ..., do concelho de Baião um caminho desde o lugar da Feira (onde se situa o actual Centro Cívico), da mesma freguesia até desembocar na EN ... (actual Rua ...), no local onde se encontram caixas de correio colectivas e o local onde habita o 1.º Réu. 21. Caminho esse que viu as suas dimensões ao nível de largura diminuídas conforme se alegou. 22. Todavia, o referido caminho hoje ainda existe e encontra-se sob a alçada da Junta de Freguesia .... 23. Do depoimento conjugado das testemunhas DD, EE, FF, GG e HH, conforme supra se transcreve, não poderá resultar provado que o acesso apenas permitia o acesso a pé e de carros de bois para acesso. 24. O que resultou provado é que até às reconstruções levadas a cabo pelo 1.º recorrido CC, o referido caminho deixou de ter medidas suficientes para circular um veículo automóvel, que até então era possível. 25. O piso poderia ser em terra batida, como todos afirmaram e fraco como frisa a testemunha HH, mas de dimensões suficientes que permitiam o acesso a um veículo automóvel. 26. As testemunhas apresentadas pelos recorrentes, actualmente, não habitam naquele local, não têm ligações familiares directas com os recorrentes/recorridos e não têm interesse directo no desfecho da acção. 27. A não ser de voltar o referido caminho aquilo que inicialmente era e sempre reconheceram do tempo em que ali habitaram, por ser um caminho público. 28. Pelo que não se percebe o porquê de descredibilizar os seus depoimentos quando referem que viram lá passar tractores, que viram lá passar carros, que aliás passaram lá com um carro (EE), que o caminho tinha dimensões suficientes para lá passar um veículo automóvel. 29. As testemunhas, supratranscritas, foram peremptórias, todas afirmar que actualmente o caminho se encontra com dimensões afuniladas face às condutas levadas a cabo pelo 1.º recorrido. 30. Não se concebe ainda o facto provado em 8) tendo em conta a prova testemunhal produzida. 31. Segundo se deu como provado há pelo menos cerca de 37 anos, foi alterado o percurso do caminho, o que não foi questionado pelos recorrentes, uma vez que aquando da sua compra em 2005, o referido troço em 5) já tinha sido criado, mas isso retira o facto do troço em 7) ser de acesso ao público? 32. Pelo menos no ano 2005 o recorrente AA passou com um veículo automóvel no troço do caminho referido em 7, o que foi corroborado pela recorrente BB, bem como a testemunha EE por essas datas, antes da venda do imóvel referido em 1) aos recorrentes, versão também corroborada pela testemunha FF que viu o seu cunhado passar com a carrinha no referido troço. 33. Todas as testemunhas supramencionadas foram peremptórias ao afirmar o afunilamento do referido troço a cor-de-rosa, junto aos presentes autos com o requerimento via citius 8391038, no dia 6 de Dezembro de 2022. 34. O troço referido em 7) dos factos provados, na supramencionada planta, com o número 1, aquando das obras de ampliação levadas a cabo pelo 1.º recorrido CC, afunilou, ficando mais estreito pelo que não se concebe o facto provado 8) após o referido em 5) manteve-se no estado em que se encontrava, pelo contrário. 35. Não se concebe ainda os factos não provados em f), i) l) e m). 36. Quanto a este facto dado como provado em 10, dos fotogramas juntos com a petição inicial, ainda antes do empedramento o referido troço, embora já afunilado, encontrava-se limpo, sem ervas, ramos de videira, terra ou lixo. 37. Pelo que não se poderá dar como provado que o troço referido em 7) esteve desde 2005 a 2022 (como parece resultar) invadido por erva e arbustos, bem como foi usado como depósito de sobrantes do terreno de cultivo (ervas, ramos de videira, terra, lixo), pois ainda antes do empedramento se encontrava limpo e transitável a pessoas a pé e motociclos. 38. Não se concebendo assim como provados os factos 9) e 10) da douta sentença recorrida. 39. Mais, aquando do empedramento manteve-se na largura existente, uma vez que tais construções do 1.º recorrido CC já haviam sido realizadas e, por isso, o empedramento ocorrido pela Junta de Freguesia foi ulterior e andou pelas dimensões hoje existentes no local, dimensões encurtadas face ao caminho existente antes das obras levadas a cabo pelo 1.º recorrido CC. 40. No que se refere ao facto provado em 11), 12) 13), 15), pretende-se alterar para não provado face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. 41. Em 2005 existia uma pequena retrete em bloco já no referido troço do caminho, sendo que o 1.º recorrido quando queria vir à mesma levantava a rede no cunhal da casa e não da retrete e acedia à mesma. 42. Essa retrete era de pequenas dimensões e não estava ampliada até à casa, era de pequenas dimensões como todas as testemunhas referem, que ainda assim permitia a passagem de um veículo. 43. Referem ainda as testemunhas que o muro foi mexido pelo 1.º recorrido e ampliado para o caminho, de forma a se alinhar pela casa de banho que já se encontrava no caminho, encurtando o referido caminho na sua largura. 44. Pelo que o 1.º recorrido CC demoliu a retrete de pequenas dimensões existente na altura que adquiriu a habitação e quando construiu o compartimento destinado a arrumos não o fez no alinhamento da vedação existente e das fundações da retrete, pois antes de iniciar estas construções levou a cabo acções, nomeadamente o arrastar de pedras do muro para o lugar do caminho que encurtaram o mesmo. 45. Resulta do depoimento das testemunhas, que se querem descredibilizar, que hoje este caminho não é das mesmas dimensões que antigamente, do seu tempo, do tempo que habitaram no Lugar .... 46. Quanto ao facto provado em 16), desde logo, o recorrente AA alertou no seu depoimento para a implantação de pedras antigas de forma que se levasse a crer que aquelas fundações eram pré-existentes. 47. Aliás veja-se que a retrete era na sua totalidade em bloco e a pedra que hoje alega o 1.º recorrido é uma pedra. 48. Quanto ao facto dado como provado em 22, diga-se que conforme resulta dos documentos juntos com a petição inicial quanto ao abaixo-assinado de 26.02.2020 o autor não foi quem endereçou o referido abaixo-assinado. 49. E, no dia 17 de Novembro de 2023, via citius 9200798 foram juntos quatro documentos pelo 2.º e 3.º recorridos que permite concluir que com o documento 4 não foi junto qualquer registo CTT de envio ao recorrente. 50. Tal como resulta do documento 2 junto com esse requerimento, pelo que não se concebe o facto dado como provado em 22). 51. Já que o recorrente não recebeu a referida resposta, e as testemunhas arroladas apenas estão convictas do envio, mas não lograram provar tal facto. 52. Quanto aos factos não provados não se concebem que os mesmos não tivessem sido dados como provados. 53. Quanto ao facto não provado em b) face à prova produzida dúvidas não restam que este facto deveria ter sido dado como provado, bem como o tema de prova i. e ii. do despacho de saneador, conforme resultou das transcrições ora mencionadas no presente articulado. 54. Quanto ao facto dado como não provado em c) logo referir que da inspecção in loco no dia 30 de Novembro de 2023 foi possível apurar a existência de cerca de 50 metros de comprimento e do depoimento do recorrente é possível apurar as medidas existentes antes do afunilamento do referido caminho. 55. Pelo que tal facto não provado deveria ter sido como provado nas medidas de 50 m conforme foi seguro apurar. 56. Da confissão do ora recorrente resulta que o caminho foi encurtado e que antes tinha dimensões entre os 3 e 5 metros no caminho, o que hoje, não sucede conforme resultou da inspecção ao local no dia 30 de Novembro de 2023. 57. Quanto ao facto dado como não provado em d) vejamos a confissão da recorrente BB, no dia 29 de Setembro de 2023, supratranscrita. 58. O prédio rústico da D. II também tem um acesso directo para o referido troço referido em 7) dos factos provados, conforme aliás se constatou in loco, e conforme resultou do depoimento da testemunha JJ. 59. No que tange ao facto provado e) o tribunal em sede de inspecção ao local não o constatou, pelo facto de se encontrar o mesmo empedrado, mas veja-se a confissão do 1.º recorrido CC, no dia 23 de Junho de 2023, supratranscrita. 60. Quanto ao facto dado como não provado em g) e h), veja-se já o supra exposto quando se refere no presente articulado que durante anos aquele foi o caminho de acesso à feira (facto provado em 3) e 4) da douta sentença) e ainda a confissão do 1.º recorrido CC, supratranscrita. 61. Não se concebe assim os factos dados como não provados em g) e h) na douta sentença recorrida pelo que se pretende a sua alteração para factos provados e para não provado o facto provados em 18). 62. Quanto ao facto j) dado como não provado 63. Sempre a junta de freguesia soube da agitação do local do ... quanto ao encurtamento do caminho na sua dimensão, conforme resultou do depoimento de parte e declarações dos autores e do legal Representante da Junta de Freguesia .... 64. O referido facto não provado em k) deverá ser alterado, face à prova documental junta aos autos – facto 20 provado – para, permita-se, do referido em 24) dos factos provados (colocação de pedra) foi dado conhecimento à Câmara Municipal de Baião, através de abaixo-assinado datado de 7/11/2019. 65. Compulsada a sentença evidente se torna pelos depoimentos prestados nas audiências de discussão e julgamento versão capaz de conduzir a decisão diversa à que foi proferida, os factos provados 4) a 13), 15) a 18) e 22), bem como os factos não provados de b) a m). 66. Uma vez que quanto aos factos não provados foi produzida prova positiva, sendo, neste conspecto, consonantes os depoimentos das testemunhas apresentadas pelos recorrentes que prestaram um depoimento seguro, coerente e convincente. 67. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, com interesse para o ora peticionado pelos recorrentes, ficou provado que os recorrentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano ...56 da Freguesia ..., concelho de Baião. 68. e que existe um caminho que desde tempos imemoriais liga os lugares da ... e ... e uma vez chegados à estrada nacional ...04 ligava o ... ao .... 69. conforme resultou dos depoimentos prestados quer pelo rol apresentado pelos autores, quer pelo rol apresentado pelos réus, também estas testemunhas confirmaram que durante anos foi o único acesso que ligava à feira (passando pela ...). 70. Resultou, que as testemunhas arroladas reconheceram que este caminho sempre serviu todas as pessoas que por ali quisessem passar, sem a oposição de ninguém e de uma forma ininterrupta. 71. Este troço referido em 7) dos factos provados sempre foi o caminho que durante anos serviu aquela população sem qualquer restrição ou oposição. 72. Sucede que, quando o 1º Recorrido iniciou as obras de reconstrução da sua habitação, a parcela de caminho em discussão nos autos diminui na sua largura, o que dificultou a circulação da forma como até então podia suceder. 73. KK, esta testemunha com convicção e coerência, permita-se afirmou que o caminho hoje não tem a mesma largura que nos tempos em que a casa era da sua avó, avó também do 1º Réu, e do Sr. LL. Afirma que naquele caminho passavam lá tractores, carros de mato e pessoas a pé e que, hoje é apenas possível passar a pé. Conhece as construções feitas pelo 1º Réu, seu primo, e afirma que as mesmas se encontram no caminho que era de antigamente, mesmo no tempo da sua avó a vedação era de sabugeiras e cerdeiras e que se passava muito bem naquele local a nível de largura. O que hoje não sucede, nos mesmos termos devido ao afunilamento do caminho. 74. EE afirmou de uma forma peremptória, sem demonstrar qualquer interesse no desfecho da acção que aquando das obras que realizou na habitação que hoje é dos recorrentes, passou lá com a sua carrinha Traffic, era de terra, saibro o caminho, mas que a sua carrinha passou lá, afirmou e repetiu. 75. FF afirmou no seu depoimento que durante anos aquele foi o único acesso para a feira e, embora aquele caminho muito bem, passava lá carros de bois, tractores e recorda-se bem de um caminho com espaço. O muro da avó era feito em pedras solta baixo com sebe. Conhece agora o caminho e não consegue lá passar um tractor, que nos seus tempos de juventude viu passar. 76. Afirma ainda no seu depoimento que viu o cunhado a passar com a carrinha que ele tinha com o material para ele arranjar a casa que que era sua na altura, hoje dos recorrentes e, que aquele caminho serviu o ..., ..., ..., entre outros lugares. 77. Hoje vê um caminho diferente, mais estreito. Não mediu, mas que se vê que é mais estreito aos olhos de quem o conheceu no passado, o que é corroborado pela testemunha KK. 78. A testemunha GG diz que era ali vizinha e sabe bem como era o caminho e que hoje o caminho é muito mais apertado do que era. Viveu ali muitos anos e passavam ali carros de mato, carros de lenha, tractores, passavam ali para cima e para baixo. 79. Morava ali na entrada do caminho e “conhece aquilo como as mãos” e que hoje nitidamente o caminho não é o que era. 80. De largura é muito mais menos, não sabe precisar medidas, conforme resultou do seu depoimento, mas que agora é à vista de toda a gente que está mais apertado e está assim porque quem vai das caixas de correio do lado direito fizeram um muro e umas obras numa casa e estreitaram o caminho. 81. HH refere que para ir para a feira era pelo referido caminho, afirmando com certeza que o troço referido em 7) dos factos provados sempre teve dimensões para passar de carro e afirmou ter visto carros lá passar. 82. Em depoimento e declarações de parte os recorrentes também afirmaram, de uma forma coesa, que já entraram na sua habitação, vindos dessas caixas de correio até à entrada da sua habitação e que hoje tal não lhes é, de todo, possível. 83. Todas as testemunhas, à excepção dos autores nasceram e viveram no Lugar ... antes da alteração do troço referido em 5) dos factos provados pelo que conheciam bem o troço referido em 7). 84. Assim sendo, da prova produzida resulta que hoje o caminho não tem a mesma fisionomia que no passado e que partes deste caminho foi apropriado para interesses privados. 85. O tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito pelo que a decisão a proferir deverá ser diversa daquela outra sentenciada. 86. Resultou da audiência de discussão e julgamento que até à construção da actual rua ..., ...) dos factos provados que o acesso entre o ..., ..., ... – feira – era realizado pelo troço em 7) dos factos provados, por onde passavam todas as pessoas em geral, animais, veículos de tracção animal, tractores e carros, não ficando assente nos autos que apenas os recorrentes utilizavam o referido caminho, pelo contrário, pelo que como o público em geral utilizava o referido caminho, a conclusão é no sentido de que estava afecto em prol da utilidade pública. 87. Em consequência, até à construção da referida Rua ... – em 5 dos factos provados – o aludido caminho era usado directa e mediatamente pelo público, e como esse uso existe desde tempos que os vivos não sabem quando começou, verificado está o aludido requisito do tempo imemorial. 88. Perante este quadro de facto, a conclusão é no sentido de que estamos perante um caminho público, que aliás não foi questionado. 89. Dizer ainda que enquanto for utilizado pelo público, ainda que substancialmente reduzido na sua expressão numérica de utilizadores, em razão de alteração de circunstâncias, designadamente resultante da construção de alguma via de acesso, inexiste fundamento legal para se concluir no sentido da mencionada desafectação como sendo público. 90. Provados os factos relativos à dominialidade do caminho, o ónus de prova dos factos extintivos dessa característica apenas onera a parte que alegar essa extinção (artigo 342º, nº 2, do Código Civil). 91. Os factos provados não revelam que alguma parte do referido caminho tenha sido desafectada do domínio público por via de algum acto administrativo expresso de quem de direito. 92. No caso vertente, estamos perante uma situação em que uma parte do referido caminho continua afecta à utilidade do público. 93. Assim, inexistira fundamento legal para se concluir no sentido da perda da natureza pública do referido caminho. 94. Em consequência, a conclusão é no sentido de que o caminho em causa na acção continua com a respectiva natureza de caminho público, por onde os recorrentes podem passar livremente, designadamente para aceder ao seu prédio, bem como demais pessoas conforme resultou, pelo menos, do depoimento da D. BB. 95. O caminho hoje reduzido em discussão nos autos é um caminho público e mesmo que se tenha tentado fazer prova desse desuso ou desnecessidade não foi feita prova destes elementos. Por todo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, deve ser julgado procedente o presente recurso, alterando-se a sentença recorrida por outra que declare a acção peticionada pelos recorrentes totalmente procedente, por provada, fazendo-se assim inteira Justiça. Não foram apresentadas respostas ao recurso. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i. Se deve ser alterada a matéria de facto. ii. Se está demonstrado que o troço antigo inicial do caminho foi objecto de desafectação tácita do domínio público. iii. Se está demonstrado que o réu ocupou parte do leito do caminho com obras. III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Os recorrentes impugnaram a decisão sobre vários pontos da matéria de facto, defendendo que se julguem não provados factos que foram julgados provados e o inverso. Mostram-se cumpridos de modo satisfatório os requisitos específicos desta impugnação, consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que nada obsta à apreciação da mesma. Ouvida a gravação da audiência constata-se com facilidade que a presente acção tem os contornos e as dificuldades próprias de acções com objectos e problemáticas simulares. Estamos perante factos situados num tempo já longínquo cuja memória não resiste à erosão do tempo e, sobretudo, à profunda modificação da vida da comunidade local (há muito menos população, muitas casas estão fechadas, passaram a pertencer a pessoas ausentes ou com centros de vida situados noutros locais) e do contexto em que essa vivência se desenvolve, sobretudo em resultado da modificação das vias, das lógicas de circulação e dos meios de transporte usados. O próprio uso do caminho foi substancialmente modificado. O caminho de terra batida estreito, sinuoso, a confrontar com terrenos com diferenças de níveis, foi transformado numa estrada estreita com piso em paralelepípedos, menos sinuosa. E surgiu uma alternativa melhor com a abertura de uma estrada (dita estrada secundária) que permite a deslocação de pessoas e veículos em muito melhores condições de segurança e rapidez. Em resultado disso as pessoas que usam o caminho diminuíram, as formas de o usar transformaram-se (v.g. a circulação a pé ou de carro de bois, que ocorria no tempo em que as pessoas se deslocavam desse modo a caminho e de regresso da feira que realizava no local onde o caminho desembocava, e que actualmente quase não se faz, pelo menos para percorrer essa distância, em virtude de as deslocações hoje serem feitas quase praticamente com o uso de veículos motorizados) e o interesse pelo caminho modificou-se substancialmente. No caso deu-se uma circunstância particularmente significativamente e transformadora a que os recorrentes não dão o devido relevo. Trata-se da circunstância de o caminho ter sido objecto de intervenções da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia em resultado das quais na parte que interessa aos autos o seu percurso foi modificado. A certa altura, na parte inicial do seu percurso (a partir da estrada secundária com a qual confronta o prédio urbano do réu CC) foi criado um novo acesso ao caminho, isto é, passaram a existir, dois percursos alternativos no seu início: o novo (no decurso da audiência foi designado, por vezes, por «estradão») situado a sul do prédio daquele réu, pavimentado a paralelepípedos, largo, permitindo a passagem fácil de pessoas e veículos do caminho para a estrada secundária e vice-versa, alinhado com o percurso do caminho e tendo continuidade com este; e o antigo, situada a norte desse prédio, que manteve o piso que tinha originariamente (só bem mais tarde, por razões de salubridade e limpeza, a Junta de Freguesia decidiu colocar pedra no respectivo piso) e que continuou a desenrolar-se em torno do prédio do réu e delimitado por este e por um outro prédio situado do lado oposto, mais alto que o caminho (é com este sentido de ramificação da parte inicial do caminho que necessita de ser lido o ponto 5 da matéria de facto). Esta transformação do caminho (que recebeu o nome de Rua ...), acompanhada (não sabemos se as situações coincidiram no tempo, mas aparentemente sim) do respectivo calcetamento (só no novo troço inicial e desde o encontro deste até final do troço originário do caminho, não no troço inicial antigo), conduziu obviamente a uma modificação do uso do caminho. Não se vê, com efeito, à luz das regras da experiência, porque haveriam as pessoas de passar pelo troço antigo (da parte inicial) do caminho quando passaram a dispor de um novo acesso ao caminho a partir da estrada secundária ou para entrar na estrada secundária com muito melhores condições (pavimentada, a direito, largo, desimpedido e com boa visibilidade para a estrada,), sem necessidade de andarem a circular entre habitações e um muro alto, apertados e em curva. A partir desse momento o interesse no traçado antigo do troço inicial do caminho passou a ser exclusivamente do autor e/ou dos anteriores proprietários do seu prédio (a casa do réu tem acesso pela frente, a partir da estrada), pois este passou a ser o único cuja entrada deita para esse troço (o qual só se estende ao longo do prédio do réu CC e, do outro lado, de um prédio bastante mais alto que o caminho e separado deste por um muro de pedra e a seguir do prédio dos autores). Como todos os demais prédios servidos pelo caminho, o prédio dos autores passou a dispor de acesso mais fácil e em melhores condições pelo novo troço do caminho (com a diferença de, dessa forma, circulando com um veículo, ter de executar uma manobra para entrar no seu prédio porque essa entrada situa-se uns 10/11 metros acima do ponto onde o caminho mantém o traçado original, pelo que vindo pelo novo troço, a descer, o autor necessita de passar para o troço antigo e subir por ele esses metros até ao portão do seu prédio). De acordo com os documentos juntos aos autos o réu só comprou o seu prédio em Fevereiro de 2005 e os autores só compraram o deles em Agosto seguinte. Por outras palavras, estas pessoas só passaram a dispor dos respectivos prédios a partir de 2005, altura a partir da qual puderam reclamar o uso do caminho e/ou queixar-se dos comportamentos alheios que colocassem em causa esse uso. No seu depoimento a anterior proprietária do prédio dos autores, sua prima, afirmou que também só foi proprietária desse imóvel cerca de 2 anos, nunca tendo chegado a viver nele por estar em mau estado de conservação (afirma ainda que nasceu no Porto e vive na Póvoa do Varzim há 37 anos, os pais é que eram da freguesia, onde viveu até aos 14 anos, final da década de 1970, e que enquanto foi proprietária do prédio só lá ia 2 ou 3 vezes por ano). Portanto, embora haja relações de família entre todas estas pessoas (chamam-se primos), a origem familiar seja na freguesia e as habitações dos seus familiares se situarem no local (no prédio hoje do réu havia a casa antiga da avó dele que era também avó da DD que vendeu aos autores o prédio hoje destes), em bom rigor, estas pessoas, apesar do que afirmaram em juízo, realmente pouco já sabem do caminho e da forma como ele foi usado durante décadas até 2005, o que revela bem que entre o que eles afirmam e o que se pode aceitar das suas declarações vai uma diferença significativa. Esta alteração do caminho obriga de imediato a questionar o que lhe esteve na origem, mas que não houve o cuidado de procurar averiguar no decurso da audiência. Se o traçado anterior do caminho era desimpedido e permitia a passagem tal como ela sempre foi realizada, porque se decidiu dotá-lo de um novo troço precisamente neste local (afinal de contas, o caminho é inclinado em ambos os casos, mas o ponto onde o troço original liga à estrada oferece melhor visibilidade da estrada que o novo troço)? Tendo o novo troço (e o resto do caminho a partir do ponto em que o troço novo liga ao troço originário) sido empedrado com paralelepípedos, porque se deixou o anterior troço em terra batida e só mais tarde, face à ocupação desse segmento do caminho por vegetação silvestre e coisas abandonadas pelo homem (sinais inequívocos da não utilização do caminho pelas pessoas para passaram a pé ou com veículos!), se procedeu à colocação de pedras (sublinhe-se: não ao acabamento como o restante troço) no piso para evitar aquela ocupação? Estas questões, não respondidas pela prova produzida, permite que se interprete a modificação como uma melhoria (é para isso que em princípio se gasta o dinheiro público), isto é, que o novo troço representa uma mais valia em relação ao que o troço antigo proporcionava, o que pode estar relacionado, entre outras coisas, com a respectiva largura no referido troço. Esta circunstância obriga a grande cuidado na avaliação dos depoimentos prestados e justifica que se ponderem de forma mais importante os meios de prova perenes produzidos nos autos, v.g. por fotografias ou documentos. As primeiras fotografias com relevo estão juntas com a petição inicial (juntas de novo com melhor qualidade gráfica na audiência de julgamento). Embora se desconheça a sua data, as fotografias 5, 6 e 7 revelam o estado em que se encontrava o troço antigo do caminho: cheio de vegetação e com restos vegetais caídos do prédio que ladeia o caminho situado num patamar superior e separado deste por muro de pedra. Estes dados indiciam bem que nesta altura o caminho não era usado por quem quer que seja para passar (e isso, mesmo que no decurso da audiência tenham sido feitas afirmações em contrário, porque a fotografia não mente, não se equivoca, não “fala” de memória). O conjunto das fotografias revela ainda que a separar o caminho do prédio do réu existia já um muro baixo, com rede metálica e, no alinhamento dele, uma divisão que à data das fotografias ainda não estava concluída (faltava a cobertura). A observação parece revelar uma continuidade entre o muro e a parede dessa divisão do lado do caminho e que só no final dessa divisão (no sentido descendente do caminho) existe uma diferença entre o alinhamento da parede exterior da casa e o alinhamento da referida divisão, formando um canto que estreita o caminho. Aparentemente o muro é o mesmo que depois na inspecção ao local o tribunal presenciou, pelo que a fazer fé nas medidas tiradas no local no decurso dessa diligência de prova, o caminho terá aí (ao nível da 6ª quina) a largura de apenas 1,10 metros, sendo apenas nesse ponto que o caminho deixa de permitir a passagem de veículos). Curiosamente, resulta da fotografia 10 que também o muro do prédio dos autores onde se encontra implantado o portão de entrada se encontra desalinhado da estrema do prédio anterior(no sentido descendente, a partir das caixas de correio) delineada pelo respectivo muro de pedra, avançando na direcção do caminho e provocando o estreitamento do espaço livre entre os prédios (simplificando, do caminho), ficando por explicar porque é que isso acontece com o prédio dos autores e já não poderia acontecer com o prédio do réu. As segundas fotografias com relevo, aliás decisivo, estão juntas com a contestação dos réus Município e Freguesia, mais propriamente com o requerimento ref. ª 43998147 [8371628]de 26-11-2022, e que respeitam ao pedido de licenciamento de obras já executadas pelo réu no seu prédio apresentado na Câmara Municipal em 2008 (houve dois processos de licenciamento, esse de 2008 e outro de 2018). Esse pedido é acompanhado de fotografias do local antes das obras a licenciar e depois das obras a licenciar. Nas primeiras três, anteriores à execução das obras, não só se vê que o caminho estava totalmente abandonado, desmazelado e ocupado com vegetação silvestre e lixo, sendo absolutamente legítimo retirar destas fotografias a conclusão de que o caminho não era usado por quem quer que seja e/ou para passar de que modo fosse, tal qual sucede com a fotografia, novamente sem data (mas anotando-se que é posterior à execução das obras de remodelação do prédio do réu), junta pelo réu com a contestação. Essas fotografias mostram ainda, por um lado, que o prédio do réu possuía umas estacas (ferros?) ao alto (provavelmente ligados por rede, mas isso não é absolutamente perceptível das fotografias) a estabelecer a separação (a delimitar) do caminho e que a linha formada por essas estacas está enfileirada com o limite exterior de uma construção tosca em blocos de cimento que se encontra entre a parede exterior da casa ali implantada e o troço do caminho. Esta fotografia torna muito provável que correspondam à verdade as afirmações produzidas por várias pessoas ouvidas em audiência no sentido de que a casa antiga que ali existia (da avó) possuía uma instalação sanitária, denominada retrete no exterior, ao lado da casa, inicialmente de madeira e mais tarde de blocos de cimento, à qual se acedia por fora da casa. É perfeitamente possível que a casa dos avós de quem hoje tem 50 e muitos anos de idade, situada numa aldeia do interior do país, numa zona rural, modesta e humilde, tivesse apenas uma instalação sanitária com essas características (era assim no Portugal rural da primeira metade do século passado). Retira-se dessas fotografias que a recordação que as pessoas possam ter do que seria a largura do caminho nas traseiras da cada do réu é absolutamente imprecisa, falha de fiabilidade e altamente subjectiva porque a verdade é que durante anos e anos ninguém passou por ali e, seguramente, nem os autores, nem os ante proprietários do seu prédio tinham condições ou ligações ao local que lhes permitissem conhecer essa largura (e, sublinhe-se, o que está realmente em causa na acção não é nem a existência do caminho, nem a sua natureza, que não são questionadas por ninguém, é somente a sua largura neste ponto específico entre a casa do réu e o muro do prédio do outro lado, nas proximidades do portão da casa dos autores). Retira-se igualmente que é possível que a estrema do prédio do réu fosse delimitada pela linha formada pelas estacas mencionadas e pela face exterior da instalação sanitária tosca em blocos de cimento que está na origem dos arrumos depois construídos pelo réu. De notar que na planta que acompanha esse processo de licenciamento, nesse topo os arrumos construídos pelo réu têm apenas 1,15 metros de largura. Embora as fotografias não permitam perceber que largura teria a instalação sanitária, aquela largura pode corresponder à desta ou, ao menos, não seria seguramente muito diferente. Acresce que aquela largura consta igualmente do outro processo de licenciamento apresentado em 2018, e que só no outro topo (o mais próximo das caixas de correio no início do caminho) os arrumos têm uma largura superior, mas ainda assim estão alinhados com as já mencionados estacas aparentemente colocadas na estrema entre o prédio e o caminho. Em relação aos documentos existem também alguns com grande relevo. O mais importante deles é a informação do aquivo da Câmara Municipal junto na fase final da demorada audiência de julgamento através do requerimento ref. ª 47164400 [9200798] de 17-11-2023. Segundo essa informação está arquivado no Arquivo Municipal o processo com o n.º ...5/1981, «respeitante à empreitada denominada “... ao ...”, que consistiu no alargamento de muros, construção de muros de suporte, de valetas, condutas de condução de águas e caixas de drenagem, bem como calcetamento em rachão. Esta obra foi adjudicada em vinte e dois de Setembro de mil novecentos e oitenta e um ... e teve o seu término em vinte e oito de Maio de mil novecentos e oitenta e dois, não tendo o arranjo sido totalmente concluído, tendo sido executada as partes que eram necessárias para passagem de carros em dias chuvosos». Esta informação revela que em 1981 a Câmara Municipal contratou a execução de obras no caminho, mas os trabalhos contratados não foram executados na totalidade, tendo sido executados apenas «as partes que eram necessárias para passagem de carros em dias chuvosos», ou seja, aparentemente o caminho foi intervencionado apenas nos locais em que a passagem de carros em dias chuvosos seria problemática, difícil ou impossível. Isso parece consentir duas conclusões: a primeira é a de que não foi nessa intervenção que foi aberto o troço alternativo no início do caminho; a segunda é a de que o caminho tinha locais em que pelo menos nos dias chuvosos a passagem de carros seria problemática, difícil ou mesmo impossível. O mesmo documento informa ainda que se encontra arquivado o processo n.º 11/1997, «respeitante à empreitada denominada “Pavimentação do Caminho entre o Lugar ... e ... - ...”, e, segundo a memória descritiva, “o acesso a pavimentar ligará o Lugar ... ao ..., começando no final da pavimentação existente, fazendo uma extensão de quatrocentos e setenta metros", em calçada à portuguesa, ficando a faixa de rodagem com três metros de largura. [o auto de consignação desta empreitada foi] assinado em dois de Junho de mil novecentos e noventa e sete, tendo a obra sido concluída em vinte e nove de dezembro de mil novecentos e noventa e oito». É possível que tenha sido por essa altura (1997/1998) que foi aberto o troço alternativo no início do caminho, que o caminho foi dotado da largura constante de 3 metros e pavimentado com calçada à portuguesa em toda a extensão entre a estrada secundária donde parte pelo troço alternativo e o espaço da feira onde desemboca (não vem impugnada e por isso não é modificável a decisão sobre o ponto 5 que situa a alteração há pelo menos 37 anos, mas parece que essa quantificação peca por excesso). O Sr. Presidente da Junta de Freguesia, MM, confirmou que o troço inicial originário ficou ainda em terra e só mais tarde, com as queixas de que o caminho se havia transformado numa lixeira e estava cheio de vegetação silvestre e restos de terra e vegetação procedentes do prédio confinante superior, a Junta mandou colocar pedra no chão desse troço do caminho. Parece igualmente poder encontrar-se aqui a razão de ser da abertura, pelo lado sul da casa do réu, de uma alternativa ao troço inicial do caminho, usando para o efeito espaço cedido por outro proprietário que confinava com o prédio que em 2005 foi adquirido pelo réu. A alternativa terá sido criada, muito provavelmente por ter sido decidido que o caminho ficaria com a largura constante de 3 metros e isso não era possível em praticamente nenhum ponto do troço do caminho em discussão nos autos (de acordo com o auto de inspecção ao local no troço inicial originário essa largura só existe num ponto que coincide com o ponto onde a casa do réu está mais afastada do muro do prédio do outro lado do caminho, num patamar superior). O outro documento relevante é a cópia apresentada na Câmara Municipal em Agosto de 2007 por NN, o qual «denunciou o facto de ... junto ao caminho de sua casa o seu vizinho ter procedido à construção de uma casa de banho que ocupa o mesmo. Também procedeu a construção de uma fossa que ... pode afectar o poço de abastecimento de água que usa». É esta queixa que leva a Câmara Municipal a constatar que o réu estava a executar obras sem licença camarária e a notificá-lo para formular o pedido de licenciamento, o que ocorreu em 2008, conforme já assinalado, não sem evitar a aplicação de uma coima que pagou. Como vimos, nesse processo existe uma fotografia que revela uma construção tosca preexistente, não se sabendo em que data foi implantada, mas também não se sabendo porque não se queixou este munícipe antes de Agosto de 2007 (na queixa menciona que é emigrante). A seguir encontramos a queixa apresentada pelo aqui autor em Junho de 2008, na qual acusa a circunstância de «o caminho publico ... situado na Rua ... ... está a ser utilizado para alargamento da casa do [aqui réu]. Quando comprei a minha propriedade eu entrava por cima e saia por baixo, com entrada directa para minha casa, sem fazer manobras». Aparentemente passaram dez anos sem qualquer outra reacção do autor. E só quando em 2018 o réu decide introduzir mais melhorias na sua habitação, o autor se torna a queixar, primeiro promovendo o abaixo-assinado de Novembro de 2019 e instaurando a acção em Outubro de 2022. Estes documentos revelam um enorme lapso de tempo (cerca de dez anos) entre a alegada criação da situação de impedimento da passagem pelo caminho com veículos e a tentativa de repor a situação anterior, o que é pouco compatível com o uso efectivo do caminho e/ou a necessidade dele para acesso à casa dos autores e/ou a passagem de veículos. Esse lapso de tempo não se explica pela circunstância de a afectação desse uso provir apenas das obras a realizar na sequência do licenciamento pedido em 2018, na medida em que a comparação entre os projectos e desenhos que acompanham ambos os pedidos de licenciamento revelam com facilidade que o arrumo que alegadamente estaria a ocupar parte do caminho e a impedir a passagem de veículos se manteve nos dois momentos, com a mesma área (6,40 m2) e a mesma implantação, sinal de que a existir impedimento ao uso para passagem veículos o mesmo se consolidou em 2008 e não apenas em 2018/2019. Existe, por fim, um aspecto que assume igualmente importância. O Presidente da Junta de Freguesia afirmou que na sequência das queixas recebidas nos órgãos autárquicos deu indicação a quem ia fazer as obras no prédio do réu para não proceder à implantação dos muros sem ele mesmo estar no local para se certificar que o troço do caminho era salvaguardado, definindo o seu limite; para o efeito foi ao local e mandou colocar estacas a demarcar a estrema entre o caminho e o prédio, dando ordem para que ali permanecessem até ao final das obras para ele mesmo ir verificar que as suas ordens tinham sido acatadas; no final das obras foi lá e constatou que o muro foi construído deixando livre o espaço que ele havia determinado e que correspondia ao caminho (este depoimento foi confirmado pela pessoa que executou as obras, OO, embora nenhum dos dois consiga dizer com rigor há quantos anos isso ocorreu). Portanto, para o Presidente da Junta o caminho não foi afectado pelas obras realizadas pelo réu, sendo certo que na ocasião já tinha sido colocada pedra no pavimento desse troço desse caminho e, por isso, esta terá sido a segunda oportunidade para os órgãos autárquicos fiscalizarem se o caminho estava a ser respeitado pelos proprietários confinantes. Feito este enquadramento geral da prova produzida, decantado aquilo que os meios de prova mais fiáveis e perenes nos oferecem para caracterizar o contexto e os contornos da situação que traduz o conflito, e tiradas, com recurso à prova por presunção natural, as conclusões que as regras da experiência e o senso comum nos permitem tirar desses meios de prova, estamos então em condições de apreciar os factos cuja decisão os recorrentes impugnam e para cuja modificação invocam apenas os depoimentos produzidos em audiência, mas olvidando que, mais do que as testemunhas afirmam, o que releva é aquilo que se pode deduzir das afirmações que a sua razão de ciência consente e que é compatível com todas as ilações consentidas pela análise a que se procedeu previamente. Reclamam os recorrentes que se julgue não provado o ponto 4. Trata-se de uma imprecisão: o que os recorrentes pretendem é que se elimine do facto a expressão «apenas» porque quanto ao restante uso não só o alegaram como ele se encontra inequivocamente provado. A questão não é pois se o caminho permitia o acesso de pessoas a pé e de carros de bois, aspecto que ninguém põe em causa, mas se «apenas» permitia esse tipo de acesso, ou seja, se «não permitia» o acesso de tractores e veículos automóveis. Tendo sido produzidos meios de prova que referem a passagem de outros veículos, não é possível julgar-se provado que «apenas» permitia aquele uso, independentemente de saber que aquelas referências são suficientes para julgar provado que «também» permitia este uso. O ponto 4 passa assim a ter a seguinte redacção: 4) Esse caminho, de terra batida e piso irregular, permitia, desde tempos imemoriais, o trânsito, todas as pessoas que por ele quisessem passar, a pé e de carros de bois, para acesso entre freguesias. A resposta ao ponto 8) é inteiramente correcta e não pode de modo algum ser alterada. O que ele nos diz é que aquando da abertura do estradão para fazer chegar a Rua ... à Rua ... pelo lado sul do prédio do réu, o troço originário do caminho que fazia essa ligação pelo lado norte desse prédio foi deixado no estado em que se encontrava e sobre isso não há qualquer dúvida porque esse troço só recebeu pedra no pavimento mais tarde por iniciativa da Junta de Freguesia. A resposta ao ponto 9) é igualmente incontornável por existirem nos autos fotografias que o revelam e o Sr. Presidente da Junta confirmou-o, justificando assim o que se afirma no ponto 10) quanto à intervenção no troço antigo e cuja resposta, nessa parte, deve por isso ser mantida. Há no ponto 10) uma parte que necessita de ser devidamente compreendida. Afirma-se que o caminho que recebeu o empedramento mandado executar pela Junta de Freguesia ficou, após essas obras, com a mesma largura que tinha anteriormente. Como no processo não se discute nem ninguém referiu que a Junta de Freguesia tenha decidido reduzir a largura do caminho nesse troço, é evidente que ao fazer essa afirmação o facto reporta-se exclusivamente às obras da Junta de Freguesia, não às obras executadas pelo réu. Nesse sentido, a redacção do facto é correcta: o empedramento do caminho não lhe reduziu a largura, pelo que este manteve a largura que tinha antes, leia-se, sem o empedramento. O que está em causa nos autos não é saber se o caminho foi estreitado por acção (e ocasião) das obras mandadas executar pela Junta, mas sim se aquando da colocação do empedrado ele já se encontrava reduzido na sua largura por acção da construção realizada pelo réu (da ocupação de parte do leito do caminho com essas obras). Uma vez que este aspecto contende com outros pontos da matéria de facto (provada e não provada) abaixo será objecto de apreciação conjunta. A decisão de julgar provado os pontos 11) a 13) também nos parece correcta, por haver referências à existência do sanitário já no tempo dos anteriores proprietários da casa ao qual se acedia por uma cancela de madeira e arame que vedava o percurso de e para a casa de habitação, por esse facto ser plausível nas circunstâncias do caso (antiguidade da habitação, localização num espaço rural) e por haver uma fotografia nos autos já assinalada que revela a existência de um espaço com paredes em betão encostado à parede exterior da casa e do lado do caminho. A resposta ao facto do ponto 15) enferma de um erro. Conforme resulta dos documentos juntos pela Câmara a demolição da retrete e a construção de uns arrumos não tiveram lugar após autorização obtida no processo de licenciamento n.º ...57/2008. Tais obras foram executadas antes disso e só depois de a Câmara Municipal, na sequência duma queixa, ter feito uma fiscalização, ter apurado que havia obra a decorrer sem licença camarária e ter intimado o réu a parar com as obras e obter o licenciamento (mesmo assim o réu acabou por ser sancionado com uma coima e só depois apresentou na Câmara Municipal o pedido de licenciamento onde referia as obras que já tinha executado e entre as quais se contava a construção dos arrumos). Por isso a expressão «Para o efeito, no âmbito do processo administrativo ...57/2008 ...» deve ser substituída pela expressão «No decurso dessas obras ...». O ponto 15) compreende uma parte que remete de novo para a questão essencial da acção, qual seja, a de saber se os arrumos construídos pelo réu ocupam, total ou parcialmente, área do caminho ou apenas uma «faixa de terreno do quintal» do réu. Tal como se referiu antes a propósito do ponto 10), esse aspecto será apreciado mais abaixo. A decisão de julgar provado o facto do ponto 16) é questionável. Na motivação dessa decisão afirma-se somente que «o tribunal em sede de inspecção verificou a pedra em questão e ficou assim convicto do facto em apreço». Ora, salvo o devido respeito, o facto de observar a existência de uma pedra, ainda que a mesma seja diferente do material da parede que assenta sobre ela, não permite concluir como, quando e em que circunstâncias essa pedra passou a estar naquele local e/ou a função que desempenhava antes de fazer parte da parede actual, sendo certo que não basta ao tribunal afirmar-se convencido de algo, é indispensável apresentar o que justifica essa convicção. Por conseguinte, o ponto 16) deve, na nossa opinião, ser julgado não provado, o que aqui se decide. A decisão sobre o ponto 17) também é inteiramente correcta, ao contrário do que sustentam os recorrentes sem levarem na devida conta a redacção do facto. Está em causa desde logo, não o caminho na sua totalidade, aquilo que é hoje a Rua ..., mas apenas o troço inicial originário do caminho, isto é o espaço que ele percorria e ainda percorre entre a Rua ...), a partir do ponto onde se encontra a instalação colectiva de caixas de correio, e o fim do prédio do réu, onde a Rua ... passa a coincidir com o troço originário do caminho até .... Por outro lado, a redacção não menciona os prédios que confrontam com o troço inicial originário do caminho, os quais são inequivocamente três: o dos autores, o do réu e o prédio do outro lado deste situado num nível superior ao do caminho e separado deste por um muro alto em pedra. O facto refere-se antes aos prédios cuja entrada deita para esse troço, situação que sem qualquer dúvida ocorre apenas com o dos autores; o do réu (em virtude da construção do arrumo e do muro que vedam a totalidade do lado do prédio que deita para o caminho), com as obras deixou de ter entrada por esse lado, o prédio do outro lado do caminho está num patamar superior não dispondo de entrada de e para o caminho (segundo se observa nas fotografias do auto de inspecção ao local, designadamente da fotografia 9 onde o muro tem quase a altura da interveniente na audiência que usava um chapéu de chuva cor-de-rosa). Por isso deve ser mantida a decisão de julgar provado o facto do ponto 17) e bem assim a decisão de julgar não provado o facto da alínea d) do respectivo elenco. O facto do ponto 18) também nos parece bem decidido. É incontornável que desde a abertura da nova alternativa no inicio do caminho, esta passou a ser a opção com melhores condições de acesso e mais fácil de usar. E uma vez que, conforme já se assinalou, apenas o prédio dos autores tinha um portão a deitar para o antigo troço inicial, faz todo o sentido que todos os demais utilizadores do caminho adoptassem a nova entrada para a Rua ..., designadamente por desnecessidade do percurso antigo. É essa a lógica da intervenção dos órgãos autárquicos: abrir um novo acesso, pavimentar todo o caminho, deixar o troço antigo como estava e mais tarde apenas por questões de salubridade colocar pedra no seu leito. A demonstração do contrário (isto é, os comportamentos contrários à lógica) carecia de uma prova com uma força demonstrativa reforçada que de todo não foi produzida. O ponto 22) também se encontra correctamente decidido., pese embora o facto não tenha absolutamente nenhum interesse para o mérito da acção Muito embora o abaixo assinado não tenha sido enviado à Câmara pelo autor e primeiro subscritor do mesmo (afinal de contas que teve a iniciativa do mesmo e o fez redigir, após o que pediu a outras pessoas para o assinarem) mas sim por , os documentos apresentados pela Câmara Municipal revelam que foi apurado onde morava o primeiro subscritor e determinado o envio da resposta subscrita pelo Vereador PP, constando do arquivo o envio dessa resposta (26-02-2020, «expedi ofício») e fazendo sentido que se foi elaborado o ofício (doc. junto com a contestação) o mesmo tenha sido enviado pelos serviços por se tratar de uma resposta a um «abaixo-assinado». Regressemos então agora ao segmento dos pontos 10) e 15) que constituem a essência do conflito na presente acção e que encontra a outra versão nas alíneas c), i), l) e m) dos factos julgados não provados. Trata-se de saber se o troço inicial original do caminho não tem hoje, após as obras executadas pelo réu no seu prédio e mais especificamente a construção dos arrumos que confinam com o caminho, a largura que tinha antes, permitindo a passagem de pessoas a pé e com carros de bois, mas não a de tractores e veículos automóveis. Segundo consta do auto de inspecção ao local, existe um ponto onde o caminho tem somente a largura de 1.10 metros, pelo que na sua configuração actual não permite a passagem destes veículos motorizados. O que o tribunal foi chamado a decidir é se antes das obras permitia. Foi julgado provado que o réu implantou as suas obras «numa faixa de terreno do seu quintal», no alinhamento da vedação existente e das fundações preexistentes (15) e não provado que as implantou «numa parcela do troço» do caminho, (i), o qual tinha nesse troço a largura média de 2,5 a 3 metros (c), afunilando-o (l), assim criando dificuldades para «o acesso e circulação de veículos de tracção animal, tractores e veículos automóveis» (i) , impedindo as pessoas de passarem com veículos automóveis ou de por aí passar um «carro de bombeiro ... ambulância ou ... veículo de porte maior» (m). A prova é, como vimos, contraditória, como seria de esperar. As testemunhas arroladas pelos autores efectivamente afirmam que o caminho era «mais largo», «largo» ou que se passava com facilidade a pé e de carro de bois, as testemunhas arroladas pelos réus e o Presidente da Junta de Freguesia afirmam que a largura do caminho se manteve a mesma de antes, porque as obras executadas pelo réu não invadiram espaço do caminho. Na análise e avaliação dessa prova, são inultrapassáveis os seguintes aspectos, não necessariamente com esta ordem de importância: (i) o tempo decorrido, (ii) o decurso de décadas sobre a transformação radical das condições de passagem pelo caminho com a abertura do novo troço inicial que oferece muito maior comodidade e facilidade de utilização (por isso foi aberto), (iii) a escassa ligação ao local dos autores e dos anteriores proprietários do seu prédio e o inerente diminuto conhecimento concreto da utilização que era feita do caminho e da sua largura efectiva, (iv) a distância a que as testemunhas arroladas pelos autores têm, há décadas, o seu centro de vida e a consequente atenuação do rigor com que podem afirmar o que afirmaram (que remete sobretudo para a memória de infância em que o caminho não era seguramente usado por veículos automóveis – v.g. razões e âmbito da intervenção no caminho mandada executar pela Câmara em 1981 quando várias destas testemunhas já nem ali viviam nem por lá passavam), (v) o texto do abaixo assinado que denuncia uma elaboração por pessoa conhecedora das leis, o que atenua o rigor com que ele podia expressar a vontade efectiva de quem o subscreveu (as quais têm muita proximidade com os autores e nalguns casos até dizem que o assinaram porque isso lhe foi pedido e para ajudar a autora), (vi) a não produção do depoimento de alguma pessoa não interessada na causa (como os autores e a pessoa que lhe vendeu o prédio e que só foi dono dele 2 anos) que viesse declarar que ela mesma passou por lá de tractor ou de carro no desenvolvimento da sua vida pessoal ou profissional, (vii) a afirmação firme do Sr. Presidente da Junta de Freguesia (porventura o mais interessado na preservação do caminho onde a Junta gastou dinheiro e numa posição de equidistância em relação aos habitantes da freguesia) e da testemunha OO de que o muro de vedação do prédio do réu foi implantado naquele prédio e não no caminho (respeitando, aliás, um murete fraco que já lá existia, o que remete a sinalização pública do limite do prédio – e do caminho – para um tempo ainda mais antigo), (viii) o aparente decurso de uma década até os autores, confrontados já com a construção da divisão (arrumo) que coloca o caminho com a largura que apresentou durante todo este tempo, reagirem com o abaixo assinado e depois a acção. Não descurando o que foi afirmado pelas testemunhas, mas colocando as suas afirmações no devido contexto que retira consistência à memória guardada que permitiu as declarações e atenua a fiabilidade dos factos afirmados em relação a algo que não parou no tempo, como o seu conhecimento, mas foi evoluindo de modo significativo com a mudança das pessoas, do local e das vivências (hoje é um local onde vivem muito menos pessoas que antigamente e cujo modo de vida se alterou significativamente), e sopesados todos aqueles aspectos, com o grau de dúvida que é sempre possível mas com o qual toda a decisão judicial tem de viver e é compatível, não conseguimos deixar de acompanhar a decisão do tribunal a quo, rectius, não conseguimos expressar razões que do ponto de vista epistemológico e numa formulação racional sejam suficientes para dela divergir. Por esse motivo, decide-se manter a decisão proferida sobre os factos do ponto 15 (provado) e das alíneas c), i), l) e m) (não provados). Passando à alínea b) dos factos não provados, constata-se que a mesma contém um facto sem qualquer relevo para a acção porque o que importa não é se o caminho era o único, mas sim se existia (o que ninguém coloca em crise) que tipo de uso era feito dele e que natureza tinha. De todo o modo, a alínea em causa afirma que o troço referido em 7) dos factos provados era o único acesso entre os lugares de ... e ... e para a freguesia ..., quando no decurso da audiência foi mencionada a existência de outros caminhos designadamente para a ... (ainda existe um a ligar à Rua ..., mais a norte deste, que também foi empedrado com paralelepípedos), pelo que o facto foi correctamente decidido. A decisão de julgar não provado o facto da alínea e) é também certeira. A partir do momento em que foi aberto o novo troço inicial do caminho, o qual é mais largo, foi pavimentado desde a sua abertura e dispunha de melhor acessibilidade à estrada secundária onde desemboca, qualquer utilização residual que fosse feita do troço antigo do caminho (não por acaso, mesmo os autores e o anterior proprietário do seu prédio afirmaram terem realizado bem escassas e contadas utilizações do caminho) não podia de modo algum causar as marcas que a alínea refere. Acresce que existem fotografias de deixam evidente o abandono a que o caminho foi votado durante, pelo menos, algum tempo, e que quando para por termo ao desleixo e insalubridade do caminho que aquele abandono causou, a Junta de Freguesia mandou colocar pedra no piso desse troço do caminho este deixou, naturalmente, de poder acusar as marcas mencionadas na alínea. Os factos das alíneas f), g) e h) pretendem expressar que o troço inicial do caminho sempre serviu e continua a servir para as pessoas em geral passarem a pé, com tractores e carros. Não há qualquer dúvida de que a transformação do restante troço do caminho, que foi alargado, empedrado e convertido na Rua ..., tornou possível e relativamente cómoda a utilização com veículos dessa natureza (ainda assim muito menos conveniente que a utilização da estrada secundária porque a Rua não tem largura suficiente para veículos dessa natureza a circular em sentidos opostos se cruzarem e em alguns locais não é sequer possível – pela configuração dos terrenos adjacentes - executar manobras esses veículos passarem um pelo outro. Só que em simultâneo foi essa transformação que dotou a rua do troço inicial de ligação ao caminho existente. Portanto, sendo embora indeclinável que durante várias décadas e até essa transformação acontecer o caminho existia e era utilizado pela população em geral para passar (seguramente, a pé e de caro de bois) ao ponto de a Câmara Municipal se interessar pela sua conservação e melhoria, não é possível considerar provado que mesmo depois disso o troço inicial originário (não por acaso deixado como estava) continuou a ser usado (pelo menos, mais que muito ocasionalmente por alguma pessoa a pé) e/ou passou a ser usado para passarem tractores ou carros. Daí que o mais que podia ser julgado provado é que até à abertura do novo troço inicial o caminho era usado com as características referidas nestas alíneas. Por isso decide-se aditar à matéria de facto (e aos pontos 3, 4, 6) o seguinte ponto: 4-A) Desde tempo que a memória dos vivos não recorda, esse caminho era usado pelas pessoas para se deslocarem entre o ... e ..., ininterruptamente e sem oposição de ninguém, na convicção de que tal caminho estava associado à satisfação das suas necessidades sociais e da vida económica, podendo ser utilizado por todos, sem terem de pedir qualquer licença ou autorização, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém. Por fim, temos os factos das alíneas j) e k). Os mesmos não possuem qualquer interesse para o julgamento do mérito da causa, cujo desfecho é totalmente independente de o abaixo assinado ter sido entregue na Câmara Municipal ou também na Junta de Freguesia ou de o abaixo assinado mencionar a colocação da pedra no caminho e a sua presença ter sido constatada pela Câmara ou não (tanto mais que já foi retirado: pontos 24 e 25). Por conseguinte esta Relação abstém-se de apreciar a decisão sobre esses factos, sendo certo que os documentos juntos só atestam a apresentação do abaixo assinado na Câmara Municipal e o seu texto não faz qualquer referência à pedra, mas ela observa-se nas fotografias supostamente juntas com o abaixo assinado. IV. Fundamentação de facto: Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos: 1) No dia 25 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial da Póvoa do Varzim, a cargo da Notária QQ, os autores declararam comprar a EE e mulher DD, que por sua vez declararam vender, mediante o pagamento do valor de €8.000,00, o prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro, sito no lugar ... ou ..., da Freguesia ..., Concelho de Baião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião, sob o n.º ...96 e inscrito na matriz sob o artigo ...56. 2) Na inscrição matricial n.º ...56 consta que o prédio confronta a norte, sul, com RR, nascente com SS e Poente com caminho público. 3) Na Freguesia ..., do concelho de Baião existia um caminho desde o lugar da Feira (onde se situa o actual Centro Cívico), da mesma freguesia até desembocar na EN ... (actual Rua ...), no local onde se encontram caixas de correio colectivas e o local onde habita o 1.º Réu. 4) Esse caminho, de terra batida e piso irregular, permitia, desde tempos imemoriais, o trânsito, todas as pessoas que por ele quisessem passar, a pé e de carros de bois, para acesso entre freguesias. 4-A) Desde tempo que a memória dos vivos não recorda, esse caminho era usado pelas pessoas para se deslocarem entre o ... e ..., ininterruptamente e sem oposição de ninguém, na convicção de que tal caminho estava associado à satisfação das suas necessidades sociais e da vida económica, podendo ser utilizado por todos, sem terem de pedir qualquer licença ou autorização, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém. 5) Em data não concretamente apurada, mas há pelo menos cerca de 37 anos, foi alterado o percurso do caminho referido em 3), que continuou a desembocar na EN ... (actual Rua ...), porém ao invés de ser ao lado das caixas de correio colectivas, passou a desembocar junto à casa habitada pelo 1.º réu, do lado contrário às referidas caixas de correio, mantendo o seu percurso até ao centro cívico. 6) O caminho referido em 5) em face de alargamento, arranjos e alterações (mais tarde empedramento), passou a permitir o trânsito de veículos a motor. 7) O troço do caminho que desemboca junto às caixas de correio colectivas, na EN ... (actual Rua ...), delimitado, parcialmente por uma parede da habitação, onde residem o 1.º réu, por um muro de suporte de terras e onde se encontra um portão de acesso a prédio pertença dos autores, tem o cumprimento de cerca de 40 a 50 metros e em média a largura de 2,50 metros, e tem o leito visível. 8) O troço referido em 7), após o referido em 5) manteve-se no estado em que se encontrava. 9) O troço referido em 7) foi invadido por erva e arbustos, bem como foi usado como depósito de sobrantes do terreno de cultivo (ervas, ramos de videira, terra, lixo). 10) Em data não concretamente apurada, mas entre os anos de 2018 e 2019, a Junta de Freguesia ... mandou empedrar o troço referido em 7), em cubo de granito, para acabar com mau aspecto geral e por considerar um perigo para a saúde pública, mantendo a largura existente. 11) A casa onde habita o 1.º réu, pelo menos em 2005, possuía uma retrete em bloco, no lado posterior junto ao troço do caminho referido em 7). 12) Ao longo do troço referido em 7), para além da parede posterior da casa habitada pelo 1.º réu, havia um muro divisório, em pedra tosca encimada por uma rede, ao qual se seguia uma vedação em rede até à esquina da dita retrete. 13) Ao lado da retrete, na parede da casa, existia uma porta que dava para o caminho e permitia o acesso do 1.º réu e família a essa retrete. 14) O 1.º réu iniciou obras de reconstrução da habitação sita na Rua ..., iniciando para o efeito os respectivos processos administrativos (...57/2008 e n.º 46/2018), tendo sido emitidas licenças pelo Município de Baião, destinadas entre outros a construir um quarto de banho no interior da habitação e um compartimento destinado a arrumos com acesso pelo interior da casa. 15) Para o efeito, no âmbito do processo administrativo ...57/2008 o 1.º réu demoliu a retrete e, no espaço que ela ocupava e numa faixa de terreno do seu quintal, construiu compartimento destinado a arrumos, no alinhamento da vedação existente e das fundações da retrete, bem como tapou a porta indicada em 13). 17) A partir das obras mencionadas em 14) apenas o prédio pertença dos autores permaneceu com entrada a partir do troço referido em 7). 18) Com o passar do tempo, há pelo menos 37 anos, o troço referido em 7) veio aos poucos a cair em desuso, deixando de ter qualquer tipo de trânsito, a não ser para passagem esporádica de uma ou outra pessoa a pé, e dos autores, em especial entre a Rua ... e o portão de entrada no seu prédio. 19) Quando se deslocam a ... os autores estacionam o automóvel no interior da sua propriedade, a não ser quando o decidem deixar, como por vezes fazem, no meio do troço referido em 7), ocupando-o. 20) Os autores subscreveram abaixo assinado datado de 06.11.2019, dirigido ao Município de Baião, no qual se lê: “Nós abaixo assinados residentes na Rua ... ou nas suas imediações, da Freguesia ..., concelho de Baião, vimos por este meio atestar que nas traseiras da habitação que se encontra circundante a vermelho, no documento n.º 1, que se junta, existe e sempre existiu um caminho público, que vem sendo destruído pelo Sr. CC. Face a este procedimento alguns populares consultaram os processos de licenciamento do Senhor em causa, todavia, apesar de ter as licenças necessárias, o certo é que o mesmo alargou o muro traseiro da habitação para o caminho, bem como construiu um anexo em cima desse caminho. Ora, não se pode conceder essa situação, pois apesar de a junta de freguesia, no ano de 2009 informar que o referido caminho vicinal (Antigo caminho de carro de bois) não é de acesso automóvel, o certo é que erroneamente prestou essa informação, uma vez que durante largos anos o caminho público passava nas traseiras da habitação em ampliação /proc. ...6/2018 e ...1/2019). Só e apenas por cedência de terreno por um particular é que passou a existir caminho na frente dessa habitação, pelo que se pode afirmar com toda a certeza que este caminho sempre foi um caminho público, há mais de 100 (cem) anos, utilizado por todos os habitantes deste lugar, quer a pé, quer de tracção animal, quer de carro. Os habitantes deste lugar reconhecem o direito que lhes é explanado na constituição da república, pelo que enquanto habitantes daquele lugar pretendem salvaguardar o direito de acesso ao caminho de domínio público violado. A actuação do particular, Sr. CC é lesiva dos interesses da comunidade local. É assente nos testemunhos dos habitantes locais de larga idade que este caminho foi, desde sempre utilizado pelas comunidades e desde sempre teve uma configuração física diferente da que vemos ali hoje. O caminho em causa, ainda hoje é limpo e tratado pela junta de freguesia, como caminho público, mas durante anos foi o único acesso aos terrenos que se encontram abaixo da referida habitação. Nesse caminho circularam carro de bois, como estipula o executivo da junta em 2009, mas também circularam carros, sendo que hoje é completamente impossível, dadas as construções que ali foram ampliadas. No início deste caminho, quem sobe do 1442, conseguimos perceber como era a extensão do caminho, sendo sempre muito mais que três metros na largura e hoje estreita-se a olhos vistos. Assim, os abaixo assinados, populares da Freguesia ..., vêm junto de V. Ex.ª solicitar que sejam tomadas as medidas tidas por convenientes, para que o caminho público, desde sempre utilizado que agora se encontra encerrado à circulação automóvel, indevidamente, possa ser reaberto para a utilização de todos e reposta a perfeita normalidade daquele lugar. Permita-se dizer que no caso concreto estamos perante actividade de um particular que pretende apropriar-se de um caminho que é do domínio público desde tempos imemoriais e que vemos nos nossos autarcas, nomeadamente o executivo da junta de freguesia, nada a fazer para defender este caminho de primordial configuração”. 21) O Município de Baião fez deslocar um fiscal municipal para analisar a situação. 22) Após o que o Município enviou resposta escrita ao autor, datada de 26.02.2020, para a morada: Rua ..., ..., enquanto primeiro subscritor, informando que a responsabilidade pela gestão e manutenção do caminho pertencia à Junta de Freguesia .... 23) O Município de Baião enviou ainda ofícios à Junta de Freguesia .... 24) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2019, o 1.º réu colocou um cubo de granito na entrada/ leito do troço referido em 7), obstruindo a entrada junto ao portão de acesso ao prédio dos autores. 25) O Presidente da Junta de Freguesia quando soube da sua existência solicitou a sua retirada ao 1.º réu, o que este fez. 26) O 1.º réu teve custos com deslocações ao escritório da sua Mandatária e com os honorários desta. V. Matéria de Direito: A] Da desafectação do domínio público do troço do caminho: A apreciação do mérito dos pedidos formulados pelos autores obriga a que em sede de matéria de direito se discuta a natureza pública do caminho e se parte dele está a ser ocupada ilicitamente pelo réu. Na douta sentença recorrida entendeu-se que o caminho desde o Centro Cívico do lugar da Feira até à EN ..., actual Rua ..., integrava o domínio público da Freguesia ... e que o troço desse caminho comungou de tal dominialidade pública. Este entendimento do tribunal a quo não vem questionado pelos recorrentes e não suscitou qualquer reserva aos recorridos porque não responderam ao recurso e, consequentemente, também não fizeram uso da faculdade da ampliação do âmbito do recurso prevista no artigo 636.º do Código de Processo Civil. O que cabe, pois, discutir é somente se ocorreu a desafectação do domínio público do troço do caminho que constitui o objecto do conflito que levou os autores a instaurar a acção, como se entendeu na decisão recorrida. Vejamos: O Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 1989, in DR-Iª-A de 2-6-1998, no presente com valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, fixou o entendimento de que «são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público». Essa natureza exige ainda, contudo, a afectação do caminho à utilidade pública, ou seja, que a «sua utilização tenha por objecto a satisfação de interesses colectivos de certo grau e relevância» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-06-2000, in www.dgsi.pt). O entendimento de que «quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente», é explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-02-2003, in www.dgsi.pt, pelo facto de «o uso público relevante para o efeito [ser] precisamente o que pressupõe uma finalidade comum desse uso. Isto é, se cada pessoa, isoladamente considerada, utiliza o caminho ou terreno apenas com vista a um fim exclusivamente pessoal ou egoístico, distinto dos dos demais utilizadores do mesmo caminho ou terreno, para satisfação apenas do seu próprio interesse sem atenção aos interesses dos demais, não é a soma de todas as utilizações e finalidades pessoais que faz surgir o interesse público necessário para integrar aquele uso público relevante. Por muitas que sejam as pessoas que utilizem um determinado caminho ou terreno, só se poderá sustentar a relevância desse uso por todos para conduzir à classificação de caminho ou terreno público se o fim visado pela utilização for comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais». Ainda segundo o mesmo Acórdão, «para se decidir da relevância necessária dos interesses públicos a satisfazer por meio da utilização do caminho ou terreno para este poder ser classificado como público, há que ter em conta em primeira linha, por um lado, o número normal de utilizadores, e, por outro lado, a importância que o fim visado tem para estes, à luz dos seus costumes colectivos e das suas tradições e não de opiniões externas. Tem assim de se dar por assente que se deve entender por uso directo e imediato pelo público a utilização do caminho ou terreno por uma generalidade de pessoas, obviamente por si próprias e não por intermédio de representantes, sem necessidade de qualquer autorização particular, percorrendo-o ou nele permanecendo, com vista a satisfazer relevantes interesses comuns». O caminho que adquiriu a natureza de caminho público pode, posteriormente, perder essa natureza em determinadas situações. Uma delas é a chamada desafectação, que pode ser expressa, quando é afirmada por um acto administrativo, ou tácita quando advém da modificação do uso do caminho. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2007, in www.dgsi.pt, afirma que a desafectação tácita «prende-se com a falta de utilização pelo público o que implica a perda da característica pública da respectiva utilidade. Assim se um bem dominial, não constante do elenco legal imperativo, deixar de estar afecto à utilidade pública causal da respectiva qualificação, ocorre a desafectação tácita. (...) Há, contudo, que atentar nas razões que conduziram à falta de utilização para verificar se a mesma resultou de desnecessidade – essa sim, geradora da desafectação tácita – ou de impossibilidade. (cf. Prof. Marcello Caetano que, em abono desta tese, ensina que “a estrada abandonada em consequência da construção de um desvio deixou de ser utilizada pelo trânsito e isso significa cessação da sua utilidade pública” (…) em todos os casos em que exista uma mudança de situações ou de circunstâncias que haja modificado o condicionalismo de facto necessariamente pressuposto pela qualificação jurídica”. Daí que para aferir da desafectação tácita tenha de apurar-se a modificação das circunstâncias de facto que originaram a afectação “ab initio” à satisfação da utilidade pública que era o objectivo da utilização colectiva». O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2023, proc. n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S2, in www.dgsi.pt, depois de admitir que a extinção do estatuto da dominialidade pública pode ocorrer através de desclassificação legal, desclassificação administrativa, desafectação e degradação, afirma que «a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem admitido de forma consistente a figura da desafectação tácita (ou desafectação implícita), defendendo-se ... que «a aceitação da possibilidade de extinção do estatuto de dominialidade através da desafectação tácita ... exige que tenha ocorrido o abandono da função pública do bem, aferido por comportamentos inequívocos da administração, bem como o decurso de um período de tempo significativo, correspondente, pelo menos, ao dobro do prazo máximo de usucapião. Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que a desafectação tácita corresponde aos casos em exista uma mudança de situações ou de circunstâncias que haja modificado o condicionalismo de facto necessariamente pressuposto pela qualificação jurídica, exigindo-se que o bem deixe de servir o fim da utilidade pública, nomeadamente, por deixar de ser utilizado pelo público de forma continuada e definitiva, e passe a estar nas condições comuns aos bens do domínio privado da Administração» (o Acórdão cita os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-6-2018, proc. n.º 2592/16.3T8SNT.L1.S1, de 13-07-2010, proc. n.º 135/2002.P2.S1, de 13-01-2004, proc. n.º 3433/03, de 14-10-2004, proc. n.º 2576/04, de 19-05-2011, proc. n.º 3378/08.6TJVNF, e de 11-01-2017). A fundamentação de facto revela-nos a existência de um caminho usado desde tempos imemoriais por todas as pessoas que por ele quisessem passar para fazer a ligação entre vários lugares da mesma freguesia. O caminho em si mesmo não só não foi abandonado como foi mesmo objecto de sucessivas melhorias para facilitar a sua utilização pública para acesso aos pontos que liga, tendo sido alargado, empedrado e recebido mesmo o nome de Rua. Sucede, contudo, que há pelo menos cerca de 37 anos, no âmbito das melhorias no caminho, este foi dotado de um novo troço na parte final (inicial) do seu percurso, onde se liga à Rua ...), isto é, o seu percurso foi mudado para outro local, mais a direito, mais largo e mais favorável à ligação à referida Rua, tendo sido esse troço que recebeu as mencionadas melhorias, designadamente a colocação de pedra no seu piso. O antigo troço do caminho com o comprimento de cerca de 40 a 50 metros está delimitado, de um lado, pelo prédio do réu, e do outro lado, pelo prédio dos autores e outro prédio, sendo que destes três prédios apenas o dos autores tem um portão de acesso que deita para esse troço do caminho, o mesmo não sucedendo com o prédio do réu (tem entrada pela Rua ...) ou com o outro prédio (está a um nível superior ao do caminho e separado deste por um muro alto de pedra que não permite a passagem). Sucede que esse troço não foi objecto das melhorias referidas, tendo ficado no estado em que se encontrava à data da abertura do novo troço final (inicial) do caminho (Rua ...), tendo, com o passar do tempo, sido invadido por erva e arbustos e passado a ser usado como depósito de sobrantes do terreno de cultivo (ervas, ramos de videira, terra, lixo), caindo em desuso e deixando de ter qualquer tipo de trânsito, a não ser para passagem esporádica de uma ou outra pessoa a pé e dos autores entre a Rua ... e o portão do seu prédio. A nosso ver, tal como entendeu a quo, estes factos são suficientes para concluir ter havido de facto uma desafectação tácita deste troço do caminho do domínio público. Com efeito, com essas transformações o segmento inicial do troço antigo deixou de servir o interesse público das pessoas para dele se servirem para fazer a ligação entre lugares e propriedades, utilidade que o caminho lhes proporcionava e que anteriormente justificou a atribuição de dominialidade. O caminho passou desde então a servir praticamente em exclusivo os proprietários do imóvel actualmente pertencente aos autores, por não haver outras pessoas que tivessem necessidade dele para fazer o mesmo percurso de ligação que a Rua ... passou a proporcionar-lhes em melhores condições de acesso, percurso e segurança. O surgimento no piso desse troço de vegetação silvestre e a sua ocupação por ervas, ramos de videira, terra e lixo ali colocados pelo homem, é sinal claro do abandono e desinteresse a que foi votado e da desnecessidade do caminho para as pessoas em geral, atento o surgimento de outra e melhor forma de satisfazer o interesse público que se manteve de aceder aos lugares e propriedade a que o caminho permitia aceder. Os próprios autores e anteriores proprietário do seu prédio afirmaram, aliás, que, em regra, é o novo troço do caminho que utilizam e só recorrem ao troço antigo na parte que dista entre o portão do seu prédio e o novo troço por acedem. Existe um único facto que perturba esta interpretação das modificações operadas no caminho. Referimo-nos à circunstância de entre 2018 e 2019, a Junta de Freguesia ... ter mandado empedrar esse troço com cubos de granito, num sinal de que a Junta de Freguesia entendia ser sua tarefa zelar esse espaço dessa forma. Sucede, contudo, que se provou também que isso não foi motivado por questões relacionadas com a passagem pelo troço ou com a finalidade de a permitir, mas sim para acabar com mau aspecto geral desse espaço e por considerar a situação (leia-se o depósito de inertes e lixo no troço) um perigo para a saúde pública. Por outras palavras, essa actuação não se prendeu com utilização colectiva e de interesse geral do caminho que motivou a sua entrada no domínio público, prendeu-se apenas com questões de salubridade do espaço, em cujo topo, junto à Rua ..., existe uma instalação colectiva de caixas de correio dos habitantes nas proximidades que dá visibilidade ao espaço e conduz a que ali acedam pessoas. Por tudo isso, considerando as décadas já decorridas desde a transformação do caminho, o significado de o mesmo ter sido dotado no local de outro troço em melhores condições, o facto de o troço antigo ter ficado a servir quase exclusivamente os proprietários do prédio hoje dos autores, não havendo outras pessoas que dele tenham necessidade ou efectiva vantagem na utilização, a circunstância de as necessidades colectivas de ligação ou passagem estarem servidas convenientemente pelo novo troço e a situação de abandono a que o caminho foi efectivamente votado pela população (ao ponto de exigir da Junta de Freguesia a execução de trabalhos para impedir a sua insalubridade), entendemos ter sido demonstrada a desafectação tácita do caminho do domínio público. Nessa medida foram correctamente julgados improcedentes os pedidos que respeitam à declaração de que o caminho tem (continua a ter) essa natureza. Nesse ponto o recurso é igualmente improcedente. B] Da ocupação do caminho pelo réu com obras: Os restantes pedidos respeitam já à questão de saber se o réu ocupou parte do leito do caminho com obras que implantou para além da estrema do seu prédio, invadindo aquele. Uma vez que o tribunal não pode julgar a acção com fundamento noutra causa de pedir que não a alegada, porque esta actuação vinha apodada de ilícita em função da natureza pública do caminho, uma vez demonstrada a desafectação do troço em causa a mesma não pode deixar de ser desatendida. De todo o modo, pode afirmar-se que não resulta da fundamentação de facto que com as obras que realizou o réu tenha ocupado parte do leito do troço do caminho em questão. VI. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a douta sentença recorrida. Custas do recurso pelos recorrentes, não havendo lugar ao pagamento de mais que a taxa de justiça já paga por os recorridos não terem respondido ao recurso. * Porto, 20 de Junho de 2024. * Os Juízes Desembargadores Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 833) 1.º Adjunto: Ana Luísa Gomes Loureiro 2.º Adjunto: Isabel Silva [a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas] |