Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1200/20.2T8PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RECURSO DA DECISÃO DE FACTO
LOCAÇÃO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
OBRAS ORDINÁRIAS OU EXTRAORDINÁRIAS
Nº do Documento: RP202309111200/20.2T8PFR.P1
Data do Acordão: 09/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
II - Nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, face à previsão do nº1 do art. 1111º Código Civil e tal como ocorre no regime do contrato de arrendamento para habitação, a responsabilidade pela realização das obras ordinárias ou extraordinárias requeridas por lei ou pelo fim do contrato, fica sujeita à livre estipulação das partes.
III - Apenas na falta de estipulação das partes tem aplicação o regime supletivo previsto no nº 2 do preceito.
IV - Este regime tem de especifico “a dispensa de consentimento do senhorio para que o inquilino possa realizar as obras «exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato»”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Arrd-RMF-Renda-Obras-1200/20.2T8PFR.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTORA: AA, residente na Rua ..., nº ..., 1º, ..., Santo Tirso; e
- RÉUS: BB E MULHER CC, casados, residentes na Rua ..., ..., ..., Paços de Ferreira,
veio a autora pedir que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento referido na petição, condenando-se os réus a entregar o arrendado à autora totalmente livre de pessoas e bens, condenando-se ainda os réus a pagarem à autora as rendas vencidas e vincendas até efetivo despejo.
Alegou para o efeito e em síntese que existe entre as partes um contrato de arrendamento e que os réus não pagaram as rendas vencidas respeitantes aos meses de Janeiro a Novembro de 2020.
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Citados os réus apresentaram contestação, alegando para o efeito que o réu marido é arrendatário do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, estando nele instalado uma habitação e um armazém desde há pelo menos 30 anos, tendo nele instalado uma indústria de polimentos de mobiliário de madeira, pelo menos desde 1991 e tal aconteceu quando os réus tomaram de arrendamento aquele prédio, do que o falecido marido da autora e a autora tinham conhecimento.
Mais alegou que sempre tiveram conhecimento das obras que foram sendo realizadas e sempre deram o seu consentimento. Essas obras foram necessárias em virtude da inexistência de licença de utilização, sendo que o falecido marido da autora juntamente com o réu marido, junto da C. M. ... instauraram processo de licenciamento.
Alegam, ainda, que tudo começou quando o então falecido marido da autora não fazia as obras necessárias no espaço, e dando origem ao processo nº 233/18.3T8PFR. Nesse mesmo processo, os réus apenas liquidaram o valor das rendas e aceitaram atualizar o valor das rendas do locado, conforme consta da transação. Da referida transação consta que o autor permite que os RR continuem a exercer no prédio arrendado a indústria de polimentos de mobiliário de madeira. Os problemas, iniciaram-se quando, os aqui réus a partir de abril de 2018 passaram a solicitar ao falecido marido da autora, e posteriormente à autora a emissão dos recibos referentes ao pagamento das rendas, que sempre foram pagas.
Durante mais de 2 anos, e muito embora as constantes interpelações dos aqui réus, nunca foram emitidos quaisquer recibos pela autora. O réu marido, a 14 de Dezembro de 2018 interpelou a aqui autora para a realização das obras nunca tendo obtido qualquer resposta por parte da autora; mais, o réu marido continuou a interpelar sistematicamente a autora e esta enviou duas pessoas às instalações dos réus que fizeram o levantamento de todas as necessidades; e, apesar das promessas de resolução, nada foi feito pela autora.
Em virtude de toda esta situação, no mês de Janeiro de 2020, os aqui réus passaram a depositar a renda no Banco 1…, comunicando tal facto à aqui autora por carta registada C/AR, aviso que foi recebido pela autora, mas que não a reclamou, o que determinou a sua devolução. A 05/02/2020, os aqui réus requereram a notificação judicial avulsa da autora, a qual tinha o teor do doc. n.º 7 junto com a contestação. A autora recusou a assinar a notificação judicial avulsa no dia 14/02/2020, tendo-se deslocado no dia 27/02/2020 ao escritório do Senhor Doutor DD, Agente de Execução, tendo sido notificada nesse dia, pelas 15h00. A aqui autora tomou conhecimento diretamente de tudo e nada fez.
Os ora RR viram-se obrigados a realizar as obras, pois estava comprometido o uso normal do locado, uma vez que chovia dentro do armazém, o que causou vários prejuízos quer no material que se encontrava dentro do locado, bem como nas máquinas e equipamentos. Tais obras eram não só necessárias, como urgentes, tendo para o efeito os réus gasto o valor de 5.507,74€, apenas na aquisição do material necessário, valor esse que como é do conhecimento da autora foi descontado no valor das rendas. O réu marido comprou o material, contratou pessoal que juntamente com os seus próprios funcionários, procederam a colocação e execução da 1ªfase da obra, que importou a um custo mínimo de 1.500,00€. O réu desenvolveu todos esses esforços no intuito de realizar as obras e minimizar os custos, como pessoa séria e honesta que é, sem pretender obter qualquer aproveitamento. Mas os réus não dispunham nem dispõem de dinheiro para fazer face a todas as obras necessárias, daí terem tido necessidade de realizar as obras de forma faseada.
As obras estão a ser feitas parcialmente, dado o estado de deterioração que o locado apresenta, quer a nível dos telhados, quer ao nível das paredes. Até ao momento, os réus já despenderam a quantia de 7.007,74€; em termos de prejuízos relativos a avarias de equipamentos e material estragado resultante das infiltrações de água constantes, os custos ascendem a cerca de 2.500,00€; e, ainda assim, faltam fazer obras que se mostram essenciais e necessárias e que são da responsabilidade da aqui autora que ascendem a cerca de 14.250,00€ acrescido de iva a taxa em vigor.
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Por despacho datado de 6 de maio de 2021, os réus foram convidados a aperfeiçoar o pedido reconvencional que, de forma deficiente, tinham apresentado naquela contestação.
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Os réus apresentaram novo articulado aperfeiçoado com a referência 38834343, no qual alegaram que pretendem, por via da reconvenção, deduzir pedido contra a autora emergente do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação, isto é, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes em juízo; e, por outro lado, pretendem os réus ver o seu direito de crédito sobre a autora reconhecido para obter a compensação e, ainda, para obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora.
Concluem pedindo, a título reconvencional, o seguinte:
a) ser a Autora/Reconvinda condenada a pagar à Ré/Reconvinte o montante de € 2.500,00€, a título de indemnização pelos prejuízos causados aos RR/Reconvintes referidos na reconvenção, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transações comerciais, desde a citação e até integral e efetivo pagamento;
b) ser a Autora/Reconvinda condenada a pagar à Ré/Reconvinte o montante de € 7.007,74€, a título de valor das obras realizadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transações comerciais, desde a citação e até integral e efetivo pagamento;
c) ser a Autora/Reconvinda condenada a pagar à Ré/Reconvinte o montante de € 14.250,00€, a título das obras necessárias a realizar no locado, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transações comerciais, desde a citação e até integral e efetivo pagamento;
d) ser declarada licita e efetiva a compensação da obrigação de pagamento das rendas à Autora/Reconvinda com a obrigação indemnizatória que impende sobre a Autora/Reconvinda perante os RR/Reconvinte, na parte correspondente, e ainda se condene a Autora/Reconvinda no pagamento do valor em que o crédito da Ré/Reconvinte excede o daquela.
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A reconvenção foi admitida.
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A autora deduziu articulado de réplica, através do requerimento com a referência 39148636, alegando, em síntese, a ineptidão do pedido reconvencional.
Alegam que os réus fazem “tábua rasa” da transação que celebraram em juízo e do facto de aí as partes terem acordado que “Autor e RR acordam em manter em vigor o contrato de arrendamento invocado nos artigos 1º e 2º da petição inicial (…)”, sendo que o alegado naquele artigo 1º da petição inicial era “Por contrato verbal celebrado há 30 anos, entre Autor e o Réu marido, obrigou-se a proporcionar a estes, para habitação, o gozo do seu prédio urbano sito no então lugar... (…)”, e bem assim de aí ter ficado acordado que os réus assumiam a “total responsabilidade pela execução e manutenção de todas as obras de ampliação e beneficiação por si realizadas no arrendado” e que as obras realizadas pelos réus
(ora Reconvintes) no prédio ficarão a pertencer ao mesmo sem direito a qualquer indemnização ou direito de retenção.
Pugnam pela improcedência da reconvenção e entendem que os reconvintes estão incursos na condenação em multa e a pagar à reconvinda a indemnização que for devida pelo reembolso das despesas a que a sua má-fé tenha obrigado a contraparte, incluindo os honorários do seu mandatário.
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O tribunal facultou o contraditório aos réus no que se refere à matéria excecional arguida na contestação, tendo aqueles exercido tal contraditório através do articulado com a referência 39522157.
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Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ineptidão do pedido reconvencional.
Fixou-se o objeto do litígio e selecionou-se a matéria de facto assente e os temas da prova.
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Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal.
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No decurso da audiência de discussão e julgamento, a autora veio apresentar incidente de despejo imediato do locado por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, ou seja, desde a contestação até ao momento em que apresentou aquele incidente (cfr. requerimento com a referência 42805970).
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Os réus exerceram o contraditório no que respeita ao dito incidente através do requerimento com a referência 43141132 e suscitaram o incidente da genuinidade do documento apresentado pela autora na sessão do julgamento do dia 20/09/2022, arguindo a sua falsidade.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, julgando-se a ação parcialmente procedente e totalmente procedente o incidente de despejo imediato e totalmente improcedente a reconvenção, decide-se:
a) decretar a resolução do contrato de arrendamento referido nos factos provados, condenando-se os réus a entregar de imediato o arrendado à autora totalmente livre de pessoas e bens;
b) condenar os réus a pagarem à autora a quantia global de € 150,00 (cento e cinquenta euros), respeitante aos montantes em falta das rendas de Janeiro a Março de 2020, e bem assim no montante das rendas vencidas a partir de Abril de 2020 e nas vincendas até efetivo despejo;
c) absolver a autora reconvinda dos pedidos reconvencionais;
d) absolver os réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Custas da ação a cargo da autora e da ré, na proporção do respetivo decaimento.
Custas da reconvenção a cargo dos reconvintes”.
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Os réus BB E CC vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:
I. Os RR, ora Recorrentes, ficaram absolutamente atónitos com o teor da Sentença proferida pelo Tribunal recorrido, uma vez que a decisão em crise decidiu desadequadamente já que foi proferida ao arrepio de diversas normas de direito material, adjetivo e europeu, bem como ao arrepio da prova produzida, o que justifica que este recurso tenha por objeto a reapreciação da matéria de facto.
II. O objeto do presente recurso é, portanto, a matéria da reconvenção, mas, também, a matéria de facto erradamente decidida, designadamente, os pontos 3, 4, 5 e 15 dos factos não provados que se encontram em crise sendo objeto do presente recurso a sua reapreciação e sua alteração pelos factos existentes e prova produzida que assim o determina após ser por este Colendo Tribunal ouvida e verificar que a sentença padece de manifesto erro de julgamento (662.º n.º 1 do CPC), designadamente:
- Ponto 3 dos FACTOS NÃO PROVADOS;
“As pessoas referidas em 20 e 21 dos factos provados tivessem elaborado a listagem de todos os problemas de infiltrações existentes, e bem assim se tivessem prontificado a tratar junto de empreiteiros para a resolução dos mesmos.”
- Ponto 4 dos FACTOS NÃO PROVADOS;
“A Autora tivesse feito promessas de resolução das infiltrações existentes e referidas nos factos provados.”
- Ponto 5 dos FACTOS NÃO PROVADOS;
“Por parte da Autora tivessem sido feitas varias promessas para a realização das referidas obras, e bem assim a autora soubesse dos prejuízos que estava a causar aos réus.”
– Ponto 15 dos factos NÃO PROVADOS;
“Os réus tivessem despendido com obras realizadas no locado a quantia global de € 20.507,74 ou de € 23.074,00.”
III. Os elementos juntos aos autos determinavam, ao Tribunal Recorrido, uma decisão diversa daquela que foi proferida, pelo que, em virtude desta alteração da matéria de facto, mas também tendo presente a errada decisão de Direito da sentença em crise – que, com todo o respeito, é gritante no que diz respeito ao segmento da interpretação do contrato de empreitada e dos direitos conferidos ao dono da obra em caso de incumprimento - a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Reconvenção apresentada pela Ré, ora Recorrente.
IV. Em primeiro lugar, quanto aos factos não provados nos números 3, 4, 5 e 15 dir-se-á que a resposta dada pelo Tribunal deveria ser distinta daquela que foi dada, tendo presente a prova produzida é passível de dar como provada todo o conteúdo da Reconvenção apresentada pelos ora Recorrentes.
V. Analisada a sentença em crise relativamente à resposta dada relativamente a estes pontos verifica-se que o tribunal considerou “0 apuramento dos factos dados como provados levou em linha de conta que essa realidade factual foi reiterada pelo Réu marido nas suas declarações de parte, e é corroborado, de forma séria e credível, pelo conhecimento demonstrado pelas testemunhas EE, funcionário, há 23 anos, da empresa que o Réu marido tem instalada no armazém do prédio objeto do contrato de arrendamento em causa, nos autos, tendo sempre trabalhado naquele sitio, conhecendo-o desde essa altura, em termos de dimensão e configuração, tal como está hoje…”
VI. Mais, toda esta situação foi corroborada também pelas testemunhas “FF, GG, que foi vizinho dos Réus no locado em causa desde os seus 10/11 anos, e HH, que foi técnico da contabilidade da empresa desde 1995 até 2021” conf. Sentença recorrida
VII. Aliás, na própria motivação a meritíssima juiz acrescenta “ que esta versão dos factos, em grande medida, corroborada por toda a documentação junta aos autos, designadamente pela correspondência endereçada à Autora pelos RR, com a participação da descrição do prédio em causa feita às finanças pelo falecido marido da Autora, ainda em virtude de ter sido notificada para atualizar a descrição (cfr. doc. entrada em juízo em 31/05/2022 (fls..184 A 193),
VIII. Com a reconstituição histórica do local à data mais remota disponibilizada na aplicação google earth pro (cfr. sessão de julgamento de 18-05-2022, pag. 10), com as fotografias juntas com a contestação e com o relatório pericial.”
IX. A meritíssima juiz foi mais longe, e na sentença recorrida reitera “essa realidade factual é, em termos de regras de experiência comum e critérios de normalidade, perfeitamente compatível com a transação celebrada e vertida na certidão que constitui o doc. nº1 junto com a p.i.”
X. A verdade é que tal como resultou do julgamento realizado, bem como de todos os documentos juntos e da prova pericial, o locado apresentava necessidade urgente de obras, obras essas que eram de impermeabilização, ou seja,
XI. O relatório pericial descreve de forma clara, e passa-se a descrever “ importa referir que a substituição do revestimento do telhado realizado na parte industrial e na parte de armazenagem, tem como causa principal as infiltrações de águas pluviais, resultantes da deficiente e/ou ineficaz impermeabilização do telhado, agravado pelo facto de se tratar de telhas antigas de fibrocimento depositadas no local, que evidenciam já terem cumprido o prazo de vida útil”.
XII. O senhor perito no relatório elaborado e em resposta aos quesitos colocados, nomeadamente “As obras levadas a cabo pelos RR eram obras necessárias e essenciais para o normal funcionamento da atividade que o Réu desenvolve no locado?”
XIII. O senhor perito em resposta afirma “Sim. Tendo-se identificado no interior da zona industrial, designadamente nos tectos e paredes, vestígios inequívocos da ocorrência de infiltrações de águas pluviais, e por isso, entende-se que tais obras de impermeabilização eram imperativas … importa referir que não poderia ser aplicado material em fibrocimento porque este material foi descontinuado e proibido, aliás, a legislação vigente obriga à sua Remoção.”
XIV. Posto isto, as obras realizadas no locado pelos RR eram obras de necessárias e urgentes, e como é referido na própria sentença recorrida “colocavam em causa o normal funcionamento do mesmo, designadamente o funcionamento da indústria.” Cf. Sentença recorrida.
XV. As obras que foram realizadas pelos Recorrentes e que resultaram inequivocamente provadas a sua realização pelos recorrentes, bem como a sua necessidade uma vez que não só eram essenciais para utilização do locado como punham em causa o seu normal funcionamento.
De toda a prova produzida, designadamente, da prova pericial, da prova documental e testemunhal resulta que são obras essenciais e que nada tiveram que ver com qualquer ampliação, caindo totalmente por terra o argumento invocado na sentença pela meritíssima juíza.
XVI. Isto porque do acervo dos factos PROVADOS resulta demostrado a origem e o problema de infiltrações e humidades provenientes do telhado e das paredes, sendo que o relatório pericial responde de forma clara e inequívoca a tal factualidade, perante os quesitos que foram colocados pelas partes e admitidos pelo Tribunal.
XVII. Ou seja, toda a prova produzida – declarações de parte, prova documental, prova testemunhal e prova pericial – foram inequívocas ao imputar as infiltrações existentes a problemas ao nível do telhado e ao nível das paredes, sendo que os ora recorrentes nunca ampliaram o telhado ou as ditas paredes, tendo admitido que apenas fizeram um pequeno armazém atrás da habitação, local onde não foram realizadas quaisquer obras.
XVIII. Por conseguinte, a resposta a ser dada aos FACTOS Nº 3º, 4º, 5 E 15 DOS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS terá necessariamente de ser alterada por este Tribunal, E OS FACTOS NECESSARIAMENTE TEM QUE SER DADOS COMO PROVADOS, ASSIM FICAR DEMOSTRADOS E PROVADO QUE:
- Ponto 3 ;
“As pessoas referidas em 20 e 21 dos factos provados ELABORARM a listagem de todos os problemas de infiltrações existentes, e bem assim se tivessem prontificado a tratar junto de
empreiteiros para a resolução dos mesmos.”
- Ponto 4;
“A Autora FEZ promessas de resolução das infiltrações existentes e referidas nos factos provados. “
- Ponto 5,
“A Autora fez várias promessas para a realização das referidas obras, e bem assim a autora sabia dos prejuízos que estava a causar aos réus.”
– Ponto 15,
“Os réus despenderam com obras realizadas no locado pelo menos a quantia global de € 23.074,00.”
XIX. Aliás, os aqui os Recorrentes na notificação judicial avulsa realizada à Recorrida elencaram todos os problemas de infiltrações existentes, as obras que eram necessárias realizar bem como juntaram diversos orçamentos para a realização das mesmas, bem como informaram a recorrida que a situação punha em causa normal funcionamento da indústria de polimentos e dos prejuízos que estava a causar aos recorrentes.
XX. Sobre tal circunstancialismo o Tribunal recorrido pronunciou-se indevidamente, isto porque, teria que considerar provados todos os custos/montantes necessários à reparação dos defeitos/obras necessárias no locado e imputáveis à Recorrida e cujo pagamento a Recorrente peticionou na Reconvenção, sendo que, demonstrado ficou que tais orçamentos corporizaram o quantum necessário e efetivamente pago para a reparação e execução das obras em causa, devidamente provado pelo depoimento da testemunha HH
XXI. Este depoimento, prestado de forma séria e coerente, é coincidente com os demais depoimentos juntos aos autos e, também, com as declarações de parte do legal representante da Recorrente, e que aqui se consideram integralmente reproduzidos;
XXII. Pelo que o ponto 15 dos factos não provados deveria ter recebido a seguinte resposta:
“Os réus despenderam com obras realizadas no locado pelo menos a quantia global de € 23.074,00.”, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos, designadamente para que este Tribunal altere a resposta dada nestes termos.
XXIII. Por conseguinte, dúvidas não poderão existir que a resposta dada aos pontos 3, 4, 5 e 15 dos factos não provados foi, erradamente, dada, pelo que deverá ser considerado PROVADO que “As pessoas referidas em 20 e 21 dos factos provados ELABORARAM a listagem de todos os problemas de infiltrações existentes, e bem assim se tivessem prontificado a tratar junto de empreiteiros para a resolução dos mesmos”, bem como, PROVADOS que “A Autora fez promessas de resolução das infiltrações existentes e referidas nos factos provados. “, “E a Autora fez várias promessas para a realização das referidas obras, e bem assim a autora sabia dos prejuízos que estava a causar aos réus.”, assim como PROVADO que “Os réus despenderam com obras realizadas no locado pelo menos a quantia global de € 23.074,00.”, alteração que expressamente se requer para os devidos e legais efeitos.
XXI-I. Com a alteração da matéria de facto acima descrita deverá este Tribunal determinar a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que absolve os aqui recorrentes dos pedidos formulados pela recorrida e condenando a Recorrida no pedido reconvencional deduzido pela Recorrente nos termos formulados.
XXII-I. A decisão recorrida resulta, com todo o respeito, uma interpretação desajustada do Direito no que diz respeito aos direitos conferidos pelos artigos 334, 1022º e ss, e 1074 n.º 1 Cód.Civil; e não só, também, verificamos o julgamento bastante errático relativamente a vários elementos mais gerais do Direito.
XXIII-I. Desde logo mister é dizer que resultaram provados os defeitos existentes no locado, e resultou provado que estes foram denunciados atempadamente; desde logo o relatório pericial junto aos autos é inequívoco!
XXIV. Por isso, lê-se a sentença recorrida e não se acredita: “Decretar a resolução do contrato de arrendamento referido nos factos provados, condenando-se os Réus a entregar de imediato o arrendado à Autora livre de pessoas e bens, b) Condenar os Réus a pagarem à Autora a quantia global de EUR:150,00 (cento e cinquenta euros), respeitantes aos montantes em falta das rendas de janeiro a março de 2020, e bem assim no montante das rendas vencidas a partir de abril de 2020 e nas vincendas até efetivo despejo, c) Absolver a Autora reconvinda dos pedidos reconvencionais,”
- Como pôde o Tribunal recorrido considerar que não se provou que as obras realizadas eram da responsabilidade da Recorrida? Não só o relatório pericial é inequívoco como, na dúvida, o que está em causa é um telhado em fibrocimento que é proibido por lei, e necessariamente teria de ser a recorrida a substituí-lo.
XXV. Dúvidas não existem que cabia à autora a obrigação de realizar as obras, e que esta foi interpelada para o efeito várias vezes, no ano de 2019, em fevereiro de 2020, conforme atestaram as declarações prestadas em audiência e a prova documental junta.
XXVI. Por outro lado, também, não se pode aceitar o entendimento vertido na sentença recorrida que na transação os recorrentes se obrigaram a realizar este tipo de obras, isto porque, decorre da transação na sua cláusula 7º “ Os RR poderão manter no arrendado todas as obras de ampliação e beneficiação por si realizadas, assumindo a total responsabilidade pela execução e manutenção das mesmas” é evidente que os aqui recorrentes nunca executaram qualquer obra de ampliação do telhado, até porque esse já existia à data do inicio do arrendamento, como resultou dos documentos juntos com a contestação, nada foi ampliado pelos Recorrentes.
XXVI. Isto é, o quantum necessário que os Recorrentes despenderam para reparar os problemas de infiltrações existentes e imputáveis à Recorrida é de no mínimo mais de €23.000,00, conforme acima se enunciou. E tal quantum advém dos orçamentos, das faturas, dos cheques e de toda a prova produzida junta aos autos sendo que os Recorrentes já realizaram todas essas obras como resulta da peritagem.
XXVII. Pelo que, como resultou demonstrado a recusa da Recorrida em proceder à realização das obras é um abuso de direito perante os aqui recorrentes, o que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos.
XXVIII. A sentença recorrida julgou contra o Direito, devendo esta ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente ação e julgue totalmente procedente o pedido reconvencional apresentado pela Recorrente, condenando-se a Recorrida nos termos do pedido reconvencional, nomeadamente a pagar o montante correspondente aos custos necessários à reparação do locado que são da responsabilidade da Recorrida e que, são no valor global de mais de €23.000,00 (vinte e três mil euros), o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
XXIX. Sem prescindir, mesmo que o Tribunal não conheça do pedido de alteração dos pontos 3º, 4º, 5º e 15 acima referenciados sempre se dirá que deveria a Recorrida ser condenada nos termos peticionados na Reconvenção.
XXX. Isto porque a verdade é que a Recorrida, conforme factos provados, recusou-se a proceder à execução das obras essenciais e necessárias depois de gritantemente incumprir e violar o princípio da boa-fé com os Recorrentes.
XXXI. Analisando-se as posições das partes, designadamente, a circunstância dos Recorrentes terem chuva a entrar copiosamente no seu armazém, impedindo o seu uso normal, a Recorrida não ter realizado as obras para permitir que o locado fosse colocado em condições normais de utilização, de ter enviado notificação judicial avulsa aos aqui Recorrentes, só depois da interpelação para a realização das obras, e por fim intentado uma ação judicial a reclamar o pagamento das rendas, e de, mesmo após a propositura da ação e reconvenção, não se ter dignado a dirigir-se ao local para averiguar o sucedido,
XXXII. Teria a Recorrida/senhoria a obrigação legal, de acordo com o disposto nos artigos. 1074 nº 1 do C. Civil de pedir, em primeiro lugar, da realização das obras.
XXXIII. Por conseguinte, teria sempre o Tribunal recorrido que considerar provados que as obras necessárias e urgentes, denunciadas pelos Recorrentes são da responsabilidade da Recorrida, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos. E, assim sendo, ficou inequivocamente demonstrado que a Recorrida se recusou a realizar as obras, pelos factos acima aduzidos e que decorrem, outrossim, da prova produzida e das démarches destes autos.
XXXIV. “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”, existem dois elementos essenciais no contrato de locação – Ac. STJ de 18-03-1952, Ac. RP de 14-01-1992.
XXXV. O Senhorio obriga-se a ceder ao arrendatário o gozo temporário de uma coisa, e o arrendatário obriga-se a pagar ao senhorio uma retribuição por esse gozo temporário.
XXXVI. Dúvidas não restam que os RR celebraram verbalmente com o falecido marido da Autora um contrato de arrendamento para fins habitacionais e para fins não habitacionais, aplicando-se a disposições dos artigos 1022º,1028º nº1, 1031º a 1063º, 1054º, 1067º nº1, 1069º a 1091º, 1092º e 1113º todos do Código Civil.
XXXVII. Assim, prevê os artigos 1036º e 1037º do Código Civil, a situação concreta em que o locador esteja em mora quanto à obrigação de fazer reparações, que é sem mais, a situação da ora recorrida.
XXXVIII. Necessariamente o facto da Recorrida não realizar as obras colide com o disposto nos artigos 1031º Código Civil e ss.
XXXIX. Assim, “cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias…”, artigo 1074 nº1 Código Civil.
XL. Resulta de forma clara e inequívoca, e consta dos factos dados como provados que as obras realizadas foram ao nível do telhado e paredes exteriores do locado, obra que não tem que ver com obras de ampliação realizadas pelos RR.
XLI. As obras realizadas foram realizadas ao nível da substituição do telhado que era revestido em fibrocimento e foi colocado painel sanduiche (cfr. relatório peritagem) aliás o revestimento em fibrocimento é até proibido a sua utilização, e
XLII. Resultou demonstrado o incumprimento da Recorrida e resultou demonstrado a existência de defeitos no locado, defeitos esses ao nível das paredes e do telhado, que se prendem com defeitos de construção que a autora/senhoria se recusou a reparar; bem como demonstrada está a quebra total e irremediável da confiança entre as partes.
XLIII. Sabemos que, por vezes, é nas lides judiciais que as posições se extremam e que as partes ficam, definitivamente, arreadas uma da outra; não nos cumpre julgar essas situações:
compete-nos dar nota que isso acontece.
XLIV. E se isso acontece o Tribunal recorrido tinha a obrigação de o considerar no juízo que fez de acordo com as regras gerais da confiança e da boa-fé ínsitas no Código Civil, que o Tribunal a quo negligenciou ao julgar como julgou.
XLV. Pelo exposto, deverá, por conseguinte, ser alterada a decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra que julgue procedente o pedido reconvencional apresentado pelos Recorrentes, condenando a Recorrida de acordo com o pedido formulado na reconvenção, correspondente aos valores suportados pelos ora recorrentes bem como todos os prejuízos, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
Termina por pedir o provimento do recurso e que seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue improcedente a presente ação e julgue a reconvenção apresentada pela Recorrente totalmente procedente.
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A Autora veio apresentar resposta ao recurso alegando que a sentença não merece censura, quanto à decisão de facto como de direito.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto;
- da responsabilidade do senhorio pela execução das obras no local arrendado.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. Por contrato verbal celebrado há mais de 30 anos entre o falecido marido da Autora, II, e o Réu marido, aquele declarou arrendar a este, que declarou tomar de arrendamento, pelo menos, para habitação, o prédio urbano sito no então lugar..., da extinta freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, atualmente Rua ..., da freguesia ... e ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito, à data do acordo, sob o artigo ... urbano e atualmente inscrito no artigo urbano ... da União de Freguesias ....
2. O aludido acordo foi expressamente reconhecido e aceite em transação judicial realizada no âmbito do Proc. nº 233/18.3 T8PFR que correu termos pelo Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, da comarca do Porto Este (cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
3. Na transação supra referida, ficou acordado que as rendas eram a liquidar através de depósito ou transferência bancária para uma conta indicada naquela transação.
4. Mais ficou acordado o seguinte:
“2º Autor e RR acordam em alterar a renda mensal para o valor de € 650,00 que vigorará a partir do próximo mês de Maio, inclusive, até Dezembro do corrente ano;
3º A partir Janeiro de 2019 e até Dezembro de 2019 vigorará a renda mensal de € 700,00;
4º A partir de Janeiro de 2020 a renda mensal passará a ser de € 750,00, sujeita às atualizações legais a partir de Janeiro de 2021;
6º O Autor permite que os RR exerçam no prédio arrendado a indústria de Polimentos de Mobiliário de Madeira, assumindo estes RR a integral responsabilidade pelo exercício de tal atividade, nomeadamente no que concerne a taxas, licenças e coimas, mais sendo da sua responsabilidade a eventual legalização administrativa e regulamentar do locado e da respetiva atividade industrial/comercial aí exercida, sendo certo que o Autor se prontifica a assinar tudo o que os RR lhe apresentem para a obtenção da legalização do locado para os fins pretendidos pelos RR;
7º Os RR poderão manter no arrendado todas as obras de ampliação e beneficiação por si realizadas, assumindo a total responsabilidade pela execução e manutenção das mesmas, sendo certo que, aquelas, findo o arrendamento, ficarão a pertencer ao prédio sem direito a qualquer indemnização ou direito de retenção.”
5. A Autora sucedeu ao seu falecido marido, na qualidade de única e universal herdeira, e, por conseguinte, assumiu a qualidade de senhoria no acordo supra referido.
6. A autora solicitou a notificação judicial avulsa dos réus com o conteúdo vertido do doc. n.º 3 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo a referida notificação sido realizada na pessoa dos réus no dia 11/11/2020.
7. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020, os aqui réus passaram depositar no Banco 1…, em cada um daqueles meses, a quantia de € 700,00, a título de renda relativa a cada um daqueles meses, sendo que deixaram de pagar as rendas vencidas e respeitantes aos meses de Abril a Novembro de 2020, assim como não pagaram as rendas vencidas na pendência da ação.
8. Na sequência do acordo referido em 1, desde 1991 e até há cerca de 15/16 anos, o réu marido teve instalado na casa existente no prédio supra identificado a sua habitação.
9. E, na sequência desse mesmo acordo e em simultâneo com a instalação da sua habitação, em 1991, o réu marido instalou no armazém do referido prédio uma indústria de polimentos de mobiliário de madeira, atividade que aí manteve instalada até à atualidade.
10. O aqui réu marido iniciou a sua atividade de indústria de polimentos a 21/04/1986, sendo que em 1991 mudou as suas instalações para o prédio supra identificado.
11. Quando os aqui réus tomaram de arrendamento o aludido imóvel, passaram a habitar na casa existente naquele prédio, tendo-a habitado até há cerca de 15/16 anos, e instalaram no armazém existente a indústria de polimentos que o réu marido explora, sendo que, nessa altura, pagavam de renda ao falecido marido da Autora a quantia mensal de 90 contos.
12. O falecido marido da aqui Autora era visita frequente ao armazém dos aqui RR, e sempre foi do conhecimento quer do falecido quer da própria Autora que no referido local existia e existe uma indústria de polimentos.
13. Sempre teve conhecimento das obras que foram sendo realizadas e a elas não se opuseram.
14. Tais obras foram necessárias em virtude da inexistência de licença de utilização e tendo em vista o respetivo licenciamento.
15. A indústria existe à vista de todos, com funcionários.
16. O então falecido marido da Autora não fazia obras no espaço.
17. Os réus, desde Abril de 2018, solicitavam ao falecido marido da Autora, e posteriormente à Autora, a emissão dos recibos referentes ao pagamento das rendas que iam sendo pagas.
18. Durante mais de 2 anos, e muito embora as constantes interpelações dos aqui réus, nunca foram emitidos quaisquer recibos pela autora.
19. O aqui réu marido, a 14 de Dezembro de 2018 interpelou a aqui Autora para a realização das obras, nunca tendo obtido qualquer resposta por parte da Autora.
20. O réu marido continuou a interpelar sistematicamente a Autora e esta enviou duas pessoas às instalações dos réus para verificarem e fazerem o levantamento de todas as necessidades.
21. Essas duas pessoas, acompanhados do réu marido, deslocaram-se ao locado, em Setembro de 2019, e verificaram todos os problemas de infiltrações existentes, os quais punham em causa o normal funcionamento da indústria do aqui réu.
22. A autora não fez qualquer obra para resolver as referidas infiltrações.
23. Os aqui réus encontram-se desgastados com toda esta situação, quer pela falta de emissão dos recibos dos pagamentos das rendas, quer pela falta da realização das obras.
24. E, nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020, os aqui réus passaram depositar, em cada um daqueles meses, a quantia de € 700,00, a título da renda relativa a cada um daqueles meses, no Banco 1…, nos moldes vertidos nos documentos de depósitos de renda emitidos pelo Banco 1… e juntos na contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, comunicando tal facto à aqui autora por carta registada C/AR, logo que tal procedimento se iniciou.
25. A Autora recebeu o referido aviso para levantar a carta, mas não a levantou, tendo a referida carta sido devolvida com o fundamento de “objeto não reclamado”.
26. No dia 5/02/2020, os réus requereram a notificação judicial avulsa da autora, nos termos e nos moldes vertidos no doc. n.º 7 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. A Autora recusou a assinar a notificação judicial avulsa no dia 14/02/2020.
28. A autora deslocou-se dia 27/02/2020 ao escritório do Senhor Doutor DD, Agente de Execução, tendo sido notificada nesse dia, pelas 15h00.
29. Foram reclamadas a realização das obras, isto porque, anteriormente foram realizadas várias visitas ao locado e foram verificados os problemas de humidade e infiltrações existentes.
30. Os réus alertaram ainda a autora que, em Dezembro de 2019, com a tempestade “Elsa” todo o telhado do edifício levantou, o que originou que entrasse ainda mais água e provocasse estragos em todos os móveis e equipamentos que se encontravam no interior.
31. Os réus juntaram orçamento para a realização das referidas obras.
32. Os réus informaram que o locado não reunia as condições necessárias e, por isso, os réus notificaram a autora para em 10 dias iniciarem as obras.
33. A autora nada fez.
34. Os réus viram-se obrigados a realizar as obras, pois que, em virtude do apurado levantamento do telhado, chovia dentro do armazém, o que causou vários prejuízos quer no material que se encontrava dentro do locado, bem como nas máquinas e equipamentos.
35. Com essas obras os réus gastaram o valor de 5.507,74€, apenas na aquisição do material necessário, valor esse que como é do conhecimento da Autora, em virtude da através da notificação judicial avulsa supra referida em 26, o réu marido declarou descontar no valor das rendas.
36. O aqui réu marido comprou o material, contratou pessoal que juntamente com os seus próprios funcionários, procederam a colocação e execução da 1ªfase da obra, que importou a um custo mínimo de 1.500,00€.
37. As obras estão a ser feitas parcialmente, dado o estado de deterioração que o locado apresenta, quer a nível dos telhados, quer ao nível das paredes.
38. Até ao momento, os RR já despenderam a quantia de 7.007,74€.
39. A as obras realizadas pelos réus e supra mencionadas ficaram-se a dever a anomalias nos telhados ou nas coberturas do arrendado, na parte em que se encontra instalada a supra descrita industria de polimento de móveis, anomalias estas que também foram agravadas e outras provocadas pelo mau tempo e tempestades ao longo do tempo, o que contribuiu para a necessidade de mais obras, sendo que essas anomalias punham em causa a normal utilização do locado naquela parte onde está instalada a industria, assim como o normal desenvolvimento da atividade industrial que o réu exerce naquela parte.
40. Todas as obras realizadas pelos réus foram obras de impermeabilização.
41. Em termos de prejuízos relativos a avarias de equipamentos e material estragado resultante das infiltrações de água constantes decorrentes do descrito nos anteriores pontos 31 a 35, os custos ascendem a cerca de 2.500,00€.
42. Ainda assim, faltam fazer obras de impermeabilização no locado, na parte em que se encontra instalada a industria, que ascendem a cerca de 14.250,00€ acrescido de iva a taxa em vigor, pois que as obras realizadas ainda não colocaram fim a todas as anomalias existentes nessa parte do locado.
43. As obras levadas a cabo pelos réus nos moldes descritos tiveram lugar, não na zona habitacional do locado, mas antes na zona de funcionamento da indústria e armazém.
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- Factos não provados:
1. As obras referidas em 13 dos factos provados tivessem tido o consentimento expresso da autora ou do seu falecido marido, II.
2. O falecido marido da autora juntamente com o réu marido, junto da C.M. ..., tivessem instaurado processo de licenciamento do armazém para funcionamento da indústria referida nos factos provados.
3. As pessoas referidas em 20 e 21 dos factos provados tivessem elaborado a listagem de todos os problemas de infiltrações existentes, e bem assim se tivessem prontificado a tratar junto de empreiteiros para a resolução dos mesmos.
4. A autora tivesse feito promessas de resolução das infiltrações existentes e referidas nos factos provados.
5. Por parte da autora tivessem sido feitas várias promessas para a realização das referidas obras, e bem assim que a autora soubesse dos prejuízos que estava a causar aos réus.
6. Os réus, na zona industrial que instalaram no arrendado, tivessem implantado, no ano de 2020, uma nova estufa industrial para secagem de madeiras, e bem assim que essa estufa fosse de considerável maior dimensão do que aquela que até então ali se encontrava instalada.
7. Devido à maior dimensão dessa nova estufa, e para a sua implantação, os réus tivessem tido de remover o telhado existente naquela zona, tendo dotado o local com um novo telhado e chapas de isolamento por causa dessa situação.
8. O Sr. JJ e Dr. KK, quando se deslocaram ao local, verificaram que o arrendado não padecia dos problemas apontados pelos réus, pois na parte habitacional não apresentava quaisquer problemas relacionados com humidades e infiltrações e se encontrava perfeitamente apto ao fim a que se destinava, ou seja, à finalidade habitacional.
9. Alguns pequenos ou diminutos problemas de humidades e infiltrações encontravam-se circunscritos às partes do prédio que respeitavam a ampliações construtivas levadas a cabo pelos réus para servirem à pequena indústria de mobiliário de madeira que ali instalaram.
10. A Reconvinte emitiu todos os recibos das rendas que lhe foram pagas pelos reconvintes, mas foram estes que se recusaram a aceitá-los.
11. Quando a pedido da Reconvinda, o Sr. JJ pretendeu entregar os ditos recibos aos Reconvintes, estes se recusaram a recebê-los, sob o argumento de que não estavam emitidos corretamente, pois pretendiam que os ditos recibos fossem emitidos em nome e com a identificação fiscal da sua empresa, a fim de poderem ser fiscalmente considerados como despesas daquela empresa.
12. A feitura e o teor do documento junto pela autora, na sessão da audiência de julgamento do dia de 20/09/2022, tivesse sido acordado entre II e BB, e bem assim que a assinatura constante do seu verso e correspondente ao nome deste último tivesse sido aposta pelo seu próprio punho.
13. O arrendamento do prédio em causa, ainda realizado pelo falecido marido da aqui autora, o tivesse sido apenas a título habitacional e nunca comercial/industrial.
14. O então falecido marido da autora apenas tivesse tolerado a existência de uma pequena indústria doméstica que os réus ali criaram, e até contra a vontade do mesmo, e que ocupava anexos que nunca pretendeu destinar a qualquer indústria.
15. Os réus tivessem despendido com obras realizadas no locado a quantia global de € 20.507,74 ou de € 23.074,00.
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3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XXIII, os apelantes vieram requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na despectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da indicação da prova e quando tal implique a reapreciação da prova gravada a transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Os apelantes impugnam a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto a reapreciar – pontos 3, 4, 5 e 15 dos factos julgados não provados -, bem como, indicam a prova e ainda, a decisão alternativa que deve ser proferida.
Consideram-se, assim, preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[7].
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - documental, por declarações e em depoimento de parte, prova testemunhal e pericial -, face aos argumentos apresentados pelos apelantes, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, adiantando-se desde já, que a decisão não merece censura pelos motivos que se passam a expor.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos “não provados”:
3. As pessoas referidas em 20 e 21 dos factos provados tivessem elaborado a listagem de todos os problemas de infiltrações existentes, e bem assim se tivessem prontificado a tratar junto de empreiteiros para a resolução dos mesmos (art. 11º articulado aperfeiçoamento reconvenção – inserido a página 923 do processo eletrónico).
4. A autora tivesse feito promessas de resolução das infiltrações existentes e referidas nos factos provados (art. 33, 34º contestação – inseria da página 1054 do processo eletrónico).
5. Por parte da autora tivessem sido feitas várias promessas para a realização das referidas obras, e bem assim que a autora soubesse dos prejuízos que estava a causar aos réus (art. 20º articulado aperfeiçoamento reconvenção – inseridopágina 923 do processo eletrónico).
15. Os réus tivessem despendido com obras realizadas no locado a quantia global de € 20.507,74 ou de € 23.074,00 (art. 42º e 43º articulado aperfeiçoamento reconvenção – inserido a página 923 do processo eletrónico).
Na fundamentação da decisão considerou-se como se passa a transcrever:
“Como questão prévia, importa começar por esclarecer que o depoimento de parte prestado pelo réu marido, em sede de audiência de discussão e julgamento, não foi de molde a produzir confissão integral e sem reservas, nos termos e para os efeitos dos arts. 352º e 358º do CC, mesmo em relação àqueles factos que constam da assentada da sessão de julgamento do dia 18/05/2022.
Isto porque entre os réus existe um litisconsórcio necessário e a ré mulher não chegou a ser ouvida em depoimento de parte e, como tal, não os confessou (cfr. art. 353º, n.º 2, do CPC).
Porém e no tocante às admissões que o réu marido fez, as vertidas naquela assentada, o depoimento de parte será valorado pelo Tribunal no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 361º do CC.
Assim, quanto aos factos controvertidos e com interesse para a decisão da causa, o tribunal baseou a sua convicção na análise crítica, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, e conjugada do depoimento e declarações de parte do réu marido, da prova pericial realizada, cujo relatório foi junto aos autos por email de 21/03/2022, dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas e dos documentos juntos aos autos, quer com os articulados, quer em requerimentos autónomos, quer nas várias sessões de julgamento, todos devidamente examinados em sede de audiência de discussão e julgamento.
Começando pela não prova dos factos relevantes para a tomada de posição sobre a decisão do incidente da genuinidade do documento apresentado pela autora na sessão do julgamento do dia 20/09/2022, importa dizer o seguinte:
O documento em causa assume a natureza de documento particular, nos termos do art. 363º, n.º 2, do CC.
Assim, porque os réus arguiram a falsidade de todo o conteúdo do documento em causa, sendo uma das assinaturas imputadas ao réu marido, o referido documento não tem força probatória plena, nos termos do 376º, n.º 1, do CC.
Na verdade, perante aquela impugnação e arguição de falsidade efetuada pelos réus e face ao disposto no art. 374º, n.º 1 e 2, do CPC, não se tem por reconhecido nem o conteúdo, nem a autoria nem a genuinidade daqueles documentos.
Estatui o art. 374º do CC:
“1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.”
E prescreve o art. 376º do mesmo diploma que:
“1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.”
Como se vê aquele artigo reporta-se à fixação da autoria ou genuinidade do documento.
Este rege quanto à sua força probatória.
Ora, como de tais normativos resulta, a lei atual – e contrariamente ao que sucedia na lei anterior - deixou de referir a possibilidade de arguição da falsidade no plano da autoria ou genuinidade do documento particular, apenas permitindo que estes sejam postos em crise mediante a impugnação da letra ou da assinatura.
Ou seja, a contrafação de um documento particular não dá lugar à arguição da sua falsidade nesta vertente – art. 374º do CC.
A falsidade apenas pode ser invocada se depois de estabelecida a sua autoria e genuinidade, ou seja, verificada que seja a coincidência entre o seu subscritor real e o seu subscritor aparente - pelo reconhecimento e aceitação da letra e assinatura - a parte contra quem o documento é apresentado pretender elidir a respetiva força probatória mediante a arguição da falsidade do respetivo contexto ou declarações nele contidas – art. 376º do CC e art. 446º do CPC.
Em casos como o dos autos, em que aquela autoria não se mostra estabelecida no que se refere ao supra identificado documento, o mesmo encontra-se nas mesmas condições do documento particular não assinado ou assinado com um nome fictício, constituindo meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, uma vez que se encontra falho de um dos requisitos exigidos por lei (cfr. art. 366º do CC).
Ou seja, e por outras palavras, a arguição da falsidade só é considerada para destruir a força probatória plena do documento, depois de esta lhe ser atribuída por lei.
Quanto aos documentos autênticos e porque tal força probatória lhe é atribuída imediata e diretamente pela lei – art. 371º do CC – esta pode ser desde logo elidida mediante a arguição da sua falsidade – art. 372º nº1 do CC.
Quanto aos documentos particulares só depois de presentes os requisitos legais para que essa força probatória emirja – se a sua letra e assinatura não forem impugnadas – é que é admissível a arguição da sua falsidade.
Sendo que relativamente a documentos particulares cuja autoria não esteja reconhecida, a admissibilidade de tal arguição, para além do mais, viola o princípio da economia processual – cfr. Ac. do STJ de 19.10.1995, BMJ, 450º, 400.
Em todo o caso, nos termos do n.º 2 do art. 374º do CC, se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra e/ou assinatura, incumbe à parte que o apresentar a prova da sua veracidade, ou seja, no caso à autora.
O referido artigo comporta, então, uma inversão legal do ónus da prova, que abrange a prova da veracidade do documento e, consequentemente, a prova da veracidade da realidade que o mesmo alegadamente titula – prova esta que incumbe no caso concreto em análise à autora como já se disse.
No que ao documento em causa se refere, verifica-se que a autora não logrou demonstrar a autoria daquele documento, a implicar, tendo em conta a restante prova produzida, a imprestabilidade do mesmo para demonstrar o que quer que seja.
Note-se que nenhuma prova foi produzida nesse sentido e, inclusive, a sua existência contraria a própria versão da autora, na medida em que sustentou, na sua petição inicial, que o acordo de arrendamento existente entre o falecido marido da autora e o réu marido foi verbal e não escrito, sem prejuízo de ter sido reconhecido e aceite em transação judicial celebrada no âmbito do processo n.º 233/18.3T8PFR, sendo esta transação o único registo escrito daquele acordo (cfr. certidão que constituiu o documento n.º 1 junto com a petição inicial).
Partindo deste pressuposto, o apuramento dos factos dados como provados levou em linha de conta que essa realidade factual foi reiterada pelo réu marido nas suas declarações de parte, e é corroborada, de forma séria e credível, pelo conhecimento demonstrado pelas testemunhas EE, funcionário, há 23 anos, da empresa que o réu marido tem instalada no armazém do prédio objeto do contrato de arrendamento em causa nos autos, tendo sempre trabalhado naquele sítio, conhecendo-o desde essa altura, em termos de dimensões e configuração, tal como está hoje, assim como tal realidade é também afirmada pelas testemunhas FF, amiga dos réus, GG, que foi vizinho dos réus no locado em causa nos autos desde os seus
10/11 anos, e HH, que foi técnico da contabilidade daquela empresa desde 1995 e até 2021.
Todas as referidas testemunhas revelaram distância, imparcialidade e objetividade em relação aos factos, não se detetando interesse no desfecho da causa, e tinham razão de ciência válida, a apontada, para o conhecimento que demonstraram.
Acresce que esta versão dos factos é, em grande medida, corroborada por toda a documentação junta aos autos, designadamente pela correspondência endereçada à autora pelos réus, com a participação da descrição do prédio em causa feita às finanças pelo falecido marido da autora, ainda que em virtude de ter sido notificado para atualizar essa descrição (cfr. documento entrado em juízo em 31/05/2022 (fls. 184 a 193), com a reconstituição histórica do local à data mais remota disponibilizada na aplicação google earth pro (cfr. sessão de julgamento de 18/05/2022, pág. 10), com as fotografias juntas com a contestação e com o relatório pericial.
Mais essa realidade factual é, em termos de regras de experiência comum e critérios de normalidade, perfeitamente compatível com a transação celebrada e vertida na certidão que constituiu o documento n.º 1 junto com a petição inicial, na qual o falecido marido da autora reconhece que no prédio arrendado é exercida a indústria de polimentos de mobiliário de madeira, o que, de resto, já reconhecia na própria petição inicial da referida ação n.º 233/18.3T8PFR, quando refere que “concomitantemente com a habitação, haviam instalado no arrendado uma pequena indústria doméstica, perfeitamente acessória do fim principal do arrendamento, que, como se disse, era o da habitação”. Ora, quando há um fim principal e acessório, a finalidade do arrendamento nunca se poderia ter por uma única e exclusiva.
De resto, nessa petição, o fundamento do pedido de resolução do arrendamento e de despejo, para além da falta de pagamento de rendas, não era o exercício de uma finalidade diversa da finalidade do acordo de arrendamento celebrado, mas o facto de os réus terem deixado de habitar naquele local e, como tal, ter sido abandonada a finalidade aí dita de principal e a finalidade que era acessória ter passado a principal.
E, não obstante isto, na transação, o falecido marido da autora permitiu que isso assim continuasse bem sabendo que lá os réus já não habitavam, e continuando a dizer que mantinham em vigor o contrato de arrendamento que só falava da finalidade habitação, já não da indústria.
Ora, a existência da indústria naquele local pelo tempo apurado e a postura, ao longo do tempo, primeiro do marido da autora e depois da própria autora, que nunca pediram o despejo pelo facto de uma indústria lá ser exercida, quer fosse grande ou pequena, acessória ou principal, e sabendo que os réus já lá não habitavam, permite presumir com toda a razoabilidade que a instalação dessa indústria naquele local foi realizada na sequência do acordo de arrendamento verbal alegado e porque este também contemplava aquele fim, sem prejuízo de isso não poder ser assumido documentalmente, designadamente no âmbito da referida transação, porquanto aquele local e aquela industria não tinham e não têm as necessárias licenças legais, tal como resulta de toda a prova produzida (cfr. art. 351º do CPC).
Todo este acervo probatório assim analisado infirma totalmente os depoimentos prestados pelas testemunhas JJ, pessoa que se intitula ter sido cuidador da autora e do seu falecido marido, quando este adoeceu, permanecendo, ainda, como cuidador daquela, e que, no fundo, trata dos aspetos práticos dos imóveis da autora, e KK, licenciado em direito que, há cerca de 10 anos a esta parte, auxilia a autora na administração dos seus imóveis, alegando ter tido intervenção direta no acordo celebrado na ação n.º 233/18.3T8PFR.
As referidas testemunhas visitaram o imóvel em causa e negaram os problemas de infiltração de humidade que ostensivamente tem, tendo em conta os restantes depoimentos, as fotografias juntas com a contestação e o relatório pericial, o que, por si, só afetou de forma irremediável a sua credibilidade.
Além disso, as referidas testemunhas têm, pelas funções que desempenham junto da autora, um claro interesse no desfecho da causa, o que, juntamente com os motivos já expostos, lhes retira imparcialidade.
Por fim, o não apuramento dos factos dados como não provados resultou, em parte, por ter ficado demonstrada uma versão contrária e, em outra parte, em virtude de ausência de prova”.
Os apelantes sugerem a alteração da decisão no sentido de se julgarem provados os factos impugnados.
Sustentam a alteração em “documentos juntos aos autos”, “declarações de parte do legal representante da recorrente”, relatório pericial e depoimento da testemunha HH.
Está em causa a impugnação dos factos alegados pelos réus na contestação, para sustentar o pedido reconvencional, pretendendo-se apurar se a autora tomou conhecimento das infiltrações existentes no local arrendado, da necessidade de executar obras e se assumiu a realização de tais obras. Por outro lado, pretende-se apurar o valor despendido pelos réus na execução das obras.
A prova indicada pelos apelantes não justifica a alteração pretendida.
Em relação “aos documentos juntos aos autos” é de referir que os apelantes não indicam os concretos documentos a reapreciar. No ponto XIX das conclusões de recurso fazem referência à “notificação judicial avulsa” (documento junto com a contestação), ato através do qual os réus-apelantes comunicaram à autora os problemas de infiltração e as obras necessárias para reparar o imóvel.
Tratando-se de documento autêntico dotado de força probatória plena, faz prova do que o mesmo contém, pois não foi posta em causa a sua autenticidade (art. 370º, 371º CC). Do mesmo resulta a prova da notificação efetuada com o teor ali contido e nada mais, o que se mostra de todo irrelevante para demonstrar a atitude da autora e o custo das obras executadas ou a executar.
Os apelantes sustentam, ainda, a alteração da decisão, em particular quanto ao ponto 15, nas “declarações de parte do legal representante da recorrente” (ponto XXI das conclusões de recurso).
Não identificam a pessoa em concreto e admite-se que possa existir lapso de escrita, porque analisados os autos conclui-se que apenas o réu BB foi ouvido em declarações de parte (sessão de julgamento de 18 de maio de 2022 – ata inserida a páginas 550 do processo eletrónico).
Contudo, as declarações prestadas em nada relevam para a prova dos factos impugnados, porque o declarante se limitou a reproduzir a versão que consta do articulado.
Quanto ao valor probatório das declarações de parte prestados pelas partes e legais representante das partes na ação, cumpre ter presente nos termos do art. 466º/1 CPC, que as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC.
A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados.
Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquelas em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado.
Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”[7].
LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” [a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[8].
O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova.
A restante prova indicada pelos apelantes não permite confirmar a versão dos factos tal como os apelantes sustentam.
A prova pericial – relatório inserido a páginas 712 do processo eletrónico – faz uma apreciação técnica do estado de conservação do imóvel e limitada aos quesitos formulados pelas partes. De tal relatório não se extrai que a autora assumiu executar as obras que seriam necessárias de acordo com a avaliação feita pelo senhor perito e também não se fixa um valor provável para as obras a realizar face ao que foi concretamente apreciado pelo perito.
Contudo é de notar que o perito considerou que os réus executaram obras na parte do imóvel afeta à indústria que ali exploram e por outro lado, ao entender que seria necessário executar obras de conservação, situa as mesmas também na zona industrial, mas sem indicar o custo das mesmas. Desta forma, a perícia não permite obter uma conclusão sobre o valor efetivo das obras realizadas e das obras a realizar.
Por fim, o depoimento da testemunha HH (sessão de julgamento do dia 08 de julho de 2022 – ata inserida a páginas 351 do processo eletrónico), não merece qualquer relevo, porque não revelou ter qualquer conhecimento dos factos impugnados sob os pontos 3, 4, 5.
De relevante referiu, tão só, que a pedido do réu redigiu uma carta que o réu endereçou à autora a solicitar a realização de obras, desconhecendo a reação da autora a tal carta.
Em relação ao ponto 15 revelou ter conhecimento que o réu executou obras no local onde exerce a sua atividade industrial (na cobertura e nas paredes) e efetuou, ainda, a limpeza de uma parcela de terreno que confronta com o edifício industrial, não resultando esclarecido se tal parcela faz parte do prédio arrendado. Contudo, não revelou ter conhecimento do custo, nada sabendo sobre orçamentos apresentados para realização de novas obras. Referiu ter conhecimento de uma fatura no montante de € 13.500,00 e disse que o seu pagamento foi realizado com cheques. Porém, a cópia dos cheques não consta dos autos. Acresce que são os próprios réus em reconvenção que referem ter suportado despesas com obras no armazém no montante de € 7 007,74 (matéria que se provou). Subsiste, pois, a dúvida sobre o efetivo montante despendido com a realização de outras obras para além daquelas que resultaram provadas, motivo pelo qual o depoimento da testemunha não permite sustentar a alteração sugerida.
Atento o exposto não se justifica alterar a decisão de facto, pois não se aponta qualquer erro na apreciação da prova que justifique a alteração sugerida pelos apelantes.
Improcedem desta forma as conclusões de recurso sob os pontos I a XX.
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Na apreciação das restantes questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados:
1. Por contrato verbal celebrado há mais de 30 anos entre o falecido marido da Autora, II, e o Réu marido, aquele declarou arrendar a este, que declarou tomar de arrendamento, pelo menos, para habitação, o prédio urbano sito no então lugar..., da extinta freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, atualmente Rua ..., da freguesia ... e ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito, à data do acordo, sob o artigo ... urbano e atualmente inscrito no artigo urbano ... da União de Freguesias ....
2. O aludido acordo foi expressamente reconhecido e aceite em transação judicial realizada no âmbito do Proc. nº 233/18.3T8PFR que correu termos pelo Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, da comarca do Porto Este (cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
3. Na transação supra referida, ficou acordado que as rendas eram a liquidar através de depósito ou transferência bancária para uma conta indicada naquela transação.
4. Mais ficou acordado o seguinte:
“2º Autor e RR acordam em alterar a renda mensal para o valor de € 650,00 que vigorará a partir do próximo mês de Maio, inclusive, até Dezembro do corrente ano;
3º A partir Janeiro de 2019 e até Dezembro de 2019 vigorará a renda mensal de € 700,00;
4º A partir de Janeiro de 2020 a renda mensal passará a ser de € 750,00, sujeita às atualizações legais a partir de Janeiro de 2021;
6º O Autor permite que os RR exerçam no prédio arrendado a indústria de Polimentos de Mobiliário de Madeira, assumindo estes RR a integral responsabilidade pelo exercício de tal atividade, nomeadamente no que concerne a taxas, licenças e coimas, mais sendo da sua responsabilidade a eventual legalização administrativa e regulamentar do locado e da respetiva atividade industrial/comercial aí exercida, sendo certo que o Autor se prontifica a assinar tudo o que os RR lhe apresentem para a obtenção da legalização do locado para os fins pretendidos pelos RR;
7º Os RR poderão manter no arrendado todas as obras de ampliação e beneficiação por si realizadas, assumindo a total responsabilidade pela execução e manutenção das mesmas, sendo certo que, aquelas, findo o arrendamento, ficarão a pertencer ao prédio sem direito a qualquer indemnização ou direito de retenção.”
5. A Autora sucedeu ao seu falecido marido, na qualidade de única e universal herdeira, e, por conseguinte, assumiu a qualidade de senhoria no acordo supra referido.
6. A autora solicitou a notificação judicial avulsa dos réus com o conteúdo vertido do doc. n.º 3 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo a referida notificação sido realizada na pessoa dos réus no dia 11/11/2020.
7. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020, os aqui réus passaram depositar no Banco 1…, em cada um daqueles meses, a quantia de € 700,00, a título de renda relativa a cada um daqueles meses, sendo que deixaram de pagar as rendas vencidas e respeitantes aos meses de Abril a Novembro de 2020, assim como não pagaram as rendas vencidas na pendência da ação.
8. Na sequência do acordo referido em 1, desde 1991 e até há cerca de 15/16 anos, o réu marido teve instalado na casa existente no prédio supra identificado a sua habitação.
9. E, na sequência desse mesmo acordo e em simultâneo com a instalação da sua habitação, em 1991, o réu marido instalou no armazém do referido prédio uma indústria de polimentos de mobiliário de madeira, atividade que aí manteve instalada até à atualidade.
10. O aqui réu marido iniciou a sua atividade de indústria de polimentos a 21/04/1986, sendo que em 1991 mudou as suas instalações para o prédio supra identificado.
11. Quando os aqui réus tomaram de arrendamento o aludido imóvel, passaram a habitar na casa existente naquele prédio, tendo-a habitado até há cerca de 15/16 anos, e instalaram no armazém existente a indústria de polimentos que o réu marido explora, sendo que, nessa altura, pagavam de renda ao falecido marido da Autora a quantia mensal de 90 contos.
12. O falecido marido da aqui Autora era visita frequente ao armazém dos aqui RR, e sempre foi do conhecimento quer do falecido quer da própria Autora que no referido local existia e existe uma indústria de polimentos.
13. Sempre teve conhecimento das obras que foram sendo realizadas e a elas não se opuseram.
14. Tais obras foram necessárias em virtude da inexistência de licença de utilização e tendo em vista o respetivo licenciamento.
15. A indústria existe à vista de todos, com funcionários.
16. O então falecido marido da Autora não fazia obras no espaço.
17. Os réus, desde Abril de 2018, solicitavam ao falecido marido da Autora, e posteriormente à Autora, a emissão dos recibos referentes ao pagamento das rendas que iam sendo pagas.
18. Durante mais de 2 anos, e muito embora as constantes interpelações dos aqui réus, nunca foram emitidos quaisquer recibos pela autora.
19. O aqui réu marido, a 14 de Dezembro de 2018 interpelou a aqui Autora para a realização das obras, nunca tendo obtido qualquer resposta por parte da Autora.
20. O réu marido continuou a interpelar sistematicamente a Autora e esta enviou duas pessoas às instalações dos réus para verificarem e fazerem o levantamento de todas as necessidades.
21. Essas duas pessoas, acompanhados do réu marido, deslocaram-se ao locado, em Setembro de 2019, e verificaram todos os problemas de infiltrações existentes, os quais punham em causa o normal funcionamento da indústria do aqui réu.
22. A autora não fez qualquer obra para resolver as referidas infiltrações.
23. Os aqui réus encontram-se desgastados com toda esta situação, quer pela falta de emissão dos recibos dos pagamentos das rendas, quer pela falta da realização das obras.
24. E, nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020, os aqui réus passaram depositar, em cada um daqueles meses, a quantia de € 700,00, a título da renda relativa a cada um daqueles meses, no Banco 1…, nos moldes vertidos nos documentos de depósitos de renda emitidos pelo Banco 1… e juntos na contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, comunicando tal facto à aqui autora por carta registada C/AR, logo que tal procedimento se iniciou.
25. A Autora recebeu o referido aviso para levantar a carta, mas não a levantou, tendo a referida carta sido devolvida com o fundamento de “objeto não reclamado”.
26. No dia 5/02/2020, os réus requereram a notificação judicial avulsa da autora, nos termos e nos moldes vertidos no doc. n.º 7 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. A Autora recusou a assinar a notificação judicial avulsa no dia 14/02/2020.
28. A autora deslocou-se dia 27/02/2020 ao escritório do Senhor Doutor DD, Agente de Execução, tendo sido notificada nesse dia, pelas 15h00.
29. Foram reclamadas a realização das obras, isto porque, anteriormente foram realizadas várias visitas ao locado e foram verificados os problemas de humidade e infiltrações existentes.
30. Os réus alertaram ainda a autora que, em Dezembro de 2019, com a tempestade “Elsa” todo o telhado do edifício levantou, o que originou que entrasse ainda mais água e provocasse estragos em todos os móveis e equipamentos que se encontravam no interior.
31. Os réus juntaram orçamento para a realização das referidas obras.
32. Os réus informaram que o locado não reunia as condições necessárias e, por isso, os réus notificaram a autora para em 10 dias iniciarem as obras.
33. A autora nada fez.
34. Os réus viram-se obrigados a realizar as obras, pois que, em virtude do apurado levantamento do telhado, chovia dentro do armazém, o que causou vários prejuízos quer no material que se encontrava dentro do locado, bem como nas máquinas e equipamentos.
35. Com essas obras os réus gastaram o valor de 5.507,74€, apenas na aquisição do material necessário, valor esse que como é do conhecimento da Autora, em virtude da através da notificação judicial avulsa supra referida em 26, o réu marido declarou descontar no valor das rendas.
36. O aqui réu marido comprou o material, contratou pessoal que juntamente com os seus próprios funcionários, procederam a colocação e execução da 1ªfase da obra, que importou a um custo mínimo de 1.500,00€.
37. As obras estão a ser feitas parcialmente, dado o estado de deterioração que o locado apresenta, quer a nível dos telhados, quer ao nível das paredes.
38. Até ao momento, os RR já despenderam a quantia de 7.007,74€.
39. A as obras realizadas pelos réus e supra mencionadas ficaram-se a dever a anomalias nos telhados ou nas coberturas do arrendado, na parte em que se encontra instalada a supra descrita industria de polimento de móveis, anomalias estas que também foram agravadas e outras provocadas pelo mau tempo e tempestades ao longo do tempo, o que contribuiu para a necessidade de mais obras, sendo que essas anomalias punham em causa a normal utilização do locado naquela parte onde está instalada a industria, assim como o normal desenvolvimento da atividade industrial que o réu exerce naquela parte.
40. Todas as obras realizadas pelos réus foram obras de impermeabilização.
41. Em termos de prejuízos relativos a avarias de equipamentos e material estragado resultante das infiltrações de água constantes decorrentes do descrito nos anteriores pontos 31 a 35, os custos ascendem a cerca de 2.500,00€.
42. Ainda assim, faltam fazer obras de impermeabilização no locado, na parte em que se encontra instalada a industria, que ascendem a cerca de 14.250,00€ acrescido de iva a taxa em vigor, pois que as obras realizadas ainda não colocaram fim a todas as anomalias existentes nessa parte do locado.
43. As obras levadas a cabo pelos réus nos moldes descritos tiveram lugar, não na zona habitacional do locado, mas antes na zona de funcionamento da indústria e armazém.
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- Factos não provados:
1. As obras referidas em 13 dos factos provados tivessem tido o consentimento expresso da autora ou do seu falecido marido, II.
2. O falecido marido da autora juntamente com o réu marido, junto da C.M. ..., tivessem instaurado processo de licenciamento do armazém para funcionamento da indústria referida nos factos provados.
3. As pessoas referidas em 20 e 21 dos factos provados tivessem elaborado a listagem de todos os problemas de infiltrações existentes, e bem assim se tivessem prontificado a tratar junto de empreiteiros para a resolução dos mesmos.
4. A autora tivesse feito promessas de resolução das infiltrações existentes e referidas nos factos provados.
5. Por parte da autora tivessem sido feitas várias promessas para a realização das referidas obras, e bem assim que a autora soubesse dos prejuízos que estava a causar aos réus.
6. Os réus, na zona industrial que instalaram no arrendado, tivessem implantado, no ano de 2020, uma nova estufa industrial para secagem de madeiras, e bem assim que essa estufa fosse de considerável maior dimensão do que aquela que até então ali se encontrava instalada.
7. Devido à maior dimensão dessa nova estufa, e para a sua implantação, os réus tivessem tido de remover o telhado existente naquela zona, tendo dotado o local com um novo telhado e chapas de isolamento por causa dessa situação.
8. O Sr. JJ e Dr. KK, quando se deslocaram ao local, verificaram que o arrendado não padecia dos problemas apontados pelos réus, pois na parte habitacional não apresentava quaisquer problemas relacionados com humidades e infiltrações e se encontrava perfeitamente apto ao fim a que se destinava, ou seja, à finalidade habitacional.
9. Alguns pequenos ou diminutos problemas de humidades e infiltrações encontravam-se circunscritos às partes do prédio que respeitavam a ampliações construtivas levadas a cabo pelos réus para servirem à pequena indústria de mobiliário de madeira que ali instalaram.
10. A Reconvinte emitiu todos os recibos das rendas que lhe foram pagas pelos reconvintes, mas foram estes que se recusaram a aceitá-los.
11. Quando a pedido da Reconvinda, o Sr. JJ pretendeu entregar os ditos recibos aos Reconvintes, estes se recusaram a recebê-los, sob o argumento de que não estavam emitidos corretamente, pois pretendiam que os ditos recibos fossem emitidos em nome e com a identificação fiscal da sua empresa, a fim de poderem ser fiscalmente considerados como despesas daquela empresa.
12. A feitura e o teor do documento junto pela autora, na sessão da audiência de julgamento do dia de 20/09/2022, tivesse sido acordado entre II e BB, e bem assim que a assinatura constante do seu verso e correspondente ao nome deste último tivesse sido aposta pelo seu próprio punho.
13. O arrendamento do prédio em causa, ainda realizado pelo falecido marido da aqui autora, o tivesse sido apenas a título habitacional e nunca comercial/industrial.
14. O então falecido marido da autora apenas tivesse tolerado a existência de uma pequena indústria doméstica que os réus ali criaram, e até contra a vontade do mesmo, e que ocupava anexos que nunca pretendeu destinar a qualquer indústria.
15. Os réus tivessem despendido com obras realizadas no locado a quantia global de € 20.507,74 ou de € 23.074,00.
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- Da responsabilidade do senhorio pela execução das obras no local arrendado -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos XXI-I[9] a XLV, os apelantes insurgem-se contra o segmento da decisão que julgou improcedente a reconvenção, mesmo no pressuposto de não se conceder provimento à impugnação da decisão de facto, por entenderem que recai sobre o locador a obrigação de proceder às obras e reembolsar os arrendatários das despesas efetuadas, sustentando a sua argumentação nos art. 1022º, 1028º, 1031º a 1063º, 1054º, 1067º/1, 1029º a 1091º, 1092º e 1113º do CC.
A questão a decidir consiste, assim, em determinar se celebrado um contrato de arrendamento para habitação e para fins não habitacionais, recai sobre o locador a obrigação de executar obras no local arrendado e se assiste ao arrendatário o direito ao reembolso das despesas efetuadas com obras.
O art.1031º, alínea b), do Código Civil impõe ao locador o dever de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que esta se destina. Entre as configurações que o cumprimento deste dever pode assumir cabe a obrigação de executar obras de conservação, ordinária ou extraordinária, requeridas pelas leis ou pelos fins do contrato, como dispõe o art. 1074º, n.1 do CC, na medida em que o art.1032º do CC considera o contrato não cumprido quando a coisa locada apresente vícios que não lhe permitem realizar cabalmente o fim a que é destinada ou careça das qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador.
Deste modo, incorrendo o locador em incumprimento, pode o locatário exigir-lhe o cumprimento da obrigação de assegurar o cumprimento do gozo do imóvel, realizando as obras que em concreto se revelem necessárias, na interpretação conjugada dos artigos 1031º, alínea b), 1032º e 1074º, n.1 do CC.
Optando o arrendatário por seguir a via judicial, e persistindo o locador em não realizar as obras a que seja condenado, poderá o arrendatário, de seguida, mover ação executiva para prestação de facto (nos termos do art.868º e seguintes do CPC).
Optando pela interpelação extrajudicial, e verificando-se um incumprimento definitivo do locador, pode o arrendatário resolver o contrato nos termos gerais (art.801º e seguintes do CC), com ressalva das particularidades normativas das obrigações duradouras.
Por outro lado, caso se verifiquem os pressupostos próprios do erro contratual ou do dolo, tem o arrendatário a faculdade de anular o contrato, nos termos do art.1035º do CC.
Caso o local arrendado apresente defeitos que possam pôr em perigo a vida ou a saúde do arrendatário ou dos seus familiares, independentemente da responsabilidade do locador, pode o arrendatário, a todo o tempo, proceder à resolução do contrato, nos termos da alínea b) do art.1050º.
Para além destas soluções legais que conduzem à desvinculação contratual do arrendatário, a lei fornece-lhe meios de autotutela face à existência de vícios ou defeitos que afetem o gozo do imóvel, independentemente de se verificar, ou não, incumprimento contratual imputável ao locador. Assim, nos termos do art.1036º, n.1 do CC, constatando-se a necessidade de realização de obras urgentes, ao arrendatário é conferida a faculdade de se substituir ao locador na realização das obras ou reparações necessárias, logo que o locador entre em mora no cumprimento desse dever. Existindo urgência absoluta na realização de obras ou reparações, o arrendatário pode agir de imediato (em via substitutiva), sem ter de aguardar que o locador entre em mora, nos termos do art.1036º do CC.
Em qualquer uma das hipóteses previstas no art.1036º, tem o arrendatário a faculdade de compensar o custo das obras que realizou com o pagamento das rendas vincendas. Esta solução, que se encontrava prevista no n.3 do art.1074º do CC até à entrada em vigor da Lei n.13/2019, encontra-se, a partir daí, prevista (de modo mais detalhado) nos artigos 22º-A, n.1, alínea b) e n.2, bem como, no art.22º-D do DL n.157/2006 (os quais foram aditados pela Lei n.13/2019).
Por outro lado, face à existência de vícios ou defeitos que conduzam à privação ou diminuição do gozo da coisa locada, tem ainda o arrendatário a faculdade de invocar a redução do valor da renda, proporcional ao tempo de privação ou diminuição e à correspondente extensão, nos termos do art.1040º do CC[10].
Porém, estando em causa a celebração de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, a questão da execução de obras no local arrendado está subordinada ao regime previsto no art. 1111º CC (na redação da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro), que prevê:
“1. As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.
2. Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato”.
Face à previsão do nº1 e tal como ocorre no regime do contrato de arrendamento para habitação a responsabilidade pela realização das obras ordinárias ou extraordinárias requeridas por lei ou pelo fim do contrato, fica sujeita à livre estipulação das partes.
Apenas na falta de estipulação das partes tem aplicação o regime supletivo previsto no nº 2 do preceito.
Por outro lado, este regime tem de específico “a dispensa de consentimento do senhorio para que o inquilino possa realizar as obras «exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato»”[11].
Retomando o caso concreto.
Na presente ação de despejo pretende a autora obter a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas. Resulta dos factos apurados que estão reunidos os pressupostos para operar a resolução do contrato com tal fundamento, tal como ficou reconhecido na sentença, decisão essa que não foi impugnada no recurso. Aliás, o incumprimento contratual por parte do arrendatário está admitido pelo réu na contestação, pois só assim se explica a dedução da exceção de compensação.
Na sentença considerou-se improcedente a exceção de compensação, pelo facto do crédito reclamado a título de despesas com obras no local arrendado não ser devido, por se considerar face aos termos do contrato de arrendamento celebrado e com fundamento no art. 1111º CC que o réu assumiu os encargos com a realização das obras.
É contra este segmento da decisão que os apelantes reagem.
Para sustentar a sua posição consideram que ao abrigo do art. 1074º CC é o locador, a autora/apelada, quem tem o encargo de realizar as obras ou reembolsar o arrendatário das despesas efetuadas com a sua execução.
Na sentença justificou-se a aplicação do regime do art. 1111º/1 CC nos seguintes termos:
“O acordo dado como provado, celebrado no processo n.º 233/18.3T8PFR (cfr. pontos 2 a 4 dos factos provados), preenche integralmente os requisitos legais de um contrato de arrendamento (cfr. art. 1022º do CC), pois que aí o falecido marido da autora, então na qualidade de senhorio, obrigou-se a proporcionar aos réus o gozo temporário do imóvel melhor identificado no ponto 1 dos factos provados mediante uma retribuição/renda.
Para além disso, atento o contexto apurado para a celebração do acordo em questão, dúvidas não temos que aquela transação veio dar forma escrita ao contrato de arrendamento verbal que já existia há mais de 30 anos e que, nessa altura, havia sido celebrado pelo falecido marido da autora e com o réu marido.
E provou-se que esse arrendamento se destinava, pelo menos, a habitação, sendo certo que na transação celebrada o referido fim se manteve em vigor, sendo que, em relação a esta conclusão, não existem divergências entre as partes.
A questão litigiosa é a de saber se o arrendamento, quer o celebrado verbalmente há mais de 30 anos quer o que foi reduzido a escrito naquela transação, para além do fim da habitação tinha também como finalidade permitir ao réu marido o exercício no locado da industria de polimentos de mobiliário de madeira.
Aqui a letra do acordo celebrado naquela ação não é clara, pelo que é necessário interpretar a vontade das partes, impondo-se ter presente o estipulado nos arts. 236º a 238º do Código Civil.
A interpretação da declaração negocial visa captar o seu sentido e o seu conteúdo.
De acordo com o art. 236º, n.º 1, do Código Civil, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Já o seu n.º 2 dispõe que “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
O sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
A interpretação da declaração negocial deve procurar uma conciliação dos interesses do declarante e do declaratário dentro do sistema legislativo respeitante ao negócio jurídico.
O fim da interpretação é o sentido da mesma. O sentido a que se refere o n.º 1 do art. 236º é o sentido pretendido pelo declarante. A interpretação parte, metodologicamente, de elementos objetivos para obter, através deles, na medida do possível, o elemento subjetivo.
Quando o declarante não pode contar razoavelmente com o sentido deduzido pelo declaratário normal do seu comportamento, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao declaratário (art. 236, n.º 1, 2.ª parte).
A declaração de aceitação vale como aceitação da proposta com esse sentido.
O intérprete deve indagar, através da declaração, a vontade real das partes contraentes, sendo as diversas cláusulas entendidas umas mediante as outras, e atribuindo a cada uma delas o sentido que resulta do contexto global, precisamente porque se trata de um pensamento unitário cuja descoberta compete ao intérprete.
Quanto aos negócios formais, em princípio, a declaração negociar não pode valer com um sentido que não tenham um mínimo de ressonância no texto do documento respetivo (art. 238º, n.º1). Contudo, um sentido desprovido desta correspondência sempre pode valer se se revelar conforme à vontade real das partes do negócio e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade (art. 238º, n.º 2).
No caso concreto, a interpretação a realizar da vontade das partes pode ser feita à luz do texto do contrato em causa e à luz dos factos objetivos apurados descritos nos pontos 8 a 15, 20 e 21 dos factos provados.
Dos referidos factos objetivos resulta que, na sequência do apurado acordo verbal de arrendamento, em 1991, o réu marido instalou no locado, em simultâneo, a sua habitação e uma industria de polimentos de madeira, atividade que manteve até ao momento atual, ao contrário da habitação, pois que os réus já lá não habitam há 15/16 anos.
E fê-lo, respetivamente, na casa e no armazém existente no prédio melhor identificado no ponto 1 dos factos provados, a significar que tal imóvel, pelo menos do ponto de vista físico, permitia ao senhorio proporcionar aos réus o gozo do mesmo para ambas as finalidades, ou seja, habitação e indústria, sendo que foi o todo que foi dado em arrendamento e não apenas a casa.
O que tudo sempre foi do conhecimento do falecido marido da autora (cfr. ponto 12 dos factos provados).
Nessa altura, os réus pagavam ao falecido marido da autora uma renda mensal de 90 contos, o que seria, à época, uma renda muito avultada caso o imóvel se destinasse apenas a habitação, mas passaria a fazer sentido caso se destinasse a habitação e à industria.
Resulta da matéria apurada que a parte do armazém não tinha licença de utilização, o que levou os réus a fazerem as obras que seriam necessárias a obter o licenciamento e o falecido marido da autora a elas nunca se opôs (cfr. pontos 12 a 14 dos factos provados).
Resulta, ainda, que, quando o falecido marido da autora intentou o processo n.º 233/18.3T8PFR, o mesmo já tinha conhecimento que os réus já não habitavam a casa (cfr. petição inicial que integra a certidão que constituiu o doc. n.º 1 junto com a petição inicial e a que se alude no ponto 2 dos factos provados).
Mais resulta que, apesar de toda esta realidade, na transação o réu marido manteve o contrato de arrendamento, remetendo para os artigos da petição inicial que falavam apenas da finalidade de habitação, acordou com os réus atualizações específicas de rendas, e bem assim acautelou-se em relação a obras, esclarecendo que, no fim do arrendamento as mesmas revertiam a favor do imóvel, sem direito a qualquer indemnização ou direito de retenção por parte dos arrendatários.
Mais, o senhorio declarou permitir, interpretamos continuou a permitir o gozo que até então já era feito do imóvel, que os réus exerçam no prédio a industria de polimentos, passando para os réus toda a responsabilidade pelo exercício dessa atividade, designadamente taxas, licenças e coimas, e bem assim a responsabilidade da legalização administrativa e regulamentar do locado e da respetiva atividade industrial/comercial ali exercida, prontificando-se a assinar tudo o que os réus lhe apresentarem para a obtenção dessa legalização.
Ora, sem prejuízo de melhor opinião e com todo respeito pela interpretação efetuada pela autora, que sucedeu ao seu falecido marido, na qualidade de única e universal herdeira, assumindo a qualidade de senhoria, entendemos que todo este contexto apurado e a economia geral da transação efetuada evidenciada pelo conjunto do clausulado, apenas permite a interpretação de que, quer o acordo verbal quer o acordo celebrado na transação, consistiam num contrato de arrendamento para fins habitacionais e para fins não habitacionais – a industria de polimentos.
E essas duas finalidades só não ficaram ditas expressamente, porque aquele locado ainda não estava legalizado para aquele fim não habitacional como se depreende da própria transação, sem prejuízo da interpretação em causa continuar a ter na letra um mínimo de correspondência.
Com efeito, este é o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, tendo correspondência com o texto contratual.
De resto, esta interpretação é coerente com a intenção das partes revelada no texto contratual, pois que o próprio senhorio se prontificou a assinar tudo que os réus lhe apresentassem que se destinasse àquela legalização.
Acresce que a autora sequer alegou factos tendentes a demonstrar que outra tinha sido a vontade real do declarante no momento da celebração daquele clausulado da transação.
Concluiu-se, assim, que a interpretação que efetuamos é a única que se tem por plausível com o apurado contexto passado do contrato que a transação reduziu a escrito e com a economia geral do mesmo.
Na verdade, todas as circunstâncias apuradas não são, em nosso modesto entender, compatível com uma “mera tolerância” de uso por parte do senhorio, assim como o facto de as obras realizadas pelos réus reverterem para o locado sem direito a indemnização e direito de retenção não é compatível com aquela alegada tolerância, que seria sempre uma situação precária.
De resto, mesmo que assim não se entenda, no que não se concede, sempre a oposição por parte da autora à possibilidade da excecionada compensação poder operar com base no fundamento de que o arrendamento era apenas para habitação comportaria um verdadeiro exercício ilegítimo do direito, um verdadeiro abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC, o que sempre implicaria por parte do tribunal a paralisação desse exercício ilegítimo.
Pelo exposto, afirma-se que o contrato de arrendamento versado na transação celebrada na ação supra identificada é enquadrável nos contratos de arrendamento para fins habitacionais e para fins não habitacionais, sem subordinação de um a outro, regulando-se, relativamente a cada uma das finalidades, pelo regime respetivo (cfr. arts. 1022º, 1028º, n.º 1, 1031º a 1063º, 1064º, 1967º, n.º 1, 1069º a 1091º, 1092º e 1113º do CC, na redação em vigor à data da celebração do mesmo).
[…]
Assim, importa verificar se sobre a senhoria, a autora, impendia a obrigação de fazer as obras que o locado necessitava, nos termos que foram dados como provados, e que colocavam em causa o normal funcionamento do mesmo, designadamente o funcionamento da industria.
Pois que, se a resposta for positiva, então procederão as exceções suscitadas pelos réus, concretamente a falta de pagamento daquelas rendas estará justificada ao abrigo da exceção de não cumprimento do contrato, nos termos do art. 428º do CC, e/ou da exceção de compensação prevista no art. 847º do CC, posto que está provado que a autora não realizou aquelas obras, apesar de ter sido interpelada para o efeito por várias vezes, e parte delas tiveram de ser realizadas pelos réus considerando a urgência da situação, tudo nos moldes que ficaram provados.
Sendo que a procedência destas exceções seria, respetivamente, impeditiva e extintiva do direito de resolver o contrato de arrendamento vigente e de obter o despejo com, a consequente, improcedência da ação.
Já, sendo a resposta negativa, as exceções suscitadas pelos réus terão de improceder com a, consequente, procedência da ação e do incidente de despejo imediato e total improcedência dos pedidos reconvencionais.
O art. 1074º do CC, com as alterações introduzidas pela L n.º 6/2006, de 27/02, e com as já mencionadas alterações a esta lei, dispõe que:
“1 - Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
2 - O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio.
3 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036.º, caso em que o arrendatário pode efetuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento da renda.
4 - O arrendatário que pretenda exercer o direito à compensação previsto no número anterior comunica essa intenção aquando do aviso da execução da obra e junta os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte.
5 - Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé.”
Trata-se de uma regra geral dos arrendamentos urbanos.
Porém, o art. 1111º do CC, dispondo de forma especial para os arrendamentos não habitacionais, refere que:
“1 - As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.
2 - Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.”
No contrato de arrendamento vigente, a título de obras, ficou convencionado que:
“cláusula 7º - Os RR poderão manter no arrendado todas as obras de ampliação e beneficiação por si realizadas, assumindo a total responsabilidade pela execução e manutenção das mesmas, sendo certo que, aquelas, findo o arrendamento, ficarão a pertencer ao prédio sem direito a qualquer indemnização ou direito de retenção.” (cfr. ponto 4 dos factos provados).
No caso concreto, dúvidas não existem que as obras levadas a cabo pelos réus o foram, não na zona habitacional, mas na zona de zona habitacional, mas na zona de funcionamento da indústria e armazém.
Também está provado que as anomalias que persistem, a exigir a realização de mais obras, localizam-se também na zona do locado onde funciona a indústria e armazém.
Assim, dúvidas não existem de que o regime aplicável é o previsto no art. 1111º do CC, pelo que vigorava o princípio da liberdade contratual no que se refere à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato.
E, quanto a esta parte do locado, as partes acordaram nos termos supra expostos, ou seja, o que consta da já citada cláusula sétima.
Mais uma vez teremos de nos socorrer das regras supra citadas de interpretação da vontade das partes.
E com recurso a estas, um declaratário normal entenderia que aquela concreta declaração diz respeito à parte do edifício onde se encontra instalada a indústria, e bem assim que a responsabilidade pela sua manutenção é dos réus.
Salvo melhor opinião, não é possível entender-se que as partes não convencionaram a responsabilidade pela execução de obras de manutenção naquela parte do locado destinada a fins não habitacionais. E obras de manutenção são todas as “obras de conservação” ordinária ou extraordinária.
Assim sendo, forçoso é concluir que, em nosso modesto entender e sem prejuízo de melhor opinião, a obras realizadas pelos réus e as obras que ainda faltam realizaram são da sua responsabilidade, nos termos do contrato, e não da responsabilidade da autora.
O que determina a total improcedência das exceções suscitadas pelos réus com a, consequente, procedência parcial da ação e total do incidente de despejo imediato e total improcedência dos pedidos reconvencionais”.
Entendemos que a decisão não merece censura, atenta a matéria de facto apurada.
Estando em causa a celebração de um contrato misto de arrendamento para habitação e para fins não habitacionais celebrado em 2018 e situando-se as obras realizadas no edifício afeto à atividade industrial, face ao convencionado entre as partes, o regime das obras rege-se pelo art. 1111º/1 CC. Neste âmbito, como se começou por referir, as partes podem convencionar livremente a responsabilidade pela realização das obras e o arrendatário não carece de previamente comunicar ao senhorio o propósito ou necessidade de realizar obras para garantir a utilização do espaço arrendado.
Os apelantes não se insurgem contra o enquadramento jurídico do contrato tal como consta da sentença, nem contra a interpretação do acordo celebrado entre locador e arrendatários no Proc. 233/18.3T8PFR.
Apurou-se que as partes convencionaram que as obras no local arrendado na área correspondente à construção afeta à atividade industrial seriam realizadas pelos arrendatários/apelantes (ponto 4 - cláusula 7ª- dos factos provados).
As obras realizadas (pontos 34 a 43 dos factos provados) com incidência na cobertura da construção afeta ao exercício da atividade industrial constituem obras de manutenção.
Acresce ainda que, em situações de dúvida e sem embargo das especiais exigências no que concerne aos negócios formais, as declarações negociais devem valer com o sentido que, nos negócios onerosos, importe um maior equilíbrio contratual (arts. 237º e 238º do CC[13].
Aceitando o locador que os réus podem manter no arrendado todas as obras de ampliação e beneficiação por si realizadas com o propósito de exercer a atividade industrial e consignando-se que seriam os réus a assumir a sua execução e manutenção, tal convenção garante um equilíbrio nas prestações (cfr. ponto 4 dos factos provados). Desta forma, não assiste aos arrendatários o direito a exigir do locador a realização de obras no espaço arrendado afeto à indústria.
Argumentam, ainda os apelantes que as obras realizadas no telhado e paredes exteriores não têm que ver com obras de ampliação realizadas pelos réus.
Apenas nesta sede se suscita tal questão, sem sustentação nos factos alegados e provados, únicos atender para efeitos de julgar a ação, como determina o art. 607º/4 CPC e por isso não pode tal argumento ser atendido.
Não se aplica, pois, contrariamente ao defendido pelos apelantes, o regime do art. 1036º CC e do art. 1074º/1 CC e art. 22º-A do NRAU, previsto para o contrato de arrendamento para habitação.
Neste contexto, tal como se decidiu na sentença, não resultando demonstrado o crédito, cuja compensação vem excecionada, não se extinguiu a obrigação de pagamento das rendas e como tal, verificam-se os fundamentos para a resolução do contrato e improcedência da exceção deduzida em reconvenção.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos XXI a XLV.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar improcedente a reapreciação da decisão de facto; e
- confirmar a sentença.
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Custas a cargo dos apelantes.
*
Porto, 11 de setembro de 2023
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
_________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[4] ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[5] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 569.
[6] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[7] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[8] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72
[9] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 278
[10] Na peça processual repete-se a numeração do XXI a XXIII, motivo pelo qual se adicionou “I” na segunda sequência para evitar alteração na numeração das conclusões.
[11] Cfr. Ac. STJ 05 de julho de 2022, Proc. 564/19.5YLPRT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[12] ANA PRATA, (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, abril 2019, pag. 1429
[13] Cfr. Ac. STJ 07 de março de 2019, Proc. 189/13.9TBALQ.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt