Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAÚL CORDEIRO | ||
Descritores: | CUSTAS PROCESSUAIS PROCESSO PENAL INCIDENTE TRIBUTAÇÃO TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL | ||
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Nº do Documento: | RP20230614688/18.6IDPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - As normas centrais da responsabilidade dos sujeitos processuais por custas encontram consagração nos artigos 513.º a 523.º do Código de Processo Penal, sendo subsidiariamente aplicável, por remissão do seu artigo 524.º, o disposto no Regulamento das Custas Processuais. II - A responsabilidade do arguido por custas/taxa de justiça está consagrada no n.º 1 do artigo 513.º do referido Código, cuja actual redacção foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, pelo qual foi aprovado o Regulamento das Custas Processuais. III – Na sua versão originária, resultante do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17-02, que aprovou o Código de Processo Penal, essa norma previa a condenação do arguido em taxa de justiça, além do mais, quando ficasse “vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição”. IV – Desde então deixou de estar legalmente previsto o sancionamento do arguido em taxa de justiça nos incidentes, mantendo-se tal responsabilidade somente para os casos de ser condenado em 1.ª instância e de decair totalmente em recurso. V - Com tal alteração, o legislador reduziu substancialmente as situações em que o arguido é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, com o que pretendeu certamente não impedir ou limitar, através da aplicação de custas, o exercício dos direitos de defesa e ao recurso por parte do mesmo, bem como o pleno exercício do contraditório, todos com consagração na lei fundamental (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa). VI - No Regulamento da Custas Processuais, a responsabilidade pelo pagamento de taxa de justiça no âmbito do processo penal encontra-se integralmente regulamentada no seu artigo 8.º, sendo que relativamente ao arguido “a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III” (n.º 9). VII - Não é admissível a condenação do arguido como litigante de má-fé, pois que se trata de um instituto de natureza exclusivamente civilística, conforme previsto no artigo 542.º do CPC, sem aplicação subsidiária ao processo penal. VIII - Assim, somente será permitido penalizar o arguido por “incidentes” através da condenação em taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 521.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com remissão para o artigo 531.º do Código de Processo Civil, a fixar pelo juiz entre 2 UC e 15 UC, como previsto no artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais. IX - Contudo, tal sancionamento pressupõe requisitos apertados, pois que, além de impor a prolação de “decisão fundamentada”, apenas as condutas que se revelem especialmente censuráveis, porque atentatórias da legislação aplicável e/ou da jurisprudência obrigatória e sedimentada, sendo manifestamente improcedentes e mostrando-se evidenciado que o arguido não agiu com a prudência ou diligência devidas, assim contrariando ostensiva e injustificadamente a legalidade da marcha do processo, devem conduzir à condenação em taxa sancionatória excepcional. X - A actividade processual a que foi dada causa deve mostrar-se inútil e claramente atentatória dos princípios da boa-fé e da cooperação processual a que todos os intervenientes estão sujeitos no exercício e defesa dos seus direitos (arts. 7.º e 8.º do Código de Processo Civil). XI - Não reúne os requisitos para ser aplicada taxa sancionatória excepcional o requerimento da arguida em que se limitou a arguir a nulidade do despacho que não admitiu a produção da prova testemunhal que havia indicado no requerimento de abertura da instrução, quando, por anterior despacho, já havia sido designada data para o efeito, pois que não se vislumbra nessa actuação processual, atento todo o anterior processado e o contexto e simplicidade do que foi invocado, independentemente do procedimento utilizado e do acerto dos argumentos, uma manobra dilatória e entorpecente do processo, para que se justificasse tal penalização, enquadrando-se tal conduta ainda no exercício dos seus direitos de defesa (n.º 1 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 688/18.6IDPRT-A.P1 Conferência de 14-06-2023. Relator: Raul Cordeiro. Adjuntos: José António Rodrigues da Cunha e Jorge Langweg. Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… I Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Nos autos de Instrução n.º 688/18.6IDPRT, do Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 4, foi proferido despacho, em 25-01-2023, no decurso da diligência de debate instrutório, pelo qual foi indeferida a nulidade invocada pela arguida AA e a condenou em custas, com taxa de justiça de 2 UC (ref.ª 444611501). * Não se conformando com tal decisão, na parte em que a sancionou em custas, dela interpôs recurso a arguida AA, em 06-02-2023, tendo apresentado a respectiva motivação, com conclusões, as quais se sintetizam na seguinte questão:- Legalidade da condenação em custas, invocando a recorrente que a mesma não tem sustentação normativa, nem é fundamentada, tendo sido violado o disposto nos artigos 97.º, n.º 5, 515.º, 521.º e 524.º do CPP, 7.º e 8.º do RCP e 205.º da CRP. * Admitido tal recurso, respondeu ao mesmo o Exm.º Magistrado do Ministério Público, sustentando, em síntese, que o despacho relativamente ao qual foi arguida a nulidade não é recorrível, nem ao mesmo se podia opor a recorrente através da arguição de nulidade, pelo que é legal a aplicação de taxa sancionatória excepcional, devendo ser negado provimento ao recurso e manter-se o despacho recorrido.* Remetidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, em síntese, manifestou adesão aos argumentos vertidos na resposta ao recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento (ref.ª 16942573).* A arguida AA apresentou resposta a esse parecer, manifestando a sua discordância com o mesmo e dizendo, em síntese, que o Exm.º Juiz contradisse anterior despacho em que admitiu a prova testemunhal, não se retirando o procedimento adoptado do teor literal do artigo 291.º do CPP, sendo, em todo o caso, a interpretação normativa veiculada inconstitucional, por violação do princípio da intangibilidade do caso julgado resultante dos artigos 1.º, 205.º e 282.º, n.º 2, da CRP, a qual suscita (ref.ª 365012).* Foi proferido despacho liminar e depois colhidos os vistos, com decisão em conferência.II As conclusões formuladas, acima sintetizadas, resultado da motivação apresentada, delimitam o objeto do recurso (art. 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo quando o recurso verse apenas sobre matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995). Na ausência de outras que devam conhecer-se, passa a apreciar-se a questão submetida pela recorrente à apreciação este Tribunal, para o que importa ter presente o processado que conduziu ao despacho recorrido, o qual foi a seguinte: a) A arguida AA apresentou Requerimento de Abertura da Instrução (RAI), no final do qual solicitou a inquirição das testemunhas indicadas, tendo a Exm.ª Juíza, então titular do processo, no despacho que admitiu a abertura da instrução, proferido em 12-04-2021, designado data para o interrogatório da arguida e relegado para momento ulterior a tomada de posição sobre a necessidade de inquirição das testemunhas arroladas (ref.ª 423252788). b) Após a realização do interrogatório da arguida, em 19-05-2021, a Exm.ª Juíza designou o dia 22-10-2021 para a inquirição das testemunhas arroladas no RAI (ref.ª 424979849). c) Tendo esta inquirição sido objecto de sucessivos reagendamentos, por despacho de 18-10-2022, o Exm.º Juiz então titular do processo determinou a notificação da requerente da instrução para, em 5 dias, “esclarecer nos autos se existe ainda algum acto instrutório que queira ver realizado e, em caso afirmativo, justificar a sua pertinência.” (ref.ª440953048). d) Notificado tal despacho ao Ilustre mandatário da arguida, esta nada veio dizer aos autos nesse prazo, tendo, por despacho de 14-11-2022, o Exm.º Juiz referido não existirem quaisquer outros actos instrutórios a realizar e designou para o debate instrutório o dia 15-12-2022 (ref.ª 441941616). e) Por requerimento de 30-11-2022, a arguida solicitou a inquirição de duas testemunhas – o Contabilista – id. a fls. 131, e o Inspector Tributário que elaborou o relatório de fls. 128 a 150 -, invocando as razões porque reputava tais depoimentos como necessários para a descoberta da verdade. f) Determinada a abertura de vista ao Ministério Público, o Exm.º Procurador disse nada ter a opor à inquirição desse Contabilista, sugerindo designação de data compatível com a sua notificação, mas opor-se à do Inspector Tributário (ref.ª 443250542). g) Na sequência, o Exm.º Juiz, dizendo acompanhar o entendimento sufragado pelo Ministério Público, determinou a inquirição do referido Contabilista, seguida da realização de debate instrutório, para o que designou o dia 25-01-2023 (ref.ª 443335519). h) Nessa data, não tendo tal testemunha comparecido, a qual era a apresentar, o Exm.º Juiz deu a palavra ao Ilustre mandatário da arguida, o qual requereu a inquirição das testemunhas arroladas no requerimento de abertura da instrução, ao que o Exm.º Magistrado do Ministério Público disse nada ter a opor, após o que foi proferido despacho com o seguinte teor, conforme consta da respectiva acta (gravado no Citius Media Studio): “Na sequência do requerido, decido indeferir a inquirição das testemunhas arroladas no RAI, face à prova já produzida nos presentes autos.” i) Da mesma acta consta ainda o seguinte (tendo o requerimento ficado gravado no Citius Media Studio): “Seguidamente, pelo Mmo. Juiz, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário, tendo, em súmula, suscitado a nulidade do supra despacho, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.” j) Após ter sido dada a palavra para o contraditório e tendo o Exm.º Magistrado do Ministério Público dito que aceita aquele despacho, nada tendo a promover, foi proferido pelo Exm.º Juiz o seguinte despacho (em parte agora em recurso): “Relativamente ao suscitado pelo Ilustre Mandatário, com o devido respeito, não se consegue entender qualquer requerimento em abstracto, uma vez que sem qualquer justificação ou alegação da matéria de facto sobre a qual deveriam depor as testemunhas arroladas no requerimento de abertura da instrução, nem a invocação da sua razão de ser e ciência, torna-se incompreensível como é que se pode concluir que a diligência é essencial para a descoberta da verdade e arguir daí uma nulidade. Face ao exposto, indefere-se a referida nulidade suscitada pelo Ilustre Mandatário da arguida AA. Custas a cargo da arguida AA, com taxa de justiça de 2 UC.” (ref.ª 444611501). * Apreciando.O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito (art. 428.º do CPP), sendo que os recursos representam um meio de impugnação das decisões judiciais, cuja finalidade consiste na eliminação dos erros, defeitos ou lapsos das mesmas através da sua análise por outro órgão jurisdicional, desse modo constituindo um instrumento processual de consagração prática dos princípios constitucionais de acesso ao direito e de garantia do duplo grau de jurisdição (arts. 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP). Na situação presente trata-se de um recurso de direito, impondo a lei que, nesses casos, sejam indicadas, além do mais, “as normas jurídicas violadas” e “o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada” (als. a) e b) do n.º 2 do art. 412.º do CPP). Efectivamente, está em causa a legalidade ou não da tributação em custas em virtude do indeferimento da nulidade suscitada pela arguida AA. Como é sabido, a razão de ser das custas processuais prende-se com a não gratuitidade da actividade dos tribunais. Já o Professor José Alberto dos Reis ensinava que “os litigantes têm de pagar certas taxas para que se ponha em marcha a máquina da justiça e têm de satisfazer, no fim do processo, as quantias de que o tribunal não se haja embolsado por meio de adiantamento.” (in Código de Processo Civil anotado, Volume II, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 199). Também o Professor José Lebre de Freitas refere que “as custas têm, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, assim diminuindo o encargo resultante do seu funcionamento para o Orçamento Geral do Estado.” (in Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, pág. 176). Doutro passo, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, pelo qual foi aprovado o Regulamento das Custas Processuais (RCP), que a taxa de justiça é “o valor que cada interveniente deve prestar por cada processo como contrapartida da prestação de um serviço.” (§ 14.º). Ainda que ambos os referidos Professores se reportem às custas em processo civil, tal enquadramento serve também para o processo penal. As normas centrais da responsabilidade dos sujeitos processuais por custas encontram consagração no Código de Processo Penal - CPP (arts. 513.º a 523.º), sendo subsidiariamente aplicável o disposto no Regulamento das Custas Processuais - RCP (art. 524.º). E a respeito da responsabilidade do arguido por custas, estabelece o n.º 1 do artigo 513.º do CPP (sendo que a recorrente indica o artigo 515.º, certamente por lapso) que “Só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.” Esta redacção foi introduzida pelo dito Decreto-Lei n.º 34/2008, pois que anteriormente a mesma norma, na sua redacção originária (Decreto-Lei n.º 78/87, de 17-02, que aprovou o CPP), estabelecia que “É devida taxa de justiça pelo arguido quanto for condenado em 1.ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição.” É manifesto que, com tal alteração, o legislador reduziu substancialmente as situações em que o arguido é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, com o que pretendeu certamente não impedir ou limitar, através da aplicação de custas, o exercício dos direitos de defesa e ao recurso por parte do mesmo, bem como o pleno exercício do contraditório, todos com consagração constitucional (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP). E desde então deixou de estar legalmente previsto o sancionamento do arguido em taxa de justiça por “ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição”, mantendo-se tal responsabilidade somente para os casos de ser condenado em 1.ª instância e de decair totalmente em recurso. No que respeita ao RCP, a responsabilidade pelo pagamento de taxa de justiça no âmbito do processo penal (e contra-ordenacional) encontra-se regulamentada no seu artigo 8.º, quer relativamente à constituição como assistente (n.º 1), quer relativamente à abertura da instrução por parte deste (n.º 2), sendo que nos demais casos, incluindo a que seja da responsabilidade do arguido, “a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III” (n.º 9). Sendo este o único preceito do RCP que dispõe relativamente à taxa de justiça em processo penal, daí também não resulta qualquer responsabilidade do arguido por custas e taxa de justiça relativamente a incidentes, nem tão pouco se encontra enunciado qualquer acto processual dessa natureza na Tabela III, a que se referem os n.ºs 7 e 9 do dito artigo 8.º do RCP. Na verdade, o artigo 7.º do mesmo RCP (também invocado pela recorrente) estabelece “Regras especiais”, na sequência do artigo 6.º, que dispõe sobre as “Regras gerais”, ambos relativos às causas cíveis, reportando-se o n.º 4 do primeiro deles à taxa de justiça devida pelos “incidentes e procedimentos cautelares”, entre outros, não tendo o mesmo aplicação a “incidentes” no âmbito do processo penal. Excluída está, igualmente, a condenação do arguido como litigante de má-fé, pois que se trata de um instituto de natureza exclusivamente civilística, conforme previsto no artigo 542.º do CPC, sem aplicação subsidiária ao processo penal (cfr. Acs. do STJ de 26-06-2002, CJ STJ II, pág. 227, da RC de 14-03-2007, CJ II, pág. 42, e da RE de 07-02-2006 – Proc. n.º 2334/05-1, in jurisprudencia.pt). Resta a possibilidade de condenação, seja do arguido ou de outros sujeitos processuais, no pagamento de taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 521.º, n.º 1, do CPP, com remissão para o artigo 531.º do CPC, a fixar pelo juiz entre 2 UC e 15 UC, como previsto no artigo 10.º do RCP. Contudo, tal sancionamento pressupõe requisitos apertados. Com efeito, dispõe o referido artigo 531.º do CPC que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.” A taxa sancionatória excepcional foi introduzida na legislação processual pelo já citado Decreto-Lei n.º 34/2008 (que aprovou o RCP), tendo, então, sido aditado ao Código de Processo Civil o artigo 447.º-B, com a seguinte redacção: “Por decisão fundamentada do juiz, e em casos excepcionais, pode ser aplicada uma taxa sancionatória aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento quando estes, sendo considerados manifestamente improcedentes: a) Sejam resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o mérito da causa e se revelem meramente dilatórios; ou b) Visando discutir também o mérito da causa, sejam manifestamente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de diligência e prudência da parte.” No preâmbulo desse Decreto-Lei n.º 34/2008 escreveu-se, a respeito a taxa sancionatória excepcional, que se criou “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados.” (§ 12.º). Ainda que este primitivo preceito relativo ao instituto em análise seja mais detalhado nos seus contornos, de ambas as normas resulta claro que tal sancionamento reveste natureza excepcional e pressupõe um despacho fundamentado do juiz para a sua aplicação. O legislador teve a preocupação de consagrar expressamente a obrigatoriedade de fundamentação da decisão que aplique taxa sancionatória excepcional, ainda que a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais resultasse já do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e dos artigos 97.º, n.º 5, do CPP e 154.º do CPC. Por outro lado, apenas as condutas dos sujeitos processuais (ou partes) que se revelem especialmente censuráveis, porque contrárias à legislação aplicável e/ou à jurisprudência obrigatória e sedimentada, merecerão esse sancionamento. Na verdade, somente a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes, reclamações ou recursos manifestamente improcedentes, em que se evidencie que o sujeito processual não agiu com a prudência ou diligência devida, devem conduzir à condenação em taxa sancionatória. A actividade processual a que foi dada causa deve mostrar-se inútil e claramente atentatória dos princípios da boa-fé e da cooperação processual a que todos os intervenientes estão sujeitos no exercício e defesa dos seus direitos (arts. 7.º e 8.º do CPC). Para merecer tal sancionamento, a conduta do sujeito processual deve revelar, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras da prudência ou diligência que lhe eram exigíveis, contrariando ostensiva e injustificadamente a legalidade da marcha do processo, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência (vejam-se, entre outros, os Acs. do STJ de 22-02-2022 – Proc. n.º 103/06.8TBMNC-E.G1.S1; da RC de 09-11-2021 – Proc. n.º 2466/20.3T8VIS-F.C1, de 19-12-2018 – Proc. n.º 16/16.5GDIDN.C1, e de 04-05-2016 – Proc. n.º 12/14.7TBCLD.C1; da RP de 25-01-2017 – Proc. n.º 4405/15.4T9PRT.P1, todos disponíveis em jurisprudencia.pt – “taxa sancionatória excepcional”). Nessa medida, não será o mero exercício dos direitos de defesa, incluindo o recurso, por parte do arguido que podem motivar tal condenação, mesmo que os fundamentos invocados não colham. Daí a natureza excepcional da penalização e a necessidade de fundamentação da decisão que a aplica. No caso sub judice o despacho recorrido não fundamentou o sancionamento tributário, apenas dele constando “Custas a cargo da arguida AA, com taxa de justiça de 2 UC.” Ademais, não se indicou sequer qualquer norma a tal respeito, ficando, por isso, sem se perceber o suporte legal que esteve na mente do Exm.º Juiz, designadamente se pretendeu penalizar a arguida em taxa sancionatória excepcional, nos termos dos indicados artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC e 10.º do RCP. Mas não nos parece que assim tenha pretendido, atenta a terminologia usada, pois que se refere a “Custas” e a “taxa de justiça”, o que são coisas diferentes da taxa sancionatória excepcional. Mas mesmo que assim tenha sido entendido, como vem sustentado na resposta do Ministério Público na 1.ª Instância, acolhida pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto no parecer, julgamos não justificar tal sancionamento o facto de ser irrecorrível o despacho antes proferido ao abrigo do disposto no artigo 291.º, n.º 1, do CPP. Efectivamente, estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que de tal despacho “cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir.” Não cumpre, no entanto, apurar neste momento a bondade do despacho em que se indeferiu a pretensão da arguida de serem inquiridas as testemunhas que havia indicado no RAI, mas tão só se o requerimento em que se arguiu a nulidade de tal despacho, invocando-se o disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, reveste aqueles requisitos para a aplicação de taxa sancionatória excepcional. Ainda que em vez de arguir a nulidade do dito despacho, a arguida devesse ter apresentado reclamação, por ser esse o específico mecanismo previsto na lei para o “atacar” (citado n.º 2 do art. 291.º), assim provocando uma “nova reflexão” sobre tal decisão, como refere o Exm.º Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, o lançar mão da arguição de nulidade, nos termos em que foi suscitada, não faz cair tal pretensão, sem mais, na alçada sancionatória do referido artigo 531.º do CPC, ex vi artigo 521.º, n.º 1, do CPP. Efectivamente, sempre teria de fundamentar-se a aplicação desse instituto sancionatório, de natureza excepcional, imputando-se à arguida uma conduta processualmente reprovável, por não ter agido com a prudência ou diligência devidas, o que não ocorreu. Não é a fundamentação do despacho que indeferiu a arguição de nulidade que aqui se tem em conta, mas sim do próprio sancionamento, no caso em 2 UC, no que existe total omissão de fundamentação, incluindo de ordem legal. E neste contexto, tudo quanto se diga a tal respeito, como sucede na resposta ao recurso e subsequente parecer do Exm.º Procurador-Geral Adjunto, não passará de mera hipótese, pois que o despacho em causa nada revela ao nível do suporte argumentativo e legal para a condenação “em custas, com taxa de justiça de 2 UC”. Na verdade, o legislador estabeleceu expressamente que a aplicação de taxa sancionatória tenha lugar através de “decisão fundamentada”, pois que, como é sabido, essa decisão, tal como a que condene em multa ou outra penalidade, é susceptível de recurso autonomamente, a apresentar no prazo de 15 dias, como aqui foi feito, nos termos do artigo 27.º, n.º 6, do RCP. Contudo, a falta de fundamentação de decisão que aplique taxa sancionatória, atenta a sua natureza, constitui mera irregularidade, a qual, não tendo sido invocada no próprio acto, a que a arguida assistiu, teria de considerar-se sanada (arts. 118.º, n.ºs 1 e 2, e 123.º, n.º 1, do CPP). Mas tudo isto no pressuposto de que o sancionamento teria ocorrido a título de taxa sancionatória excepcional, não podendo considerar-se que assim tenha sido. Pelo contrário, do que foi escrito resulta que o sancionamento foi em custas, com fixação da taxa de justiça em 2 UC, tributando-se o “incidente” a que teria dado causa a arguida, requerente da instrução. De todo o modo, mesmo que de taxa sancionatória se pudesse falar (o que não é o caso), não vislumbramos nessa actuação processual da arguida, atento todo o anterior processado (com inicial admissão da prova testemunhal indicada no RAI) e o contexto e simplicidade do que foi invocado, independentemente de se ter feito uso do procedimento indevido (arguição de nulidade em vez de reclamação) e do acerto dos argumentos, uma manobra dilatória e entorpecente do processo, por forma a que se justificasse a penalização de tal conduta com taxa sancionatória excepcional, atentos os indicados contornos deste instituto, enquadrando-se tal conduta ainda no exercício dos seus direitos de defesa (n.º 1 do art. 32.º da CRP). E também não se descortina qualquer outra norma legal que suporte tal sancionamento tributário a título de “incidente” processual, como acima se referiu. Assim, tem de proceder o recurso interposto. III Pelo exposto, decide-se julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que condenou a arguida AA em custas, com 2 (duas) UC de Taxa de Justiça. Sem custas o recurso (art. 513.º, n.º 1, do CPP, à contrário). * Notifique.* Porto, 14-06-2023. Raul Cordeiro José António Rodrigues da Cunha Jorge Langweg |