Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1058/20.1T8VCD-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Nº do Documento: RP202407101058/20.1T8VCD-E.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As questões de particular importância para a vida do filho, mesmo encontrando-se os pais separados, são, em princípio, decididas em conjunto.
II - A expressão questões de particular importância corresponde a um conceito a ser casuisticamente preenchido, em função da relevância para a vida do menor.
III - A matrícula no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico de criança que complete seis anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro é uma questão de particular importância.
IV - Não é de sancionar com multa o progenitor que matriculou o filho com a oposição do outro pai se este anteriormente se manifestara a favor, se foram obtidos pareceres pedagógico e psicológico favoráveis e se a escolha se veio a revelar acertada, em função da integração e bons resultados escolares da criança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1058/20.1T8VCD -E.P1




Sumário
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Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: Carlos Gil
2.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais







Acordam no Tribunal da Relação do Porto




AA propôs o presente incidente de incumprimento de regulação das responsabilidades parentais contra BB relativamente a CC.
Alegou:
- que o filho nasceu em ../../2017;
- que no âmbito da regulação das responsabilidades parentais se encontra fixado que as questões de particular importância para a vida de CC serão exercidas em conjunto pelos pais, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um deles poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
- que, por determinação exclusiva da mãe, CC ingressou no primeiro ciclo do ensino obrigatório antes de perfazer a idade de seis anos.
Conclui que tal consubstancia um incumprimento do disposto no número 2 da cláusula 1.ª da regulação do exercício das responsabilidades parentais e que urge o sancionamento exemplar da requerida, por forma a que o seu comportamento se adeque ao acordo judicialmente homologado.
Pede que a requerida seja cominada com multa não inferior a 20 unidades de conta.
O Ministério Público promoveu o indeferimento liminar da pretensão do requerente.
Foi determinado o prosseguimento dos autos e designado dia para a realização de conferência de pais, em que não foi possível a obtenção de acordo, tendo aqueles sido encaminhados para audição técnica especializado.
Requerente e requerida alegaram e foi produzida prova.
A sentença prolatada julgou o incidente de incumprimento totalmente improcedente.
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Inconformado, AA interpôs o presente recurso, pedindo que seja revogada a decisão proferida e que a mesma seja substituída por outra que julgue verificado o incumprimento das responsabilidades parentais, condenando a requerida no pagamento da multa peticionada no requerimento inicial.
Formulou as seguintes conclusões:
A) Vem interposto o presente recurso de apelação da decisão final proferida nos autos de incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, que correu seus termos junto do Juiz 1, do Juízo de Família e Menores de …, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o número de processo …58/20.1…-E, na qual o Meritíssimo Juiz a quo, resumidamente, decidiu julgar “(…) totalmente improcedente o incidente de incumprimento suscitado pelo requerente, AA, em representação de CC, absolvendo a requerida, BB, do pedido (…)”;
B) Discordando da decisão aí proferida, interpõe o requerente o presente recurso e, com suporte nas CONCLUSÕES que condensam a fundamentação da discordância e sustentam o presente pedido de pronúncia deste Venerando Tribunal da Relação do Porto.
C) Sucintamente, o meritíssimo tribunal a quo considerou que do acervo de decisões a serem promovidas e que constituem decisões de particular importância na vida de uma criança não se inclui a sua matrícula no ensino obrigatório - não tendo esta ainda perfeito os seis anos de idade;
D) E, por outro lado, que a atuação da ora recorrida em promover tal matrícula à revelia da manifestação de vontade contrária do progenitor - ficcionando-se esta como uma decisão de particular importância para a vida do CC - não teve um cariz de comportamento culposo, integrador de um incumprimento do exercício das responsabilidades parentais da criança.
E) Entende o ora recorrente, a que a decisão expressa na sentença que se recorre viola, de forma frontal e flagrante, o disposto no número 1, do artigo 1906º, do Código Civil, e, por inerência, o disposto nos artigos 1877º, 1878º, 1882º, e 1885º, daquele mesmo aresto legal, e do disposto quanto a este particular nos números 2 e 3,do Acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC;
F) O presente recurso aceita expressamente o elenco da matéria de facto dada como provada, recaindo sobre a aplicação do direito que foi efetuada pelo meritíssimo tribunal a quo, baseando a sua discordância quanto a estes dois pontos essenciais.
G) Em primeiro lugar, entende o recorrente que a decisão em discussão nos autos constitui uma decisão de particular importância para a vida de uma criança, e mais propriamente do CC.
H) De acordo com o previsto no Acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC, as decisões de particular importância sobre a sua vida haviam de ser tomadas em comum por ambos os progenitores, sendo que, apenas por questões de urgência, estas poderiam ser tomadas por um dos progenitores somente, devendo a informação ser repassada imediatamente ao outro (cfr. ponto nº 5 da matéria de facto dada como provada).
I) Além disso, do teor deste Acordo, decorre que os seus progenitores (o ora recorrente e a recorrida) entenderam elencar, de forma apenas exemplificativa, algumas das decisões que cabiam neste conceito indeterminado (cfr. ponto nº 5 da matéria de facto dada como provada).
J) Do escopo desta exemplificação não ficou nada estabelecido quanto à possibilidade de matrícula da criança CC no primeiro ciclo do ensino obrigatório sem ter perfeito os seis anos. Isto é, a sua matrícula ainda como aluno condicionado, com cinco anos de idade.
K) Em meados do ano de 2023, colocou-se a questão do ingresso, ou não, do CC no primeiro ciclo do ensino básico, no ano letivo 2023/2024 (cfr. ponto nº 7 da matéria de facto dada como provada).
L) De acordo com a lei vigente, e considerando o caso em concreto do CC, a sua matrícula no primeiro ciclo do ensino não seria obrigatória, sendo que essa sua inscrição embora dependente de causas exógenas, como, por exemplo, a existência de vagas nas turmas disponíveis nas escolas do agrupamento escolar, está também dependente de causas internas, nomeadamente, a maturidade da própria criança e o desenvolvimento das suas capacidades sociais.
M) E, sobretudo, de uma decisão conjunta dos progenitores, materializada em requerimento promovido, para esse efeito, por parte do encarregado de educação.
N) O recorrente materializou a sua expressa oposição à matrícula do CC, por correio eletrónico de 29 de março de 2023, que remeteu à ora recorrida, e onde confirmava aquilo que era o seu posicionamento quanto ao assunto (cfr. ponto nº 8 da matéria de facto dada como provada).
O) Não teve o ora recorrente qualquer resposta quanto ao posicionamento a ser assumido pela ora requerida quanto a este particular de crucial importância, senão quando, por correio eletrónico do dia 17 de Maio de 2023, a ora recorrida informou ter matriculado o CC no ensino básico no dia 15 de Maio de 2023;
P) No entanto, o meritíssimo tribunal a quo entendeu que tal decisão não é uma decisão de particular importância para a vida do CC, alicerçando o seu entendimento diminuindo o cariz da importância de tal decisão, limitando aquilo que consta da lei quanto a este ponto a uma simples necessidade de adequação do número de crianças ao número de vagas existentes anualmente no primeiro ano do ensino básico.
Q) Entende o recorrente que a decisão a ser tomada pelos progenitores quanto a este assunto deverá ser sempre qualificada como uma decisão de particular importância para a vida de uma criança, mercê das repercussões que tal decisão poderá trazer no futuro académico e pessoal do aluno condicionado.
R) Em primeiro lugar porque, uma das decisões em que a jurisprudência e a doutrina são unânimes em atribuir tal cariz de particular importância é o da frequência das crianças em estabelecimento de ensino privado ou público.
S) Assim, se a doutrina e a jurisprudência entendem, de forma unânime, que constitui uma decisão de particular importância a simples decisão sobre se as crianças devem frequentar um estabelecimento de ensino público, ou um estabelecimento de ensino privado, então, por maioria de razão, a decisão sobre se o aluno inicia o seu percurso escolar com os seis anos, ou ainda com os cinco, será de considerar da mesma forma.
T) Em segundo lugar, não é uma simples razão prática de organização de turmas que está na base da existência dos chamados alunos condicionados.
U) Muito menos a existência da possibilidade legal de adiamento ou antecipação do ingresso no ensino obrigatório significa que a decisão de organização de turmas é que preside à existência da chamada condicionalidade nas matrículas de alunos que perfaçam os seis anos após o dia 15 de Setembro do ano da inscrição.
V) A existência de tal possibilidade até sustenta a necessidade de adequar a inscrição dos alunos à sua maturidade e não à exigência de organização de turmas.
W) Isto porque o diferimento ou a antecipação da entrada de crianças que perfaçam os seis anos anteriormente a 15 de setembro constitui uma exceção à obrigatoriedade da inscrição dessas crianças no ensino básico, e, por outro lado, e ainda mais importante, tal diferimento ou antecipação só é possível, nos termos previstos na lei, através da apresentação de um parecer fundamentado multidisciplinar que vai aferir precisamente…
X) … Da (i)maturidade da criança ou da existência de necessidades especiais que impliquem uma derrogação da imperatividade da sua entrada no ensino obrigatório com seis anos (cfr. números 8 e 9, do artigo 5º, do Despacho Normativo 10-B/2021).
Y) MAS MAIS, O Estado Português garante a existência de vagas no ensino público para todas as crianças que perfaçam os seis anos até ao dia 15 de setembro do ano da sua inscrição.
Z) Somente no fim do período das inscrições é que o Ministério da Educação sabe em concreto quantos alunos se encontram inscritos e quantas turmas terá que organizar.
AA) É que se fossem apenas razões logísticas que estivessem na base da existência do limiar de 15 de setembro do ano da inscrição para perfazer os seis anos de idade bastaria ao Estado Português definir que o ensino obrigatório se iniciaria para todas as crianças nascidas no ano civil em que perfizessem os seis anos de idade e definir as turmas usando esse número.
BB) São precisamente razões relacionadas com a maturidade das crianças que estão em causa, sendo por demais evidente a existência de grandes diferenças de maturidade entre crianças nascidas a 1 de janeiro, e aquelas nascidas em dezembro do mesmo ano.
CC) Em terceiro lugar, entende quase toda a produção científica quanto ao assunto que o início do percurso escolar apenas deve ocorrer após o momento em que as crianças perfaçam os seis anos.
DD) Aliás, nos países nórdicos as crianças apenas iniciam o seu percurso escolar com sete anos de idade.
EE) Sendo que um estudo publicado pela prestigiada Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da América, em 2015, pelos investigadores Thomas S. Dee e Hans Henrik Sieversten, chegou à conclusão que os alunos dinamarqueses revelam níveis mais elevados de autocontrolo, menores índices de desconcentração e de hiperatividade (cfr. https://www.nber.org/papers/w21610).
FF) Sendo que a questão dos alunos condicionados é tratada, de forma específica, em obras de reconhecido valor científico em Portugal, como por exemplo, “Entrada no 1.º ciclo: tanta pressa para quê?” (Barros 2023), da Dra. Elsa de Barros, Diretora Pedagógica do Colégio Jardim Infantil Pestalozzi; e “Entrar no 1.º ciclo aos 5 anos ou ficar no pré-escolar?” (Ferraz 2023), da Professora Dra. Inês Ferraz, Doutorada em Estudos da Criança com a especialidade de Psicologia do Desenvolvimento e Educação e investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho.
GG) Por isso, este conjunto de razões só pode levar à conclusão de que a escolha entre iniciar o percurso escolar com apenas cinco anos, ou já com seis anos está relacionada com a maturidade, desenvolvimento social e psíquico das crianças, e pode- lhes trazer consequências graves no seu futuro desenvolvimento, pelo que deve-se entender a decisão de ingresso da criança CC no ensino obrigatório, com apenas cinco anos, como constituindo uma decisão de particular importância nos termos do previsto no número 1, do artigo 1906º, do Código Civil, e,
HH) Devendo tal decisão ser considerada como a ser tomada por ambos os progenitores, e não tendo tal ocorrido no presente caso, devendo-se revogar, neste particular, a decisão proferida pelo meritíssimo tribunal a quo, devendo-se concluir como incumprido o disposto nos números 2 e 3, da Cláusula 1ª do Acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC, condenando-se a ora recorrida como primitivamente proposto, aplicando-lhe a multa peticionada.
II) Após a conclusão quanto à natureza da decisão quanto à matrícula do CC, como aluno condicionado, no primeiro ciclo do ensino básico como constituindo uma decisão da vida corrente, o meritíssimo tribunal a quo envereda por um raciocínio com o qual o ora recorrente também não pode concordar, por também ele ser violador do disposto no artigo 1906º, número 1, do Código Civil, e de todos os anteriores ditames legais mencionados, bem como do disposto na Cláusula 1ª, números 2 e 3, do Acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC.
JJ) Ficcionando que a decisão a ser tomada seria de particular importância para a vida do CC, ainda assim o meritíssimo tribunal a quo valida a decisão tomada unilateralmente pela recorrida, entendendo que esta decisão foi tomada no superior interesse do CC, e que a sua posição como encarregada de educação lhe permitiria tomar esta decisão, sem o contributo do progenitor e, in casu, à revelia do seu posicionamento expresso na comunicação eletrónica que remeteu à recorrida no dia 29 de março de 2023.
KK) No entanto, reiterando aquilo que já ficou por demais indicado no processo em questão, aquilo que move o recorrente quanto à decisão tomada pela ora recorrida não é a bondade desta decisão.
LL) A sua discordância decorre da tomada da decisão em si, decisão essa que foi tomada em flagrante oposição ao posicionamento apresentado pelo ora recorrente.
MM) Entender-se o contrário - à semelhança daquilo que o meritíssimo tribunal a quo defendeu - significa colocar em questão a base da construção do próprio Regulamento Geral do Processo Tutelar Cível.
NN) ISTO PORQUE, perante a recusa do ora recorrente, que lhe foi comunicada de forma atempada e sem qualquer espécie de dúvida, haveria a ora recorrida de lançar mão do mecanismo previsto no artigo 44º, do RGPTC, onde a própria bondade e relevância da decisão a ser proferida seria sindicada pelo tribunal e poderia ser levantada a objeção do progenitor ora recorrente.
OO) Entender o contrário, apenas contribuirá para que todo o sistema passe a ficar inquinado pela possibilidade de os progenitores decidirem como quiserem, à revelia do papel ativo que deve ter o outro progenitor, e, depois, verem como que “homologada” uma decisão ilegitimamente tomada.
PP) De acordo com o previsto no Despacho do Ministério da Educação nº 4506-A/2023, de 13 de abril de 2022, a ora recorrida realizou a referida inscrição/matrícula no último dia do prazo disponível para o efeito.
QQ) Fica claro que a atuação da recorrida não ocorreu em qualquer espécie de estado de necessidade e de urgência, tendo tido ela quase dois meses para juntar ao tribunal requerimento a suscitar o desacordo dos progenitores quanto a esta decisão a ser tomada em prol do filho de ambos, sindicando-a e, eventualmente, garantindo uma sobreposição judicial à vontade do progenitor.
RR) Sendo que é possível concluir que esta atuação da ora recorrida foi propositada no sentido de obter aquilo que pretendia sem passar pelo crivo do tribunal e completamente à revelia do acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais estabelecido.
SS) Assim sendo, será possível concluir que a atuação da ora recorrida foi, efetivamente, culposa.
TT) Ao contrário do que se defende na decisão recorrida, o facto da requerida, por acordo, exercer o cargo de encarregado de educação não constitui qualquer investidura em poderes parentais superiores aos do ora requerente.
UU) O cargo de encarregado de educação está regulado na Lei nº 51/2012, de 5 de setembro, sendo que o número 7, do artigo 43º deste dispositivo legal refere que “O encarregado de educação pode ainda ser o pai ou a mãe que, por acordo expresso ou presumido entre ambos, é indicado para exercer essas funções, presumindo-se ainda, até qualquer indicação em contrário, que qualquer ato que pratica relativamente ao percurso escolar do filho é realizado por decisão conjunta do outro progenitor (…)”
VV) Do conteúdo deste artigo podem-se extrair duas conclusões: a primeira é que os atos praticados pelo encarregado de educação se presumem terem sido tomados em conjunto por ambos os progenitores; e, a segunda é que tal não passa de uma simples presunção.
WW) É notório que a decisão tomada pela requerida o foi contra indicações expressas do ora requerente, que lhe foram comunicadas em momento bem anterior ao da apresentação do requerimento de matrícula junto do agrupamento de escolas, não se chegando a presumir uma decisão conjunta;
XX) Ou, chegando-se a verificar, torna-se esta imediatamente ilidível e ilidida, e, como tal, violadora do Acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC, e do disposto no número 1, do artigo 1906º, do Código Civil.
YY) Ao contrário do que decorre da decisão proferida pelo meritíssimo tribunal a quo e ora em crise, a decisão de matrícula das crianças não pertence ao encarregado de educação per se.
ZZ) O número 7 do artigo 5º do Despacho Normativo 10-B/2021 apenas refere que a matrícula do aluno condicionado depende de requerimento do encarregado de educação, não estipulando que a decisão lhe pertence.
AAA) O processo decisório é prévio à apresentação do requerimento e é esse que deve ser sindicado nos presentes autos, porque decidido completamente à revelia daquilo que o ora requerente já havia demonstrado anteriormente e contrariamente ao disposto no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
BBB) Devendo o comportamento da ora recorrida ser considerado como culposo, devendo-se revogar a decisão proferida pelo meritíssimo tribunal a quo, devendo-se concluir como incumprido o disposto nos números 2 e 3, da Cláusula 1ª do Acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC, condenando-se a ora recorrida como primitivamente proposto, no pagamento de multa prevista e peticionada.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, revogando-se a decisão proferida nos autos, substituindo-a por outra que determine a verificação de um incumprimento do Acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do CC, e aplicando-se multa peticionada à recorrida no requerimento inicial, fazendo V. Exas. a costumada e sã Justiça.
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A requerida contra-alegou, dizendo, em síntese:
- que CC se manteve na escola da mesma freguesia e concelho e no mesmo agrupamento escolar, tendo apenas mudado da “sala” do ensino pré-escolar para a “sala” do 1.º ano;
- que as questões de particular importância são acontecimentos raros, o que em concreto não se verifica.
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A Digna Magistrada do Ministério Público contra-alegou, terminando como se segue.
§ A matrícula no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico de uma criança que complete seis anos de idade entre os dias 16 de setembro e 31 de dezembro não é uma questão de particular importância para efeitos do artigo 1906.º, n.º 1, do Código Civil.
§ Não foi violado o artigo 1906.º, n.º 7, do Código Civil.
§ O requerimento de matrícula feito sem o consentimento e concordância do progenitor não guardião, mas sustentado por pareceres técnicos favoráveis que a ele foram dados a conhecer, não integra um incumprimento culposo das responsabilidades parentais.
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II - Questões a decidir:
- se a matrícula no 1.º ano de escolaridade de uma criança que complete seis anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro desse ano é uma questão de particular importância;
- se o requerimento dessa matrícula pela mãe, com oposição do outro progenitor não guardião, integra um incumprimento culposo das responsabilidades parentais merecedor de sanção.
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III - Fundamentação de facto (constante da sentença)
1. CC é filho do requerente AA e da requerida BB e nasceu a ../../2017;
2. Por decisão datada de 27/08/2020, transitada em julgado, foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1) As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida do CC serão exercidas em conjunto por ambos os pais, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um deles poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível, conforme previsto no artigo 1906.º, n.º 1, do Código Civil.
2) São, nomeada e não exaustivamente, questões de particular importância para a vida da CC, importando, por conseguinte, decisão conjunta de ambos os progenitores, as seguintes:
a) Mudança de residência da criança para local que impeça ou dificulte o seu convívio com o outro progenitor;
b) Escolha do estabelecimento de ensino;
c) Educação religiosa;
d) Orientação profissional;
e) Viagens para países em conflito armado ou que constituam um perigo para a saúde da criança, designadamente quando, durante o estado de pandemia, sejam essas viagens desaconselhadas pelas entidades oficiais, governamentais e/ou de saúde;
f) Obtenção de licença para condução de ciclomotores;
g) Autorização parental para contrair casamento;
h) Propositura de ação, cível ou criminal, em representação processual da criança.
3) O exercício das responsabilidades parentais respeitantes aos atos da vida corrente do CC caberá a cada um dos pais, nos períodos em que o tiverem consigo, conforme previsto no artigo 1906.º, n.ºs 3 e 4, do Código Civil.
4) A escolha das atividades extracurriculares deverá ser decidida por ambos os pais, sendo que, em caso de desacordo, caberá a cada um deles escolher uma atividade para o filho, que deverá ser respeitada pelo outro e garantida a sua frequência nos períodos em que tiver a criança confiada aos respetivos cuidados.
Exercício das Responsabilidades parentais
1) O CC residirá alternadamente com ambos os pais, nos seguintes moldes:
1.1) Durante um período de adaptação, de seis meses, a criança residirá a maior parte do tempo com a mãe e:
a) Nos primeiros três meses, estará confiada aos cuidados do pai em fins-de-semana alternados, desde as 9h00 de sexta-feira até às 18h30 de segunda-feira, e também nas semanas que antecedem o fim-de-semana passado com a mãe, desde as 9h00 de quinta-feira até às 18h30 de sexta-feira, com início já no dia de amanhã;
b) Nos últimos três meses, estará confiada aos cuidados do pai, em semanas alternadas, desde as 9h00 de quinta-feira até às 18h30 de segunda-feira, e também, nas semanas que antecedem o fim-de-semana passado com a mãe, desde as 9h00 de quinta-feira até às 18h30 de sexta-feira.
c) A recolha e entrega da criança caberá ao pai e será efetuada por este na residência da mãe ou dos bisavós maternos.
1.2) Decorridos seis meses, a criança residirá em semanas alternadas com cada um dos pais, desde as 18h30 de sexta-feira (ou desde o horário do termo das atividades escolares, quando passe a frequentar estabelecimento de ensino) até às 18h30 da sexta-feira seguinte (ou até ao horário de início das atividades escolares, quando as tiver) cabendo ao progenitor a quem haja de estar confiada recolhê-la, no início do seu período, na residência do outro progenitor (ou no estabelecimento de ensino, quando o frequentar).
1.3) Após o início do regime de alternância semanal previsto supra em 1.2, na semana em que o filho não estiver aos respetivos cuidados, cada um dos progenitores poderá estar com ele de quarta-feira a quinta-feira (ou, existindo acordo entre ambos, em qualquer outro dia útil da semana, a combinar entre eles), sendo as recolhas e entregas nos horários e moldes acima referidos.
1.4) No caso de um dos pais se ausentar e deslocar por mais de vinte e quatro horas da sua residência com o CC nos períodos de tempo que lhe são atribuídos (incluindo os de gozo de férias, infra previstos), deverá informar o outro do local onde se encontra com a criança.
1.5) No caso de um dos pais se ausentar sem a criança por mais de vinte e quatro horas, nos períodos em que a tiver confiada aos respetivos cuidados, deverá informar o outro, para que este, querendo, fique com o filho.
1.6) Cada um dos pais poderá fazer um telefonema diário ou chamada por videoconferência para falar com o CC, nos períodos em que este esteja confiada ao outro (incluindo nos de gozo de férias).
Festividades de Natal, Ano Novo e Páscoa
1) O CC passará alternadamente a véspera de Natal e o dia de Natal na companhia de um progenitor e a véspera de Ano Novo e o dia de Ano Novo na companhia de outro progenitor, sendo que este ano passará a véspera de Natal e a véspera de Ano Novo com a mãe e o dia de Natal e o dia de Ano Novo com o pai;
2) O período que medeia entre a Sexta-Feira Santa e o dia de Páscoa, inclusive, será passado pelo CC em alternância anual com cada um dos pais, a iniciar com o pai.
Férias
1) No período de férias escolares de verão (desde meados de junho até meados de setembro) o Menor passará 15 dias consecutivos com cada um dos pais, período esse a combinar entre ambos até março de cada ano.
Em caso de coincidência na escolha dos períodos nos anos pares cabe a preferência à mãe e nos anos ímpares ao pai.
Aniversário da Criança
1) No dia do aniversário do CC, este, alternadamente em cada ano, almoçará com um progenitor e jantará com o outro, pernoitando na residência daquele com quem jantar.
Aniversário dos Pais, Dia da Mãe e Dia do Pai
1) Independentemente de com quem estiver o menor, passará o dia de aniversário dos pais, bem como o dia do pai e o dia da mãe, com o respetivo aniversariante/ homenageado, pernoitando para o dia seguinte.
Deslocações e horário de recolha
1) Em tudo o que não esteja expressamente previsto, caberá ao progenitor que haja de ficar com o CC na sua companhia ir buscá-lo, conforme os casos, à residência do outro ou ao estabelecimento de ensino.
Despesas da criança
1) Cada um dos progenitores suportará todas as despesas correntes da criança, nos períodos em que a tenha consigo.
2) Todas as despesas escolares e de saúde da criança (médicas e medicamentosas, intervenções cirúrgicas, óculos/lentes de contacto, exames complementares de diagnóstico, aparelhos e próteses, etc.) serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, na parte não comparticipada por qualquer seguro de saúde ou subsistema de saúde de que o filho beneficie, mediante a apresentação dos respetivos documentos comprovativos (faturas/recibos), em nome da criança.
3) Para o efeito previsto no parágrafo anterior, o progenitor que pagar essas despesas deverá apresentar ao outro os respetivos documentos comprovativos no prazo máximo de oito dias, devendo este reembolsá-lo do montante que lhe cabe no mesmo prazo, a contar do recebimento daqueles documentos.
4) Os pais suportarão ainda em partes iguais todas as despesas com atividades extracurriculares da criança, desde que essas sejam acordadas por ambos; em caso de desacordo, cada um deles poderá escolher uma atividade para o filho, suportando as despesas da atividade que escolheram, devendo o outro garantir a frequência dessa mesma atividade.
Alimentos
1) Nos próximos seis meses, enquanto vigorar o período de adaptação, o pai contribuirá a título de alimentos para o Menor com a quantia mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a pagar até ao dia 16 de cada mês, através de transferência bancária.
Encarregado de Educação
O cargo de Encarregado de Educação será exercido anual e alternadamente por cada um dos pais, cabendo no ano letivo de 2020/2021 à mãe essa função.
3. Por decisão datada de 4/05/2021, transitada em julgado, proferida no apenso A, foi declarado extinto o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais por inutilidade superveniente da lide.
4. Por decisão datada de 6/08/2021, transitada em julgado, proferida no apenso B, foi consignado que: CC, nascido a ../../2017, pode viajar acompanhado pelo Progenitor, designadamente com destino a Paris, no período de 08 a 12 de agosto, sem consentimento ou até contra a vontade da Progenitora guardiã.
5. Por decisão datada de 10/05/2022, transitada em julgado, proferida no âmbito do apenso C, foi homologado acordo extrajudicial mediante o qual, entre outras cláusulas que aqui se dão reproduzidas para todos os efeitos legais, foi fixado o seguinte:
Cláusula 1ª (residência e responsabilidades parentais)
1. O CC fica à guarda e a residir com a mãe;
2. As responsabilidades parentais referentes às questões e particular importância para a vida do CC continuarão a ser exercidas em conjunto por ambos os pais salvo nos casos de urgência manifesta em que qualquer um deles poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível, conforme previsto no art. 1906º, nº 1, do Código Civil;
3. São nomeada, e não exaustivamente, questões de particular importância para a vida do CC, importando, por conseguinte, decisão conjunta de ambos, os progenitores as seguintes:
a) Mudança de residência da criança para local que dificulte ou impeça o seu convívio com progenitores ou ascendentes paternos com quem o CC convive nos termos previstos no presente acordo;
b) Escolha do estabelecimento de ensino fora da área do concelho de residência;
c) Educação religiosa fora dos princípios decorrentes do ato do batismo;
d) Orientação profissional;
e) Viagens para países em conflito armado ou que constituam um perigo para a saúde da criança, designadamente quando durante o estado da pandemia, sejam essas viagens desaconselhadas pelas entidades oficiais, governamentais e/ou de saúde;
f) Obtenção de licença para condução de ciclomotores;
g) Autorização parental para contrair casamento;
h) Propositura de ação cível ou criminal em representação processual da criança;
i) Realização de intervenções cirúrgicas ou outros cuidados médicos de relevo não urgentes;
4. O exercício das responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente do CC caberá a cada um dos pais, nos períodos em que o tiverem consigo, cfr. previsto no art. 1906º, nºs 2 e 3 do Código Civil;
5. A escolha das atividades extracurriculares deverá ser decidida por ambos os progenitores. Caso um se oponha à respetiva frequência poderá o outro substituir-se no pagamento da despesa em questão. Quando não haja acordo, se o progenitor quiser que frequente a atividade terá que suportar as despesas inerentes, nela se incluindo acompanhamento e deslocações;
6. A progenitora desempenhará o cargo de Encarregada de Educação;
7. Sem prejuízo do disposto no disposto no número anterior a progenitora obriga-se a partilhar todas as senhas e passwords de acesso ao portal do aluno do CC e de sistemas de gestão escolar com o progenitor de modo a que possa ter acesso à informação disponibilizada pelo estabelecimento de ensino, respeitante ao aproveitamento escolar da criança, existência de reuniões, festas atividades escolares ou extracurriculares. Não obstante o progenitor não pode responder no portal ou levar a cabo qualquer ação de responsabilidade exclusiva de encarregado de educação. A progenitora terá de comunicar por e mail os resultados das reuniões escolares e das comunicações a que o progenitor não tenha acesso pelos canais supra referidos.
8. No que respeita a questões de saúde do CC os progenitores deverão informar-se, reciprocamente, sempre que haja qualquer situação de particular importância mormente de doença, necessidade de consulta e /ou exames médicos.
9. Os progenitores desde já acordam que a criança frequentará, até acordo em contrário, o ensino público.
Das alegações do Requerente:
6. O acordo homologado no apenso C decorreu da necessidade do Requerente voltar a passar a residir na cidade ......, no Brasil (art. 75º).
7. Em meados do ano de 2023, colocou-se a questão do ingresso do CC no primeiro ciclo do ensino básico, no ano letivo 2023/2024 (art. 82º).
8. O Requerente enviou à requerida o e-mail datado de 29/03/2023 junto com o requerimento inicial em que confirmou a sua oposição à decisão de matricular o CC no 1º Ano do Ensino Básico, no presente ano letivo, cfr. documento 1 junto com o requerimento inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais (art. 102º).
9. Reafirmando o seu posicionamento perante a educadora e perante o agrupamento a que pertence o estabelecimento de ensino pré-escolar a que o CC pertence, cfr. documento 2 junto com o requerimento inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais (art. 103º).
10. A educadora DD dirigiu ao requerente o e mail de 30/03/2023 junto com o requerimento inicial como doc. 2 com o seguinte teor:
Bom dia!
Acuso a receção do seu e-mail que mereceu a minha melhor atenção.
Informo desde já que vou encaminhar o seu e-mail para a Direção e que apesar da sua comunicação a escola não tem poder para evitar a matrícula sem uma ordem judicial. Para qualquer esclarecimento adicional por favor entre em contacto com a Direção. Com os melhores cumprimentos
DD
11. O requerente dirigiu à DGE o e mail datado de 31/03/2023, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, reiterando a sua posição no sentido de impedir a inscrição do CC no ensino obrigatório, tendo merecido a resposta de 4/04/2023 por parte daquela entidade, em que se referiu que a inscrição da criança no ensino obrigatório apenas poderá ser impedida por decisão judicial, cfr. doc. 3 junto aos autos com o requerimento inicial e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
12. A requerida enviou ao requerente o e mail de 17 de maio de 2023 com o seguinte teor:
Boa tarde
Conforme solicitado informo que procedi à matrícula do meu filho no 1º ano letivo na Escola Básica do ... nos termos constantes do comprovativo de matrícula anexo.
Tomei esta decisão com base nos seguintes elementos:
Em abril de 2022 numa reunião de pais e na presença dos Encarregados de Educação e da Educadora que nele participou v. exª deu a conhecer que o nosso filho tinha qualidade e aptidões para ingressar de imediato no 1º ano no ano letivo 2022/2023 sendo que à data tinha apenas 4 anos de idade;
Ao longo deste ano procurei obter informações junto da Educadora e psicóloga acerca das capacidades do CC tendo todas as informações sido positivas no sentido de que deveria matriculá-lo;
Da escola que frequenta foi me entregue o relatório de desenvolvimento e avaliação que anexo;
Solicitei um relatório de avaliação psicológica de que também anexo cópia; Do mesmo resulta que o CC tem uma Capacidade Intelectual Muito Superior Grau I (=ou»p95) para a sua faixa etária e que reúne condições para ingressar no 1º ano letivo já no próximo ano letivo 2023/2024.
Atentos os indicados pressupostos solicitei ao meu Advogado para informar o seu advogado da intenção de matricular o CC, o que não foi possível. Dado que o prazo de matrícula terminava a 15/05/2023 procedi à mesma. (art. 109º e 110).
Das alegações da Requerida (por refª ao requerimento de 13/07/2023):
13. O Requerente, na reunião de pais de abril de 2022, na qual estavam presentes todos os pais e Educadora do CC, declarou que o CC deveria ingressar no 1º ano de escolaridade, no ano letivo 2022/2023, à data com apenas 4 anos de idade (art. 5º do requerimento).
14. Do relatório do registo de desenvolvimento elaborado pela Educadora em 28/04/2023, que se junta como doc. nº 1, resulta que o CC está apto em todas as áreas e domínios do desenvolvimento (art. 12º do requerimento).
15. Já o relatório de avaliação psicológica, da psicóloga Dr.ª EE, de maio de 2023, que se junta como doc. nº 2 e aqui se dá por reproduzido, conclui que CC tem uma “capacidade intelectual muito superior Grau I” para a sua faixa etária; “relativamente às provas, apresentou resultados satisfatórios, de nível global superior na avaliação do desempenho cognitivo”; “à avaliação do perfil cognitivo e emocional, parecem evidenciar-se, de momento, prognósticos favoráveis para as competências de aprendizagem escolar, no sentido da integração do CC no 1º ano, do 1º ciclo do ensino básico, no próximo ano letivo” (art. 13º do requerimento).
16. CC frequenta desde setembro de 2023 a Turma ... do 1º ano letivo 2023/2024 da Escola Básica do ..., Agrupamento de Escolas …, tendo, no 1º trimestre do ano letivo em causa, obtido classificações de Muito Bom e Bom, tendo-se aí concluído que adquiriu com facilidade as metas propostas - cfr. teor do documento junto com as alegações da progenitora e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
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Com interesse para a boa decisão da causa não se provou que:
Das alegações da Requerente:
a. A preocupação do Requerente com o possível ingresso do CC no ensino obrigatório com apenas 5 (cinco) anos já vem de muito longe, defendendo o não ingresso (art. 94º).
b. Já no decurso do ano de 2021, em consulta pediátrica a que também a ora Requerida compareceu, esta preocupação foi transmitida ao profissional de saúde que acompanha o CC (art. 95º).
c. Nessa consulta, o próprio médico pediatra se demonstrou muito renitente com a matrícula de crianças com apenas 5 (cinco) anos no ensino obrigatório, entendendo que tal opção privaria as crianças de um período adicional de amadurecimento e de obtenção de competências e valências extremamente importantes para o ciclo de ensino seguinte (art. 96º).
d. Opinião que era partilhada pela Requerida (art. 99º).
e. Desde o ano de 2021 que a Requerida tem conhecimento sobre o posicionamento do ora requerente perante a concreta decisão a ser tomada (art. 114º).
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IV - Fundamentação jurídica
Tendo CC nascido em ../../2017, entendeu a mãe matriculá-lo nos termos conjugados dos números 6 e 7 do art.º 5.º do Despacho Normativo n.º 6/2018, na redação que lhe foi dada pelo Despacho Normativo n.º 10-B/2021, que estabelece os procedimentos de matrícula e respetiva renovação.
Aí se prevê:
Art.º 5.º/6 - A matrícula no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico é obrigatória para as crianças que completem seis anos de idade até 15 de setembro.
Art.º 5.º/7 - As crianças que completem os seis anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro podem ingressar no 1.º ciclo do ensino básico se tal for requerido pelo encarregado de educação, dependendo a sua aceitação definitiva da existência de vaga nas turmas já constituídas, depois de aplicadas as prioridades definidas no n.º 1 do artigo 11.º do presente despacho normativo.
O requerimento da matrícula do CC no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico ocorreu após a obtenção pela progenitora de relatório da educadora de registo de desenvolvimento e de relatório de avaliação psicológica, ambos favoráveis à progressão da criança para o 1.º ciclo.
Discorda o pai dessa matrícula, argumentando que esta não convém aos melhores interesses do desenvolvimento do filho e que já anteriormente havia transmitido junto da mãe a sua oposição.
Assente-se em que os presentes autos não têm por desiderato dirimir divergência parental acerca de questão de particular importância que se prenda com a vida do filho de requerente e requerida - a integração de CC no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico com cinco anos é irreversível.
Entende, não obstante, o requerente que a decisão a este propósito adotada pela mãe consubstancia incumprimento do acordado, merecendo censura. Neste sentido, peticionou a condenação da requerida em multa não inferior a 20 unidades de conta.
A fim de dirimir a questão importa analisar o que foi acordado, aferir se houve lugar a incumprimento e determinar se se mostram verificados os pressupostos de sancionamento da requerida.
Quanto ao acordado, recorde-se que, na sequência da deslocação do pai para o Brasil, onde reside, por decisão de 10/05/2022 foi homologado acordo extrajudicial mediante o qual CC ficou à guarda e a residir com a mãe. As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida de CC seriam exercidas em conjunto por ambos os pais, salvo nos casos de urgência manifesta em que qualquer um deles poderia agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível, conforme previsto no art.º 1906.º/1 do Código Civil, que, aliás, reproduz.
A propósito das questões de particular importância, enumerou-se o seguinte:
- são nomeada, e não exaustivamente, questões de particular importância para a vida do CC, importando, por conseguinte decisão conjunta de ambos os progenitores as seguintes:
a) Mudança de residência da criança para local que dificulte ou impeça o seu convívio com progenitores ou ascendentes paternos com quem o CC convive nos termos previstos no presente acordo;
b) Escolha do estabelecimento de ensino fora da área do concelho de residência;
c) Educação religiosa fora dos princípios decorrentes do ato do batismo;
d) Orientação profissional;
e) Viagens para países em conflito armado ou que constituam um perigo para a saúde da criança, designadamente quando durante o estado da pandemia, sejam essas viagens desaconselhadas pelas entidades oficiais, governamentais e/ou de saúde;
f) Obtenção de licença para condução de ciclomotores;
g) Autorização parental para contrair casamento;
h) Propositura de ação cível ou criminal em representação processual da criança;
i) Realização de intervenções cirúrgicas ou outros cuidados médicos de relevo não urgentes
A decisão adotada pela mãe sob apreciação não se mostra abrangida pelo leque de questões que as partes explicitamente previram. Tratando-se, porém, de enumeração não exaustiva, importa aferir se, ainda assim, se deve integrar a decisão de matricular a criança que perfaz seis anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro nas matérias de particular importância a que alude o art.º 1906.º/1 do C.C..
Preceitua esta norma que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
Helena Bolieiro e Paulo Guerra (in A Criança e a Família - uma Questão de Direito(s), Coimbra Editora, pp. 271/272) integram neste núcleo as intervenções cirúrgicas, as viagens ao estrangeiro, a matrícula neste ou naquele estabelecimento de ensino e as opções em relação ao devir profissional do filho.
Maria Clara Sottomayor (Exercício conjunto das responsabilidades parentais: igualdade ou retorno ao patriarcado?, in E Foram Felizes Para Sempre - Uma Análise Crítica do Novo Regime Jurídico do Divórcio, coordenação: Maria Clara Sottomayor, Maria Teresa Féria de Almeida, Coimbra Editora, pp. 128/129), escreve: mesmo que se trate de um colégio privado e de decisões de transferência do ensino público para privado ou vice-versa, e da orientação profissional da criança, julgo necessário proteger a estabilidade da sua vida, conferindo poderes de decisão ao progenitor residente, que melhor conhece as necessidades da criança e o seu desenvolvimento, uma vez que o acompanha diariamente.
No ac. da Relação do Porto de 27-1-2020 (proc. 803/13.6T2OBR-D.P1José Eusébio Almeida), citando extensa e oportuna doutrina, lê-se o seguinte: Jorge Augusto Pais do Amaral entende que “deve optar-se por um critério objetivo em vez de lhe dar a importância subjetiva que lhe é atribuída por um dos progenitores” e refere, como exemplos, “a intervenção cirúrgica ou a simples necessidade de tratamento médico do filho e os atos de natureza patrimonial que necessitem de autorização do Ministério Público”. Jorge Duarte Pinheiro faz referência a ter apontado, em anterior edição, a “educação religiosa do filho menor com idade inferior a 16 anos; tratamento médico ou intervenção cirúrgica de alguma gravidade; atos patrimoniais que careçam de intervenção do Ministério Público; representação do menor em juízo”, acrescentando que a densificação do conceito “só pode ser preenchida mediante a valoração das circunstâncias concretas”. Tomé d’Almeida Ramião entende que tais questões “deverão estar relacionadas com questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias”, enquanto José Augusto de França Pitão/Gustavo França Pitão, fazendo referência à doutrina e jurisprudência, indicam, além de outras, as situações de “escolha entre o ensino público e o ensino particular; mudança de escola; (...) orientação profissional do filho; participação em programas de televisão (...).
No caso concreto, a matrícula pela requerida do filho no 1.º ano do 1.º ciclo não acarretou a mudança de estabelecimento de ensino, nem a alteração da natureza do ensino, mantendo-se a criança em escola pública. Não obstante, CC viu antecipado em um ano aquele que seria o seu ingresso no 1.º ciclo, não fora a matrícula efetuada pela progenitora, que se veio a concretizar pela existência de vaga.
Ainda que as considerações tecidas a propósito de algum determinismo que a questão etária poderia ter no futuro escolar do menor se nos afigurem excessivas, não se obnubila a relevância de um tal passo. Por isso, não podemos deixar de considerar como de particular relevância a decisão sobre o ingresso do menor no 1.º ano. Esta progressão, ao que tudo indica, veio-se a revelar bem-sucedida, mas idade mais tenra de CC, sendo claro que a capacidade intelectual não será o único aspeto a atender, poderia ter comprometido esse desenlace.
Assume-se, pois, que a decisão não deveria ter sido unilateral e, em face da oposição do pai, a questão deveria ter sido suscitada junto do tribunal.
Não obstaculiza a este considerando a circunstância de o pai, em reunião de pais de abril de 2022, ter declarado que o filho deveria ingressar no 1.º ano de escolaridade, no ano letivo 2022/2023, à data com quatro anos de idade (cf. facto provado n.º 13). Ainda assim, como se verá, esta factualidade é suscetível de revestir relevância no tocante à avaliação da culpa da requerida no exercício das responsabilidades parentais.
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B - Se o requerimento da matrícula, sem consentimento ou concordância e mesmo oposição do outro progenitor, não guardião, consubstancia comportamento integrador de incumprimento culposo das responsabilidades parentais pela mãe de CC
O art.º 41.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível - RGPTC), sob a epígrafe incumprimento, preceitua:
1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
Como vimos, embora a questão sob discussão não estivesse expressamente contemplada no acordo, integrando este, à semelhança da previsão do art.º 1906.º do C.C., um elenco não taxativo, sempre seria de entender tratar-se de questão de particular relevo.
O art.º 1906.º destina-se, em primeira linha, a apelar ao tribunal para que este diligencie pelo cumprimento coercivo. Não é o que se verifica na situação dos autos, já que nos encontramos perante um facto consumado. O requerente visa tão-somente a condenação da requerida em multa, ainda que confira ao incidente um sentido preventivo: levar a requerida a abster-se de agir indevidamente, fazê-la consciencializar o dever que sobre si impende de fazer intervir o pai nas decisões de vulto para o filho de ambos.
Em face da materialidade fáctica adquirida, é de cominar a requerida com multa por incumprimento?
Lê-se no ac. da Relação de Coimbra de 18-2-2020 (proc. 1513/19.6T8CBR-B.C1, Carlos Moreira): não pode, numa sensata e razoável postura hermenêutica, ser um qualquer minudente incumprimento que apenas descambe numa quase inócua ou irrelevante afetação negativa do menor, que pode clamar a conclusão sobre a verificação de um incumprimento, máxime, e no que ora releva, merecedor de condenação em multa. Mas, naturalmente, principalmente neste campo dos menores - no qual, como é consabido, são os interesses deles e a sua defesa, cabal, atempada e profícua, a pedra de toque de toda a dilucidação a qual, única ou determinantemente, releva -, não pode ser exigível um grau de gravidade tal que, se não for consecutido, impede o recurso ao incidente de incumprimento e à possível condenação em multa.
Sumaria-se no ac. da Relação de Guimarães de 26-10-2017 (proc. 2416/15.9T8BCL-C.G1, Raquel Tavares): I - À luz do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível mantém-se válido o entendimento de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a sua condenação em multa. II - A aplicação de sanções pelo incumprimento do que tiver sido acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais dependerá sempre da ponderação e análise dos factos concretos, pois só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu esse incumprimento permite verificar se existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e se as mesmas revestem gravidade que justifiquem a condenação.
E reflete-se no corpo do mesmo aresto: para aferir da gravidade do comportamento do progenitor remisso deverá ter-se como critério primordial o interesse da criança. É pois o superior interesse da criança que deve nortear a conduta dos pais, mas também que deve estar subjacente à decisão a proferir pelo julgador. A condenação em indemnização não é uma consequência automática decorrente do simples facto de se verificar o incumprimento, antes exige que para além da situação de incumprimento se aleguem e provem factos integrantes da obrigação de indemnizar por factos ilícitos. E um dos pressupostos da obrigação de indemnizar é a existência de dano, o que deve resultar dos factos provados; devem pois desde logo ser alegados e demonstrados factos de onde se conclua que por via do incumprimento do progenitor remisso o menor ou o outro progenitor ficaram lesados, seja do ponto de vista patrimonial ou não patrimonial
Tomemos em consideração que a requerida era a guardiã única do filho, devido à ida do apelante para o Brasil, pelo que, de entre os progenitores, era aquela que melhor conhecia o filho e as suas capacidades e competências. Por outro lado, obteve, quer junto da educadora, quer junto da psicóloga, pareceres técnicos especializados, ambos favoráveis ao ingresso de CC no 1.º ano de escolaridade. Acresce que o pai, no ano prévio ao da matrícula, se manifestara no sentido de o filho dever frequentar ano de escolaridade mais avançado do que o correspondente à sua idade (facto provado n.º 13). Tal postura levaria a crer que não se oporia ao ingresso no ensino básico aos cinco anos, antes sendo expetável o seu regozijo. Ao cabo e ao resto era até lícito à mãe que pressupusesse que o pai estava de acordo com a matrícula de CC nos moldes assinalados.
Leva-se em linha de conta que o recorrente não põe em crise a matéria de facto, aceitando os factos provados sob os pontos 12., 14., 15., a saber, que o relatório de registo de desenvolvimento elaborado pela educadora e o relatório de avaliação psicológica, anterior ao requerimento da matrícula, concluíram que CC estava apto em todas as áreas e domínios do seu desenvolvimento, que tem uma capacidade intelectual superior à da média para a sua faixa etária e que se evidenciavam prognósticos favoráveis no sentido da sua integração no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico no ano letivo de 2023/2024.
A respeito da censurabilidade da conduta da requerida, como já se acentuou, não pode ser descurada a circunstância de o requerente, em reunião de pais de abril de 2022 ter declarado que o filho deveria ingressar no 1.º ano de escolaridade, no ano letivo 2022/2023, à data com quatro anos de idade.
Tampouco existe qualquer dano na esfera pessoal de CC a ponderar. Efetivamente, consta do ponto 16 dos factos assentes que no 1.º trimestre do ano letivo em causa a criança obteve as classificações de Muito Bom e Bom, concluindo-se que adquiriu com facilidade as metas propostas.
Não foram indicados outros possíveis prejuízos.
Assenta-se, por conseguinte, em que a decisão tomada pela mãe, com subsequente ingresso do filho no 1.º ano do ensino básico, não prejudicou este último.
Ponderada a factualidade que se vem de enunciar, não se pode ter a conduta da apelada como culposa, de molde a julgá-la merecedora da sanção prevista no art.º 41.º em análise.
O recurso interposto está, por conseguinte, votado ao insucesso.

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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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As custas serão suportadas pelo apelante, por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 10-7-2024
Teresa Fonseca
Carlos Gil
Miguel Baldaia de Morais