Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDA ALMEIDA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE REPÚDIO DA HERANÇA | ||
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Nº do Documento: | RP202409231847/16.1T8AGD-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Ocorre impossibilidade da lide quando, na pendência da instância, a pretensão do autor contra determinada pessoa não se pode manter, nomeadamente porque o sujeito passivo deixou de existir ou deixou de poder responder pela pretensão inicialmente esgrimida. II - O repúdio da herança pelos sucessores do primitivo executado, com os efeitos previstos no art. 2062.º do CC, impede o prosseguimento da execução contra aqueles, por deixarem de deter a qualidade de herdeiros, sendo a lide extinta, por impossibilidade superveniente, os termos do art. 277.º e) do CPC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1847/16.1T8AGD-A.P1 Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:RELATÓRIO A 28.7.2016, A..., S.A., apresentou ação executiva contra AA, BB, CC e DD. Tendo os autos executivos estado pendentes, entretanto, para concretização de penhoras, veio a falecer o executado BB, a 15.4.2023, sendo suspensa a instância, por despacho de 3.11.2023. A 21.11.2023, a executada AA juntou aos autos escritura de habilitação de herdeiros do falecido, informando que nenhuma das sucessíveis deste, cônjuge sobreviva e filhas, pretendia aceitar a herança do falecido pai. A 22.11.2023, a exequente apresentou requerimento para habilitação das sucessoras do falecido, a sua mulher, co-executada AA, e as filhas, EE e FF, o que fez com base em habilitação notarial promovida pelo cônjuge sobrevivo. Foi proferido despacho liminar do incidente de habilitação, a 4.12.2023, tendo sido citadas para o contestar, em 10 dias, as habilitandas, por cartas cujos avisos de receção foram assinados a 14.12.2023. Veio a ser proferida sentença de habilitação de herdeiros, a 29.1.2024. A 8.2.2024, vieram as habilitadas EE e FF juntar aos autos documento de repúdio da herança de seu pai, o habilitado BB, documento este datado de 26.12.2023, afirmando não poder, por isso, prosseguir contra si a execução. Foi proferido despacho datado de 13.3.2024, com o seguinte conteúdo: Foi proferida sentença, pelo que se mostra esgotado o poder jurisdicional. Deste despacho recorrem as duas habilitadas, visando a sua revogação e a extinção da instância executiva contra si, por inutilidade superveniente da lide. Argumentam o seguinte que assim deixaram em conclusões: 1.ª - Tendo as recorrentes procedido validamente ao repúdio da herança do seu pai, através do documento particular autenticado celebrado em 26 de Dezembro de 2023, os seus efeitos, por força do disposto no artigo 2.062º do Código Civil, retroagem ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia. 2ª - Tendo as recorrentes procedido validamente ao repúdio da herança do seu pai e executado primitivo, em 26 de Dezembro de 2023, os seus efeitos retroagem à data da abertura da sucessão, ou seja, a 15 de Abril de 2023, considerando-se às recorrentes como não chamadas à herança. 3ª - O facto de ter tido lugar a habilitação de herdeiros com sentença já transitada e que julgou procedente a habilitação das recorrentes, em nada impede que, contemporaneamente ou posteriormente, àquelas pudessem repudiar, como repudiaram, a herança. 4ª – E, tendo as recorrentes repudiado validamente a herança do seu pai, jamais a poderão receber, porquanto o repúdio é irrevogável por força do artigo 2.066º do Código Civil. 5ª – E aquele repúdio provoca para a recorrentes, habilitadas por via da douta sentença proferida, a sua ilegitimidade para a presente execução, uma vez que àquela apenas provinha da sua qualidade de herdeiras do seu pai, a qual se perdeu definitivamente, pelo que o prosseguimento desta execução contra elas nunca permitiria que a exequente obtivesse, no todo ou em parte, o pagamento do seu crédito, porquanto pela divida da herança não responde o património próprio das ora recorrentes, mas apenas e tão só a quota que elas, enquanto herdeiras do seu pai, teriam na herança deste, mas que, face ao repúdio realizado e aos seus efeitos, nenhum bem da herança integrou ou jamais integrará o património das recorrentes. 6ª - Pelo que se impõe concluir que, com o repúdio da herança que as recorrentes validamente realizaram, verifica-se a inutilidade superveniente da lide (artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil) e, consequentemente, deverá ser declarada a extinção da instância quanto às ora recorrentes. 7ª – O despacho proferido violou, entre outros, o disposto nos artigos 6.032º e 6.066º, ambos do Código Civil, e os artigos 30º, 262º, alínea a) e 277º, alínea e), todos do Código de Processo Civil. Não foram apresentadas contra-alegações. Objeto do recurso: Do repúdio da herança e dos seus efeitos sobre a execução pendente. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Os factos que interessam à decisão do objeto do recurso ficaram expostos supra no relatório inicial. Acresce o conteúdo do documento junto pelas recorrentes, intitulado Repúdio e seguido de termos de autenticação, este datado de 26.12.2023: Fundamentação de Direito A sentença de habilitação de herdeiros, proferida no âmbito do incidente previsto nos arts. 352.º, 353.º e 292.º do CC, incidiu sobre a questão da legitimidade passiva para a ação executiva e, nessa ótica, resolveu a questão em moldes que não podem ser alterados, por força do disposto no art. 613.º, nº1, e 620.º do CPC. Por isso se alude ao esgotamento do poder jurisdicional em matéria de relação processual: proferida a decisão, em princípio, a mesma não pode ser alterada pelo juiz da causa. E, de facto, no tocante à legitimidade das filhas do primitivo executado, pré-falecido, a sua qualidade de sucessoras daquele, já reconhecida em habilitação notarial, garantia-lhes a posição passiva na ação executiva. Ocorreu, porém, um facto extintivo daquela sua posição sucessível. As chamadas à herança responderam negativamente ao chamamento sucessório e, por via disso, não podem, atualmente, ser consideradas como chamadas, sendo que os efeitos do repúdio – tenha este lugar em que momento for – se retrotraem ao momento da abertura da sucessão (art. 2062.º CC). Com tal repúdio, tudo se passa como se nunca tivesse existido o herdeiro, passando a ser chamados os sucessíveis subsequentes (art. 2023.º CC). Ora, o repúdio dos autos ocorreu numa altura em que transcorria o prazo para as herdeiras se oporem ao incidente de habilitação, não tendo estas formulado oposição a tal incidente. Não o tendo feito, fica o tribunal impedido de reconhecer os efeitos do repúdio na regularidade da relação processual executiva? A resposta é negativa. Na verdade, com a apresentação do documento do repúdio não está a pretender-se revogar, de algum modo, a sentença de habilitação que, no momento em que foi proferida e com os dados disponíveis, fixou a legitimidade de forma correta. Todavia, a notícia do repúdio nos autos não pode deixar de ter efeitos naquela relação processual, pois que os herdeiros podem, a todo o tempo, repudiar a herança e podiam tê-lo feito depois de decorrido o prazo de oposição ao incidente de habilitação. Nesse momento, a decisão que se impõe não se prende com a regularidade da instância, do ponto de vista subjetivo – regularidade já estabelecida por sentença de habilitação – mas sim com a impossibilidade de prosseguimento da instância contra aquelas pessoas anteriormente consideradas partes legítimas. O foco passa, assim, para o disposto no art. 277.º e) do CPC, sendo um caso de extinção da instância, por impossibilidade superveniente, e não de decisão sobre a legitimidade processual das partes. Ocorre impossibilidade da lide quando, na pendência da instância, a pretensão do autor contra determinada pessoa não se pode manter, nomeadamente porque o sujeito passivo deixou de existir ou deixou de poder responder pela pretensão inicialmente esgrimida. O repúdio da herança pelos sucessores do primitivo executado impede o prosseguimento da execução contra aqueles, por deixarem de deter a qualidade de herdeiros. É isso que se afirma nos arestos citados no recurso, mormente no ac. deste tribunal e secção, de 18.11.2019, proferido no Proc. 8760/05.6TBVNG-A.P1, subscrito pelo aqui segundo adjunto, em cujo sumário se lê: I - Nos termos do artigo 30.º do CPC, a legitimidade afere-se pelo interesse direto em demandar e em contradizer, exprimindo-se tal interesse, respetivamente, pela utilidade derivada da procedência da ação (autor), e pelo prejuízo que dessa procedência advenha (réu), prevendo a lei um critério subsidiário formal na determinação da legitimidade: apura-se pela relação controvertida nos termos em que o autor a configura na petição. II - A legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa, não se traduzindo numa qualidade pessoal, mas numa qualidade posicional face à ação, ao litígio que nela se dirime. III - O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da retroatividade de todo o fenómeno sucessório, estabelecendo o artigo 2062.º do Código Civil, quanto ao repúdio, que os seus efeitos se retrotraem ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia. IV - Tendo um sucessor habilitado repudiado a herança, ocorre, necessariamente, relativamente a ele, a impossibilidade superveniente da lide, devendo em consequência extinguir-se a instância (apenas quanto a ele), nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil. O mesmo se deixou exposto no ac. desta secção, de 23.3.2020, Proc. 4307/16.7T8LOU-B.P1. Apenas uma última observação para esclarecer não estar em causa – por nada ter sido contra-alegado nesse sentido – a validade do repúdio nesta altura, mormente por terem existido atos anteriores de aceitação da herança, não resultando tal aceitação tácita (art. 2056.º CC) da não oposição ao incidente de habilitação, posto que para ser tácita a aceitação tem que resultar de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (art. 217.º, n.º 1 parte final, do CC) – cfr. ac. STJ, de 30.5.2023, Proc. 28471/17.9T8LSB.L1.S1 – sendo certo que já anteriormente nos autos havia sido afirmada de forma expressa a pretensão das herdeiras de não aceitarem a herança do executado pré-falecido. Por conseguinte, considerando a validade do repúdio, impõe-se a procedência do recurso e, por via disso, a revogação da decisão recorrida. DISPOSITIVO Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e, nos termos do art. 277.º e) do CPC, julgar extinta a instância executiva quanto às recorrentes, por impossibilidade superveniente da lide. Custas pelas recorrentes, por haverem retirado utilidade do recurso (art. 527.º, n.º 1, parte final do CPC). Porto, 23.9.2024 Fernanda Almeida Carlos Gil Mendes Coelho |