Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO BENS IMÓVEIS RELACIONAÇÃO VALOR MATRICIAL ALTERAÇÃO FORMAÇÃO DE LOTES ESCOLHA DE BENS | ||
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Nº do Documento: | RP202012031055/11.8TBMAI-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/03/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No regime do antigo Código de Processo Civil, os bens imóveis deviam ser relacionados pelo cabeça-de-casal pelo valor matricial que na data da apresentação da relação de bens constava da respectiva caderneta predial actualizada. II - A alteração desse valor só podia ter lugar na sequência de reclamação de algum interessado ou em resultado da avaliação do bem ou das licitações se elas tivessem lugar no inventário. III- O artigo 1406.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, conferia ao cônjuge do executado o direito de escolher os bens para formar a sua meação mas já não o direito de definir o valor dos bens escolhidos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2020:1055.11.8TBMAI.B.P1 * Sumário:……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada contra o marido B…, a cônjuge mulher C… requereu, por apenso à referida execução, inventário para separação de meações. Em 04-10-2016 realizou-se a conferência de interessados de cuja acta consta o seguinte: «De imediato foram questionados os interessados sobre se havia acordo quanto à composição das meações ou se a requerente C… pretendia exercer o direito de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1406º, nº 1, c), do Código de Processo Civil. Pedida a palavra pela Ilustre Mandatária da requerente C…, foi declarado pretender exercer o direito de escolha dos bens com que há-de ser formada a sua meação, optando pelo bem imóvel, no valor de €155.040,00 (cento e cinquenta e cinco mil e quarenta euros), e pelos bens móveis no valor total de €700,00 (setecentos euros), constantes na relação de bens de fls. 53 e ali melhor descritos. Concedida a palavra aos demais presentes pelos mesmos foi declarado nada terem a opor ou a requerer.» Em 10-10-2016 a requerente veio ao processo requerer (ref.ª 23766777) o seguinte: «1. Compulsados os autos a aqui Requerente, que por lapso de que aqui muito se penaliza e se requer que se releve, a mesma verificou que o valor atribuído à verba n.º 6 da relação de bens apresentada pelo Requerido B…, e à qual foi atribuído pelo mesmo o valor de €155,740,00, não corresponde ao valor matricial do referido prédio. 2. Destarte, por confronto com a caderneta da matriz predial, o referido prédio tem o valor patrimonial de €115.290,00, cf. documento que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 3. Pelo que em cumprimento do princípio da verdade material, requer-se assim a alteração do valor atribuído à referida verba n.º 6.» Por despacho de 22-11-2016 por referência ao requerimento referido foi decidido o seguinte: «a) Proceda-se à alteração do valor da verba nº 6 (seis) constante da relação de bens a fls. 53 para o montante de € 115.290,00 (cento e quinze mil e duzentos e noventa euros), atento o disposto no art. 1346º, nº 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável aos presentes autos. b) Declara-se que tal alteração do valor do imóvel não produzirá qualquer efeito em relação ao valor pelo qual a requerente C… declarou pretender exercer o direito de escolha dos bens com que há-de ser formada a sua meação, a fls. 259, que se mantém, no montante de € 155.040,00 (cento e cinquenta e cinco mil e quarenta euros).» Em 09-12-2016 a requerente requereu (ref.ª 24325195) a rectificação desse despacho nos seguintes termos: «1. Compulsados os autos, resulta da ata de conferência de interessados de 04/10/2016 que a requerente exerceu o direito de escolha dos bens, optando pelo bem imóvel no valor de 155.040,00 € e pelos bens móveis no valor de 700,00€. 2. Ora, conforme resulta do requerimento sob a refª 23766777, aí foi requerido a alteração do valor atribuído ao bem imóvel para o montante de 115.290,00€ por ser o seu valor matricial actual, o qual mereceu o despacho cuja rectificação aqui se requer. 3. Efectivamente, com o pedido de alteração do valor da verba nº 6, pretende-se também que esse seja o valor do bem relativamente ao qual o requerente declarou exercer o direito de escolha dos bens com que há-de ser formada a sua meação, ou seja, 115.290,00€. Termos em que se requer que seja fixado o valor de 115.290,00€, como valor para a adjudicação do imóvel à requerente. Pelo que se requer que seja alterada a alínea b) do despacho de fls. 261 em consonância com o ora exposto.» O Mmo. Juiz a quo consignou, singelamente, «nada ter a determinar» face ao já decidido. A requerente apresentou recurso de apelação dos dois despachos antes referidos. O Mmo. Juiz a quo proferiu despacho de não admissão do recurso com o fundamento de que as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do processo de inventário devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha (artigo 1396.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Depois foi proferido despacho determinativo da forma da partilha e elaborado mapa de partilha. Posto o mapa em reclamação, vieram reclamar ambos os cônjuges, colocando de novo a questão do valor do imóvel a considerar para efeitos da partilha e adjudicação a um dos cônjuges. Depois foi proferida sentença a homologar a partilha e a adjudicar a totalidade dos bens, em conformidade com o mapa de partilha, à requerente do inventário, sendo o respectivo cônjuge inteirado com tornas. Notificada da sentença, veio a requerente do inventário interpor recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: I. A douta sentença homologatória de partilha de fls..., não equacionou devida e correctamente a questão jurídica que lhe foi submetida pela recorrente, nos requerimentos sob as Ref.ª 23766777 a fls. 261, e, 23771509 ambos de 16/10/16, e, com a Ref.ª 24325185, de fls. 279, de 9/12/16, e ainda nas reclamações do mapa da partilha sob as Ref.ª 34333832 de 16/2/19, a fls. 379 e a fls. 383, não aplicando criteriosamente a Lei à matéria de facto fixada. II. Por isso, inconformada a requerente vem recorrer da douta sentença por considerar que na mesma não foi adoptada a solução jurídica mais adequada ao caso, produzindo uma sentença profundamente Injusta, e ao arrepio dos princípios jurídicos que sustentam o sistema jus civilístico em vigor e designadamente as normas relativas ao processo de Inventário e sua finalidade, dando uma errada interpretação às mesmas, designadamente aos artigos 1353.º nº 1, 1379.º nº 2 e 1306.º nº 1 do CPC, e ainda ao disposto nas normas relativas à interpretação e declaração de vontade, constante dos artigos 236.º e 238.º do C.Civil. III. A requerente recorreu das decisões interlocutórias com as Ref.ª 375607759 e 388800213 de fls..., proferidas no âmbito do processo através de recurso de apelação interposto a fls..., com a Refa 28250217. IV. e, reclamou, nos termos do disposto no art. 1379.º nº 2 do CPC, do mapa da partilha, através de requerimento da recorrente com a Ref.ª nº 345712229 e do recorrido com a Ref.ª 34333832, de fls. 379 e 383 respectivamente dos autos. V. Tanto o recurso de apelação como as reclamações foram indeferidas, o primeiro por intempestivo, nos termos do disposto no art. 641.º nº 2 al. a)do CPC, cf. decisão com a Ref.ª 394545675,e, as reclamações por falta de fundamentação de facto, cf. decisão com a Ref.ª 411448154, de cujo teor a aqui recorrente não se conforma, daí o presente recurso de apelação. VI. Após a conferência de interessados de fls..., de 4/10/16, e análise da respectiva ata, com a Ref.ª 12460819, a aqui recorrente apercebeu-se da existência de um erro no valor a atribuir à sua escolha, tendo solicitado a sua correcção por requerimento apresentado em 10/10/2016 a fls. 261, com a Ref.ª 23766777, e com a Ref.ª 23771509, nos termos seguintes: "Compulsados os autos a aqui requerente, que por lapso de aqui muito se penaliza e se requer que se releve, a mesma verificou que o valor atribuído à verba nº 6 da Relação de Bens apresentada pelo Requerido B…, e à qual foi atribuído pelo mesmo o valor de 155.740,00€ não corresponde ao valor matricial do referido prédio". "Destarte, por confronto com a caderneta da matriz predial, o referido prédio tem o valor patrimonial de 115.290,00€, cf. Documento que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais". "Pelo que em cumprimento do princípio da verdade material, requer-se assim a alteração do valor atribuído à referida verba nº 6". VII. Tendo reiterado por requerimento apresentado com a Ref.ª 24325195 a fls. 279, o seguinte: "Compulsados os autos, resulta da ata de conferência de interessados de 04/10/2016, que a requerente exerceu o direito de escolha dos bens, optando pelo bem imóvel no valor de 155.040,00€ e pelos bens móveis no valor de 700,00€". "Ora, conforme resulta do requerimento sob a Ref.ª 123766777, aí foi requerido a alteração do valor atribuído ao bem imóvel para o montante de 115.290,00€, por ser o seu valor matricial actual, o qual mereceu o despacho cuja rectificação aqui se requer". "Efectivamente, com o pedido de alteração do valor da verba nº 6, pretende-se também que esse seja o valor do bem relativamente ao qual o requerente declarou exercer o direito de escolha dos bens com que há-de ser formada a sua meação, ou seja, 115.290,00€". VIII. Sucede que, os referidos requerimentos foram indeferidos nos termos dos doutos despachos com as Ref.ª 375607759 e 388800213, de que aqui se recorre. IX. A reclamação da ata da conferência de interessados e pedido de alteração do valor mereceu o despacho do Sr. Procurador do M. P., com a Ref.ª 375443264, onde se lê: "Atendendo ao valor inscrito na caderneta predial urbana junta, bem como o facto do valor ter sido determinado no ano de 2015, nada temos a opor à correcção do valor do imóvel a partilhar, o qual a requerente C…, pretende que lhe seja adjudicado, devendo proceder ao depósito das tornas respectivas" (sublinhado e itálico nosso). X. Na medida em que a ata de conferência de interessados, consubstancia a realização e o conteúdo de um ato presidido pelo Juiz, sendo um documento autêntico que faz prova plena do que nele consiste (art. 371.º al. c) e 159.º nº 1 do CPC) a aqui recorrente arguiu o erro constante da ata e comprovou o mesmo, afastando assim a aludida presunção através de junção da certidão matricial - documento autêntico, junta em requerimento com a Ref.ª 2377159. XI. Também o recorrido, em sede de contra-alegações de recurso de fls..., e em sede de reclamação do mapa de partilha, vem solicitar que a ata seja anulada e designada nova conferência de interessados com vista à correcção da declaração negocial e correcção dos valores de escolha da Recorrente. XII. Com base no raciocínio lógico e legal de que o valor real do bem, no caso da verba nº 6 (imóvel) à data da licitação é o valor da respectiva matriz; e como tal, a conferencia de interessados não deliberou correctamente sobre a composição dos quinhões e seus valores, pelo facto destes estarem logo à partida errados, pelo que violou o disposto no art. 1353.º nº 1 al. a) do CPC, uma vez que o valor da licitação não estava correto, pelo que a única solução jurídica passará pela correcção do valor da verba no mapa de partilha, na forma exposta, ou, se assim se não entender, deverá ser convocada nova conferência de interessados com vista ao esclarecimento da vontade da recorrente e dos interessados relativamente ao valor da sua adjudicação, com as demais consequências legais. XIII. Acresce que, pela simples análise da certidão predial, avaliadora dos prédios, basta para se concluir pela injustiça, arbitrariedade e desproporcionalidade no valor do prédio desde a sua descrição na relação de bens de fls. 53, em 19/02/13, no valor patrimonial de 155.740,00€ e posteriormente na data da conferência de interessados de fls. 259, em 04/10/16, no valor de 115.290,00€. XIV. Como é consabido: " o Juízo do Inventário é sobretudo um Juízo de equidade onde se deve evitar que os interessados se locupletem à custa dos outros" – Ac. da R. de Coimbra de 12/5/67, e Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª edição, 2º pág. 398, (pode convocar-se os Interessados para uma conferência, quando a reclamação tiver por fundamento a desigualdade de lotes). XV. "Se os despachos que se seguem ao determinativo da partilha, estão directamente relacionados com ele, e são dele consequência necessária, o recurso interposto da sentença homologatória da partilha a todos compreenderá" - Vide João Lopes Cardoso, in "Partilhas Judiciais" Livraria Almedina, 4ª edição Coimbra 1990, pág. 398. XVI. Consta dos autos, que todos os interessados e credores presentes na conferência de interessados não se opuseram à correcção do valor do bem. XVII. Aliás, quer recorrente, quer recorrido, credor das tornas, vieram reclamar antecipadamente contra o mapa e informar o tribunal que havia lapso no valor fixado à verba nº 6. XVIII. Não fazendo caso julgado o mapa da partilha, há que proceder a sua rectificação, em conformidade, ordenando-se a elaboração de novo mapa corrigido, com o valor correto da verba avaliada, nº 6, e em consequência deverá revogar-se a sentença de homologação do mapa da partilha, a fim de ser elaborado novo mapa com o valor da verba nº 6 em 115.290,00€ em conformidade com o valor do bem constante do documento matricial junto com o requerimento sob o nº 2377159. XIX. Trata-se de um erro essencial, se a aqui recorrente tivesse conhecimento do seu valor, teria agido de forma diferente na partilha, tal essencialidade também foi evidente para os restantes Interessados na partilha. XX. Ora, e sem prescindir, lançando mão das regras interpretativas dos artigos 236º e 238º do c. Civil, será de entender que a requerente pretende optar pelo valor patrimonial. XXI. Conforme conclusões constantes do recurso de apelação de fls..., que aqui se reiteram: O douto despacho sob a Ref.ª 375607759, lê-se: "a) Proceda-se à alteração do valor da verba nº 6 (seis) constando da Relação de Bens de fls. 53, para o montante de 115.290,00€ (cento e quinze mil duzentos e noventa euros)" atento ao disposto no art. 1346. º nº 2 do C.P. Civil, na redacção aplicável aos autos". "b) Declara-se que tal alteração do valor do Imóvel não produzirá qualquer efeito em relação ao valor pelo qual a Requerente C…, declarou pretender exercer o direito de escolha dos bens em que há-de ser formada a sua meação, a fls. 259, que se mantém no montante de 155.040,00€ (cento e cinquenta e cinco mil e quarenta euros)". XXII. Contudo, a recorrente não se conforma com a decisão constante da al. b) do douto despacho, pois o Meritíssimo Juiz não interpretou correctamente o erro na declaração da aqui Recorrente, que, ocorreu na conferência de interessados de 4/10/2016, constante da ata sob a Ref.ª 373653748, relativamente ao valor atribuído à verba pela mesma escolhida, não tendo por isso adoptado a solução jurídica mais justa e adequada ao caso. XXIII. Na conferência de interessados veio a requerente C… exercer o direito à formação da sua meação, optando pelo imóvel constante da relação de bens de fls.53, ao qual tinha sido atribuído o valor de 155.040,00€ - valor matricial, à data de 19/02/2013. XXIV. Logo após a data da dita conferência, e, antes de dar forma à partilha, veio a Recorrente através dos requerimentos sob a Ref.ª 12460819 e 12464367, solicitar a rectificação do valor atribuído à verba nº 6 - imóvel relacionado pelo cabeça-de-casal a fls..., que, por mero erro da declaração não o foi na dita conferência. XXV. A aqui recorrente alertou o tribunal para o erro que cometera no valor que atribuiu à sua escolha, insurgindo-se agora contra esta desigualdade na atribuição no valor da referida verba. XXVI. Conforme dispõe o art. 247.º do C. Civil "quando em virtude de erro a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro". XXVII. E, ainda nos termos do art. 248.º do mesmo diploma: «A anulabilidade fundada em erro na declaração não procede se o declaratário aceitar o negócio como o cliente o queria». XXVIII. Assim, conforme nos ensina o Prof. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 463 e seguintes: Normalmente o elemento interno (vontade) e o elemento externo da (declaração propriamente dita) coincidem. Pode, contudo, verificar-se uma divergência entre esses dois elementos da declaração negocial, essa divergência entre o "querido" e o "declarado" pode ser intencional ou não intencional. XXIX. Estamos perante uma divergência não intencional quando o dissídio em apreço é involuntário, porque o declarante não se apercebe da divergência ou porque é forçado irresistivelmente a emitir uma declaração divergente do seu real intento. XXX. A divergência não intencional pode consistir num erro - obstáculo ou na declaração; trata-se de um engano ou equívoco. Existindo a sua divergência é necessário averiguar se o negócio jurídico pode valer com o sentido correspondente à vontade real, é o problema da relevância positiva da vontade real. XXXI. No caso em apreço, existiu uma evidente divergência inconsciente entre a vontade real e a declarada. XXXII. Por lapso de actividade, a declarante, C…, aqui recorrente, não se apercebe de que a declaração tem um conteúdo divergente da vontade real. Há um erro sobre o conteúdo do declarado, na medida em que aquela ao escolher a verba nº 6, queria que o valor fosse o valor real (matricial) da verba na data da licitação, 115.290,00€, e não o valor declarado pela requerente à data da apresentação da relação de bens em 2013, 155.040,00€, conforme documentos que já constavam dos autos, e que por mero lapso não tinha sido ainda rectificado o seu valor pelo que inconscientemente não se apercebeu que o valor da verba em questão, estava errado. XXXIII. Se o declaratário se apercebeu do dissídio entre a vontade real e o declarado, e conhece a vontade real do declarante, o negócio valerá de acordo com a vontade real (236.º nº 2 C. Civil). XXXIV. A aqui recorrente não requereu na conferência de interessados a avaliação do bem imóvel escolhido, uma vez que sendo o valor apresentado para o imóvel o constante da matriz e junta matriz actualizada aos autos, supôs erroneamente que seria corrigido e como tal incorreu em erro não intencional na declaração que proferiu na conferência referida. XXXV. Conforme se lê no Rec. Revista nº 618/05 – 1ª Secção - Relator - Garcia Galego de 22/4/2008, em sede de interpretação de declaração vale o disposto no art. 236.º nº 1 do C. Civil, que consagra a teoria de impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial deverá ser interpretada como um declaratário normal, mediamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta de declaratório. XXXVI. Em conclusão: numa partilha de bens que a verba está descrita pelo seu valor patrimonial, será adjudicada por esse valor. Tal significa que o valor da verba é o que consta à data da licitação, no caso em apreço será o valor de 115.290,00€. XXXVII. Assim se evita excesso de licitação acautelando os interesses dos economicamente mais débeis. Nestes termos e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Exas, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência serem atendidas as reclamações de fls. 261 e 279 dos autos, bem como as reclamações do mapa da partilha de fls. 379 e 383, ordenando-se que o mapa seja reformado na forma supra exposta, ou, sem prescindir, e caso não seja o entendimento de V. Exas seja anulada a conferência de interessados e a deliberação constante da acta respectiva, por na mesma estar viciada a vontade da recorrente, sendo designada nova conferência de interessados, seguindo-se os ulteriores termos legais, assim fazendo V. Exas. a merecida Justiça. O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a validade dos fundamentos do recurso e a procedência do mesmo. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se para efeitos de partilha deve considerar-se que o bem imóvel que a requerente do inventário escolheu para formar a sua meação tem o valor de 155.040,00€ ou o valor de 115.290,00€. III. Os factos: Os factos que relevam para a decisão a proferir são os constantes do relatório que antecede. IV. O mérito do recurso: Pese embora a forma reiterada como a questão foi suscitada nos autos e como foi deixada arrastar-se ao longo do processo de inventário, a questão a decidir é particularmente simples e consiste apenas em saber como deve entender-se que a requerente do inventário exerceu a faculdade prevista no artigo 1406.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, rectius, por que valor se deve considerar que ela exerceu o seu direito em relação ao bem imóvel. Principiemos por definir a lei aplicável ao presente processo de inventário para separação de meações na sequência da penhora de bens comuns do casal. O presente processo foi instaurado em 01-03-2012. A Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário cuja tramitação passaria a ser assegurada pelas conservatórias e pelos cartórios notariais. A entrada em vigor desta lei foi fixada no dia 18 de Janeiro de 2010, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, data que a Lei n.º 1/2010, de 15 de Janeiro, transferiu para 18 de Julho de 2010. Nesse ínterim a Lei n.º 44/2010, de 3 de Setembro, alterou o artigo 87.º, n.º 1, da Lei n.º 29/2009, o qual passou a dispor que a referida lei produziria efeitos 90 dias após a publicação da portaria referida no n.º 3 do artigo 2.º. Em simultâneo, o artigo 3.º da citada Lei n.º 44/2010 determinou a sua produção de efeitos desde o dia 18 de Julho de 2010. Uma vez que a referida portaria não chegou a ser publicada, o regime do processo inventário aprovado pela Lei n.º 29/2009 não chegou nunca a produzir efeitos, conforme se assinalou, por exemplo, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 327/2011, dizendo que “ao determinar que o novo regime do inventário só produz efeitos 90 dias após a publicação de uma portaria, o legislador adiou, mais uma vez, a sua efectiva entrada em vigor, mantendo-se entretanto aplicável aos processos de inventário o regime anterior à Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, o qual atribui aos tribunais judiciais, rectius, aos tribunais de família onde os haja instalado, a competência para tramitar os processos de inventário”. Entretanto a Lei nº 29/2009 foi revogada pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que aprovou o novo regime jurídico do processo de inventário. Nos termos do respectivo artigo 8.º, a Lei n.º 23/2013, entrou em vigor no primeiro dia útil do mês de Setembro de 2013. E, nos termos do respectivo artigo 7.º, o disposto na mesma lei não se aplica aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem pendentes. Assim, tendo o presente inventário sido instaurado em 01-03-2012, continua a estar submetido ao regime jurídico do processo de inventário previsto no Código de Processo Civil. O Código de Processo Civil em causa é o anterior ao aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que em consonância com a autonomização do processo de inventário relativamente à lei processual geral, finalmente assegurado pela Lei n.º 23/2013, o novo Código de Processo Civil deixou de incluir, entre os vários processos especiais que regula, o processo de inventário que passou a ter um regime processual definido em diploma autónomo. Entretanto a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, alterou o Código de Processo Civil em matéria de processo de inventário, revogando o regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, e aprovando o regime do inventário notarial. Esta Lei entrou em vigor em 01-01-2020, mas não se aplica aos processos pendentes – artigo 11.º -, razão pela qual o presente processo continua subordinado ao regime do Código de Processo Civil na redacção anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. O artigo 1346.º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável aos autos, impunha ao cabeça-de-casal a obrigação de relacionar os bens que integram o acervo a partilhar e de indicar «o valor que atribui a cada um dos bens». No que concerne à indicação do valor dos bens, essa obrigação não era inteiramente discricionária. A própria norma fixava critérios que o cabeça-de-casal deveria seguir para determinar o valor a atribuir a certos bens na relação de bens, situação em que portanto não é o cabeça-de-casal a atribuir valor aos bens é a lei a definir por que valor devem eles ser relacionados pelo cabeça-de-casal. Quanto aos bens imóveis o n.º 2 do artigo 1346.º do Código de Processo Civil estabelecia que «o valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial, devendo o cabeça-de-casal exibir a caderneta predial actualizada ou apresentar a respectiva certidão». Nos termos da norma, portanto, os bens imóveis deviam ser objecto de relacionamento, atribuindo-lhe o cabeça-de-casal o valor correspondente ao valor matricial. Esse valor seria evidentemente o valor matricial actualizado à data da apresentação da relação de bens, rectius, o valor que nessa data a matriz apontava ao bem. Daqui decorria que a apresentação da relação de bens não pressupunha um primeiro momento de avaliação dos bens. A indicação do valor era feita pelo cabeça-de-casal respeitando o critério das normas legais ou o seu próprio critério e só mais tarde, no decurso do inventário, não havendo acordo entre os interessados, haveria lugar à avaliação dos bens para evitar que a base de partida para as licitações se apresentasse, na opinião dos interessados, falseada. No caso, na relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal foi atribuído ao imóvel que constitui a verba n.º 6 o valor de 155.740,00€. Com a relação de bens o cabeça-de-casal não apresentou, como devia mas sem que essa falha tenha sido mandada colmatar, certidão da caderneta predial, mas juntou certidão da descrição predial onde estão mencionados o artigo matricial e o valor patrimonial – expressão que corresponde presentemente à expressão valor matricial então usada no artigo 1346.º do Código de Processo Civil – do bem imóvel correspondente à verba n.º 6. Após a conferência de interessados a requerente do inventário veio alegar que existia um erro na indicação desse valor na relação de bens, dizendo que o valor matricial do referido prédio era afinal de apenas €115.290,00, conforme certidão da caderneta predial que juntava. Por despacho de 22-11-2016 foi decidido ordenar a «alteração do valor da verba nº 6 … da relação de bens … para o montante de € 115.290,00, atento o disposto no art. 1346º, nº 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável aos presentes autos.» Esta decisão, por um lado, desconsiderou a circunstância de nos termos do artigo 1362.º do Código de Processo Civil a reclamação contra o valor atribuído aos bens na relação de bens dever ter lugar na conferência de interessados e esse momento processual já se encontrar ultrapassado na data em que o requerimento foi apresentado. E desconsiderou ainda a circunstância, decisiva, de a relação de bens ter sido apresentada em 19 de Fevereiro de 2013, razão pela qual o valor matricial do bem a indicar na relação de bens tinha de ter como referência essa data e não qualquer outra, anterior ou posterior. Qualquer alteração desse valor a introduzir posteriormente só poderia resultar ou de reclamação contra o valor atribuído ao bem apresentada no decurso da conferência de interessados – o que não ocorreu no caso – ou da avaliação do bem requerida por algum dos interessados na sequência da falta de acordo sobre essa reclamação (artigo 1362.º, n.º 4) ou por algum dos credores após a escolha dos bens pelo cônjuge do executado (artigo 1406.º, n.º 2) – o que igualmente não se verificou no caso –. A certidão que a requerente do inventário juntou com o requerimento a pedir a alteração do valor do bem indica não o valor patrimonial determinado em Fevereiro de 2013, mas o valor patrimonial decorrente da avaliação realizada já no ano de 2015. Já a certidão da Conservatória do Registo Predial junta com a relação de bens e que tem a data de emissão de 15-01-2013 menciona como valor patrimonial o valor de €155.040,00. Por conseguinte, a pretensão da requerente não correspondia à sanação de um erro do cabeça-de-casal – como sub-repticiamente foi alegado – na indicação do valor patrimonial do bem – porque essa indicação estava afinal correcta – mas à substituição do valor patrimonial apurado à data da relação de bens pelo valor patrimonial apurado apenas dois anos depois, situação que não tem cobertura na lei processual e que só podia ter sido suscitada na conferência de interessados através da reclamação prevista no artigo 1362.º do Código de Processo Civil. Todavia, certa ou errada, a decisão de alterar o valor pelo qual o bem imóvel se devia considerar relacionado no inventário foi proferida. Não tendo essa decisão sido impugnada em momento algum, designadamente no âmbito do presente recurso ou em sede de resposta ao mesmo através da ampliação do objecto do recurso, a mesma transitou em julgado e tornou-se obrigatória no processo, não podendo esta Relação modificá-la. Mas sendo assim a resposta à outra questão parece incontornável. Com efeito, o mecanismo previsto no artigo 1406.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, consiste apenas na faculdade concedida ao cônjuge do executado de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação. Ao requerente do inventário apenas é conferido o direito de escolher os bens, ou seja, de seleccionar entre os que constam da relação de bens aqueles que deseja que integrem a sua meação e passem a pertencer-lhe exclusivamente a si, deixando de poderem ser executados para satisfação das dívidas do cônjuge que motivaram a penhora dos bens comuns. Não se trata, portanto, do direito de definir o valor pelo qual pretende que os bens integrem a sua meação. Nem tão-pouco de uma espécie de licitação em que só entrasse esse cônjuge e em que lhe coubesse a faculdade de estabelecer ele mesmo o valor pelo qual os bens integrarão a sua meação. O inventário para separação de meações seguia os termos do processo de inventário comum (artigo 1406.º que remetia para o artigo 1404.º, n.º 3, que por sua vez mandava aplicar o regime comum das secções anteriores). Por conseguinte, qualquer dos cônjuges podia reclamar contra o valor atribuído aos bens na relação de bens, por defeito ou por excesso (artigo 1362.º do Código de Processo Civil), na conferência de interessados eles podiam deliberar, por unanimidade, sobre o valor pelo qual os bens deviam ser computados (artigo 1362.º, n.º 2), e, não havendo acordo entre eles, realizar-se-ia a avaliação dos bens (artigo 1362.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). No inventário para separação de meações, o único aspecto que havia de especial era o direito do cônjuge do executado de escolher os bens com que devia ser composta a sua meação. Feita essa escolha, os credores podiam opor-se a ela, fundamentando a sua queixa, designadamente sustentando que a escolha feita excedia o necessário para a composição da meação (como aqui sucedeu já que a requerente escolheu para si a totalidade dos bens) ou que a escolha deixava de fora apenas bens sem valor venal de forma a prejudicar o exercício do seu direito de crédito (artigo 1406.º do Código de Processo Civil). Daqui resultava, portanto, que a escolha feita pelo cônjuge requerente só compreendia os bens, não o valor pelo qual eles devem ser computados. Feita a escolha, os bens escolhidos eram computados necessariamente pelo valor da avaliação indicada na relação de bens, excepto se tivesse havido reclamação contra esse valor, por defeito ou por excesso, e/ou tivesse havido lugar à avaliação dos bens (por falta de acordo dos cônjuges em relação ao valor a atender ou por oposição fundada dos credores) e esta tivesse conduzido à atribuição de outro valor (artigo 1406.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Desse modo, tendo o Mmo. Juiz a quo aceite o requerimento da requerente do inventário para correcção do valor do imóvel indicado na relação de bens e ordenado essa correcção, estava-lhe vedado impedir que a correcção se repercutisse nos actos subsequentes do inventário, designadamente decidir que a requerente do inventário tinha escolhido esse bem para integrar a sua meação por valor diferente daquele e que esse valor tinha de ser mantido apesar da correcção introduzida na relação de bens. Note-se que não se trata de saber se a requerente tinha ou não incorrido em vício de vontade na indicação do valor pelo qual, segundo a acta da conferência de interessados, escolhera esse bem, mas sim de retirar as devidas consequências do facto de essa escolha não compreender qualquer fixação de valor para os bens escolhidos, pelo que a referência ao valor feita na acta era absolutamente irrelevante do ponto de vista processual. Se nenhum dos cônjuges reclamou do valor do bem indicado na relação de bens, a questão do seu valor só podia colocar-se mediante reclamação fundada dos credores contra a escolha dos bens pela requerente do inventário, com fundamento em que o seu valor – valor pelo qual na sequência da escolha feita ele iria integrar a meação da requerente – era superior ao constante da relação de bens. E como essa situação não se colocou nos autos, o bem tinha necessariamente de ser computado pelo valor indicado na relação de bens (rectius, pelo valor patrimonial constante da matriz que devia, legalmente, ser o indicado na relação de bens). Nessa medida, sem necessidade de outras justificações, procede o recurso do primeiro dos despachos impugnados, o qual deve ser revogado, decidindo-se no seu lugar que a correcção do valor na relação de bens determinada judicialmente por despacho não impugnado seja atendida para todos os demais actos processuais do inventário, designadamente, na forma à partilha e no mapa de partilha para efeitos de computação do valor pelo qual o imóvel integrará a meação da requerente do inventário e gerará tornas para o outro interessado. Esta decisão importa a anulação dos actos processos subsequentes a partir do mapa de partilha atenta a necessidade de serem refeitas as contas e determinados os valores de cada meação, dos bens a adjudicar à requerente do inventário e das tornas devidas ao outro interessado. O assim decidido prejudica a apreciação do recurso das demais decisões proferidas nos autos, mais especificamente do despacho sobre o pedido de rectificação do primeiro despacho impugnado, dos despachos sobre a reclamação do mapa de partilha e da sentença de homologação do mapa de partilha anulada. V. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho proferido em 22-11-2016 que determinou que o bem imóvel integraria a meação da requerente do inventário não pelo valor de € 115.290,00 que havia sido decidido que passasse a constar da relação de bens mas pelo valor de 155.040,00€ que havia sido decidido estar incorrectamente indicado na relação de bens. Em conformidade, decidem que o imóvel seja computado pelo valor de 115.290€ para todos os efeitos do inventário, designadamente o despacho determinativo da partilha, e anular os actos processuais prejudicados, ordenando que se elabore novo mapa de partilha introduzindo neste as alterações decorrentes da alteração para esse valor e que depois se sigam os subsequentes actos processuais até final. Não há lugar ao pagamento de custas porque estas seriam da responsabilidade da recorrente (não há vencido; a decisão aproveita-lhe) e ela beneficia de dispensa do pagamento de taxa de justiça, sendo que o recorrido também não efectuou pagamento de taxa de justiça pelo recurso. * Porto, 3 de Dezembro de 2020.Os Juízes Desembargadores Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 586)Francisca Mota Vieira Paulo Dias da Silva [a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas certificadas] |