Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ALUGUER DE VEÍCULO AUTOMÓVEL DEVER DE INFORMAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202511101315/24.8T8VLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas. II - Atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil). III - A parte que impugne a decisão da matéria de facto não pode limitar-se a transcrever os depoimentos e concluir, sem mais, que com base neles se devem alterar determinados pontos factuais, a par disso terá de fazer a sua análise crítica. IV - Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 01/09/2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos, razão pela qual a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado devendo, assim, eliminar-se da fundamentação factual os pontos que neles se contenham meras conclusões. V - A inserção num contrato de aluguer, antes da respetiva assinatura, de uma cláusula de feição manifestamente pré determinada e padronizada, segundo a qual o aderente declara ter lido e aceite os termos do contrato, incluindo as condições gerais, não pode ter o efeito de desvincular o predisponente do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº3 do art.º 5.º do DL 446/85 de 25/10, valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação do julgador. VI - Excluídas as condições gerais de um contrato der aluguer de veículo, o referido contrato deve manter-se em vigor aplicando-se, nessa parte, o regime legal supletivo, nos termos do artigo 9.º, nº 1 do DL nº 446/85, de 25/10 e, concretamente, as normas dos artigos 1043.º e seguintes do CCivil. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 1315/24.8T8VLG.P1-Apelação Origem-Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia-J1 Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Dr. José Nuno Duarte 2º Adjunto Des. Dr. Filipe César Osório 5ª Secção Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO A..., UNIPESSOAL LDA., com sede na Estrada ..., ..., ... Maia, veio propor a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, residente na Alameda ..., Vila Nova de Gaia pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 20.875,20€, acrescida de juros mora vincendos até efetivo e integral pagamento. Alega para o efeito que celebrou com o Réu, a pedido da B..., um contrato de aluguer relativo à viatura Mercedes-Benz ..., matrícula ..-..-IH, contrato esse celebrado por 1 (um) dia, de 04/07/23 a 05/07/23, devendo o veículo ser devolvido até às 20H43 do dia 05/07/23, sendo o pagamento correspondente a esse período assumido pela B.... Acontece que, apesar dos vários avisos (SMSbyMail), o réu devolveu apenas a viatura no dia 12/12/23 sendo o custo diário de 98,91€. Para além disso, no momento do check-in, foram verificados danos na viatura. * Devidamente citado contestou o Réu alegando, no essencial, que a viatura só não foi entregue na data acordado ou poucos dias depois porque a Autora se recusou a recebê-la, além de que os danos que a mesma apresentava aquando da sua entrega não são da sua autoria.* Tendo o processo seguido os seus regulares teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do formalismo legal.* Fixada a matéria de facto pela forma que dos autos consta foi, a final, proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:“Pelo exposto, julga-se a ação procedente e em consequência: • Condena-se o réu a apagar à autora a quantia de: - o 15.825,60€ (quinze mil oitocentos e vinte e cinco euros e sessenta cêntimos), a título de danos patrimoniais pela utilização do veículo, quantia acrescida de I.V.A. e juros de mora à taxa comercial vencidos e vincendos tal como peticionado; - 580,00€ (quinhentos e oitenta euros), a título de danos patrimoniais pelos danos causados no veículo locado, I.V.A. incluído, juros de mora à taxa comercial vencidos e vincendos tal como peticionado; - 696,31€ de juros já vencidos; - Improcedente a matéria de exceção; - Improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé”. * Não se conformando com o assim decidido, veio a Réu interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações com extensas conclusões (CCXCI) que aqui nos abstemos de reproduzir e que, aliás, mais não são do que reprodução, ipsis verbis, do corpo alegatório. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Após os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil. * No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto; c)- decidir em conformidade face à pretendida alteração factual, ou sendo julgada improcedente a pretendida alteração, saber se o tribunal fez ou não uma correta subsunção jurídica dos factos que nos autos se mostraram assentes. * A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOÉ a seguinte a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada: 1) A autora é uma sociedade que se dedica ao aluguer de veículos automóveis ligeiros de passageiros, motociclos e veículos de mercadorias, com e sem condutor, bem como a atividades auxiliares como carsharing, transporte, manuseamento de carga, assistência. 2) A autora celebrou com o réu, a pedido da B..., um contrato de aluguer relativo à viatura Mercedes-Benz ..., matrícula ..-..-IH. 3) O contrato foi celebrado por 1 (um) dia, de 04/07/23 a 05/07/23, devendo o veículo ser devolvido até às 20H43 do dia 05/07/23. 4) O pagamento correspondente a esse período foi assumido pela B..., sendo expressamente indicada a improrrogabilidade do prazo. 5) Apesar dos vários avisos (SMSbyMail), o réu devolveu a viatura no dia 12/12/23. 6) O réu usou a viatura durante 160 dias o veículo, para além do dia contratualizado, sendo o custo diário de 98,91€. 7) No momento do check-in, foram verificados danos na viatura: no pára-choques traseiro e nas jantes traseira e dianteira direitas. 8) Tais danos não existiam quando a viatura foi entregue ao réu. 9) Os danos ocorreram durante o período de utilização pelo réu. 10) O réu declarou ter lido e aceite os termos do contrato, incluindo as condições gerais. 11) A fixação do valor dos danos foi feita com base na tabela de preços afixada nas instalações da autora. 12) Os danos identificados correspondem aos itens “Para-choques Frente/trás” e “Jantes Riscadas”. 13) Os valores dos danos são de: i. 400,00€ – danos no pára-choques com I.V.A. incluído; ii. 90,00€ – jante traseira direita com I.V.A. incluído; iii. 90,00€ – jante dianteira direita com I.V.A. incluído; 14) A autora emitiu a fatura n.º ..., de 19/12/23, no valor total de 20.178,89€, com vencimento imediato, correspondendo a: i. 15.825,60€ – 160 dias extra (à taxa diária de 98,91€, acrescida de I.V.A.); ii. 400,00€ – danos no para-choques; iii. 90,00€ – danos na jante traseira direita; iv. 90,00€ – danos na jante dianteira direita; 15) O réu foi interpelado para pagamento; 16) Ao celebrar o contrato, o réu assumiu tais obrigações, nomeadamente: i. De pagamento do período extra, não coberto pela B...; ii. De devolução do bem sem danos. * Factos não provadosNão se provou que: I. O réu devolveu o veículo no dia 05/07/2023. II. O réu pagou as quantias acima mencionadas. III. O réu só não entregou a viatura no dia 05/07/2023 porque teria direito a seis dias adicionais, conforme lhe foi mencionado pela seguradora, uma vez que se tratava de uma viatura de substituição. IV. A viatura apenas foi entregue no dia 12/12/2023 porque a autora se recusou a receber ou ir buscar a mesma, tendo o réu, por diversas vezes, contactado e deslocado para entregar a viatura, sendo recusada a receção sob a alegação de que teria que pagar um valor que o réu não podia aceitar. V. O réu tentou entregar a viatura poucos dias após a data prevista, ainda em julho de 2023, o que lhe foi recusado. VI. Os arranhões, que eram mínimos e pouco visíveis, já existiam e não foram comunicados pelo réu. VII. Este desconhece quem os causou. VIII. A autora, numa tentativa de enriquecer indevidamente à custa do réu, omite propositadamente factos que não pode desconhecer, fazendo uso manifestamente reprovável do processo, pois sabe que o réu não lhe deve qualquer quantia; IX. A viatura apenas foi entregue em dezembro de 2023 porque a autora se recusou a receber o veículo na data em que o réu quis entregá-lo poucos dias após o término do contrato, tendo o réu informado a sua mãe que se deslocou às instalações da autora, determinando que a viatura ficasse ali, fosse aceite ou não, e fotografando-a para provas. * III- O DIREITOComo supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso prende-se com: a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto. Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões o Réu/apelante abrange, com o recurso interposto, a impugnação da decisão da matéria de facto, não concordando quer com parte dos factos provados quer com os não provados. Vejamos, então, se lhe assiste razão. O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade. Efetivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância. Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[1] De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetividade, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil). Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[2] Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[3] Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos então da bondade das alegações recursivas, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos pretendidos pelo apelante. O ponto 2) dos factos provados tem a seguinte redação: “A autora celebrou com o réu, a pedido da B..., um contrato de aluguer relativo à viatura Mercedes-Benz ..., matrícula ..-..-IH”. Alega o recorrente que o citado ponto factual devia antes ter a seguinte redação: “Provado apenas que o R. levantou a viatura Mercedes Benz ..., matricula ..-..-IH e para o efeito assinou apenas a primeira página do doc. nº 1 junto aos autos na p.i. pela Autora-e que não lhe foram comunicadas nem sequer viu ou teve conhecimento das condições gerais que compõe tal documento”. Para o efeito convoca as suas declarações de parte, os depoimentos das testemunhas BB, CC e ainda o documento nº 1 junto com a petição inicial. O ponto em causa corresponde a alegação constante do artigo 2º da petição inicial. Na sua contestação (cf. artigo 2º da cita peça) o apelante refere expressamente: “Aceita-se o vertido 2º da p.i na parte em que refere que foi assinado um contrato de aluguer da referida viatura com o aqui R.”. Como então dizer que entre as partes não foi celebrado o mencionado contra de aluguer de viatura em questão? É que o apelante não assinou, como alega, apenas o documento nº 1 para o levantamento da viatura com a matrícula ..-..-IH, antes assinou um contrato de aluguer dessa viatura como consta, de forma explícita, do documento em causa. Mas para além, disso, pergunta-se: que outras folhas tinha o apelante que assinar relativamente ao referido contrato para se concluir pela sua celebração? Como resulta do documento nº 1 junto com a petição inicial apenas essa, pois que, as restantes referiam-se às condições gerais do contrato em questão, como aliás, consta do rosto dessa página nº 1 e constantes do seu verso. Questão diferente, que será analisada noutra sede, é se as cláusulas constantes das restantes folhas lhe foram comunicadas e delas o apelante teve conhecimento. * Acresce que a expressão “Nem sequer viu ou teve conhecimento das condições gerais”-aproxima-se de uma conclusão ou inferência, porque exprime um juízo de conhecimento ou consciência do sujeito (estado interno).* Diante do exposto deve o citado ponto factual continuar a constar da resenha dos factos provados com a mesma redação.* O ponto 3) dos factos provados tem a seguinte redação:“O contrato foi celebrado por 1 (um) dia, de 04/07/23 a 05/07/23, devendo o veículo ser devolvido até às 20H43 do dia 05/07/23”. Propugna o apelante que o citado ponto devia antes ter a seguinte redação: “Provado apenas que inicialmente estava previsto o uso da viatura por um dia”. Para o efeito convoca novamente as suas declarações de parte. Acontece que, no rosto do contrato que o apelante assinou consta, sem margem para qualquer dúvida, que a viatura em questão devia ser entregue no dia 05/07/2023. Portanto, tal como consta do contrato, era essa a data da entrega da viatura, razão pela se não divisa a propugnada alteração da redação do ponto em questão, sendo que, a eventual alteração dessa data será analisada no âmbito da impugnação do ponto III dos factos não provados. * Nestes termos, deve também o ponto em questão continuar a constar dos factos provados com a mesma redação.* O ponto 4) dos factos provados tem a seguinte redação:“O pagamento correspondente a esse período foi assumido pela B..., sendo expressamente indicada a improrrogabilidade do prazo”. Alega o apelante que o citado ponto factual deve ter antes a seguinte redação: “O pagamento correspondente a esse período foi assumido pela B...”. Para o efeito convoca novamente as suas declarações que, diga-se, sob este conspecto são de todo irrelevantes porque não corroboradas por qualquer outro meio probatório constante dos autos. Com efeito, como resulta do documento nº 2 junto com a contestação (enviado pela B... para a Autora/apelada) nele se refere expressamente, depois de aí se ter consignado que o aluguer da viatura era apena de um dia, que: “Este aluguer não está sujeito a Prolongamento sem o aval dos nossos serviços”. Como então não se afirmar que que havia improrrogabilidade do citado prazo de um dia? * Como assim, deve também o citado ponto continuar no elenco dos factos provados com a mesma redação.* O ponto 5) dos factos provados tem a seguinte redação:“Apesar dos vários avisos (SMSbyMail), o réu devolveu a viatura no dia 12/12/23”. Alega o apelante que o citado ponto devia ter apenas a seguinte redação: “Provado apenas que o Réu entregou a viatura a 12.12.2023”. Mas qual a relevância da referida impugnação? A resposta é simples: nenhuma. O facto nuclear que serve de fundamento a ação é apenas a não entrega da viatura na data acordada, sendo uma excrescência e sem qualquer efeito útil a primeira parte do ponto factual em questão. Questão diferente será se existia ou não fundamento para a referida entrega para além do prazo acordado, questão que será analisada a propósito da impugnação dos factos não provados e, em concreto, o seu ponto IV. * Isto dito e atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil).Como refere Abrantes Geraldes,[4] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”. Bem pode dizer-se, pois, que a impugnação da decisão sobre matéria de facto, neste conspecto, é mera manifestação de “inconsequente inconformismo”[5], razão pela qual nos abstemos de reapreciar relativamente ao ponto em questão.[6] * Mas ainda que assim não fosse, importa sopesar como se segue.O tribunal recorrido na motivação da decisão da matéria de facto discorreu do seguinte modo: “A Convicção do Tribunal assentou na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos, tendo em linha de conta as regras da experiência comum, como se expõe. A factualidade descrita nos pontos 1) a 16) dos factos provados decorre dos testemunhos de CC, de BB e de DD, testemunhos que, ao contrário das declarações de parte do réu e da testemunha por si arrolada, se mostraram credíveis e verosímeis. Valoram-se conjuntamente os documentos juntos com a petição inicial, como sejam, o contrato de aluguer (documento 1), a requisição (documento 2), os emails (documento 3), as fotografias (documento 4), a tabela de preços (documento 5), a fatura (documento 6) e carta (documento 7). Tudo para concluir que, a pedido efetivamente de entidade terceira, foi celebrado um contrato entre autora e réu, nos termos apurados, contrato esse com a duração de um dia – o que se confirma pelo teor do contrato (duplicado) na campo de preenchimento Check-out em 04/07/2023 22:08 e check-in previsto em 05/07/2023 20:43, o que vai de encontra ao exposto e explicado pelas testemunhas CC e BB. O contrato é composto de frente e verso, mostrando-se que o réu o assinou e teve conhecimento do mesmo na sua totalidade. A sua versão dos factos é contrariada pela prova que se valora, assim como não encontra sustentação probatória. A posição do réu e as suas declarações carecem de sentido lógico quando afirma que julgara ter havido uma prorrogação do prazo por seis, comunicado pela seguradora, quando na verdade inexiste qualquer evidenciação dessa factualidade. Acresce que a entrega do veículo no dia 12/12/2023, quando o devia ter sido no dia 05/07/2023, é incompatível com uma atuação diligente e moldada pela ideia de que beneficiaria de mais seis dias para usar a viatura. A ser verdade, o réu teria entregue o veículo no dia em que achava ser o dia correto e diligenciaria junto da seguradora e da autora para acertar qualquer equívoco. O réu sabia que o aluguer da viatura foi apenas por um dia e não por seis, assim como sabe que excedeu em larga medida o contratado, devendo pagar o respetivo monetário. Quantitativo diário o apurado. É da experiência comum base da vivência em comunidade que o veículo não ficaria em seu poder a custo zero por mais de um dia que fosse. Surge então uma versão dos factos em nada credível e em nada sustentada. O testemunho de EE, mãe do réu, não se mostrou espontâneo, nem verosímil, ficando afetada a sua credibilidade. Reforça-se a motivação que se expende com o testemunho de DD que se evidenciou escorreito e espontâneo. Chegamos desta feita à não demonstração dos factos não provados. Factos que não obtiveram prova certa e que são contrariados pela prova que se valora positivamente. Nada mais assume relevo que mereça palavra em particular”. * Para a alteração pretendida no ponto em questão o apelante convoca as suas declarações de parte e ainda o depoimento da testemunha EE, sua mãe.Todavia e sob este conspecto limitou-se a indicar as passagens da gravação quer das suas declarações de parte quer do depoimento da sua mãe. Acontece que, isso não basta. A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios. É exatamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos). Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”! Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detetada. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório. Na verdade, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento. O que se pretende que a parte faça? Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar. A razão pela qual se afirma que a parte deve produzir uma análise crítica mínima é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz. Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal. Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver. Não basta, pois, identificar meios de prova e dizer-se que os mesmos deviam ter sido valorados em certo sentido e em detrimento daqueles que o tribunal valorou. * O ponto 6) dos factos provados tem a seguinte redação:“O réu usou a viatura durante 160 dias o veículo, para além do dia contratualizado, sendo o custo diário de 98,91€”. Pretende o apelante que o citado ponto passe a ter a seguinte redação: “A viatura esteve na posse do R durante 160 dias porque a autora recusou-se a aceitar a viatura alegando que só aceitaria se pagasse um valor exorbitante que o R não dispunha”. Para a alteração pretendida o apelante convoca novamente as suas declarações de parte e ainda o depoimento da testemunha EE, sua mãe. Acontece que, também em relação a este segmento impugnatório o apelante se limitou a indicar as passagens da gravação. Como assim, valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas considerações feitas a propósito do ponto 5). * Deve, assim, o citado ponto continuar a constar dos factos provados com a mesma redação.* Pretende também o apelante a alteração dos pontos ponto 7), 8) e 9) dos factos provados, alegando que estes dois últimos deviam ser dados como não provados.Ora, também em relação aos referidos pontos e para o efeito pretendido convoca o apelante as a suas declarações de parte limitando-se a indicar as passagens da gravação, sendo que, em relação ao ponto 8) faz alusão aos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em tribunal, mas sem indicar sequer as passagens da gravação, nem fazer qualquer transcrição desses depoimentos. Portanto, valem também aqui, as mesmas considerações feitas na impugnação do ponto 5º) dos factos provados. * O ponto 10) dos factos provados tem a seguinte redação:“O réu declarou ter lido e aceite os termos do contrato, incluindo as condições gerais”. Pretende o apelante que o citado ponto devia ser dado como não provado. Para esse fim convoca as suas declarações de parte, os depoimentos das testemunhas BB, CC e ainda o documento nº 1 junto com a petição inicial. Como consta do contrato junto como doc. 1 com a petição inicial, dúvidas não existem de que Réu apôs aí a sua assinatura e, a antecede-la, consta a referida declaração vertido no ponto 10) dos factos provados. Como então não dar como provado esse facto? Para além disso, nem dos depoimentos das indicadas testemunhas nem das suas declarações de parte se retira que tal declaração não consta do citado contrato, pois que, as duas indicadas testemunhas limitaram-se a indicar o tempo que demorava a assinar um contrato de aluguer de veículo que, aliás, nem sequer são coincidentes e, nas suas declarações de parte, o apelante apenas afirma que conhece a folha do contrato onde consta a sua assinatura. * Por conseguinte deve o citado ponto continuar a constar dos factos provados.* O ponto 13) dos factos provados tem a seguinte redação:“Os valores dos danos são de: i. 400,00€ – danos no para-choques com I.V.A. incluído; ii. 90,00€ – jante traseira direita com I.V.A. incluído; iii. 90,00€ – jante dianteira direita com I.V.A. incluído”. Alega o apelante que o citado ponto devia ser dado como não provado. Convoca para o efeito as suas declarações de parte mais alegando que o teor dos documentos 5 e 6 que a Autora juntou com a p.i de onde resultam os valores que constam da sentença, por si só não comprovam que os valores dos danos sejam os aí constantes, pois que não foram corroborados por mais nenhuma prova. No que se refere às suas declarações, onde o apelante se limita a indicar as passagens da gravação, valem aqui as mesmas considerações que supra se teceram a propósito da impugnação do ponto 5). Quanto ao mais apenas se dirá que a Autora apelante junto dois documentos para prova do que alegou e dos quais resultam, efetivamente, os valores por si despendidos no arranjo dos danos que a viatura apresentava aquando da sua entrega, valores em relação aos quais foi emitida a respetiva fatura. Ora, esses meios probatórios não foram infirmados por quaisquer outros que constem dos autos, nem eles tinham, ao contrário do que afirma o apelante, que ser corroborados por mais nenhuma prova. * Deve, por isso, o mencionado facto continuar a constar da resenha dos factos provados.* Os pontos 15) e 16) dos factos provados têm, respetivamente, a seguinte redação:“O réu foi interpelado para pagamento”; “Ao celebrar o contrato, o réu assumiu tais obrigações, nomeadamente: i. De pagamento do período extra, não coberto pela B...; ii. De devolução do bem sem danos”. Alega o apelante que os citados pontos devem ser dados como não provados. Ora, quer um quer outro dos apontados factos encerram em si meras conclusões e não factos. Analisando. A “interpelação” é um conceito jurídico-previsto no artigo 805.º do Código Civil- que designa o ato através do qual o credor dá conhecimento ao devedor de que pretende o cumprimento da obrigação. Assim, dizer apenas “foi interpelado para pagamento” já implica uma qualificação jurídica de um facto (ou conjunto de factos), e não a descrição objetiva do que efetivamente ocorreu. Esta formulação não revela como, por quem, quando nem por que meio o réu foi interpelado, logo, o tribunal, ao dar como provado o apontado facto, estaria a presumir uma conclusão jurídica (que houve uma interpelação válida e eficaz) sem base factual explícita. Analisemos agora o ponto 16). “Ao celebrar o contrato, o réu assumiu tais obrigações”. Esta é uma afirmação de natureza conclusiva, porque contém um juízo jurídico: a ideia de que o réu “assumiu obrigações” resulta da interpretação do contrato e da qualificação jurídica do comportamento das partes, não de um facto concreto. O tribunal, ao elaborar a decisão de facto, não deve afirmar que alguém “assumiu uma obrigação”, deve limitar-se a constatar o que foi dito, assinado, entregue, acordado ou praticado. A assunção de obrigações é uma consequência jurídica desses factos, que pertence à fundamentação de direito, não à factualidade. * O artigo 607.º, nº 4 do CPCivil[7] dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, nº 4 do CPCivil, previa, ainda, que: têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”. Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito. Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão. Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (artigo 607.º, nº 3 do CPCivil) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (artigo 607.º, nº 4). Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência“[8]. Antunes Varela considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito“[9]. Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos. * Como assim, eliminam-se da fundamentação factual os indicados pontos.* O ponto III dos factos não provados tem a seguinte redação:“O réu só não entregou a viatura no dia 05/07/2023 porque teria direito a seis dias adicionais, conforme lhe foi mencionado pela seguradora, uma vez que se tratava de uma viatura de substituição.” Propugna o apelante que o citado ponto devia ser dado como provado. Para efeito socorre-se novamente quer das suas declarações de parte quer do depoimento da testemunha EE, sua mãe, para concluir que houve erro de julgamento, mas também aqui indica apenas as passagens da gravação. Nestes termos remetemos de novo para o que acima se escreveu a propósito da impugnação do ponto 5) dos factos provados e, como tal, deve o apontado facto continuar a constar do elenco dos factos não provados. * E o mesmo se diga em relação aos pontos IV, e V, e IX da resenha dos não provados, pois que, também em relação a eles, o apelante se limita a indicar as passagens da gravação quer das suas declarações de parte quer do depoimento da sua mãe para depois concluir que houve erro de julgamento.* O ponto VI e VII do elenco dos factos não provados têm, respetivamente, a seguinte redação:“Os arranhões, que eram mínimos e pouco visíveis, já existiam e não foram comunicados pelo réu”; “Este desconhece quem os causou”. Alega o apelante que, em relação ao ponto VI devia ser dado como provado o seguinte: “Os arranhões, que eram mínimos e pouco visíveis, já existiam.” Quanto ao ponto VII devia ser dado como provado. Para a pretendida alteração fez novo apelo às suas declarações de parte, mas também aqui a limitar-se a indicar apenas as passagens da gravação e, portanto, sem qualquer efeito útil como já foi abundantemente suprarreferido. Para além disso trás de novo à liça o documento nº 4 e o depoimento das restantes testemunhas ouvidas. Ora, sob este conspecto valem também de novo as considerações que acima já vertemos a propósito da impugnação dos pontos 8) e 13) dos factos provados. * Como assim, temos de convir, salva outra e melhor opinião, que as discordâncias que o apelante convoca para que se imponha uma decisão diversa sobre a impugnação da matéria de facto em causa, não são de molde a sustentar a tese que vem por ele expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter o M.º juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem.Numa apreciação distante, objetiva e desinteressada esta é a única conclusão lícita a retirar, refletindo a fundamentação dos factos os meios probatórios trazidos aos autos que não podiam conduzir a conclusão diversa, que sempre teria de ser alicerçada em certezas e sem margem para quaisquer dúvidas. Conclui-se, por isso, que o tribunal recorrido de forma fundamentada, fez uma análise crítica e ponderada todos os meios probatórios, e, reavaliada essa prova, apenas haverá que sufragar tal decisão. Improcedem, assim em parte, as conclusões XCIV a CCXCI formuladas pelo apelante. * Permanecendo inalterada a fundamentação factual exceto no que diz respeito à eliminação dos pontos 15) e 16) dos factos provados, cumpre agora analisar as restantes questões postas no recurso.* 1- A questão da nulidade do contratoNas conclusões XLVI a LXXXVII alega o apelante a nulidade do contrato, decorrente de as cláusulas contratuais gerais que dele constam nunca lhe terem sido lidas ou comunicadas e explicadas e, portanto, nunca foram cumpridos tais deveres. Dúvidas não existem de que face ao teor das cláusulas contratuais gerais inseridas no doc. nº 1 junto com a petição inicial, estamos diante de um contrato de aluguer de viatura padronizado e, como tal, o contrato em litígio têm de considerar-se como contrato de adesão, sujeito ao regime legal do DL 446/85 de 25/10-e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos. Os artigos 5.º e 6.º do citado Dec. Lei prescrevem obrigações de comunicação e de informação e esclarecimento nos seguintes termos: Artigo 5.º 1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. Comunicação 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. Artigo 6.º 1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. Dever de informação 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados. Ora, só o cabal cumprimento desses deveres pelo predisponente permite afirmar que foi bem formada a vontade do aderente ao contrato, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação. Como explica o Professor Joaquim de Sousa Ribeiro[10] “a comunicação do conteúdo, condição da sua cognoscibilidade, torna-se, assim, indispensável para que, através da aceitação, as ccg ganhem existência, no quadro de um concreto contrato” e, mais adiante, «A qualificação contratual das ccg transformar-se-ia numa pura declaração retórica sem qualquer correspondência real, se o aderente ficasse vinculado a cláusulas que nem sequer tinha tido oportunidade de conhecer”. A consequência do não cumprimento dessa obrigação é a exclusão das cláusulas do contrato singular que foi celebrado, nos termos previstos no artigo 8.º, alíneas a) e b), do citado diploma legal, ou seja, é como se não fizessem parte do contrato. Também dúvidas não subsistem de que que a prova da comunicação (efetiva, adequada e esclarecedora) e da informação ao aderente a que se reportam os incisos supratranscritos, cabe ao contraente que submete àquele as respetivas cláusulas contratuais gerais, sendo que, subsiste o ónus, por aquele que se quer valer da violação dos deveres consignados nos preditos normativos, da alegação de factualidade donde flua tal infração.[11] No caso em apreço o Réu apelante cumpriu, de forma satisfatória, o referido ónus face à alegação que consta dos artigos 11º e 12º da contestação.[12] E o que dizer em relação à Autora apelada? Vem provado nos autos que “O réu declarou ter lido e aceite os termos do contrato, incluindo as condições gerais”[cf. ponto 10) dos factos provados]. O referido ponto factual corresponde à primeira parte de uma cláusula inserida antes da assinatura do contrato. Ora, a referida declaração não pode ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstração do cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº 3 do art.º 5º do já citado DL446/85. Na verdade, este tipo de cláusulas estão absolutamente proscritas em sede de contratos em que intervenham consumidores finais (como era o caso), nos termos do art.º 21º, al. g) da LCCG, não podendo, pois, atribuir-se-lhe como efeito a desvinculação do ónus da prova, imposto ao aderente pela norma imperativa constante do referido art.º 5.º, nº 3– ou seja, a tal cláusula pré determinada e padronizada não pode, por força do princípio da boa fé e da imperatividade do regime de repartição do ónus da prova, no que toca ao dever de informação, atribuir-se o efeito de fazer presumir automaticamente o cumprimento do dever de informação que recai legalmente sobre o aderente, passando consequentemente a incidir sobre a contraparte a prova do contrário. É que essa solução constituiria um modo ínvio de afastar, afinal, a regra imperativa proclamada pelo nº 3 do art.º 5º da LCCG em sede de repartição do ónus da prova entre o aderente e a contraparte. Diante do exposto torna-se evidente que devem ter-se por excluídas do contrato em questão todas as condições gerais constantes do verso do mesmo. Acontece que, a exclusão das referidas cláusulas não torna, como parece entender o apelante, o contrato nulo. Preceitua o artigo o art.º 9.º do DL 446/85 que: 1. Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos. 2. Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. Como afirmam Almeida Costa e Menezes Cordeiro[13], em princípio, a invalidade de determinadas cláusulas incluídas em contratos singulares ditaria a não subsistência destes, exceto quando se pudesse operar com o instituto da redução; ele implica a manutenção do negócio sem a parte viciada (art.º 292.º do CCivil). Atento aos valores em apreço e com o escopo de não prejudicar o aderente às cláusulas contratuais gerais, optou o legislador pela manutenção dos contratos singulares atingidos. Na parte afetada, devem vigorar, então, as normas supletivas afastadas pelas cláusulas contratuais gerais e, sempre que necessário, com recurso aos critérios genéricos (art.º 239.º do CCivil) e específicos de integração dos negócios jurídicos. Assim, em princípio e porque, em regra, é do interesse do aderente, não a invalidade total do contrato, mas a sua manutenção[14], aplicam-se as disposições supletivas inseridas no regime próprio dos negócios típicos, diretamente ou por analogia e, caso estas não existam ou, sejam inadequadas, as regras da chamada interpretação complementadora.[15] O citado preceito remete, pois, nesta última situação para o disposto no art.º 239.º do CCivil, onde se preceitua que, na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando seja outra a solução por eles imposta. Afirma Moitinho de Almeida[16] que a interpretação complementadora tem, assim, lugar quando ao contrato faltem as disposições necessárias, resultado de cláusulas insuficientes ou que não tenham sido incluídas ou julgadas abusivas. Não intervém quando existam normas supletivas adequadas e é de afastar quando a supressão de uma cláusula não conduza a solução injusta, tendo em conta os interesses típicos subjacentes das partes. Acrescenta o mesmo Autor que o art.º 239.º do CCivil manda ter em conta na integração do contrato a vontade presumível das partes ou os princípios da boa fé quando outra seja a solução por eles imposta. Essa vontade não assenta no que uma ou outra das partes tenha na realidade querido; é uma vontade hipotética, de conteúdo normativo e que corresponde ao que ambas agindo honestamente desejariam como uma equitativa composição dos interesses em causa, se tivessem contemplado o ponto em questão. A única exigência a respeitar pelo julgador é a de encontrar uma regulamentação equitativa de acordo com a boa fé. Por outro lado, como se afirma no Acórdão do STJ de 18/12/2008[17], desde que existam os elementos essenciais típicos do negócio em causa, será quase sempre possível a sua manutenção, com a concomitante integração complementadora. Assim, a regra da nulidade do nº 2 do art.º 9.º, por impossibilidade de integração do contrato, afastadas que forem as cláusulas gerais, será de aplicação excecional, verificando-se apenas quando não se puder de todo fixar os seus elementos essenciais. Isto dito, torna-se evidente que contrato de aluguer de viatura celebrado entre as partes pode subsistir mesmo com exclusão das citadas condições gerais constantes do verso do mesmo, vigorando, na parte afetada, as normas supletivas aplicáveis, pois que, não se encontra verificada a factie species do nº 2 do supratranscrito artigo 9.º. Determinada a exclusão das referidas cláusulas, cumpre aferir o regime jurídico aplicável para suprir a lacuna daí resultante e, parta tal, devemos recorrer às normas supletivas do Código Civil. Assim: Em matéria de responsabilidade por danos no veículo, aplica-se o regime geral dos artigos 798.º e 799.º do Código Civil, presumindo-se a culpa do locatário na deterioração ou perda do bem locado, incumbindo-lhe a prova de que o cumprimento defeituoso não lhe é imputável. Quanto ao dever de restituição do veículo, rege o artigo 1043.º, nº 1 do Código Civil, que impõe a devolução da coisa no estado em que foi recebida, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo inciso, presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega. Na que se refere à perda ou deterioração da coisa rege o artigo 1044.º do mesmo diploma legal que estatui que o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não excetuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida (cf. nº 1 do artigo 1045.º do CCivil). Em qualquer caso, a execução do contrato deve conformar-se com os princípios da boa fé e da diligência de um bom pai de família, previstos no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, e com a regra interpretativa do artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, segundo a qual as cláusulas ambíguas devem ser interpretadas no sentido mais favorável ao aderente. Conclui-se, portanto, que a exclusão das cláusulas não comunicadas não determina a nulidade do contrato, mas apenas a sua integração pelo regime supletivo do direito comum, assegurando-se, deste modo, o equilíbrio contratual e a tutela do princípio da boa fé. * Improcedem, desta forma, as conclusões XLVI a LXXXVII, formuladas pelo apelante.* 2- A questão da nulidade do contrato por falta de assinatura.Nas conclusões XC a XCII alega o apelante que o contrato de aluguer é nulo por falta da sua assinatura. É verdade que nos termos do disposto no nº 1 do artigo 17.º do DL n.º 354/86, de 23 de outubro, o contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor é obrigatoriamente reduzido a escrito. Portanto, para a validade do referido contrato, é necessário que o contrato revista a forma escrita, consubstanciando desse modo uma formalidade ad substantiam, sem o que o negócio jurídico não chega a constituir-se.[18] A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, a não ser que outra sanção esteja especialmente consagrada na lei (art.º 220.º do CCivil). Assim, por regra, a inobservância da forma legal tem como consequência a nulidade da declaração negocial. Acontece que, ao contrário do que refere o apelante, o contrato de aluguer celebrado entre apelante e apelada encontra-se assinado por ambas as partes, como se extrai do doc. nº 1 junto com a petição inicial. Assinatura que, aliás, o apelante aceita no artigo 2º da contestação, como noutro passo já se referiu, razão pela qual se não divisa o fundamento do ora alegado. * Improcedem, assim, as conclusões XC a XCII formuladas pelo apelante.* Aqui chegados torna-se evidente que não tendo o Réu/apelante procedido à devolução do veículo em questão, findo o período que estava estipulado no contrato, está adstrito a pagar o custo diário pelo uso do mesmo até ao momento em que ocorreu a sua entrega, sendo que, provado ficou, que o réu usou a viatura durante 160 dias, para além do dia contratualizado, sendo o custo diário de 98,91€ (cf. artigo 1045.º, nº 1 do CCivil), pois que, o Réu não provou como lhe competia (artigo 342.º, nº 2 do CCivil) a matéria excetiva que a este respeito alegou constante dos pontos III, IV e V da resenha dos factos não provados que, em retas contas, tudo se passa como nem sequer tivesse sido alegada. Para além disso terá também de suportar o pagamento dos valores necessários à reparação do veículo por o mesmo apresentar danos que não tinha quando lhe foi entregue [cf. artigo 1044.º do CCivil e pontos 7) a 9) dos factos provados]. * Porém, já no que diz respeito a condenação do Réu/apelante nos juros moratórios não pode subsistir o decidido.Com efeito, tendo sido eliminado o ponto 15) do elenco dos factos provados (interpelação para pagamento), a mora do Réu apenas se verificou com a citação para a ação (cf. artigo 805.º, nº 1 do CCivil). * IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revogando, em parte a decisão recorrida, condena-se o réu a apagar à autora: a)- a quantia de 15.825,60€ (quinze mil oitocentos e vinte e cinco euros e sessenta cêntimos), a título de danos patrimoniais pela utilização do veículo, quantia acrescida de I.V.A. e de juros de mora à taxa comercial a contar da citação do Réu para a ação até efetivo e integral pagamento; b)- a quantia de 580,00€ (quinhentos e oitenta euros), a título de danos patrimoniais pelos danos causados no veículo locado, I.V.A. incluído, acrescida juros de mora à taxa comercial a contar da citação do Réu para a ação até efetivo e integral pagamento. * Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).* Porto, 10 de novembro de 2025.Manuel Domingos Fernandes José Nuno Duarte Filipe César Osório _________________ [1] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 348. [2] Cf. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1. S1, disponível em www.dgsi.pt. [3] Cf. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt. [4] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e atualizada pág. 297. [5] A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”; Almedina, 5.ª edição, 169. [6] Importa lembrar que no preâmbulo do Dec. Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro (pelo qual foi introduzido o segundo grau de jurisdição em matéria de facto) o legislador fez constar que um dos objetivos propostos era “facultar às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais (…) erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito (…)” (negrito e sublinhados nossos). [7] No que diz respeito aos factos conclusivos cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º CPCivil aplicáveis ex vi artigo 663.º, nº 2 do mesmo diploma legal. [8] José Lebre de Freitas e A. Montalvão Machado, Rui Pinto Código de Processo Civil–Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 606. [9] Antunes Varela, J. M. Bezerra, Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Lda. 1985, pág. 648. [10] In O Problema do Contrato-As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Coleção Teses, Almedina, pág. 378-379. [11]Como assinala Luís Filipe Pires de Sousa- Direito Probatório Material Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2021, páginas 26-27- em face do que decorre destes normativos, “recai sobre o proponente o dever de comunicação do teor das cláusulas, bem como o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva, acrescendo o dever de informação sobre os aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1.6.2010, João Camilo, 600/05, de 30.3.2017, João Trindade, 4267/12). Sem embargo, cabe ao aderente invocar a violação/preterição desses deveres por parte do proponente (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.2010, Bettencourt de Faria, 5611/03, de 21.10.2010, Lázaro Faria, 3214/06, de 28.9.2017, Tomé Gomes, 580/13, de 2.11.2017, Isabel Pereira, 620/09). Previamente à demonstração a que os ónus da prova previstos no DL nº 446/85, de 25-10, se reportam, tem de haver a demonstração, a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais, de que se está em terreno próprio destas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.2010, João Bernardo, 806/05)” [12] São do seguinte teor os referidos artigos: 11º Quanto ao alegado em 13º da p.i., o R. nunca assinou ou teve conhecimento da folha 2–do doc. nº 1-condições gerais, como sendo as do verso do contrato firmado com o R., ou seja não teve conhecimento das mesmas sendo que no verso do contrato que assinou não existiam tais clausulas, pelo que vai o mesmo impugnado. 12º Nunca nada do que está nesse documento lhe foi transmitido ou dele teve conhecimento, aliás conforme resulta do mesmo uma vez que em local algum se encontra assinado. Pelo que tais clausulas são nulas pois delas não teve o R. conhecimento, nada lhe podendo ser assacado quanto ao vertido nas mesmas uma vez que a elas não se vinculou. [13] In Cláusulas Contratuais Gerais, 28. [14] Cf. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3ª ed. 489. [15] Sobre a razão de ser e sentido desta expressão, cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. I., tomo I, 493 e segs; também Ana Mafalda Miranda Barbosa, O Problema da Integração das Lacunas Contratuais (…), em Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. II, 376 e segs. [16] Contrato de seguro, págs.138 e 139. [17] Consultável em www.dgsi.pt.. [18] Cf. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, pág. 235. |