Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0120955
Nº Convencional: JTRP00032107
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
FIRMA
PRINCÍPIO DA EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RP200112110120955
Data do Acordão: 12/11/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 470/99-2S
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR COM - MAR PATENT / REGISTOS.
Legislação Nacional: DL 129/98 DE 1998/05/13 ART32 ART33 ART60.
CSC86 ART90 ART200 ART275.
Sumário: I - O Registo Nacional de Pessoas Colectivas, ao tomar posição acerca de pedido de revalidação, apercebendo-se que existem duas denominações supostamente obstativas, pode recusar essa revalidação, anulando o direito então ainda em curso, fixado por anterior acto administrativo.
II - Em matéria de firmas, a lei consagra o princípio da novidade ou da exclusividade, exigindo que as firmas sejam distintas e insusceptíveis de confusão ou erro com outra registada ou licenciada no mesmo âmbito de exclusividade.
III - Para aferir da confundibilidade impõe-se uma apreciação do conjunto das firmas relevando o seu núcleo fundamental, em função do homem médio de diligência normal.
IV - As denominações "P.. - Sociedade de Gestão.., S.A." e "P..- Sociedade Gestora.., S.A.", considerando o seu elemento mais impressivo - as siglas - não são susceptíveis de confusão ou erro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Cível (2ª) da Relação do Porto:

I......, SA, com sede no lugar do....., freguesia e concelho da....., requereu junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, em Junho de 1997, que lhe fosse reconhecida, através da emissão do competente certificado, a admissibilidade da denominação P...-SGPS, SA, para efeitos de constituição de uma sociedade anónima.
O Registo Nacional de Pessoas Colectivas certificou a admissibilidade dessa firma, conquanto sob condição da prova do registo da alteração da denominação de uma outra sociedade, P.....-Sociedade Gestora....., SA, para IB....., SA.
Em 1998 a I....., S.A. requereu a revalidação do certificado, o que viu deferido.
Em 20 de Janeiro de 1999 a I....., SA apresentou novo pedido de revalidação do mencionado certificado de admissibilidade. Porém, tal pedido foi indeferido, com o expresso fundamento de que a denominação objecto desse pedido de revalidação era confundível com as denominações já existentes P....- Sociedade de Gestão...., S.A. e P..... - Gabinete de Contabilidade....., Lda.
Inconformada com este indeferimento, a I.....,SA recorreu hierarquicamente para o Director-Geral dos Registos e Notariado. O recurso foi porém indeferido in totum sendo mantido o despacho recorrido.
Contra o assim decidido interpôs a I....., SA recurso contencioso para o tribunal cível da comarca do......
Recebido o recurso, foram notificados para contestar o Director-Geral dos Registos e Notariado e as sociedades cuja denominação foi considerada obstativa da revalidação, P....-Sociedade de Gestão..., S.A. e P...- Gabinete de Contabilidade.., Lda.
O Director-Geral dos Registos e Notariado, através do respectivo substituto, limitou-se a remeter para o aduzido no despacho de sustentação recorrido. A P....-Gabinete de Contabilidade..., LDA, contestou, concluindo pela improcedência do recurso contencioso. A P...- Sociedade de Gestão..., S.A. não apresentou qualquer contestação.
A Mmª juiz da ..ª Vara Cível do..... veio então a proferir sentença, onde decidiu que a denominação visada pela recorrente I....., SA era confundível com a denominação P...- Sociedade de Gestão..., S.A. e não confundível com a denominação P...- Gabinete de Contabilidade..., Lda, razão pela qual manteve e revogou correspectivamente a decisão recorrida.
Inconformada com esta sentença na parte em que julgou existir a falada confundibilidade, contra ela interpôs a I....., SA o presente recurso.
É dele que nos cabe conhecer.
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Não foi apresentada qualquer contra alegação
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir hic et nunc.
Dos Factos:
Mostram-se provadas nos autos as seguintes ocorrências de facto, com interesse para a decisão do recurso:
a) A recorrente requereu junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, em Junho de 1997, que lhe fosse reconhecida, através da emissão do competente certificado, a admissibilidade da denominação P.....-S.G.P.S., S.A., para efeitos de constituição de uma sociedade anónima.
b) O Registo Nacional de Pessoas Colectivas certificou a admissibilidade dessa denominação, conquanto sob condição da prova do registo da alteração da denominação de uma outra sociedade, P... -Sociedade Gestora..., SA, para IB....., S.A..
c) Em 1998 a recorrente requereu a revalidação do certificado, o que viu deferido.
d) Em 20 de Janeiro de 1999 a recorrente apresentou novo pedido de revalidação do mencionado certificado de admissibilidade.
e) Porém, tal pedido foi indeferido, com o fundamento de que a denominação objecto desse pedido de revalidação era confundível com as denominações P...- Sociedade de Gestão..., S.A. e P...- Gabinete de Contabilidade..., Lda.
f) Em 31 de Dezembro de 1985 foi constituída a sociedade “S...., S.A”.;
g) Em 21 de Fevereiro de 1991 esta sociedade alterou a sua denominação para P...- Sociedade Gestora..., S.A..
h) Em 14 de Outubro de 1997 esta denominação foi alterada para IB....., S.A..
i) A denominação P...- Sociedade de Gestão..., S.A. resultou de uma alteração à firma J....., LDA, alteração essa ocorrida em 1 de Outubro de 1982;
j) A denominação P...- Gabinete de Contabilidade..., Lda foi constituída em 12 de Abril de 1989.
Do Direito:
Perante este conjunto de factos, vejamos os fundamentos do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que a recorrente extrai da sua alegação que se determinam o objecto e a extensão do conhecimento deste tribunal ad quem (v. artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, pág 362 e 363 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, pág 299).
E como se vê das conclusões supra extractadas, a recorrente sustenta que, contra o decidido pelo tribunal recorrido, o RNPC não podia, aquando da apreciação do pedido de revalidação do certificado, reapreciar a questão da confundibilidades das denominações. Tendo-o feito, violou um direito adquirido pela recorrente. Por outro lado, a denominação pretendida pela recorrente (P...- Sociedade Gestora..., S.A.) é insusceptível de confusão com a denominação que o tribunal recorrido considerou obstativa, qual seja, a de P...- Sociedade de Gestão..., S.A..
De fora da nossa apreciação está necessariamente pois a questão da confundibilidade entre a denominação pretendida pela recorrente e a de P...- Gabinete de Contabilidade..., Lda, visto que nem o presente recurso tem (ou podia ter, por nessa parte não ter a recorrente ficado vencida) por objecto a bondade da decisão recorrida neste particular, nem nenhum recurso foi interposto atinentemente pela parte legitimada para tanto (a titular da firma obstativa), de sorte que, nesta parte, a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância transitou em julgado.
No que tange à suposta impossibilidade do RNPC reapreciar, aquando da decisão sobre o pedido de revalidação do certificado, a questão da admissibilidade da denominação pretendida pela recorrente, temos por certo que a recorrente carece de razão.
Em breve nota diremos que, sabendo-se que nem todo o acto da Administração tem de ser um acto administrativo, o acto do RNPC que reconhece a um particular a admissibilidade de uma firma ou denominação não representa apenas um acto da Administração, mas bem um autêntico acto administrativo. De facto, um tal acto cai na definição legal (v. artº 120º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL nº 442/91) e doutrinária (V. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1980, I, pág 428) de acto administrativo. Acto de eficácia externa, de natureza permissiva (v. Marcello Caetano, ob cit, pág 459), definitivo (desde que, designadamente por não ter sido impugnado, se traduza numa resolução final) e executório.
Donde, o acto que viu reconhecida à ora recorrente a admissibilidade da denominação em questão traduz-se num verdadeiro acto administrativo, apenas com a particularidade de não se poder ter por executório, pelo facto de ter sido proferido sob a supra aludida condição (v. Marcello Caetano, ob cit, pág 450).
Mas como é sabido e consabido, o acto administrativo não constitui algo de intocável. Pelo contrário, admite a lei que o acto administrativo possa ser destruído por acto posterior, assuma este a natureza de acto revogatório tout court ou de acto de conteúdo diferente ou contrário que substitui o anterior, dispondo para o futuro em termos opostos. Mas esta alteração está na realidade submetida às regras da revogação (v. Marcello Caetano, ob cit, pág 531).
A revogação, seja por ilegalidade, seja por inconveniência, é em geral admitida (v. artº 138º do Código do Procedimento Administrativo). Todavia, quando se trate de actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, a lei geral não admite a revogação (idem, artº 140), conquanto, ainda assim, se admitam excepções.
Temos pois que o acto que reconheceu à recorrente a admissibilidade da denominação pretendida não deixa de ser um acto constitutivo de um direito (sujeito todavia a certa condição e a certo prazo de vigência, sem prejuízo de revalidação). Assim, poder-se-ia ser tentado a defender que tal acto não era susceptível de ser contraditado (rectius revogado ou anulado) por acto posterior do RNPC. No fundo, é isto que sustenta a recorrente, sobressalientando que a revalidação não devia passar de um acto essencialmente burocrático de manutenção da situação jurídica adquirida, nunca podendo potenciar uma reapreciação da questão da confundibilidade de denominação.
Mas julgamos que as coisas não podem ser vistas assim.
É que, sem prejuízo de estarmos perante um acto administrativo efectivamente constitutivo de direitos, nesta matéria temos que nos reger por lei especial, que adopta, compreeensivelmente aliás, soluções específicas (a começar pela circunstância do recurso contencioso ser interposto para os tribunais comuns e não para os administrativos). De facto, quando o pedido de admissibilidade da denominação começou por ser apresentado pela recorrente ao RNPC, vigorava o DL nº 42/89, que estabelecia que o certificado de admissibilidade constituía mera presunção de exclusividade, admitindo-se a declaração de perda do direito à exclusividade (artºs 6º, 79º, nº 1 e 80º), e isto não significa senão que a declaração de admissibilidade atribuía um direito susceptível de ser sempre revisto e anulado (de salientar que essa revisão e anulação não está dependente de qualquer prazo, quer em face do que dispunha o citado DL nº 42/89, quer em face do Código do Procedimento Administrativo). Quando foi apresentado o pedido de segunda revalidação vigorava já o DL nº 129/98 que, de forma até mais impressiva, admite a perda do direito ao uso de denominações, designadamente se se verificar que foram violados os princípios da verdade e da novidade que lhes devem estar subjacentes (artº 60º). E aqui temos de reconhecer como criteriosa a afirmação exarada na sentença recorrida: se o RNPC pode declarar a perda do direito a uma denominação já registada, não se entenderia por que teria que renovar um certificado de admissibilidade de denominação quando verificasse terem sido violados os princípios consagrados nos artºs 32º e 33º desse diploma.
Ora, foi isto que sucedeu in casu. O RNPC, ao tomar posição acerca do pedido de revalidação, apercebeu-se que havia duas denominações supostamente obstativas. Logo, podia, como fez, recusar a revalidação, o que é dizer, anular o direito então ainda em curso, fixado por anterior acto administrativo.
Acresce que o acto de revalidação, se acaso pode resolver-se num acto simples de extensão no tempo de um direito (permissão) já reconhecido, não é propriamente um acto burocrático, tanto que dele cabe recurso em caso de denegação (v. artº 63º, nº 2 c) do DL nº 129/98). Sem embargo, o que dizemos e que nos parece evidente é que desde que o RNPC podia sempre impedir o direito ao uso de uma denominação, também (argumento a fortiori) o podia fazer na altura em que teve de se pronunciar sobre o pedido de revalidação.
Improcedem pois as conclusões a), b), c), h), i) j), k) e l) do recurso.
Apreciemos agora a questão da confundibilidade das denominações P...- Sociedade Gestora..., S.A. e P...- Sociedade de Gestão..., S.A..
Como é sabido e consabido (e dispensamo-nos de grandes considerações sobre a matéria, visto que é questão jurídica que não está senão mais que explanada e debatida na jurisprudência e na doutrina) a firma é um sinal distintivo do comércio (como o são a marca ou o nome ou a insígnia do estabelecimento) e que visa essencialmente distinguir os intervenientes em regime de concorrência (v. Oliveira Ascensão, Col Jur, 1988, 4º, pág 31). A firma é o nome com que o comerciante exerce o comércio, sob que é representado nas suas relações mercantis, desempenhando, na vida comercial, a mesma função que na vida civil pertence ao nome civil do indivíduo (v. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 1º Vol, pág 224 e sgts). Distingue-se normalmente entre firma-nome, firma-denominação e firma mista, consoante a formação da firma se funda em nomes de pessoas, no objecto do comércio a exercer ou em ambas as coisas (v. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, pág 262 e 263). Tomada em sentido amplo a firma abrange também a denominação particular como, de resto, é frequentemente salientado na doutrina e se infere do artº 10º do Código das Sociedades Comerciais.
Em matéria de firmas exige a lei que sejam estas distintas e insusceptíveis de confusão ou erro com outra registada ou licenciada no mesmo âmbito de exclusividade (artºs 33º do DL nº 129/98 e 10º do Código das Sociedades Comerciais). Assim se consagra o chamado princípio da novidade ou do exclusivismo (exclusividade) da firma, fundado aliás em ampla tradição legal (v., vg, os revogados artºs 27º e 162º/7 do Código Comercial).
No juízo sobre a distinção e a insusceptibilidade de confusão ou erro é de considerar, além do mais, o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas (artº 33º, nº 2 do DL nº 129/98). Estas circunstâncias devem ser consideradas, porém, meramente adjuvantes ou instrumentais, não podendo ser vistas como absolutas em si mesmas, pois que o cerne da questão é sempre aferir da confundibilidade. Tais circunstâncias podem ser de todo em todo irrelevantes tanto porque pode não haver a mínima semelhança entre os dizeres das firmas como porque pode haver toda a semelhança. Nestes casos é como que desinteressante estar a analisar essas circunstâncias adjuvantes.
Para aferir da confundibilidade impõe-se uma apreciação do conjunto das firmas, não dos respectivos elementos parcelares (v. Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol II, pág 101). Esta afirmação, contudo, deve ser vista em termos convenientes, importando considerar sempre que o que releva é o núcleo fundamental da firma, não os aditamentos legalmente impostos (vg "Lda", "SA", "Sucessores") ou as indicações genéricas referentes ao tipo de actividade exercida (v. Oliveira Ascensão, Col Jur, cit., pág 30; idem, Direito Comercial, cit., pág 89 e 91; Ac da RL de 4.11.98, Col Jur 1998, 5º, pág 77). A susceptibilidade de confusão, de outro lado, deve ser apurada em função do homem médio e não do técnico do sector, isto é, segundo a opinião de um homem médio de diligência normal (v. Brito Correia, Direito Comercial, 1º Vol., pág 103; Oliveira Ascensão, Col Jur, cit., pág 35; idem, Direito Comercial, cit., pág 103).
Ora, tanto a denominação visada pela recorrente como a pretensamente obstativa se referem a uma firma-denominação: "Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, a da recorrente; "Sociedade de Gestão e Participações, SA" a obstativa. Os respectivos dizeres pretendem dar a conhecer o objecto do comércio a exercer/exercido: gestão de participações sociais e gestão e participações, respectivamente. Acrescem a estes dizeres as siglas (Par..... e Pa....) e a expressão tabelar imposta pelo artº 275º do Cod Comercial (S.A.).
O que, convir-se-á, mais mais sobressai no conjunto das duas denominações são as siglas, os vocábulos "Par..." e "Pa...". Trata-se de palavras que têm uma grafia parcialmete coincidente, mas do ponto de vista fonético são bem distintas. A palavra "Pa...", sendo dissílaba, é acentuada na primeira sílaba (de notar que, contra o que se pode ler do ponto 18º do despacho de sutentação do recurso hierárquico apresentado inicialmente pela recorrente, não é exacto que tal palavra se possa ler também "Pa..."; só uma intolerável corruptela da palavra "Pa..." poderia levar a uma tal pronúncia). A palavra "Par..." é polissílaba (tem três sílabas), sendo acentuada na segunda sílaba. Os restantes dizeres das denominações ("Sociedade Gestora de Participações Sociais" e "Sociedade de Gestão e Participações"), designando genericamente o tipo de comércio, apresentando embora grande similitude, nada têm de impressivo, são como que expressões comuns a qualquer sociedade que exerça o comércio de gestão de participações sociais ou de gestão e participações e não é em atenção a elas que se pode individualizar decisivamente as sociedades que as usem. Os dizeres "S.A." são apêndices legalmente impostos e comuns a toda e qualquer sociedade do tipo das que estão em causa, não possuindo pois relevância distintiva própria.
Parafraseando o que se pode ler de uma sentença proferida no 4º Juízo Cível de Lisboa (sentença de 26 de Maio de 1994, proferida no processo nº 9624, da 2ª Secção), "é facto comummente sabido (e público e notório) que na prática as empresas societárias são conhecidas e referenciadas (identificadas) pelas siglas, expressões de fantasia ou expressões sintetizadas integradoras das respectivas firmas (assim, só a título de breve exemplo, ouve-se falar na "T.....", na "R.....", na "C.....", na "I....", mas pouca gente saberá ou conhecerá a firma completa: "T.. – Clube...,SA", "R...- Equipamentos...,SA", "C...- Cooperativa..., CRL", "I...- Indústrias..., SA", respectivamente".
E já Pinto Furtado (Curso de Direito das Sociedades, pág 203 e 204) salientava, numa altura em que a lei, contrariamente ao que hoje sucede (artºs 200º, nº 1 e 275º, nº 1 do Cod. das Sociedades Comerciais), ainda não previa expressamente que da firma fizesse parte uma sigla, que a sigla constituía uma vulgata da firma, uma composição anagramática da firma ou as suas iniciais, destinada pelo seu uso autónomo e popularizado a obter pronta ou mais eficaz penetração no mercado, podendo a sigla ser entendida como uma denominação de fantasia. E a essencialidade da sigla no contexto da firma levava este autor a dizer que mesmo que a parte restante duma firma ou denominação fosse completamente distinta de outra constante já do registo, não devia ela admitir-se a registo se as siglas em confronto fossem iguais ou tão semelhantes entre si que pudessem induzir em erro.
Temos assim que a sigla, quando exista, quando seja impressiva, não deixa de ser um elemento da maior importância para o efeito de aferir da confundibilidade entre duas denominações.
Ora, a nosso ver, as siglas em presença são o elemento mais impressivo das denominações respectivas, de sorte que é a sobretudo em face delas que se deve resolver a questão. E acontece que essas denominações, analisando desde logo as siglas, não são susceptíveis de confusão ou erro. Obviamente que nesta matéria tudo gira quase sempre à base de uma forte dose de subjectividade, mas a diversidade gráfica e fonética das apontadas siglas faz com que, no conjunto das denominações, a pessoa comum minimamente atenta e sagaz não seja induzida em confusão ou erro, de sorte que é fácil constatar que se trata de entidades diferentes. Nesta base, afigura-se-nos que quer os demais elementos que compõem as denominações em destaque (que, repetimos, se limitam a designar o comércio exercido ou a exercer), quer os elementos adjuvantes indicados no nº 2 do artº 33º do DL nº 129/98 acabam por ter uma relevância meramente marginal para a dilucidação do caso. Tais elementos teriam grande relevância, isso sim, era para um juízo de confundibilidade entre a denominação pretendida pela recorrente e a denominação "P... - Gabinete de Contabilidade..., Lda", por isso que o elemento mais impressivo (a sigla) seria de todo em todo confundível. Porém, curiosamente e a despeito desta evidência, a decisão recorrida não teve dúvidas em julgar inconfundíveis esta denominação e a pretendida pela recorrente. Mesmo segundo um argumento a fortiori se imporia igual conclusão quanto às denominações agora em causa.
Portanto, sem esquecer que o juízo sobre a confundibilidade (ou inconfundibilidade) deve incidir sobre a denominação no seu conjunto, mas também sem esquecer que importa sobretudo atender ao núcleo fundamental da firma (e in casu esse núcleo radica-se nas siglas), afigura-se-nos que as denominações em confronto não são confundíveis.
Procedem pois as conclusões e) e f) do recurso.
Em breve nota e ex abundanti, não deixamos de salientar um pequeno aspecto, a que a recorrente alude com pertinência e que nos parece abonar de alguma maneira a bondade do entendimento que adoptamos, sem embargo de não passar senão de um argumento ajurídico. É que a denominação que a recorrente quer ver como admissível já pertencera, desde 1991, a uma outra sociedade (inicialmente denominada S....., S.A., e ora designada IB....., S.A.), isto numa altura em que a denominação pretensamente obstativa já existia. A despeito disso, a denominação foi pacificamente admitida e vigorou sem controvérsias (sendo aliás de notar, conquanto isso também não tenha qualquer relevância jurídica, que a sociedade P...- Sociedade de Gestão..., S.A nem sequer se apresentou a contestar o recurso interposto para o tribunal recorrido). A própria circunstância da admissibilidade da denominação ter começado por ser reconhecida à recorrente (que, segundo informa, é uma empresa ligada ao grupo empresarial S....., S.A) e até revalidada uma vez, também significa que afinal as semelhanças que nas denominações em presença se possam surpreender estão muito longe de terem a essencialidade que depois, subitamente, se veio a descobrir que tinham.
Deste modo afigura-se-nos que não deve ser mantida a decisão recorrida, antes se impondo propiciar o deferimento do pedido de revalidação, por isso que inexiste a apontada confundibilidade.
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Decisão:
Pelo exposto acordam os juízes desta relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam, na parte impugnada neste recurso, a sentença recorrida e o despacho administrativo sobre que esta incidiu, determinando o deferimento do pedido de revalidação do certificado de admissibilidade para a denominação social "P...- Sociedade Gestora..., S.A.".
Sem custas de recurso.
A condenação da ora recorrente em custas, no tribunal recorrido, perde objecto.
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Porto, 11 de Dezembro de 2001
José Inácio Manso Raínho
Eurico Augusto Ferreira de Seabra
Afonso Moreira Correia