Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5846/22.6T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: SEGURO FACULTATIVO
SEGURO MULTI-RISCOS
RISCOS COBERTOS
COBERTURA DO SEGURO
Nº do Documento: RP202405235846/22.6T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do seguro facultativo, ao invés do que sucede no seguro obrigatório, o terceiro lesado não pode, em princípio, demandar diretamente a seguradora.
II - Apesar de a autora não ter alegado na petição inicial que iniciou negociações directas com a seguradora, se os factos alegados revelam a existência de negociações diretas, entre o lesado e a seguradora, ainda que incipientes, está justificada a demanda directa da 2ª ré-seguradora.
IIII - Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita, primeiro, por cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, depois, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base.
IV - Estando perante um seguro multi-riscos, com uma componente de danos próprios e outra de responsabilidade civil, na vertente de responsabilidade civil extracontratual decorrente da exploração da actividade da 2ª ré, concretamente, a exploração de uma oficina de reparação de veículos a motor, de estações de serviço e garagens, porque a autora perspectivou a possibilidade de responsabilizar a 2ª ré-segurada em termos de responsabilidade contratual, concluímos que o sinistro dos autos não se encontra no âmbito de aplicação das coberturas contratadas no contrato de seguro aqui em causa, não estando, assim, transferida para a 1ª –seguradora a responsabilidade civil contratual da 2ª ré.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 5846/22.6T8MTS.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.RELATÓRIO

1.Nestes autos de ação declarativa comum, que AA, moveu contra A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. E B..., LDA., veio a primeira peticionar a condenação destas ao pagamento da quantia total de 5.067,82€, acrescida dos juros legais de mora a contar da citação  até integral pagamento, dos quais 250,00€ da franquia que suportou; 3.000,00€ a título de indemnização pelo dano de privação do uso; 393,00€, a título de danos patrimoniais relativos aos bens que resultaram destruídos; 674,82€, relativo ao IUC que suportou durante os anos de 2020, 2021 e 2022; bem como, 750,00€, a título de danos não patrimoniais.

2.Fundamentou, em suma, a sua pretensão na ocorrência de um incêndio nas instalações da 2.ª R., segurada da 1.ª R., que provocou a destruição do seu veículo automóvel e dos pertences que dentro do mesmo se encontravam, tendo sido ressarcida parcialmente pela sua seguradora no âmbito de cobertura por danos próprios.

3.Contestando, a 1.ª R. defendeu que o evento danoso não era imputável à 2.ª R., por se tratar de causa acidental, reconhecendo apenas se ter constituído na obrigação de indemnizar a A. no valor da franquia que a seguradora de danos próprios da mesma não suportou.

3.Regularmente citada, a 2.ª R. não apresentou contestação.

4.Foi admitida a ampliação do pedido no valor de 235,26€, correspondente à quantia despendida a título de IUC no ano de 2023.

5.Foi dispensada a audiência prévia.

O objecto do litígio e os temas de prova foram fixados nos termos que se seguem:

“Identificação do objeto do litígio

Em face da posição das partes expressas nos articulados, constitui objeto do presente litígio a pretensão da autora em obter a condenação das rés no pagamento da quantia global de €5.067,82 (cinco mil e sessenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, derivado de danos provocados por incêndio deflagrado nas instalações da segunda ré.

Temas da prova

Tal como a ação se mostra configurada, e nos termos dos art. 596º nº 1 e 597º al. e), ambos do Código do Processo Civil, enunciam-se como temas da prova:1. Saber quais as causas e a origem do incêndio invocado nos autos;2. Saber quais os danos decorrentes desse incêndio para a autora, a sua extensão e respetivo quantum pecuniário;3. Saber os termos acordados entre a primeira ré e a segunda ré no tocante às coberturas previstas no contrato de seguro outorgado entre ambas.

6.Realizou-se audiência de julgamento com observância de todos os trâmites legais e foi  proferida sentença que decidiu  absolver a A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e a B..., LDA. do pedido formulado.

7..Inconformada, a autora interpôs recuso de apelação e concluiu nos termos seguintes :

I – A presente acção improcedente por não provada e em consequência absolveu as Rés do pedido contra as mesmas formulado.

II – Salvo o devido respeito por melhor opinião, a prova produzida nos presentes autos não sustenta a posição doutamente assumida pelo Tribunal “a quo”.

III – O facto provado 5 tem que ser alterado uma vez que  a Autora teve conhecimento do incêndio através de um amigo, não tendo recebido qualquer contacto por parte das Rés, conforme confirmado pelo doc. n.º 18 junto com a petição inicial e pelas declarações prestadas pela Autora e pelo seu marido, BB devendo nessa medida passar a ter a seguinte redacção: “5. No dia 09 de Dezembro de

2019, a A. teve conhecimento do sucedido através de um amigo.”.

IV – O facto provado 12 terá que ser alterado uma vez que é totalmente falso que a Autora não tenha aceite receber a quantia de € 250,00, tendo sim recusado a assinatura do recibo de quitação (doc. n.º 37 junto com a petição inicial), uma vez que teria que dar quitação total, conforme consta do doc. n.º 39 junto com a petição inicial, em que é pedida a alteração do recibo e de acordo com as declarações prestadas pela Autora e pelo seu marido, BB, em sede de audiência de julgamento, devendo nessa medida a passar a ter a seguinte redacção: “12. Em 12/08/2020, a 1ª R. pôs à disposição da A., por modo a ressarci-la dos prejuízos causados pelo incêndio, a quantia de 250,00€, equivalente ao valor da franquia do seu seguro de danos próprios, mediante a condição de a A. assinar um recibo de quitação total relativamente a ambas as Rés, tendo a A. recusado assinar tal recibo.”.

V – O facto provado 9 terá que ser alterado uma vez que este reproduz apenas parcialmente a comunicação de 30/01/2020, sendo que mais importante do que a convicção da B... de que as peritagens em 30/01/2020 já teriam sido feitas, o que se desconhece se era ou não verdade, é a afirmação da B... de que já estava a proceder judicialmente contra a seguradora A... para ressarcimento dos prejuízos sofridos quer por aquela quer pelos seus clientes, o que é totalmente falso, pelo que deve passar a ter a seguinte redacção:

“9. Por email datado de 30/01/2020 a 2ª Ré informou que: «Conforme informação anteriormente prestada, a situação encontra se em fase de resolução ao abrigo da nossa apólice. A informação que neste momento está ao nosso alcance é que a peritagem já foi realizada, somente e infelizmente a semana passada. Assim sendo,

penso que junto da seguradora já consegue solucionar o problema.

Relativamente ao facto de ainda não termos facultado qualquer tipo de informação deve se ao facto a companhia de seguros ainda não se ter pronunciado acerca da situação.

Infelizmente e lamentavelmente já estamos a proceder judicialmente contra a mesma....A sua pretensão é a mesma que a nossa, a resolução urgente de toda esta circunstância que nos tem causado enormes prejuízos.»”

VI – Os factos provados 16 e 17, estes fazem parte integrante da Cláusula 6ª – Âmbito da Cobertura Base - das Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios, não são rubricas autónomas, peloque estes devem ser integrados nessa mesma cláusula, sendo certo ainda que existem outras cláusulas relativas às garantias previstas na apólice de seguro (doc. n.º 3 junto com a contestação da Ré A...) que devem ser incluídas nos factos provados, pelo que os factos provados 15 e 16 devem passar a ter a seguinte redacção:“15. Nas ditas «Condições Gerais», apostas em documento intitulado de «Seguro de Multirriscos Negócios», o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, poder ler-se, sob a menção «Cláusula 3.ª – Cobertura Base»:

«A cobertura base do contrato garante, até ao limite do capital fixado no Quadro I do Anexo às presentes Condições Gerais, ou outro que venha a ser contratado e indicado nas Condições Particulares, o pagamento de indemnizações resultantes diretamente dos seguintes riscos:

1. Incêndio […]

12. Responsabilidade Civil Extracontratual».”

“16. Nas «Condições Gerais», apostas em documento intitulado de «Seguro de Multirriscos Negócios», poder ler-se, sob a menção «Cláusula 6.ª – Âmbito da Cobertura Base»:

«1. INCÊNDIO, QUEDA DE RAIO E EXPLOSÃO ÂMBITO DA GARANTIA

[…]

4. O presente contrato pode ainda garantir facultativamente os bens seguros indicados nas Condições Particulares contra o risco de incêndio com o âmbito supra definido, independentemente de se tratar de bens móveis ou imóveis constituídos ou não em regime de propriedade horizontal.[…]

12. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL O QUE ESTÁ SEGURO

Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, da responsabilidade civil extracontratual, imputável ao Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultante de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros no exercício da atividade, nas respetivas instalações seguras, decorrentes de:

1. Responsabilidade Civil do Proprietário do Imóvel:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do edifício ou fração segura.

2. Responsabilidade Civil Exploração:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado por danos causados a terceiros em consequência da exploração normal da atividade segura. […]

EXCLUSÕES ESPECÍFICAS

Para além das exclusões previstas na Cláusula 5.ª, ficam ainda excluídos do âmbito desta cobertura os danos: […]

h) Causados por quaisquer atividades ou bens, móveis ou imóveis, que, nos termos da lei, devam ser objeto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;

[…]».”

VII – E devem ser incluídos os seguintes factos provados:

“14A. Nas «Condições Gerais» do «Seguro de Multirrisco Negócio» consta a «CLÁUSULA 2.ª - OBJETO E GARANTIAS DO CONTRATO», com o seguinte teor:

«1. O contrato garante, nos termos estabelecidos nas respetivas coberturas contratadas, indemnizações devidas por:

a) Perdas ou danos causados aos bens seguros indicados em Condições Particulares, destinados exclusivamente à atividade do Segurado;

b) Responsabilidade civil extracontratual do Segurado, no exercício da sua atividade. 2. Mediante convenção expressa nas Condições Particulares poderão ser objeto do contrato outros riscos e/ou garantias de harmonia com o disposto nas respetivas Condições Especiais que tiverem sido contratadas.».”

“15A. Nas «Condições Gerais», apostas em documento intitulado de «Seguro de Multirriscos Negócios», poder ler-se, sob a menção «Cláusula 4.ª – Coberturas Facultativas»:

«Em complemento à cobertura base, poderão ainda ser contratadas, mediante convenção expressa nas Condições Particulares, até ao limite de capital fixado no QUADRO II do Anexo, as seguintes coberturas facultativas:

[…]

16. Danos em Bens de Terceiros […]».”

VIII – E deve ser eliminado o facto provado 17.

IX – Devem ser incluídos na matéria provada os factos alegados pela Autora nos artigos 8º, 12º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 24º, 25º, 26º, 63º e 68º, todos da petição inicial.

X – Desde logo refira-se que os factos alegados nos art.ºs 12º e 15º a 25º da petição inicial encontram-se expressamente aceites pela Ré A..., única que contestou a acção, no art.º 4º da sua contestação.

XI – Por sua vez, os factos alegados nos art.ºs 8º, 12º e 15º a 26º da petição inicial são corroborados por documentos (doc.s n.ºs 18, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38, todos juntos com a petição inicial.

XII – No que respeita aos factos alegados nos art.ºs 63º e 68º da petição inicial estes resultam claramente como provados face às declarações quer da Autora quer aos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, prestados em sede de audiência de discussão e julgamento.

XIII - Desta forma, devem ser acrescentados à matéria de facto provada os seguintes factos:

“23A. No dia 11/12/2019, a A. contactou a Ré B... por e-mail, para saber como actuar, uma vez que tinha que proceder à entrega do veículo de aluguer em que circulava, e que lhe tinha sido atribuído pela seguradora, e necessitava de um veículo para circular.”

“9A. Na tentativa de obter uma solução para o problema foi apresentada queixa junto do Provedor do Cliente da A..., da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e do Instituto de Seguros de Portugal.”

“11A. Em 14/05/2020 foi enviada nova interpelação à Ré A... a questionar sobre o andamento do processo e a lembrar que inclusive o processo crime que corria termos no processo no Departamento de Investigação e Acção Penal de Matosinhos, aberto na sequência do ocorrido, já tinha sido arquivado em Fevereiro de 2020.”

“11B. Em 21/05/2020 foi solicitada à A. as condições particulares da sua apólice ou declaração da seguradora a informar que os prejuízos não tinham sido indemnizados.”

“11C. No dia seguinte foi também recebida resposta do Centro de Gestão de Reclamações.”

“11D. Em 03/06/2020 a Ré A... foi informada de que a Autora, atenta a demora na gestão do sinistro, tinha accionado o seu seguro de danos próprios pelo que estando o processo em fase de conclusão, logo que possível seria enviada a informação com os danos da Autora, tendo ainda sido solicitado o envio das peritagens realizadas pela Ré quer ao veículo da Autora, quer aos objectos que se encontravam no seu interior.”

“11E. Em 26/06/2020 foi enviada à Ré A... comunicação com todos os danos da A., na qual se incluía o comprovativo com o valor da indemnização paga pela seguradora do veículo com a matrícula ..-PS-.., C..., S.A., ao abrigo do seguro com a apólice n.º ..., na qual se incluía nomeadamente a cobertura de incêndio.”

“11F. Em 13/07/2020 foi solicitada resposta à Ré A....”

“11G. Em resposta, em 15/07/2020, a Ré A... informou que afinal o processo continuava em instrução.”

“11H. Em 05/08/2020 foi novamente interpelada a Ré A....““12A. Em Agosto de 2020 foi recebida resposta da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.”

“12B. Foi solicitada a alteração do recibo de indemnização uma vez que este correspondia apenas à indemnização pela franquia relativa à perda total do veículo, o que foi rejeitado pela Ré A....”

“12C. De toda esta situação e da falta de resolução da mesma foi dado conhecimento, em Setembro de 2020, à Ré B..., a qual nada respondeu.”

“26A. A A. viu-se privada definitivamente do seu veículo pelo qual tinha grande estima, bem como dos seus bens pessoais.”

“26B. Esta situação causou à Autora perdas de tempo, aborrecimentos e tensão nervosa.”

XIV – Resultaram, ainda, da audiência de discussão e julgamento, outros factos instrumentais que deveriam ter sido dados como provados, nos termos do art.º 5º do CPC. 

XV – De acordo com os documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento o grau de destruição verificado na sequência do incêndio verificado foi elevadíssimo, até porque não foi accionado qualquer sistema de detecção de incêndio, ou porque a oficina não o possuía ou porque este estava desligado.

XVI – Por outro lado, o elevadíssimo grau de destruição verificado inviabilizou qualquer apuramento quanto às causas do sobreaquecimento verificado na luz situada no tecto da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. que se  encontrava a ser intervencionada nas instalações da Ré, no entanto, foi possível apurar que a bateria deste veículo se encontrava ligada, motivo pelo qual bastaria um esquecimento da luz em ON ou de uma porta do veículo mal fechada para que a referida luz permanecesse acesa, onforme consta dos documentos “Relatório de Inspeção Judiciária Complementar” junto aos autos pela Ré em 24/04/2023, e “Relatório de Peritagem Patrimonial” junto pela Ré aos autos, em 29/05/2023, como doc. n.º 1, bem como dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento por EE, inspector da Polícia Judiciária, e  FF, funcionário da Ré A... como regularizador de sinistros patrimoniais.

XVII – Face ao exposto, deverá ser incluído nos factos provados o seguinte: “4A.Dado o estado de destruição em que ficou a viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. não foi possível apurar se o sobreaquecimento que originou o incêndio foi causado pelo facto de a luz ter sido deixada ligada, sendo certo que a bateria do veículo se encontrava ligada.”

XVIII – Também resultou claramente do depoimento da testemunha DD que a Autora ia buscar a referida testemunha a casa desta, em ..., para a mesma prestar serviços domésticos na residência da Autora, pelo que deverá ser incluído nos factos provados o seguinte: “24A. A Autora também utilizava o veículo identificado em 1., uma vez por semana, para ir buscar/levar a sua empregada doméstica a casa, sita em ....”.

XIX – Conforme alegado na petição inicial, a autora pretende fazer valer em juízo um direito que encontra o seu fundamento na responsabilidade civil contratual da B....

XX – A Autora quando entregou à Ré B... o veículo com a matrícula ..-PS-.., com vista à realização de peritagem e subsequente reparação, celebrou com esta um  verdadeiro contrato de depósito acessório do contrato de empreitada relativo à reparação do veículo que competiria à Ré B... realizar, sendo que, no âmbito deste contrato, a Ré B... estava obrigada a proceder à guarda e conservação do veículo enquanto este se encontrasse nas suas instalações.

XXI – Ora, quando no dia 08/12/2019 deflagrou um incêndio nas instalações da Ré B..., que levou à destruição do veículo da Autora com a matrícula ..-PS-.. e dos bens que se encontravam no seu interior, este veículo encontrava-se à guarda da Ré B..., pelo que esta incumpriu com a sua obrigação de guarda e conservação do veículo da Autora e dos demais bens que se encontravam no seu interior, tornando impossível a sua restituição à Autora.

XXII – Nos termos do n.º 1 do art.º 799º do Código Civil, incumbia à Ré B... provar que a falta de cumprimento da obrigação não procedeu de culpa sua .

XXIII – Na presente situação as Rés apenas fizeram prova de que não existiu dolo por parte da Ré B..., o que aliás nunca foi invocado por ninguém, sendo que nenhuma outra prova foi feita de que a Ré B... agiu com a diligência mínima que era expectável, sendo certo que: a Ré B... não dispunha de mecanismos de detecção de incêndio ou pelo menos estes não se encontravam ligados; a Ré B... estava a intervencionar o veículo de marca Toyota ..., matrícula ..-QB-.. sem que lhe tivesse desligado a bateria, de modo a diminuir os riscos de incêndio; a Ré B... não provou que antes de terminar a laboração no dia anterior à deflagração do incêndio tenha verificado que a luz de presença onde teve início o incêndio se encontrava devidamente desligado; a Ré B... deixou o veículo de marca Toyota ..., matrícula ..-QB-.. dentro da estufa próximo de inúmeros materiais inflamáveis.

XXIV – A Ré B... violou desta forma os deveres objectivos de cuidado inerentes e necessários ao exercício da sua actividade de reparação de automóveis e concretamente aos cuidados que a presente situação e suas circunstâncias exigiam.

XXV – Face ao exposto, parece-nos que dúvidas não restam que, existindo presunção de culpa que impende sobre a conduta da Ré B..., não tendo esta ilidido tal presunção, é a mesma responsável perante a Autora pelos danos sofridos por esta.

XXVI – Sem prescindir, e caso se entenda que não existe responsabilidade contratual da Ré B..., a verdade é que sempre terá que se analisar se se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, seja por factos ilícitos seja pelo risco.

XXVII – Relativamente à responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de actos ilícitos, dispõe o n.º 1 do art.º 483º do CC, “quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.

XXVIII – A este propósito diga-se que atendendo ao que ficou provado quanto à conduta da Ré B..., cremos que esta não tomou as providências necessárias e exigíveis, observando os deveres de cuidado que lhe eram impostos, respeitando as regras mínimas de segurança face à presença de inúmeros veículos nas suas instalações bem como à presença de inúmeros materiais inflamáveis.

XXIX – Ora, a Ré B... estava obrigada a prever que este comportamento de indiferença perante a junção num mesmo local de inúmeros factores de risco sem realizar as  diligências mínimas expectáveis para diminuir o risco de incêndio, seria potenciador de uma situação de perigo e de risco de incêndio de graves proporções.

XXX – Pelo que, ao não ter usado da diligência devida, podendo efectivamente fazê-lo, incumpriu a Ré B... as exigências de cuidado objectiva e subjectivamente impostas, preenchendo o conteúdo próprio da negligência ou mera culpa.

XXXI – Estamos assim perante um facto voluntário (a omissão da realização de procedimentos básicos de segurança no tratamento de veículo que se encontrava a ser intervencionado e a omissão das regras básicas de segurança relativas à diminuição dos riscos de incêndio) e há uma violação ilícita de um direito da Autora (o seu direito de propriedade) da qual decorrem danos (danos no veículo da Autora, nos seus objectos e demais danos sofridos pela Autora), sendo que estes danos foram causados pela actuação negligente da Ré B..., a que acresce o facto de entre a omissão dos deveres de cuidado e as regras de segurança por parte da Ré B..., que desencadeou o incêndio, e os danos sofridos pela Autora existir um nexo de causalidade adequada.

XXXII – Face ao exposto, deverá a Ré B... ser considerada responsável pelo incêndio ocorrido, devendo esta ser condenada a indemnizar a Autora pelos danos por esta sofridos.

XXXIII – Sem prescindir, dispõe o n.º 1 do art.º 493º do Código Civil: Quem tiver em  seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, (...), responde pelos danos que a coisa (..) causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda não houvesse culpa sua .

XXXIV – Ora, tendo a Ré B... em seu poder o veículo Toyota ..., de matrícula ..-QB-.., com o dever de o vigiar, presume-se a sua culpa pelos danos causados por este, sendo que a a Ré B... mão ilidiu a referida presunção.

XXXV – Face ao exposto, também por esta via a Ré B... teria que ser considerada responsável pelo incêndio ocorrido, devendo esta ser condenada a indemnizar a Autora pelos danos por esta sofridos.

XXXVI – Sem prescindir, cumpre ainda referir que existe ainda responsabilidade pelo risco (responsabilidade objectiva) por parte da Ré B..., porquanto dispõe o n.º 1 do art.º503º do Código Civil que “Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre (...) responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este se encontre em circulação.”.

XXXVII – Ora, o proprietário do veículo Toyota ..., de matrícula ..-QB-.. ao entregá-lo à Ré B... para que esta efectue a sua reparação, transferiu para a Ré B..., durante o período da reparação, a direcção efectiva, como poder real, de facto, sobre o veículo.

XXXVIII – Desta forma, pertencendo à Ré B... a direcção efectiva do veículo, uma vez que no exercício da sua actividade profissional (reparação de veículos) detinha o veículo em plena execução de um contrato de empreitada, aquela responde pelos danos causado pelo veículo, dispensando-se a prova da sua culpa na produção do dano.

XXXIX – Face ao exposto, também por esta via a Ré B... teria que ser considerada responsável pelo incêndio ocorrido, devendo esta ser condenada a indemnizar a Autora pelos danos por esta sofridos.

XL – Por outro lado, no que respeita à responsabilidade da Ré A... pelas coberturas contratadas com a Ré B..., sempre se diga que, relativamente às modalidades de responsabilidade referidas em I e II a Ré A... responderá na medida da responsabilidade da Ré B... e, em respeito das coberturas e das exclusões contratadas entre ambas as Rés.

XLI – No entanto, e ainda que se entenda que não se verifica a responsabilidade da Ré B..., o que só por mera hipótese académica se admite, a verdade é que independentemente da causa do incêndio e da sua origem, foram estabelecidas determinadas coberturas no contrato celebrado entre as Rés (por danos sofridos em mercadorias e equipamentos da Ré B... e por danos em veículos em oficina), de que a Autora sempre  seria que beneficiar, como aliás defende a própria Ré A....

XLII – Assim, tais coberturas funcionam excepto se se verificar dolo por parte da Ré B..., o que não é o caso, pelo que, neste caso sempre a Ré A... teria que responder pelos danos sofridos pela Autora dentro dos limites da respectiva apólice.

XLIII – Sem prescindir de tudo o que se deixou exposto, e independentemente de se considerar que a(s) Ré(s) são responsáveis pela indemnização dos danos directamente  causados pelo sinistro, a verdade é que a própria actuação das Rés na gestão deste caso foi ela própria geradora de responsabilidade.

XLIV – As Rés ultrapassaram todos os prazos razoáveis e aceitáveis, a saber:

- a Ré A... demorou 8 meses desde a data da ocorrência do incêndio a enviar um recibode indemnização à Autora pelo valor total de € 250,00;

- a Ré A... demorou 3 anos e meio a informar a Autora do resultado das peritagens e averiguações realizadas, e necessitou da notificação efectuada pelo Tribunal para tal efeito;

- a Ré B... até hoje não tomou posição quanto a responsabilidades, quanto a averiguações, peritagens e indemnizações, sendo que já passaram mais de 4 anos desde a data da ocorrência do incêndio.

XLV - Ora, esta falta de resposta por meses e até anos é perfeitamente injustificada e violadora das boas práticas comerciais a que as Rés estão obrigadas e dos direitos da Autora.

XLVI – Desta forma, o retardamento no tratamento da presente situação causou danos à Autora, os quais têm que ser imputados às Rés e indemnizados por estas.

XLVII – No que respeita aos danos, a verdade é que o incêndio causou diversos danos à Autora, desde logo, e no imediato, no veículo e bens que se encontravam no seu interior.

XLVIII – Por outro lado, a destruição do veículo privou a Autora da utilização deste, sendo que apenas em Junho de 2020 foi a Autora indemnizada pelo sua seguradora pela perda do veículo, ao abrigo do seguro de danos próprios que possuía, muito antes de qualquer posição assumida pelas Rés quanto a responsabilidades.

XLIX – Por sua vez, a falta de resolução da presente situação dentro de um tempo razoável, bem como a falta de comunicação quanto a peritagens e averiguações fez com que a Autora ficasse impedida de dar um destino ao seu veículo, o que fez com que continuasse a pagar os encargos inerentes à propriedade do referido veículo, a saber Imposto Único de Circulação.

L – Da mesma forma a falta de respostas por parte das Rés e a falta de solução por parte destas fez com que a Autora tivesse que andar constantemente atrás daquelas a tentar obter respostas, o que lhe foi causando não só perdas de tempo, mas também profundo desgaste e ansiedade. Assim, também os danos não patrimoniais foram causados não só pela ocorrência do incêndio, mas sobretudo pelo comportamento das Rés.

LI – Face ao exposto todos os danos reclamados pela Autora são consequência directa do incêndio e da actuação das Rés, pelo que devem ser indemnizados.

LII – Desta forma, as Rés devem ser condenadas a pagar à Autora a quantia total de € 5.303,08.

LIII – Pelo que, deverá o presente recurso ser julgado procedente.

LIV – A decisão recorrida violou, pelos motivos supra expostos, entre outros, o disposto nos art.ºs 483º, 493º, 503º, 562º, 566º, 799º e 1207º do Código Civil, nos art.ºs 5º, 413º,414º, 466º e 607º do Código de Processo Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e ser julgado provado e procedente, alterando-se a decisão recorrida em conformidade e serem as Apeladas condenada a pagar à Apelante a indemnização a que esta tem direito.

Foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

As questões a decidir são as seguintes:

Da Impugnação da decisão de facto.

.Do Mérito da Sentença recorrida.

III.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1. Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

Com relevância para a presente causa resultam provados os seguintes factos:

1.Mostra-se inscrita a favor da A. a propriedade do veículo ligeiro de passageiros, de marca Toyota ..., com a matrícula ..-PS-...

2.No dia 03/12/2019, o veículo com a matrícula ..-PS-.. foi entregue aos cuidados da 2.ª R. para que fosse realizada peritagem e subsequente reparação dos estragos que o veículo tinha sofrido em razão de acidente, mediante o pagamento de um preço.

3.No dia 08/12/2019, em hora não concretamente apurada, mas nas duas primeiras horas do dia, nas instalações da 2.ª R., sitas na Av. ..., ... ..., Matosinhos, deflagrou um incêndio na referida oficina, na zona da pintura de automóveis, onde existiam duas estufas, tendo havido desabamento de estruturas, grande destruição dos materiais, sendo que além do interior, a radiação de calor causou estragos em alguns veículos automóveis que se encontravam aparcados no logradouro existente nas traseiras da oficina.

4.O incêndio teve origem, por motivos desconhecidos, mas de natureza acidental, na caixa de luzes existente na zona central da face inferior do tejadilho da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.., que se encontrava imobilizada no interior da estufa n.º 1 das instalações da 2.ª R.

5.Na manhã seguinte, a A. foi informada do sucedido.

6.No mesmo dia, deslocou-se às instalações da 2.ª R. onde pode constatar o sucedido e falou com o responsável da oficina, o qual lhe forneceu os dados da apólice do seguro da oficina.

7.A A. encetou vários contactos telefónicos com ambas as RR., apenas obtendo a resposta que teria que aguardar.

8.Perante a falta de respostas, a A. interpelou por diversas vezes, por si e através da sua mandatária, ambas as RR.

9.Por email datado de 30/01/2020, a 2.ª R informou que «A informação que neste momento está ao nosso alcance é que a peritagem já foi realizada, somente e infelizmente a semana passada».

10.Em Abril de 2020, a A., cansada de não obter respostas nem soluções para o problema, acionou o seu seguro de danos próprios, acordado com a C..., S.A., e titulado pela apólice n.º ....

11.Apenas por carta datada de 29/04/2020, foi a A. informada pela 1.ª R. que esta tinha procedido à abertura do processo de sinistro e que era essencial a sua colaboração ao longo do processo.

12.Em 12/08/2020, a 1.ª R. pôs à disposição da A., por modo a ressarci-la dos prejuízos causados pelo incêndio, a quantia de 250,00€, equivalente ao valor da franquia do seu seguro de danos próprios, o que a A. não aceitou.

13.A C..., S.A., ao abrigo do seguro de danos próprios do veículo da A., entregou a esta, que o recebeu, a 19/06/2020, a quantia de 19.864,57€, correspondente ao valor seguro à data do sinistro de 20.124,57€, deduzido do valor correspondente à franquia de 250,00€.

14.À data do evento descrito em 3., a 1.ª R. tinha assumido os riscos decorrentes da atividade da 2.ª R., nomeadamente pela exploração de uma oficina de reparação de veículos a motor, de estações de serviço e garagens, em documento titulado pela apólice n.º ..., onde se pode ler, nas ditas «Condições Particulares», e sob a menção «Resumo dos objetos seguros/locais de risco seguros na Apólice»:

15.Nas ditas «Condições Gerais», apostas em documento intitulado de «Seguro de Multirriscos Negócios», o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, poder ler-se, sob a menção «Cláusula 3.ª – Cobertura Base»:

«A cobertura base do contrato garante, até ao limite do capital fixado no Quadro I do Anexo às presentes Condições Gerais, ou outro que venha a ser contratado e indicado nas Condições Particulares, o pagamento de indemnizações resultantes diretamente dos seguintes riscos:

1. Incêndio […]».

16.E sob as menções «12. Responsabilidade Civil Extracontratual» e «O que está seguro»:

«Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, da responsabilidade civil extracontratual, imputável ao Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultante de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros no exercício da atividade, nas respetivas instalações seguras, decorrentes de:[…]

2. Responsabilidade Civil Exploração:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado por danos causados a terceiros em consequência da exploração normal da atividade segura».

17.Sob as menções «12. Responsabilidade Civil Extracontratual» e «Exclusões específicas», lê-se, ainda:

«h) Causados por quaisquer atividades ou bens, móveis ou imóveis, que, nos termos da lei, devam ser objeto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;».

18.No mesmo documento, alude-se, sob a inscrição «Cláusula 7.ª - Âmbito das Coberturas Facultativas»;

«Os limites de indemnização para cada Cobertura Facultativa contratada são, salvo convenção expressa nas Condições Particulares, os constantes do QUADRO II em anexo.».

19.Incluso nessa cláusula, sob as menções «16. Danos em bens de terceiros» e «O que está seguro», pode ler-se:

«1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.

2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.».

20.Constando, igualmente, das sobreditas «Condições Particulares», como «Limite de Indemnização», e referente a «Danos em Bens de Terceiros», o valor de 1,00€.

21.Em consequência do incêndio suprarreferido, o veículo da A. ficou completamente destruído.

22.Bem como todos os pertences que esta guardava no interior daquele, nomeadamente:

- Identificador da via verde, em valor não concretamente apurado;

- Leitor de mp3 portátil, em valor não concretamente apurado;

- Duas trelas, em valor não concretamente apurado;

- Óculos de sol, de marca Chicco, para criança, em valor não concretamente apurado;

- Óculos de sol, de marca Ray-Ban, para adulto, em valor não concretamente apurado;

- Comando de abertura automática da garagem, em valor não concretamente apurado.

23.Até ao dia 11/12/2019, a A. circulou num veículo automóvel de substituição, de caraterísticas não apuradas, concedido por força da imobilização do seu veículo nas instalações da 2.ª R.

24.O veículo da A., identificado em 1., era utilizado diariamente pela mesma, em deslocações inerentes ao seu dia-a-dia, nomeadamente para ir levar e buscar a filha à creche, e em idas ao supermercado e ao médico.

25.Na falta do seu veículo ou de outro, a A. teve de recorrer a veículo emprestado pelo pai, o que fez logo que entregou o veículo de substituição.

26.Toda a situação gerada pela privação do seu veículo e a demora na resolução da mesma causou à A. ansiedade e nervosismo.

27.Para pagamento do imposto único automóvel relativo ao seu automóvel e aos anos de 2020 a 2023, a A. despendeu a quantia total de 910,08€.

28.A A. nunca recebeu qualquer informação quanto à peritagem ou avaliação dos estragos por partes das RR., apesar de ter solicitado por diversas vezes o seu envio.

29.Quem primeiro se apercebeu da deflagração do incêndio foi um utente da lavagem de veículos self-service situadas no logradouro exterior da identificada oficina, que alertou os Bombeiros.

.Dos factos não provados

Com relevância para a boa decisão da causa, e além dos factos alegados contrários ou outros que não se concatenam com os factos dados como provados, resultam os seguintes:

a)Na altura em que deflagrou o incêndio, encontravam-se no veículo da A. uns auriculares e cabo de carregamento de «Iphone», no valor de cerca de 35,00€, cintos caninos, e mais do que um comando de abertura automática de garagem.

b)A A. utilizava o seu veículo automóvel para deslocações inerentes ao exercício da sua atividade profissional, bem como para realizar visitas a amigos e familiares.

c)A 2.ª R. apenas tomou conhecimento do incêndio por volta das 02:30h do dia 0812/2019, através de contacto telefónico estabelecido com um irmão do sócio-gerente daquela.

d)O último funcionário da 2.ª R. ao sair das instalações desligou o quadro elétrico geral.

Foram desconsideradas as imputações genéricas ou conclusivas, sobre as quais o Tribunal não se pronuncia.

3.2. Da Impugnação da decisão de facto:

A recorrente impugna os itens 4º, 5º, 9º, 12º, 16º e 17º, requerendo distinta redacção dos itens 4º, 5º, 9º, 16º dos factos provados.

E pretende que sejam aditados aos factos provados os fatos alegados nos artigos 8º, 12º, 15º, 16º a 25º , 63º e 68º da petição inicial com fundamento na aceitação pela ré dos artigos 12º, 15º a 25º da petição inicial, nos documentos juntos com a petição relativamente aos artigos 8º, 12º, 15ª 26º da petição inicial, e com base nas declarações da atora e depoimentos das testemunhas BB, CC e DD.

Estando minimamente preenchidos os requisitos do art 640º do CPC admitimos a impugnação da decisão de facto.

Assim:

Quanto ao item 5º dos factos provados, ouvidas as declarações da Autora e depoimento de seu marido BB, entendemos que a requerida alteração deve ser deferida de modo a revelar que a autora soube do incêndio através de terceiro e não através da 2ª ré , nem da 1ª ré- seguradora com a qual a 2º Ré, proprietária da oficina onde o veículo da autora foi colocado para reparação,  tinha celebrado o contrato de seguro multirriscos facultativo dos autos.

Pelo que, deferimos a requerida alteração do item 5 dos factos provados, passando a redacção deste item a ser a seguinte:

5.Na manhã seguinte, a A. foi informada do sucedido por pessoa que não as rés.

.Quanto ao item 12 dos factos provados, ouvidas as declarações da Autora e depoimento de seu marido BB e analisado o documento nº 39 junto com a petição inicial, (do qual consta:“Informamos que não nos é possível alterar o termos de quitação do recibo de indemnização relativo à franquia, porque este se refere efetivamente a uma indemnização total e integral deste prejuízo.”), entendemos que a requerida alteração deve ser deferida e, assim, a redacção desse item passa a ser a seguinte:

12º “Em 12/08/2020, a 1ª R. pôs à disposição da A., por modo a ressarci-la dos prejuízos causados pelo incêndio, a quantia de 250,00€, equivalente ao valor da franquia do seu seguro de danos próprios, mediante a condição de a A. assinar um recibo de quitação total relativamente a ambas as Rés, tendo a A. recusado assinar tal recibo.”.

.Quanto ao item 9º dos fatos provados, analisada a comunicação de 31.01.2020 da 2º ré, documento n.º 23 junto com a petição inicial,  resulta que a redação desse item não reflecte o teor dessa comunicação, pelo que, por forma a reflectir essa comunicação alteramos a redacção desse item que passa a ser a seguinte:

9.“Por email datado de 30/01/2020 a 2ª Ré informou que: «Conforme informação anteriormente prestada, a situação encontra se em fase de resolução ao abrigo da nossa apólice. A informação que neste momento está ao nosso alcance é que a peritagem já foi realizada,somente e infelizmente a semana passada. Assim sendo, penso que junto da seguradora já consegue solucionar o problema.Relativamente ao facto de ainda não termos facultado qualquer tipo de informação deve se ao facto a companhia de seguros ainda não se ter pronunciado acerca da situação.Infelizmente e lamentavelmente já estamos a proceder judicialmente contra a mesma....

A sua pretensão é a mesma que a nossa, a resolução urgente de toda esta circunstância que nos tem causado enormes prejuízos.»

.Quanto aos itens 16º e 17º dos factos provados, os quais, foram retirados da cláusula 6º - Âmbito de cobertura-base  das Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios,- porque  não são rubricas autónomas, assiste razão à pretensão da recorrente no sentido de serem  integrados nessa mesma cláusula.

Assim, a redacção do item 16º passa a ser a seguinte.

“Na cláusula 6ª das Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios, relativamente ao Âmbito de Cobertura-Base consta nas Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios o seguinte:

«1. INCÊNDIO, QUEDA DE RAIO E EXPLOSÃO ÂMBITO DA GARANTIA […]

1. O presente contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do segurado ou de pessoa por quem este seja responsável.

4. O presente contrato pode ainda garantir facultativamente os bens seguros indicados nas Condições Particulares contra o risco de incêndio com o âmbito supra definido, independentemente de se tratar de bens móveis ou imóveis constituídos ou não em regime de propriedade horizontal. […]

12. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL O QUE ESTÁ SEGURO

Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, da responsabilidade civil extracontratual, imputável ao Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultante de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros no exercício da atividade, nas respetivas instalações seguras, decorrentes de:

1. Responsabilidade Civil do Proprietário do Imóvel:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do edifício ou fração segura.

2. Responsabilidade Civil Exploração:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado por danos causados a terceiros em consequência da exploração normal da atividade segura.[…]

EXCLUSÕES ESPECÍFICAS

Para além das exclusões previstas na Cláusula 5.ª, ficam ainda excluídos do âmbito desta cobertura os danos:[…]

h) Causados por quaisquer atividades ou bens, móveis ou imóveis, que, nos termos da lei, devam ser objeto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;[…]»

E nessa sequência o item 17º dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

No mesmo documento, alude-se, sob a inscrição «Cláusula 7.ª - Âmbito das Coberturas Facultativas»;

«Os limites de indemnização para cada Cobertura Facultativa contratada são, salvo convenção expressa nas Condições Particulares, os constantes do QUADRO II em anexo.».

Nessa cláusula, sob as menções «16. Danos em bens de terceiros» e «O que está seguro», pode ler-se:

«1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.

2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.».

Mais determinamos que o item 17º passa a ter a seguinte redacção:

Nas sobreditas «Condições Particulares», como «Limite de Indemnização», e referente a «Danos em Bens de Terceiros», está fixado o valor de 1,00€.

.Mais pretende a recorrente o aditamento aos factos provados dos seguinte facto:: “Dado o estado de destruição em que ficou a viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. não foi possível apurar se o sobreaquecimento que originou o incêndio foi causado pelo facto de a luz ter sido deixada ligada, sendo certo que a bateria do veículo se encontrava ligada.”

Convoca para reapreciação: o “Relatório de Inspeção Judiciária Complementar” junto aos autos pela Ré em 24/04/2023, e “Relatório de Peritagem Patrimonial” junto pela Ré aos autos, em 29/05/2023, como doc. n.º 1, bem como dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento por EE, inspector da Polícia Judiciária, e FF, funcionário da Ré A... como regularizador de sinistros patrimoniais.

Nesta parte,  considerando o teor do item 4º dos factos provados, entendemos que o facto cujo aditamento é requerido não acrescenta qualquer facto essencial útil para reapreciação e decisão da causa, uma vez que, o facto a aditar limita-se a repetir que não foram apuradas as causa concretas do incêndio, facto já vertido no item 4º dos factos provados, bem como o elevado grau de destruição do incêndio afirmado no item 3º dos factos provados.

Todavia, porque se nos afigura que a expressão “ natureza acidental “ usada no item 4 dos fatos provados para adjectivar o incêndio ocorrido não acrescenta nada ao facto aí afirmado de ser desconhecida a natureza do incêndio que deflagrou nas instalações da 2ª ré, reapreciamos os meios de prova convocados, para o efeito, concretamente, depoimentos da testemunha EE, inspector da Polícia Judiciária e da testemunha FF, funcionário da Ré A... como regularizador de sinistros patrimoniais.

Reapreciamos ainda os relatórios convocados, os quais, importa assinalar, não corporizam uma perícia feita no âmbito deste processo ao abrigo dos artigos 474º e ss do CPC.

E dessa reapreciação global , resulta para nós que no essencial, devido ao elevado grau de destruição do incêndio ocorrido nas instalações da 2ª ré, não foi possível apurar a causa ou as causas que causaram o incêndio que teve origem na caixa de luzes existente na zona central da face inferior do tejadilho da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.., que se encontrava imobilizada no interior da estufa n.º 1 das instalações da 2.ª R., assinalando-se todavia, que desses meios de prova resulta que o veículo da autora estava  aparcado no logradouro existente nas traseiras da oficina da 2ª ré e que a bateria do veículo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. estava ligada quando o incêndio deflagrou.

Assim, nesta parte, afigura-se-nos que não merece deferimento total a pretensão da recorrente, determinando-se, todavia, oficiosamente que  no item 3 dos factos provados, deve aditar-se  que o veículo da autora-recorrente estava aparcada no logradouro existente nas traseiras da oficina e que no item 4 se adite que a bateria do veículo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. estava ligada quando o incêndio deflagrou e que no item 4º, porque o adjectivo “acidental” é sinónimo de casual, consistindo  naquilo que acontece por um acaso, que não está previsto e que e tem, por FF, o que é premeditado, pretendido, afigura-se-nos que deve ser eliminada esse adjectivo desse item 4º.

Assim, os itens 3º e 4º dos factos provados passam a ter a seguinte redacção:

Item 3º.

No dia 08/12/2019, em hora não concretamente apurada, mas nas duas primeiras horas do dia, nas instalações da 2.ª R., sitas na Av. ..., ... ..., Matosinhos, deflagrou um incêndio na referida oficina, na zona da pintura de automóveis, onde existiam duas estufas, tendo havido desabamento de estruturas, grande destruição dos materiais, sendo que além do interior, a radiação de calor causou estragos em alguns veículos automóveis que se encontravam aparcados no logradouro existente nas traseiras da oficina, local onde também estava aparcado o veículo da Autora identificado no item 1º dos fatos provados.

Item 4.

O incêndio teve origem, por motivos desconhecidos, na caixa de luzes existente na zona central da face inferior do tejadilho da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.., que se encontrava imobilizada no interior da estufa n.º 1 das instalações da 2.ª R.

E aditamos o item 4º A aos factos provados cuja redacção é a seguinte:

Item 4º A.

“4A.Dado o estado de destruição em que ficou a viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. não foi possível apurar a(s) causa(s) concreta(s) concreta(s) do incêndio que teve origem na caixa de luzes existente na zona central da face inferior do tejadilho da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-..”.

.Quanto ao  pretendido aditamento aos factos provados dos  factos alegados pela Autora nos artigos 8º, 12º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 24º, 25º, 26º, 63º e 68º, todos da petição inicial, importa referir o seguinte.

Os factos alegados nos art.ºs 8º, 12º e 15º a 26º da petição inicial são corroborados por documentos (doc.s n.ºs 18, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38, todos juntos com a petição inicial e não estão impugnados.

Reapreciados as declarações quer da Autora juntamente com os depoimentos das testemunhas BB, CC, pai da A e DD empregada doméstica a laborar na dependência da A., já há data dos factos, e colaboradora há largos anos dos pais da A., prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, afigura-se-nos que os factos ali alegados mostram-se consistentemente provados nos  documentos juntos pela autora-apelante em conjunto com as declarações da autora e os depoimentos das identificadas testemunhas.

Contudo, relativamente à pretensão de aditamento aos factos provados dos seguintes factos.

““26A. A A. viu-se privada definitivamente do seu veículo pelo qual tinha grande estima, bem como dos seus bens pessoais.”

“26B. Esta situação causou à Autora perdas de tempo, aborrecimentos e tensão nervosa.”

Entendemos que estes repetem a factualidade vertida no item 26 dos factos provados, pelo que, esta pretensão não merece provimento, o que, se determina.

Assim, determinamos o aditamento aos factos provados dos seguintes itens:

“No dia 11/12/2019, a A. contactou a Ré B... por e-mail, para saber como actuar, uma vez que tinha que proceder à entrega do veículo de aluguer em que circulava, e que lhe tinha sido atribuído pela seguradora, e necessitava de um veículo para circular.”

“9A. Na tentativa de obter uma solução para o problema foi apresentada queixa junto do Provedor do Cliente da A..., da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e do Instituto de Seguros de Portugal.”

“11A. Em 14/05/2020 foi enviada nova interpelação à Ré A... a questionar sobre o andamento do processo e a lembrar que inclusive o processo crime que corria termos no processo no Departamento de Investigação e Acção Penal de Matosinhos, aberto na sequência do ocorrido, já tinha sido arquivado em Fevereiro de 2020.”

“11B. Em 21/05/2020 foi solicitada à A. as condições particulares da sua apólice ou declaração da seguradora a informar que os prejuízos não tinham sido indemnizados.”

“11C. No dia seguinte foi também recebida resposta do Centro de Gestão de Reclamações.”

“11D. Em 03/06/2020 a Ré A... foi informada de que a Autora, atenta a demora na gestão do sinistro, tinha accionado o seu seguro de danos próprios pelo que estando o processo em fase de conclusão, logo que possível seria enviada a informação com os danos da Autora, tendo ainda sido solicitado o envio das peritagens realizadas pela Ré quer ao veículo da Autora, quer aos objectos que se encontravam no seu interior.”

“11E. Em 26/06/2020 foi enviada à Ré A... comunicação com todos os danos da A., na qual se incluía o comprovativo com o valor da indemnização paga pela seguradora do veículo com a matrícula ..-PS-.., C..., S.A., ao abrigo do seguro com a apólice n.º ..., na qual se incluía nomeadamente a cobertura de incêndio.”

“11F. Em 13/07/2020 foi solicitada resposta à Ré A....”

“11G. Em resposta, em 15/07/2020, a Ré A... informou que afinal o processo continuava em instrução.”

“11H. Em 05/08/2020 foi novamente interpelada a Ré A....““12A. Em Agosto de 2020 foi recebida resposta da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.”

“12B. Foi solicitada a alteração do recibo de indemnização uma vez que este correspondia apenas à indemnização pela franquia relativa à perda total do veículo, o que foi rejeitado pela Ré A....”

“12C. De toda esta situação e da falta de resolução da mesma foi dado conhecimento, em Setembro de 2020, à Ré B..., a qual nada respondeu.”

No que se reporta ao requerido aditamento de factos instrumentais que terão resultado da audiência de julgamento, porque a decisão de facto deve restringir-se aos factos essencias que relevam para a decisão da causa, indeferimos o requerimento aditamento.

Procede assim parcialmente a impugnação da decisão de facto.

.Do aditamento oficioso de factos essenciais retirados dos documentos nºs 41 a 43  juntos com a petição e não impugnados:

Ao abrigo do art 607º, nº4, do CPC, aplicável ao tribunal da Relação, ex vi nº2 do art 663º CPC, com base na apreciação dos documentos nºs 41 a 43 juntos com a petição e não impugnados julgamos provados os seguintes fatos:

.O veículo da autora foi matriculado no dia  17.05.2016.

.Após a autora ter accionado o seu seguro de danos próprios no dia 8.05.2020 a Tranquilidade  informou que feita a vistoria da viatura da autora a reparação dos danos por esta sofridos era excessivamente onerosa face ao valor de mercado antes do acidente, concretamente € 38 2888,93, que a melhor proposta de aquisição da viatura com danos correspondia a € 10,00 e que,  assim, considerando  o valor do seguro à data do sinistro, € 20.124,57, colocava  condicionalmente à disposição da autora a quantia de € 19 864,57, já deduzida da franquia contratual de € 250,00, mantendo a autora a posse do veículo.

.E no dia 26 de maio de 2020 a seguradora de danos próprios comunicou à autora que assumia a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro, informando que estava à disposição da autora a quantia de € 19.864,57, mantendo a autora a posse do veículo com os danos.

No dia 19.06 2020 a autora recebeu a quantia de  € 19.864,57 que a Seguradora de danos próprios lhe entregou.

3.3. Decidida que está a impugnação da decisão de facto, os factos provados e não provados que relevam são os seguintes:

1.Mostra-se inscrita a favor da A. a propriedade do veículo ligeiro de passageiros, de marca Toyota ..., com a matrícula ..-PS-...

2.No dia 03/12/2019, o veículo com a matrícula ..-PS-.. foi entregue aos cuidados da 2.ª R. para que fosse realizada peritagem e subsequente reparação dos estragos que o veículo tinha sofrido em razão de acidente, mediante o pagamento de um preço.

3º.No dia 08/12/2019, em hora não concretamente apurada, mas nas duas primeiras horas do dia, nas instalações da 2.ª R., sitas na Av. ..., ... ..., Matosinhos, deflagrou um incêndio na referida oficina, na zona da pintura de automóveis, onde existiam duas estufas, tendo havido desabamento de estruturas, grande destruição dos materiais, sendo que além do interior, a radiação de calor causou estragos em alguns veículos automóveis que se encontravam aparcados no logradouro existente nas traseiras da oficina, local onde também estava aparcado o veículo da Autora identificado no item 1º dos fatos provados.

4.O incêndio teve origem, por motivos desconhecidos, na caixa de luzes existente na zona central da face inferior do tejadilho da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.., que se encontrava imobilizada no interior da estufa n.º 1 das instalações da 2.ª R.

4º A. “4A.Dado o estado de destruição em que ficou a viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-.. não foi possível apurar a(s) causa(s) concreta(s) concreta(s) do incêndio que teve origem na caixa de luzes existente na zona central da face inferior do tejadilho da viatura da marca e modelo «Toyota ...», com a matrícula ..-QB-..”.

5.Na manhã seguinte, a A. foi informada do sucedido por pessoa que não as rés.

6.No mesmo dia, deslocou-se às instalações da 2.ª R. onde pode constatar o sucedido e falou com o responsável da oficina, o qual lhe forneceu os dados da apólice do seguro da oficina.

7.A A. encetou vários contactos telefónicos com ambas as RR., apenas obtendo a resposta que teria que aguardar.

8.Perante a falta de respostas, a A. interpelou por diversas vezes, por si e através da sua mandatária, ambas as RR.

9.“Por email datado de 30/01/2020 a 2ª Ré informou que: «Conforme informação anteriormente prestada, a situação encontra se em fase de resolução ao abrigo da nossa apólice. A informação que neste momento está ao nosso alcance é que a peritagem já foi realizada,somente e infelizmente a semana passada. Assim sendo, penso que junto da seguradora já consegue solucionar o problema. Relativamente ao facto de ainda não termos facultado qualquer tipo de informação deve se ao facto a companhia de seguros ainda não se ter pronunciado acerca da situação. Infelizmente e lamentavelmente já estamos a proceder judicialmente contra a mesma....

A sua pretensão é a mesma que a nossa, a resolução urgente de toda esta circunstância que nos tem causado enormes prejuízos.»

“9A. Na tentativa de obter uma solução para o problema foi apresentada queixa junto do Provedor do Cliente da A..., da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e do Instituto de Seguros de Portugal.”

10.Em Abril de 2020, a A., cansada de não obter respostas nem soluções para o problema, acionou o seu seguro de danos próprios, acordado com a C..., S.A., e titulado pela apólice n.º ....

11.Apenas por carta datada de 29/04/2020, foi a A. informada pela 1.ª R. que esta tinha procedido à abertura do processo de sinistro e que era essencial a sua colaboração ao longo do processo.

“11A. Em 14/05/2020 foi enviada nova interpelação à Ré A... a questionar sobre o andamento do processo e a lembrar que inclusive o processo crime que corria termos no processo no Departamento de Investigação e Acção Penal de Matosinhos, aberto na sequência do ocorrido, já tinha sido arquivado em Fevereiro de 2020.”

“11B. Em 21/05/2020 foi solicitada à A. as condições particulares da sua apólice ou declaração da seguradora a informar que os prejuízos não tinham sido indemnizados.”

“11C. No dia seguinte foi também recebida resposta do Centro de Gestão de Reclamações.”

“11D. Em 03/06/2020 a Ré A... foi informada de que a Autora, atenta a demora na gestão do sinistro, tinha accionado o seu seguro de danos próprios pelo que estando o processo em fase de conclusão, logo que possível seria enviada a informação com os danos da Autora, tendo ainda sido solicitado o envio das peritagens realizadas pela Ré quer ao veículo da Autora, quer aos objectos que se encontravam no seu interior.”

“11E. Em 26/06/2020 foi enviada à Ré A... comunicação com todos os danos da A., na qual se incluía o comprovativo com o valor da indemnização paga pela seguradora do veículo com a matrícula ..-PS-.., C..., S.A., ao abrigo do seguro com a apólice n.º ..., na qual se incluía nomeadamente a cobertura de incêndio.”

“11F. Em 13/07/2020 foi solicitada resposta à Ré A....”

“11G. Em resposta, em 15/07/2020, a Ré A... informou que afinal o processo continuava em instrução.”

“11H. Em 05/08/2020 foi novamente interpelada a Ré A....““12A. Em Agosto de 2020 foi recebida resposta da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.”

12º “Em 12/08/2020, a 1ª R. pôs à disposição da A., por modo a ressarci-la dos prejuízos causados pelo incêndio, a quantia de 250,00€, equivalente ao valor da franquia do seu seguro de danos próprios, mediante a condição de a A. assinar um recibo de quitação total relativamente a ambas as Rés, tendo a A. recusado assinar tal recibo.”.

“12B. Foi solicitada a alteração do recibo de indemnização uma vez que este correspondia apenas à indemnização pela franquia relativa à perda total do veículo, o que foi rejeitado pela Ré A....”

“12C. De toda esta situação e da falta de resolução da mesma foi dado conhecimento, em Setembro de 2020, à Ré B..., a qual nada respondeu.”

13.A C..., S.A., ao abrigo do seguro de danos próprios do veículo da A., entregou a esta, que o recebeu, a 19/06/2020, a quantia de 19.864,57€, correspondente ao valor seguro à data do sinistro de 20.124,57€, deduzido do valor correspondente à franquia de 250,00€.

14.À data do evento descrito em 3., a 1.ª R. tinha assumido os riscos decorrentes da atividade da 2.ª R., nomeadamente pela exploração de uma oficina de reparação de veículos a motor, de estações de serviço e garagens, em documento titulado pela apólice n.º ..., onde se pode ler, nas ditas «Condições Particulares», e sob a menção «Resumo dos objetos seguros/locais de risco seguros na Apólice»:

15.Nas ditas «Condições Gerais», apostas em documento intitulado de «Seguro de Multirriscos Negócios», o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, poder ler-se, sob a menção «Cláusula 3.ª – Cobertura Base»:

«A cobertura base do contrato garante, até ao limite do capital fixado no Quadro I do Anexo às presentes Condições Gerais, ou outro que venha a ser contratado e indicado nas Condições Particulares, o pagamento de indemnizações resultantes diretamente dos seguintes riscos:

1. Incêndio […]».

16.“Na cláusula 6ª das Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios, relativamente ao Âmbito de Cobertura-Base consta nas Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios o seguinte:

«1. INCÊNDIO, QUEDA DE RAIO E EXPLOSÃO ÂMBITO DA GARANTIA […]

1. O presente contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndi, ainda que tenha havido negligência do segurado ou de pessoa porquem este seja responsável.

4. O presente contrato pode ainda garantir facultativamente os bens seguros indicados nas Condições Particulares contra o risco de incêndio com o âmbito supra definido, independentemente de se tratar de bens móveis ou imóveis constituídos ou não em regime de propriedade horizontal. […]

12. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL O QUE ESTÁ SEGURO

Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, da responsabilidade civil extracontratual, imputável ao Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultante de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros no exercício da atividade, nas respetivas instalações seguras, decorrentes de:

1. Responsabilidade Civil do Proprietário do Imóvel:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do edifício ou fração segura.

2. Responsabilidade Civil Exploração:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado por danos causados a terceiros em consequência da exploração normal da atividade segura.[…]

EXCLUSÕES ESPECÍFICAS

Para além das exclusões previstas na Cláusula 5.ª, ficam ainda excluídos do âmbito desta cobertura os danos:[…]

h) Causados por quaisquer atividades ou bens, móveis ou imóveis, que, nos termos da lei, devam ser objeto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;[…]»

17. Nas sobreditas «Condições Particulares», como «Limite de Indemnização», e referente a «Danos em Bens de Terceiros», está fixado o valor de 1,00€.

18.No mesmo documento, alude-se, sob a inscrição «Cláusula 7.ª - Âmbito das Coberturas Facultativas»;

«Os limites de indemnização para cada Cobertura Facultativa contratada são, salvo convenção expressa nas Condições Particulares, os constantes do QUADRO II em anexo.».

19.Incluso nessa cláusula, sob as menções «16. Danos em bens de terceiros» e «O que está seguro», pode ler-se:

«1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.

2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.».

19.Constando, igualmente, das sobreditas «Condições Particulares», como «Limite de Indemnização», e referente a «Danos em Bens de Terceiros», o valor de 1,00€.

20.Em consequência do incêndio suprarreferido, o veículo da A. ficou completamente destruído.

21.Bem como todos os pertences que esta guardava no interior daquele, nomeadamente:

 Identificador da via verde, em valor não concretamente apurado;

 Leitor de mp3 portátil, em valor não concretamente apurado;

 Duas trelas, em valor não concretamente apurado;

 Óculos de sol, de marca Chicco, para criança, em valor não concretamente apurado;

 Óculos de sol, de marca Ray-Ban, para adulto, em valor não concretamente apurado;

 Comando de abertura automática da garagem, em valor não concretamente apurado.

22.Até ao dia 11/12/2019, a A. circulou num veículo automóvel de substituição, de caraterísticas não apuradas, concedido por força da imobilização do seu veículo nas instalações da 2.ª R.

“23. No dia 11/12/2019, a A. contactou a Ré B... por e-mail, para saber como actuar, uma vez que tinha que proceder à entrega do veículo de aluguer em que circulava, e que lhe tinha sido atribuído pela seguradora, e necessitava de um veículo para circular.”

24.O veículo da A., identificado em 1., era utilizado diariamente pela mesma, em deslocações inerentes ao seu dia-a-dia, nomeadamente para ir levar e buscar a filha à creche, e em idas ao supermercado e ao médico.

25.Na falta do seu veículo ou de outro, a A. teve de recorrer a veículo emprestado pelo pai, o que fez logo que entregou o veículo de substituição.

26.Toda a situação gerada pela privação do seu veículo e a demora na resolução da mesma causou à A. ansiedade e nervosismo.

27.Para pagamento do imposto único automóvel relativo ao seu automóvel e aos anos de 2020 a 2023, a A. despendeu a quantia total de 910,08€.

28.A A. nunca recebeu qualquer informação quanto à peritagem ou avaliação dos estragos por partes das RR., apesar de ter solicitado por diversas vezes o seu envio.

29.Quem primeiro se apercebeu da deflagração do incêndio foi um utente da lavagem de veículos self-service situadas no logradouro exterior da identificada oficina, que alertou os Bombeiros.

30.Para pagamento do imposto único automóvel relativo ao seu automóvel e aos anos de 2020 a 2023, a A. despendeu a quantia total de 910,08€.

31.O veículo da autora foi matriculado no dia 17.05.2016.

32.Após a autora ter accionado o seu seguro de danos próprios no dia 8.05.2020 a Tranquilidade  informou que feita a vistoria da viatura da autora a reparação dos danos por esta sofridos era excessivamente onerosa face ao valor de mercado antes do acidente, concretamente € 38.2888,93, que a melhor proposta de aquisição da viatura com danos correspondia a € 10,00 e que assim, considerando  o valor do seguro à data do sinistro, € 20.124,57, colocou condicionalmente à disposição da autora a quantia de € 19.864,57, já deduzida da franquia contratual de € 250,00, mantendo a autora a posse do veículo.

33.E no dia 26 de maio de 2020 a seguradora de danos próprios comunicou à autora que assumia a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro, informando que estava à disposição da autora a quantia de € 19.864,57, mantendo a autora a posse do veículo com os danos.

34.No dia 19.06.2020 a autora recebeu a quantia de € 19.864,57 que a Seguradora de danos próprios lhe entregou.

Dos factos não provados

Com relevância para a boa decisão da causa, e além dos factos alegados contrários ou outros que não se concatenam com os factos dados como provados, resultam os seguintes:

a)Na altura em que deflagrou o incêndio, encontravam-se no veículo da A. uns auriculares e cabo de carregamento de «Iphone», no valor de cerca de 35,00€, cintos caninos, e mais do que um comando de abertura automática de garagem.

b)A A. utilizava o seu veículo automóvel para deslocações inerentes ao exercício da sua atividade profissional, bem como para realizar visitas a amigos e familiares.

c)A 2.ª R. apenas tomou conhecimento do incêndio por volta das 02:30h do dia 0812/2019, através de contacto telefónico estabelecido com um irmão do sócio-gerente daquela.

d)O último funcionário da 2.ª R. ao sair das instalações desligou o quadro elétrico geral.

3.4.Fundamentação Jurídica.

3.4.1

Nos autos, a autora imputa à 2ª ré sociedade a responsabilidade pelos danos que aquela sofreu em consequência do incêndio que deflagrou nas instalações de oficina da 2.ª R., onde estava aparcado o veículo da autora que tinha sido entregue à 2ª ré para ser por esta reparado.

Alega que o incêndio importou a destruição total do veículo automóvel que lá se encontrava aparcado para reparação, bem como dos bens que nele se encontravam depositados

Mais alega que a 2ª ré violou as obrigações de guarda e conservação do veículo automóvel da propriedade da A., obrigações essas derivada da alegada celebração de um contrato de depósito acessório ao contrato de empreitada também celebrado, a título principal, com a aquela.

Assim, de acordo com a alegação vertida na petição inicial, a autora imputa a impossibilidade de restituição daquele veículo à 2.ª R. por incumprimento desta da obrigação de guarda e conservação.

Mais. Imputa a assunção dos danos decorrentes daquele evento também à 1.ª R., em virtude de esta ter celebrado contrato de seguro com a 2.ª R., onde cobria a responsabilidade civil relativa à exploração da atividade desta.

E no caso em apreço, a autora não alegou factos que convoquem situações de responsabilidade aquilina e pelo risco previstas no Código Civil.

Enquadra, portanto, a A. a sua pretensão no domínio da responsabilidade civil contratual.

É consabido que a responsabilidade civil pode assumir tanto a modalidade de responsabilidade contratual, quando provém da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei, como a modalidade de responsabilidade extracontratual, também designada de delitual ou aquiliana, quando resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem.[1]

No nosso ordenamento jurídico o regime geral assenta no princípio da responsabilidade baseada na culpa. Daí que ao nível da responsabilidade civil a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos expressamente previstos na lei, conforme resulta do artigo 483º, nº 2, do Código Civil.

A responsabilidade (extracontratual) assente no risco ou na prática de factos lícitos constitui uma excepção àquele princípio, já que permite imputar a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, vigorando aí a chamada responsabilidade objectiva.

A existência da obrigação de indemnizar, independentemente da modalidade de responsabilidade contratual ou extracontratual, depende da verificação dos mesmos pressupostos. Tem, assim, de existir o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico. Indicam-se, no nº 1 do artigo 483º do Código Civil, duas formas essenciais de ilicitude. Na primeira vertente, a violação de um direito subjectivo de outrem; na segunda vertente, a violação de lei tendente à protecção de interesses alheios.

Em caso de responsabilidade civil contratual, a obrigação de indemnização depende do cometimento de um ilícito contratual, envolvendo a desconformidade entre o comportamento devido, esperado e necessário e o comportamento efectivamente observado.

O acto ilícito traduzindo a violação de um dever, implica, em primeiro lugar, a existência desse dever e, portanto, a destinação de um comando a seres inteligentes e livres que podem conhecê-lo e obedecer-lhe; em segundo lugar, a prática voluntária de conduta diferente da devida.[2]

E, para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é necessário que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia e devia ter agido de modo a não cometer o ilícito e não o fez.

A culpa lato sensu abrange as vertentes do dolo e da culpa stricto sensu, i.e., a intenção de realizar o comportamento ilícito que o respectivo agente configurou ou a mera intenção de querer a causa do facto ilícito.

E assentando num nexo existente entre o facto e a vontade do agente – nexo de imputação psicológica – pode a culpa revestir duas modalidades distintas - o dolo e a mera culpa ou negligência.

Agir com culpa significa, pois, actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, sendo que a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo[3]

Quanto ao padrão por que se deverá medir o grau de diligência exigível do agente, mostra-se consagrado na lei o critério da apreciação da culpa em abstracto.

Segundo o artigo 487º, nº 2, do Código Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bonus pater familiae”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso.

Serve, pois, de paradigma a conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa, atendendo à especificidade das diversas situações, sendo que “por homem médio”, se entende o modelo de homem que resulta no meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto.

Actua com culpa, por acto praticado por acção ou omissão, quem omite o dever de diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, as vertentes consciente e inconsciente. No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; na segunda vertente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não previu a realização do facto ilícito como possível, podendo prevê-la se, como se refere no Ac. STJ de 08.03.2007 (Pº 07B566), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, nisso concentrasse a sua inteligência e vontade.

O dano é a perda ou diminuição de bens, direitos ou interesses protegidos pelo direito, patrimonial ou não patrimonial, consoante tenha ou não conteúdo económico, conforme seja ou não, susceptível de avaliação pecuniária.

Mas, para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é ainda necessário que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Acolheu o Código Civil nesta matéria, no artigo 563º, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.

Esta teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa, sendo a primeira mais restritiva do que a segunda, adoptando a nossa lei a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto – v. Ac. STJ de 24.05.2005 (Pº 05A1333), acessível no citado sítio da Internet.

Verifica-se, portanto, que os pressupostos da obrigação de indemnizar não diferem consoante se esteja perante uma responsabilidade contratual ou extracontratual, residindo a distinção no que toca à prova da culpa.

Com efeito, na responsabilidade extracontratual é ao lesado, na falta de presunção especial de culpa, que incumbe fazer a prova da culpa do lesante. Ao invés, na responsabilidade contratual consagra-se o princípio da presunção de culpa, decorrendo do artigo 799º do CC que, no caso de incumprimento da obrigação é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento ou incumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

Conforme esclarece Antunes Varela[4], no caso da responsabilidade contratual, o dever jurídico infringido está de tal modo concretizado, individualizado ou personalizado que se justifica que seja o devedor a pessoa onerada com a alegação e prova das razões justificativas ou explicativas do não cumprimento.

3.4.2. Do contrato celebrado entre a autora e a segunda ré.

.Posto isto, no caso em apreço, dos factos provados resulta que o veículo automóvel da propriedade da A. foi entregue aos cuidados da 2.ª R. para que fosse por esta realizada peritagem e, posteriormente, realizados os necessários trabalhos de reparação daquele veículo.

Assim, não merece censura o enquadramento jurídico feito pelo tribunal recorrido relativamente ao contrato celebrado entre a autora e a 2ª ré, como correspondendo à contratação de uma obra, que, depreende-se – uma vez que a 2.ª R. tem como atividade lucrativa a exploração de uma oficina (v. facto 14) –, seria onerosa, isto é, contratada mediante o pagamento de contrapartida.

Sendo pacificamente entendido no seio da jurisprudência e doutrina que um contrato mediante o qual alguém se obriga a efetuar trabalhos de reparação em veículo automóvel a troco de um determinado preço se trata de um contrato de empreitada, previsto no art. 1207.º do Código Civil.

O que foi contratado foi sim a avaliação e reparação dos danos verificados no veículo, motivo pelo qual está em causa um contrato de empreitada, e já não, como defende a A., a celebração acessória de um contrato de depósito, pois que o programa contratual entre das partes não incide na guarda e restituição daquele veículo.

A guarda e vigilância impendiam sim como obrigações para a 2.ª R., mas como obrigações acessórias ou secundárias, derivadas do princípio da boa-fé contratual.

Citando Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, vol. XII, edição Almedina 2020, págs. 872/873:

 «cabe ao empreiteiro a guarda e a conservação da obra submetida ao seu controlo material. […]

II- Nas situações em que a obra pertença ab initio ao dono, temos elementos próprios do contrato de depósito. Uma vez que o objetivo da empreitada é a obra final e não a guarda, não se afiguraria necessário construir um negócio misto de empreitada com depósito: temos um dever acessório, numa linha sufragada pela doutrina e pela jurisprudência. […]

Digamos que a guarda e a conservação da coisa surgem como o produto de um dever acessório da empreitada, dever esse que pode apelar às regras do depósito. A empreitada tem, à partida, uma vocação para reunir elementos que, noutras circunstâncias, integrariam diversos tipos negociais.

III. A jurisprudência permite ilustrar o dever de guarda e de conservação de obra, especialmente nas empreitadas relativas à reparação de veículos automóveis. Assim presume-se a culpa de um empreiteiro quando o veículo confiado seja destruído num incêndio, quando sofra danos ou quando seja furtado (…); o empreiteiro responde pelo seu pessoal, devendo ter seguros adequados».

O contrato de empreitada, neste caso de coisa móvel transportada para as instalações do empreiteiro, implica para este a obrigação de efectuar a reparação, ou seja a obra acordada (art.º 1208º do CC), em coisa pertencente ao dono da obra, embora com materiais fornecidos pelo próprio empreiteiro (art.º 1210º nº 1 do CC), procedendo depois à entrega da coisa ao dono da obra, sobre o qual recai a obrigação de pagar o respectivo preço no acto de aceitação da obra.

O disposto no nº 1 do art.º 1212º do CC é aplicável apenas aos casos em que a obra se realiza mediante a construção de uma coisa móvel (ex novo) e não àquela que apenas consiste numa modificação de coisa móvel já existente ou, como no caso, a sua reparação. Neste último caso a propriedade da coisa, embora se trate de coisa móvel, continua a pertencer ao dono da obra.

Efectivamente, embora o Código Civil pareça ter acolhido a concepção restrita de empreitada proposta por Vaz Serra, assente num resultado derivado da criação ou modificação de algo que não se confundia com aquilo que já existia anteriormente, tem-se entendido que é nesta figura contratual que se enquadram situações como a dos autos.

De outra forma a reparação de veículos configuraria um contrato de prestação de serviços de natureza mista – depósito e empreitada –, ficando o empreiteiro depositário da coisa enquanto realiza a obra (reparação) e até à sua entrega ao dono.

Só que o depósito não assume neste caso autonomia, sendo uma mera obrigação acessória, como se decidiu, nomeadamente, nos acórdãos do STJ de 28-11-1994 (processo 087094) e do TRP de 2-2-2015 (processo 953/11.3T2AVR.P1), ambos publicados in www.dgsi.pt.

Nesses casos, tal como no presente, o empreiteiro tem o dever contratual de zelar pelos interesses da contraparte (art.762º, n.º2 do CC) de forma a proteger o objecto do contrato contra eventuais danos futuros ou, nas palavras de Menezes Leitão [5]: «o empreiteiro fica vinculado à guarda e conservação da coisa perante o dono da obra, exactamente nos mesmos termos do contrato de depósito».

Este dever é uma obrigação acessória que torna o empreiteiro responsável pelos prejuízos causados – art.º 798º CC.

Os deveres de guarda e de conservação de obra, nas empreitadas de reparação de veículos são aqueles deveres acessórios ou laterais ao núcleo do convencionado «impostos pela boa fé, que se destinam a permitir que a execução da prestação corresponda à plena satisfação do interesse do credor e que essa execução não implique danos para qualquer das partes»[6]

Aqui na sua vertente de deveres de proteção, pois que, logicamente, quem se obriga a reparar uma coisa, ficando essa mesma coisa na sua detenção, mostra-se igualmente adstrito aos deveres de conservar e zelar pela integridade da coisa, e, naturalmente, restitui-la, quando findos os trabalhos e pago o preço.

Por último, importa assinalar para o caso que a violação dessas obrigações acessórias é suscetível de gerar uma situação de incumprimento, e, bem, assim, de responsabilidade contratual, ressarcível nos termos gerais do direito.

Também Pedro Romano Martinez [7] refere, que, muitas vezes o empreiteiro fica adstrito a guardar a coisa que mais tarde tem de entregar, dever que tem razão de ser quando a coisa tiver sido confiada ao empreiteiro, aplicando-se a esta obrigação de custódia, naquilo que for pertinente, as regras do contrato de depósito. (sublinhado nosso)

Ora, do contrato de depósito decorre a obrigação de restituir a coisa que lhe foi entregue (veículo), com vista a executar a sua reparação – cfr. art.º 1187º al. c) do CC.

A segunda ré estava assim vinculado a efectuar a reparação e a entregar o veículo à autora. Efectuasse ou não a reparação, a obrigação de restituir o veículo existiria sempre.

3.4.3 Do alegado incumprimento contratual por parte da 2ª Ré.

.Posto isto, a autora logrou provar que a 2ª ré não procedeu à reparação do seu veículo e que este foi  destruído em consequência  de incêndio que deflagrou nas instalações da 2ª Ré.

Assim, não tendo reparado o veículo e estando em causa uma obrigação de facto positiva, sobre a 2ª ré, impende nos termos do art. 798.º, n.º 1, do CC, a obrigação de provar que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua, a qual em princípio se presume.

Esta atuou, por isso, ilicitamente, presumindo-se, nos termos gerais, o incumprimento culposo (arts. 798º e 799º, n.º 1 do CC).

De resto, em casos idênticos ao presente em que a coisa a reparar está sob o domínio de facto do devedor, propiciando a este  aceder às razões que estiveram na origem da falta de cumprimento da obrigação de reparação, seguindo alguma doutrina recente, é defensável afirmar que a presunção de culpa a que alude o art 799º, nº1, CC abrange também uma presunção de ilicitude que deve ser ilidida pelo devedor, sob pena de o credor ser castigado com o ónus de averiguação e prova de factos aos quais não teve acesso.[8]

Foi em resultado daquele incêndio que teve origem numa parte das instalações da 2º Ré, concretamente, numa estufa,  que ocorreu a destruição do veículo da autora, sendo que, porque a 2ª ré, tinha o domínio de facto do veículo da autora, por este estar aparcado a pedido da autora para ser reparado, cabia à 2ª ré o ónus de alegar e provar a ocorrência a ocorrência de quaisquer situações desresponsabilizadoras do empreiteiro

Ora, as Rés não lograram alegar, nem provar a ocorrência de quaisquer situações desresponsabilizadoras do empreiteiro. ( caso de força maior, etc, cujas consequências não fossem previsíveis nem controláveis, como são as ocorrências de  ordem natural, a que a empreiteira é totalmente alheio)

Assim, perante a materialidade apurada e o apontado regime jurídico, dúvidas não restam de que a 2ª Ré  na qualidade de entidade que tinha à sua guarda para futura reparação o veículo da autora, não afastou a sua responsabilidade pelo verificado não cumprimento da obrigação de reparação,  não logrando provar que a causa do incêndio lhe era  estranha e não poderia ser por si evitada, antolhando-se manifestamente insuficiente ou irrelevante/inconsequente, por exemplo, o que resulta dos factos indicados sob os itens 3º e 4º e 4ª A dos factos provados.

Assim, nem a 1ª Ré-seguradora, nem  a 2ª ré, que não contestou a ação, lograram provar que a 2ª ré agiu com a diligência mínima que se impõe a uma oficina de reparação de veículos que nas suas instalações tem estufas de pintura com materiais altamente inflamáveis, designadamente dotando a oficina de um sistema eficaz de alarme contra incêndio, alegando  factos tendentes a provar que na exploração da sua actividade cumpriu as legis artis que no caso se impunham, concretamente, desactivando as baterias dos veículos que estavam a ser intervencionados, de modo a diminuir os riscos de incêndio, retirando os veículos da estufa onde estavam materiais inflamáveis etc

Por consequência, indubitável é a culpa e a responsabilidade da 2ª ré, e, por isso, nesta parte divergimos da sentença recorrida.

Como tal estamos perante um incumprimento culposo (art.º 801º e 798º do CC), que confere ao aqui autor o direito de exigir do réu não só a restituição do veículo, ou quantia equivalente ao valor que bem tinha no património da autora, como a indemnização dos danos que lhe causou com o seu incumprimento.

3.4.4. Da Pretensão condenatória dirigida contra a co -ré seguradora.

3.4.4.1

Afirmada que está a responsabilidade civil da 2ª ré, e antes de proceder à determinação dos danos cuja reparação é requerida pela autora-recorrente importa agora apreciar e decidir sobre a pretensão que foi dirigida contra a seguradora.

E nessa tarefa importa antes de tudo o mais, proceder à determinação do objecto do contrato de seguro multi-riscos de natureza facultativa dos autos.

Vejamos.

Como resulta da factualidade apurada, entre a 1º ré-seguradora e a 2ª ré foi celebrado um seguro facultativo multirriscos cujas coberturas estão descritas nos factos provados, ao qual é aplicável a Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo DL 72/2008, de 16 de abril, e com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2009.

Os arts 137.º e 138.º do RJCS, dão-nos a noção do seguro de responsabilidade civil como sendo aquele em que “o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros”, garantindo tal seguro “a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado”.

Está-se no âmbito de um contrato formal regido fundamentalmente pelas cláusulas da respetiva apólice, sem prejuízo das disposições do DL 72/2008, de 16/04 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

Este diploma, ao contrário do que sucedia no âmbito da legislação anterior, regula expressamente os casos em que o lesado pode demandar diretamente o segurador.

Refere-se no preâmbulo do citado diploma que, «no seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado pode demandar diretamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil. Por isso, a possibilidade de o lesado demandar diretamente o segurador depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No seguro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador».

No âmbito do seguro facultativo, ao invés do que sucede no seguro obrigatório, o terceiro lesado não pode, em princípio, demandar diretamente a seguradora.

Apenas o poderá fazer nas situações previstas no artigo 140ºs, nºs 2 e 3, do diploma legal citado, cuja epígrafe é a “Defesa Jurídica”, aí se estabelecendo:

«2. O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.

3. O direito de o lesado demandar diretamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.»

Ou seja, no nº 2 remete-se para a previsão contratual a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora; no nº 3, tal possibilidade depende de o segurado ter informado da existência do contrato de seguro e no seguimento dessa informação o lesado iniciar negociações diretas com a seguradora.

«(…) Além da referida informação é necessário que se tenham iniciado negociações diretas entre o lesado e o segurador, o que, em nenhum caso, poderá equivaler à mera apresentação de reclamação do lesado perante o segurador com a consequente resposta deste». José Vasques, LCS anotada, pág. 483.

Ora, dada a natureza facultativa do seguro em apreço importa desde já afirmar que apesar de a autora não ter alegado que iniciou negociações directas com a seguradora, resulta dos factos provados que está justificada a demanda directa da 2ª ré-segurada e da 1ª ré, seguradora, uma vez que os factos revelam que, ainda que sejam incipientes, houve negociações diretas.

3.4.4.2

Afirmada que está a possibilidade da demanda directa da 2º ré-seguradora, importa agora apreciar e decidir se o sinistro ocorrido, traduzido no deflagrar de um incêndio nas instalações da 2ª ré, está incluído nas coberturas do seguro multirriscos celebrado entre a 1ª e a 2ª ré.

Nessa tarefa importa convocar as normas jurídicas pertinentes bem como as orientações que a propósito a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores apontam, sendo que nesta parte temos como referência consistente os  Acs: do STJ 10.03.2016, proc nº 4990/12.2TBCSC.L1.S1; AC. RC de 30.06.2015 proc nº 20/10.7TBPPS.C1; Ac. da RL de 19/12/2019 (relator Carlos Castelo Branco), Ac. Rg de 11.03.2021 ( relator Alcides Rodrigues), in www.dgsi.pt.

No art. 1º do RJCS dispõe-se sobre o conteúdo típico do contrato de seguro, dizendo-se que, “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.

Como referem P. Romano Martinez e outros [9], “a obrigação típica do segurador não é a de assumir o risco de outrem, mas sim a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado a tal risco. O sinistro é o “evento aleatório” a que se refere o art. 1º (…). O contrato de seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (máxime, pagar uma quantia), relacionada com o risco do tomador do seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura).(…)

A cobertura é uma atribuição que se realiza por mero efeito do contrato”, sendo “com a cobertura que a obrigação de pagar o prémio constitui uma relação sintagmática ou (…) uma relação de troca”. É “o contrato de seguro que define exactamente que risco é esse, pois só é sinistro «a ocorrência do evento aleatório previsto no contrato». Nessa medida, diz-se que é um risco formal aquele que releva para o contrato de seguro”.

Constitui, deste modo, o risco um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, traduzindo-se o mesmo na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato.

O risco é assim delimitado em função do tipo de evento como tal contemplado, bem como relativamente à localização e ao tempo em que possa ocorrer.

Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita, primeiro, por cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, depois, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base.

Por outro lado, subjacente a qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está o sinistro, consubstanciando-se este como a realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro; não coincide necessariamente com o acidente, mas com as consequências deste.

Deste modo, enquanto o risco se traduz na “previsão abstracta do evento, como possível ou provável”, o sinistro é, por sua vez, “a realização e concretização desse evento”.

“A verificação do risco corresponde à ocorrência daquilo que no preceito se designa por “evento aleatório”. O qualificativo parece ser usado, neste contexto, como um sinónimo de incerto”.

(…)

“O evento cuja verificação dá azo ao pagamento da prestação convencionada deve estar previsto no contrato – com efeito, fora do contrato um evento é apenas um evento. (…). O sinistro – quando acontecer – será assim um facto jurídico, um “evento” que o direito considera relevante e a que, por isso, associa determinados efeitos. (…). É o contrato que o transforma em “sinistro” [10]

Atento o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), expressamente reafirmado no art. 11.º do RJCS, o contrato de seguro é regulado pelas estipulações da respetiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, supletivamente, pelas disposições do Regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo citado Decreto Lei e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4.º do RJCS).

Importa ter ainda presente que o âmbito de aplicação do regime geral do contrato de seguro não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais (art. 3º do RJCS).

Da texto da apólice devem constar, no mínimo, a natureza do seguro e os riscos cobertos (art. 37º, n.º 2, als. c) e d) do RJCS).

Devem ainda constar da apólice, escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes, as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação (al. b) do n.º 3 do art. 37º do RJCS).

Em regra, a apólice dos contratos de seguro, documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, contém (i) condições gerais, que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade, (ii) condições especiais, que completando ou especificando as condições gerais são de aplicação generalizada a determinados contratos do mesmo tipo, e (iii) condições particulares, que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir (art. 37º, n.º 1, do RJCS)[11]

Em geral, para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar, as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato.

A lei não estabelece qualquer hierarquia entre as referidas condições, mas a própria lógica gerais>especiais>particulares, refletindo uma progressiva aproximação a um contrato em concreto, evidencia a regra segundo a qual as cláusulas particulares especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes (art. 7º, primeira parte, do Decreto Lei n.º 446/85), ao que acresce não poderem as condições especiais e particulares modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado[12]

No que diz respeito à interpretação e integração das declarações negociais estabelece o art. 10º do citado Dec. Lei n.º 446/85 que “[a]s cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”.

Seja nas cláusulas contratuais gerais e especiais do seguro, sejas nas cláusulas particulares, estas individualmente contratadas, deve seguir-se as regras gerais de interpretação das declarações negociais previstas nos arts. 236º a 238º do CC.

Do aludido art. 236º do CC decorre que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (n.º 1); sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (n.º 2). Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o art. 238º do CC vem restringir os termos do art. 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Consagrando, na primeira parte do n.º 1 art. 236º do CC, a doutrina da impressão do destinatário, do enunciado preceito normativo resulta que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia. “Há que imaginar – (…) – uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, (…) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo”, sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso (…), pessoa de qualidades médias (…), de instrução, inteligência e diligência normais.

Por outro lado, conforme é assinalado nos Acs. do STJ de 19/06/2018 (relator Paulo Sá) e 5/07/2012 (relator António Joaquim Piçarra), ambos disponíveis in www.dgsi.pt., que enunciam variada doutrina no domínio da interpretação de um contrato, que (…) consiste em determinar «o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações" (…), surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (…) bem como “os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc”

E como assinalado no Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.importa ter também presente o princípio da boa fé contratual, no sentido de que os contratos devem ser negociados, celebrados, interpretados, integrados e cumpridos, segundo os princípios da boa fé. Dado que o contrato de seguro, em especial no que se trata das cláusulas gerais que o regem, é essencialmente um contrato de adesão, em que o particular aceita um conjunto de cláusulas, cujo texto foi via de regra preparado antecipada e genericamente pela seguradora (e que normalmente só pode aceitar ou recusar, sem lhe poder introduzir qualquer alteração), a interpretação das suas cláusulas de harmonia com os princípios da boa fé é uma forte e natural imposição legal

Igualmente relevante e assinalado pela doutrina e jurisprudência [13] é o facto de o regime imperativo das cláusulas contratuais gerais aplicar-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas já não às cláusulas particulares, as quais não participam dos requisitos das cláusulas predispostas por apenas uma das partes, pelo que se lhes aplicam as regras gerais de interpretação do negócio jurídico.

Para terminar esta exposição de cariz teórica há que ter em conta o seguinte:

– É à autora que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1, do CC);

– Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, tais como as causas de limitação ou os factos excludentes da sua responsabilidade (n.º 2 do mesmo preceito) (95).

.Feitas estas considerações, importa agora apreciar se o risco seguro no contrato de seguro celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés, inclui, ou não, os danos sofridos por terceiros ( incluindo bens de terceiros ) em consequência da afirmada responsabilidade civil contratual em que incorreu a  2ª ré, no que ao caso releva, os danos materiais  e não materiais sofridos pela A..

O contrato de seguro celebrado entre a 1ª e a 2º ré, no que respeita à questão que neste âmbito assume relevância, caracteriza-se, essencialmente, pela sua natureza de contrato de adesão determinado pela circunstância de um dos outorgantes (o segurado) não ter qualquer intervenção na preparação das cláusulas respeitantes às condições gerais e especiais, limitando-se a aceitar o clausulado elaborado e proposto pela seguradora.

Neste tipo de contratos a liberdade negocial do segurado circunscreve-se, para além do que toca às Condições Particulares, apenas à possibilidade de celebração do negócio pois que, querendo firmar o contrato, é obrigado a aceitar o clausulado que, nesse sentido, lhe é imposto – artigo 1º do DL 446/85, de 25.10.

Situando-se fora do âmbito dos seguros obrigatórios e reduzido a escrito, o contrato ora em causa, não se coloca qualquer dúvida quanto à validade e eficácia do respectivo clausulado, enquanto regido pela liberdade de fixação dos riscos cobertos e do âmbito das respectivas coberturas pelas partes, dentro dos limites permitidos pela lei (art. 405º C. Civil)

Consequentemente, o problema é de interpretação e integração da declaração negocial e a questão a decidir é a de saber se o evento causador do prejuízo correspondente à indemnização peticionada constitui sinistro com responsabilidade transferida para a 1ª Ré, nos termos em que o define e delimita o objecto do contrato de seguro, e que não está excluído pelo clausulado nas Condições Gerais e Particulares da Apólice, é conforme às regras previstas para o efeito nos arts. 236.º a 238.º do Código Civil.

Pacífico o entendimento segundo o qual é matéria de direito a interpretação do negócio jurídico quando se não dirija ao apuramento da vontade real das Partes, mas, desconhecida esta, se devam seguir os critérios previstos nos citados arts. 236º-1 e 238º-1, compete a este Tribunal, no quadro legal enunciado, determinar o sentido com que deve ser fixado o objecto contratual.

O n.º 1 do art. 236.º acolhe a denominada "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, respondendo o declarante “pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela” (FERRER CORREIA, “Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, 201.)

Entre as circunstâncias atendíveis, apontam-se os termos do negócio, os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os usos e os hábitos do declarante, a conduta das partes após a conclusão do negócio, os usos da prática em matéria terminológica, além de outras (MOTA PINTO, "Teoria Geral do Direito Civil", 3.ª ed., 450/1; ac. STJ, 15/5/001, CJ/STJ, IX-II-85).

Estando em causa negócios formais, o objectivismo exigido ao intérprete impõe que o sentido correspondente à impressão do destinatário não possa valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento – art. 238º-1 C. Civil.

Só assim não será, como especialmente previsto no n.º 2 do mesmo art. 238.º, quando, não se encontrando, embora, na declaração uma expressão minimamente adequada, esse sentido não traduzido corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham «à validade de um sentido que, no ponto considerado, exorbite da declaração».

Vem-se entendendo que, no contrato de seguro, o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, vale dizer ao “âmbito do contrato” nas suas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que ”claramente” se apresentem com tal conteúdo (cfr. ac. STJ, de 19/10/2010 – proc. 13/07.1TBCHV.G1; J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, “Contrato de Seguro, Estudos”, pg. 124; JOSÉ VASQUES, “Contrato de Seguro”, pg. 350 e 355).

Por outro lado, como se ponderou no ac. do Supremo de 28/3/95 (BMJ 445 – 519), no tocante à tutela da vontade do segurado, haverá que ter também em conta o critério interpretativo fixado no art. 237º C. Civil, que vai “no sentido de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente: impõe-se, como regra, o princípio in dubio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzirá a um maior equilíbrio das prestações”. Assim, “se em caso de litígio se pretender extrair das cláusulas uma significação que o aderente não surpreendeu, não poderá tal significação prevalecer”.

Efectivamente, no seguimento da convocação e aplicação dos princípios da boa fé (arts. 227º-1 e 762º-2 C. C.) e da confiança, a lei responsabiliza o declarante pelo sentido da sua declaração, fazendo-o responder pelo sentido que a outra parte teve de considerar querido ao captar as intenções daquele, ou seja, pela aparência da sua (do declarante) vontade.

É a consequência da violação da obrigação do dever de o declarante se exprimir da forma mais clara e correcta possível e do direito do declaratário a “fundar a sua confiança na aparência objectiva (para si) da vontade do autor da declaração”, desde que aquele pudesse contar com esse sentido (cfr. FERRER CORREIA, “ob. cit.”, pg. 194).

Dada a natureza das cláusulas interpretandas são de convocar, quanto ao sentido com que deve valer o vertido nas Condições Gerais e Especiais, ainda, em especial, as normas constantes dos arts. 10º e 11º do DL n.º 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/8 e 249/99, de 7/7.

Posto isto, os seguros multi-riscos, como o dos autos, têm uma componente de danos próprios e outra de responsabilidade civil, sendo que ao caso importa considerar esta última.

Nesta vertente da responsabilidade civil, importa reter as seguintes cláusulas gerais e particulares do contrato de seguro em apreço:

A Claúsula 6ª das Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios, relativamente ao âmbito de cobertura-base consta nas Condições Gerais do Contrato de Seguro de Multirriscos Negócios estabelece o seguinte:

«1. INCÊNDIO, QUEDA DE RAIO E EXPLOSÃO ÂMBITO DA GARANTIA […]

1. O presente contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndi, ainda que tenha havido negligência do segurado ou de pessoa porquem este seja responsável.

4. O presente contrato pode ainda garantir facultativamente os bens seguros indicados nas Condições Particulares contra o risco de incêndio com o âmbito supra definido, independentemente de se tratar de bens móveis ou imóveis constituídos ou não em regime de propriedade horizontal. […]

12. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL O QUE ESTÁ SEGURO

Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, da responsabilidade civil extracontratual, imputável ao Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultante de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros no exercício da atividade, nas respetivas instalações seguras, decorrentes de:

1. Responsabilidade Civil do Proprietário do Imóvel:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do edifício ou fração segura.

2. Responsabilidade Civil Exploração:

Esta cobertura garante as indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que ao abrigo da lei, sejam exigíveis ao Segurado por danos causados a terceiros em consequência da exploração normal da atividade segura.[…]

EXCLUSÕES ESPECÍFICAS

Para além das exclusões previstas na Cláusula 5.ª, ficam ainda excluídos do âmbito desta cobertura os danos:[…]

h) Causados por quaisquer atividades ou bens, móveis ou imóveis, que, nos termos da lei, devam ser objeto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;[…]»

A Cláusula 7.ª sob a epígrafe «Âmbito das Coberturas Facultativas» estabelece:

«Os limites de indemnização para cada Cobertura Facultativa contratada são, salvo convenção expressa nas Condições Particulares, os constantes do QUADRO II em anexo.».

Nessa cláusula, sob as menções «16. Danos em bens de terceiros» e «O que está seguro», pode ler-se:

«1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.

2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.».

Nas «Condições Particulares», está estabelecido como «Limite de Indemnização», e referente a «Danos em Bens de Terceiros», o valor de 1,00€.

Ora, feita a interpretação das referidas cláusulas incluídas nas Condições Gerais e das Condições Particulares,  as mesmas evidenciam, no tocante à responsabilidade civil que o que está coberta pela apólice  e constituiu também o objecto do seguro celebrado entre as rés é a responsabilidade civil extracontratual decorrente da exploração da actividade da 2ª ré, onde se inclui a reparação de veículo,  revelando tais condições que o objeto seguro não inclui a responsabilidade civil contratual do segurada, 2ª ré.

Sendo esse o entendimento que um declaratário normal colocado na posição da Segurada pode retirar das cláusulas contratadas.

Ora, como resulta da petição inicial,  no  caso vertente, a autora  perspectivou a possibilidade de responsabilizar a 2ª ré-segurada  em termos de responsabilidade contratual e foi nesses termos que a sentença recorrida perspectivou a possibilidade de responsabilizar a 2ª ré, perspectiva essa que a recorrente manteve nas alegações de recurso a título principal e , por isso, nesta mesma perspectiva foram analisados os factos apurados relativamente à 2ª ré-segurada.

Termos em que, porque o presente sinistro não se encontra no âmbito de aplicação das coberturas contratadas no contrato de seguro aqui em causa, não está transferida para a 1ª –seguradora a responsabilidade civil contratual da 2ª ré, improcedendo assim a acção quanto á 1ª ré- recorrida.

De resto, tal como como refere a sentença recorrida quanto à responsabilidade objectiva, entendemos que “ a eventual responsabilidade civil extra-contratual por fatos ilícitos ou objetiva da 2.ª R., , nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 503.º do Código Civil, dependeria, necessariamente, que a A. tivesse alegado a factualidade essencial que permitissem a este tribunal apreciá-la daquele prisma, o que não sucedeu, pelo quem, a este Tribunal da Relação está vedado abordar juridicamente os factos provados noutra perspectiva que não seja a responsabilidade contratual da segunda ré resultante do incumprimento culposo do contrato de empreitada celebrado com a autora.

Assim, com fundamento distinto, concluímos que a ação deve improceder quanto à 1ª Ré, improcedendo quanto a esta o recurso de apelação interposto.

3.4.5 Da pretensão indemnizatória da autora relativamente à 2ª Ré.

3.4.5.1.Nesta parte, a autora pede a condenação da 2ª ré no pagamento da quantia total de 5.067,82€, dos quais:

. 250,00€ da franquia que suportou;

3.000,00€ a título de indemnização pelo dano de privação do uso;

393,00€, a título de danos patrimoniais relativos aos bens que resultaram destruídos;

674,82€, relativo ao IUC que suportou durante os anos de 2020, 2021 e 2022;

bem como, 750,00€, a título de danos não patrimoniais.

E como assinalamos, a autora -recorrente perspectivou a possibilidade de co- responsabilizar a 2ª Ré em termos de responsabilidade contratual e será nesta mesma perspectiva que se irá analisar os factos apurados.

Vejamos.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - CCivil artº 562º. É o que se designa pelo princípio da reparação "in pristinum". A obrigação de indemnização só existe, no entanto, em relação aos danos que os lesados provavelmente não teriam sofrido se não fosse a lesão - CCivil artº 563º. É o que se chama de causalidade adequada. Quer dizer que o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo, indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto se registarem - Cfr. Prof. A. Varela, " Das Obrigações em Geral"  1ª ed., 651 e 659.

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão - CCivil artº 564º nº 1. É o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes. A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor - CCivil artº 566º nº1. Tal indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos - CCivil artº 566º nº2.

E porque releva para a decisão a proferir importa tecer algumas considerações quanto ao dano de privação de uso de veículo.

Quanto ao dano de privação do uso do veículo, como  tem sido assinalado, na jurisprudência[14] e na doutrina[15] a problemática da ressarcibilidade do dano de privação do uso (mormente de veículo automóvel) e da sua quantificação não tem obtido, entre nós, uma resposta unívoca sendo que em resultado dessa privação podem ocorrer :

.um dano emergente (derivado da utilização mais onerosa de um meio de transporte alternativo, designadamente o aluguer de outro veículo)

. e/ou um lucro cessante, em consequência da perda de (eventual) rendimento que o veículo propiciava, como no caso de o mesmo ser utilizado em alguma atividade comercial, por exemplo, em serviço de táxi.

Mas pode ainda considerar-se que concorre aí um outro dano, que consiste na própria privação do uso do veículo, na simples privação desse uso.

Os dois primeiros danos referidos não suscitam especiais dificuldades, posto que a respetiva indemnização encontra-se expressamente prevista na lei (art. 564º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil).

Discutido tem sido, porém, o reconhecimento do dano da mera privação do uso, sendo que o principal óbice que tem sido erigido à sua ressarcibilidade prende-se com a sua natureza abstrata, quando é certo que a responsabilidade civil exige a produção de um dano concreto cuja medida sirva para quantificar a indemnização, acrescentando-se outrossim que o simples dano da privação não seria compatível com a teoria da diferença (que se mostra consagrada no art. 566º do Cód. Civil), uma vez que a comparação que esta pressupõe (entre a situação real e a situação que existiria se não fosse o evento danoso) não pode revelar a existência daquele dano.

Trata-se de questão que tem sido discutida quer na doutrina quer, sobretudo, na jurisprudência, perfilando-se, essencialmente, três posicionamentos:

Assim, para uns o dano da mera privação do uso não é indemnizável, já que para que a privação seja ressarcível, terá de fazer-se prova do dano concreto e efetivo, isto é, da existência de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem; para outros, a simples privação do uso, só por si, constitui um dano indemnizável, mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou destino que seria dado ao bem; outros ainda advogam que se, por um lado, não basta a simples privação do uso do bem, por outro, também não se exige a prova de danos concretos e efectivos, sendo, contudo, essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização.[16]

Das enunciadas teses tem sido a segunda aquela que vem obtendo maior acolhimento na doutrina,[17] que vem sustentando ser essa a posição que melhor tutela a lesão dos interesses do proprietário de um veículo que se vê privado de extrair dele todas as vantagens e utilidades que o seu uso lhe proporciona, não podendo deixar de reconhecer-se como lesiva do seu património a perda, em si mesma, da possibilidade de continuar a usufruí-lo, por facto ilícito de um terceiro, durante o período de tempo em que tal se verificar. De facto, um veículo está, em regra e por sua natureza, destinado a proporcionar ao seu proprietário ou legítimo detentor utilidades (designadamente a possibilidade de se deslocar para onde quiser e quando quiser) que só podem ser fruídas por via do uso. Ora, impedido este, há um prejuízo que se traduz na impossibilidade de fruir essas utilidades, situação que pode ou não implicar lucros cessantes e/ou danos emergentes com tradução monetária imediata, mas que, em regra, importa a frustração do gozo.

Daí que, tomando posição a respeito, e cientes de que «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas» (cf. o artigo 1305.ᵒ do Código Civil), entendemos que  a privação do uso não pode ser aferida (e consequentemente resolvida) em abstracto, isto é, apreciada em função da simples impossibilidade objectiva, ainda que constatada, de utilização da coisa.

Assim, demonstrados que estejam os requisitos da responsabilidade civil (subjectiva ou objectiva)  existe um dano patrimonial, posto que as utilidades proporcionadas por um veículo automóvel suscetíveis de serem fruídas, consideradas em si mesmas, têm valor pecuniário, tanto mais que a simples detenção do veículo, tendo um determinado valor intrínseco, determina encargos que se mantêm independentemente da utilização que lhe é dada ou do facto de ficar paralisado por razões não imputáveis ao seu proprietário.

Tal como refere António Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001, a privação do uso de um veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado, que em regra causa um prejuízo material, devendo avaliar-se concretamente qual a compensação adequada de acordo com a gravidade e destino dado ao bem (equidade artigo 4º do CCivil- ou condenação genérica sendo essa a situação).

 Deverá atender-se ao caso concreto tendo-se em conta a nomeadamente a disponibilidade de outro veículo ou o grau de utilização que era dado durante o período de privação, sendo que a privação deverá ser compensada com a atribuição de um quantitativo correspondente ao desvalor emergente da acção. Conforme refere o citado autor a falta de prova de despesas realizadas depois de um sinistro não implica necessariamente a falta de prejuízos, dado que sempre existe um desequilíbrio material entre a situação que existiria e aquela que existe decorrente da privação do uso. E esse ressarcimento poderá ser realizado através de uma compensação em dinheiro recorrendo-se à equidade, sem prejuízo da importância que pode assumir a quantia necessária para o aluguer de um veículo com características idênticas à do veículo paralisado, sendo que se deve ter em conta o valor real do veículo e o seu período de vida útil.

3.4.5.2

.Feitas estas considerações, temos de atentar nos seguintes factos:

“20.Em consequência do incêndio suprarreferido, o veículo da A. ficou completamente destruído.

21.Bem como todos os pertences que esta guardava no interior daquele, nomeadamente:

 Identificador da via verde, em valor não concretamente apurado;

 Leitor de mp3 portátil, em valor não concretamente apurado;

 Duas trelas, em valor não concretamente apurado;

 Óculos de sol, de marca Chicco, para criança, em valor não concretamente apurado;

 Óculos de sol, de marca Ray-Ban, para adulto, em valor não concretamente apurado;

 Comando de abertura automática da garagem, em valor não concretamente apurado.

22.Até ao dia 11/12/2019, a A. circulou num veículo automóvel de substituição, de caraterísticas não apuradas, concedido por força da imobilização do seu veículo nas instalações da 2.ª R.

23O veículo da A., identificado em 1., era utilizado diariamente pela mesma, em deslocações inerentes ao seu dia-a-dia, nomeadamente para ir levar e buscar a filha à creche, e em idas ao supermercado e ao médico.

24.Na falta do seu veículo ou de outro, a A. teve de recorrer a veículo emprestado pelo pai, o que fez logo que entregou o veículo de substituição.

25.Toda a situação gerada pela privação do seu veículo e a demora na resolução da mesma causou à A. ansiedade e nervosismo.

26.Para pagamento do imposto único automóvel relativo ao seu automóvel e aos anos de 2020 a 2023, a A. despendeu a quantia total de 910,08€.”

Do valor da franquia.

Para além do valor equivalente ao do veículo que o réu estava obrigado a restituir-lhe, a autora pede uma indemnização pelo dano da privação do uso do veículo e a título de danos não patrimoniais.

Assim, considerando não ser já possível à segunda ré restituir o veículo, em razão de este ter ficado destruído com o incêndio, deveria restituir valor equivalente,

Contudo, nessa parte a autora já foi indemnizada junto da seguradora de danos próprios, devendo, assim, a segunda ré, na parte relativa ao valor do veículo pagar à autora o valor correspondente à franquia do seguro de danos próprios, equivalente a € 250,00.

.Quanto ao dano da  privação do uso de veículo.

Como afirmamos, constitui uma ofensa ao direito de propriedade, na medida em que o seu dono fica privado do uso que lhe dava.

Questão que, naturalmente, se coloca é a de saber em que termos deve ser fixado o quantum indemnizatur em situação como a presente, porquanto a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil), que serve de critério para essa determinação, não se revela, em concreto, operacional para tal efeito.

Ora, quando – como é o caso - a privação do uso não se traduza numa diferença patrimonial quantificável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, ficamos carecidos de valores para calcular a diferença, não obstante a existência de um dano que tem, como se referiu, de ser indemnizado.

E no caso não se nos afigura adequado ter como referencial o valor locativo do veículo, o que, nem a autora peticiona.

Todavia independentemente do uso que a autora dava ao veículo, a autora, cujas condições socio-económicas são desconhecidas, por nada ter sido alegado a propósito, tem direito a ser ressarcido pelo dano peticionado.

A utilização dos bens faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem e que a simples possibilidade de utilização ou de não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectada, deve ser ressarcida. Cfr. António Abrantes Geraldes, «Indemnização do dano da privação do uso», pág.26 e Menezes Leitão, «Direito da Obrigações», I Vol., pág.316/317.

Isto é o bastante para determinar o ressarcimento mediante a atribuição de uma compensação pecuniária, se necessário recorrendo à equidade (art.566º/3). Cfr. A. Geraldes, ob.cit., pág.47.

Daí que se nos afigure perfeitamente justificado o recurso à equidade para fixar a respectiva indemnização, já que, como emerge do nº 3 do artigo 566.º do Cód. Civil, a avaliação desse dano, se outro critério não puder ser adotado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado.

E no caso a compensação devida pelo dano privação do uso do veículo deve ter em conta o período decorrido desde 11.12.2019, data em que a autora devolveu o veículo de substituição com que circulava por força da imobilização do seu veículo nas instalações da segunda ré, até 19.06.2020, data em que recebeu a indemnização paga pela C..., SA relativa á perda do veículo. (item 13 dos factos provados.

.A C..., S.A., ao abrigo do seguro de danos próprios do veículo da A., entregou a esta, que o recebeu, a 19/06/2020, a quantia de 19.864,57€, correspondente ao valor seguro à data do sinistro de 20.124,57€, deduzido do valor correspondente à franquia de 250,00€.)

E deve ter-se em conta que o veículo da A., identificado em 1., era utilizado diariamente pela mesma, em deslocações inerentes ao seu dia-a-dia, nomeadamente para ir levar e buscar a filha à creche, e em idas ao supermercado e ao médico.

Assim, se considerarmos o período de privação do uso do veículo, cerca de seis meses,  o valor recebido pela seguradora de danos próprios, concretamente € 19.864,57, se considerarmos os valores que em situações análogas vêm sendo fixados pela jurisprudência[18], afigura-se-me justo e equilibrado, em termos de equidade, considerar  em 15 € o prejuízo diário sofrido pela autora- recorrido, pelo que, em  termos de equidade,  fixo na quantia de 2 500,00 Euros a indemnização devida à autora- recorrente pela privação do uso do veículo veículo (art.º 566º, nº 3, do CC)[19], valor acrescido dos juros legais de mora que se vencerem a partir do trânsito em julgado desta decisão até efectivo e integral pagamento.

De resto, como é sabido, a contagem dos juros sobre a indemnização fixada pela equidade  faz-se a partir da data da decisão atualizadora da indemnização, e não a partir da citação, conforme estabelece o  acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de maio de 2002 (Diário da República – I Série-A, 27 de junho de 2002), fixou como jurisprudência:  “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do art. 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação”.

Dos danos não patrimoniais

Os nossos Tribunais e especificamente o STJ, vêm considerando serem ressarcíveis os danos não patrimoniais em sede de responsabilidade civil contratual, constituindo o art.º 496 do CC (inserido no instituto da responsabilidade civil extracontratual) mero afloramento do princípio geral indemnizatório de tais danos. Neste sentido ver entre muitos outros os Acórdãos de 10-02-2005 - Revista n.º 4512/04 - 7.ª Secção - Ferreira de Sousa (Relator), Armindo Luís e Pires da Rosa; 08-03-2005 - Revista n.º 203/05 - 6.ª Secção - Azevedo Ramos (Relator), Silva Salazar e Ponce de Leão; 16-06-2005 - Revista n.º 1178/05 - 7.ª Secção - Araújo Barros (Relator) *, Oliveira Barros e Salvador da Costa; 05-07-2005 - Revista n.º 2015/05 - 6.ª Secção - Silva Salazar (Relator), Ponce de Leão e Afonso Correia; 27-11-2012 - Revista n.º 479/10.2TBCHV.P1.S1 - 1.ª Secção - Alves Velho (Relator), Paulo Sá e Garcia Calejo

O mesmo sucede na doutrina, ainda antes do actual Código Civil – Vaz Serra (Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1962, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 95.º, n.º 3236, págs. 361 e segs), Inocêncio Galvão Telles, in Manual de Direito das Obrigações, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1965, pág. 203; ou Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil (Comentário ao Código Civil Português), vol. XII, o qual elenca vários exemplos a págs. 432 e 433.

Mais recentemente, também no sentido de a responsabilidade contratual contemplar a indemnização por danos não patrimoniais, exemplificativamente, temos Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2013., págs. 603-604; Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pp. 31-34 (nota); e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1989, págs. 383-385)

Ponto é que entre o facto gerador dos danos e estes ocorra o necessário nexo de causalidade adequada e que os mesmos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artºs. 563.º e 496.º, n.º 1, do CC).

A propósito da forma de se proceder à avaliação da gravidade do dano a doutrina[20] tem considerado que a mesma deve aferir-se segundos critérios objectivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num certo momento histórico, e tendo em conta o circunstancialismo do caso – e não de harmonia com percepções subjectivas ou de uma particular sensibilidade do lesado.

O recurso a um critério objectivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade.

Sob esse enfoque, como se escreveu no citado Ac desta Relação de 10.01.2022, vem constituindo orientação jurisprudencial consolidada[21] que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do transcrito inciso normativo, sendo que, neste conspecto, se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade. Dito de outro modo: um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação.

.Postas tais considerações, revertendo ao caso em apreço, resulta dos factos provados que relativamente aos alegados danos morais apenas ficou provado que (26)”Toda a situação gerada pela privação do seu veículo e a demora na resolução da mesma causou à A. ansiedade e nervosismo.”

Ora, com o devido respeito, não se antolha em que medida o enunciado fáctico supra referido permite afirmar estarmos, no caso, em presença de uma situação que se situe dentro do aludido patamar de gravidade superior que a lei erige como pressuposto para atribuição de uma compensação por danos de natureza não patrimonial, uma vez que não revestem uma gravidade objectiva tal que possam ser enquadráveis no disposto no artº 496.º n.º 1 do Cód. Civil, não sendo despiciendo sublinhar que o prejuízo sofrido pela autora com a privação da sua viatura já se mostra ressarcido pela atribuição de uma indemnização que se destina, precisamente, a compensá-la pelas “dificuldades acrescidas” que o comportamento da segunda ré implicou para a autora,   sendo certo outrossim que os maiores custos gerado com a acção  são legalmente ressarcíveis, mormente pelo mecanismo das custas de parte (cfr. art. 533º e art. 26º do Regulamento das Custas Processuais).

Assim, decidimos que a materialidade alegada e provada pela autora  no sentido de justificar a atribuição de uma compensação pelos danos morais não assume a gravidade legalmente suposta, razão pela qual não se irá atribuir à autora-recorrente qualquer montante a esse título.

.Dos  danos patrimoniais sofridos pela autora com a destruição dos bens que se encontravam no interior do veículo  destruído pelo incêndio.

Considerando a factualidade apurada no item 22º  resulta que não ficaram provados os concretos valores dos bens que ficaram destruídos, pelo que,  nesta parte, a segunda ré deve ser condenada a pagar à autora o valor correspondente à soma dos valores  parcelares dos  bens destruídos, não superior ao valor total de 393,00€, a título de danos patrimoniais relativos aos bens que resultaram destruídos e descritos no item 22 dos factos provados,  devendo ser relegada para incidente de liquidação o apuramento dos concretos valores dos bens destruídos, nos termos do nº2, do art. 358º e segs do CPC, tendo a liquidação de ser, obrigatoriamente, requerida na ação declarativa, já extinta por sentença (art. 277, al. a)), que, uma vez admitido o incidente, se considera renovada, para o efeito da liquidação.

Assim, estando judicialmente verificados danos,( como pressuposto da obrigação de indemnizar) mas não sendo possível quantificá-los, na presente  acção declarativa onde se opera a verificação, a condenação irá  fazer-se pela quantia que se liquidar em execução de sentença, conforme dispõe o artigo 609º, nº2, do Código de Processo Civil.

.Finalmente, no que concerne à pretensão da autora da segunda ré  ser condenada no pagamento do valores pagos a título de  imposto único automóvel relativo ao seu automóvel nos anos de 2020 a 2023.

Da factualidade provada resulta que a A. despendeu a quantia total de 910,08 a título de imposto único automóvel relativo ao seu automóvel nos anos de 2020 a 2023.

Todavia, importa tecer as seguintes considerações.

Resulta dos factos provados nos itens 1ª a 5ª, 13º, 21º e 22 , bem como dos documentos juntos nºs 40 a 43 da petição, que logo na manhã seguinte à ocorrência do incêndio, 04.12.2019, a autora-recorrente, ficou a saber que o fogo consumira totalmente a sua viatura e que  a autora foi indemnizada pela perda do veículo, o que prova a destruição total do veículo.

Ficou também provado que no dia 19.06.2020 a autora foi indemnizada pela perda do veículo pelo valor seguro à data do sinistro deduzido da franquia e do valor do salvado.

Ora, como é sabido, desde 2007, o Imposto Único de Circulação (IUC) passou a ser obrigatório para os proprietários dos veículos, substituindo o Imposto Municipal sobre Veículos, o Imposto de Circulação e o Imposto de Camionagem. De periodicidade anual, deve ser pago durante o mês de matrícula do veículo.

O pagamento do IUC deve ser feito às Finanças, que sabem o que devem cobrar e a quem, através do cruzamento de dados das Conservatórias do Registo de Veículos. A estes dados, associam os sujeitos passivos aos números de contribuinte constantes nos registos.

Compete ao proprietário do veículo a responsabilidade pelo pagamento do IUC e diligenciar pelo abate da matrícula.

Assim, sendo à Autora, proprietária do veículo, incumbia a responsabilidade de pagamento do IUC, atento desde logo o disposto no art.º 3º nº 1 do Código de Imposto Único de Circulação (Lei n.º 22-A/2007, de 2007-06-29), onde estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos. Reiterando-se ainda que se consideram como tais, as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados, sendo que o examinado art.º 3º nº 1 do Código citado consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário.

Por outro lado resulta dos documentos juntos com a petição que o veículo da autora foi matriculado no mês de  maio do ano de 2016 e que no dia 19.06.2020 a C..., S.A., ao abrigo do seguro de danos próprios do veículo da A., entregou a esta, que o recebeu, a quantia de 19.864,57€, correspondente ao valor seguro à data do sinistro de 20.124,57€, deduzido do valor correspondente à franquia de 250,00€ .

O estado do veículo, atentos os factos, preenche o disposto no art.º 119º, nº 1 alínea b) que refere que a matrícula de um veículo deve ser cancelada quando o veículo fique inutilizado. Acrescenta o nº 2 que compete ao proprietário o requerimento para cancelamento da matrícula, quando, diz a alínea a) o veículo fique inutilizado. Mas a lei acrescenta uma outra indubitável possibilidade: a da alínea e): quando deixe de ser utilizado na via publica (flagrante actualidade!). Situação cujo ónus também recai sobre o titular.

A própria lei do seguro obrigatório no seu art.º 41, nº 5 refere que “nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada.” Sendo “perda total” (no citado art.º 41º do Dec.-Lei 291/07 de 21 de Julho) considerado quando: “b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.” – competindo aferir para o efeito a carta enviada pela seguradora constante do facto 10. Veja-se ainda o disposto no art.º 3º do Dec.-Lei nº 78/2008.

Tudo a revelar que a partir do dia  19.06.2020,data em que a autora  foi indemnizada pela perda do veículo pelo valor seguro à data do sinistro deduzido da franquia e do valor do salvado, este no valor de 10,00€,   à autora era exigível ter entregue   o veículo para abate num centro autorizado, o qual, lhe entregaria um certificado de destruição., sendo que este  documento iria  permitir efetuar o cancelamento da matrícula junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT)

Em suma, a partir de 19.06.2020, porque os salvados do veículo da autora já não eram necessários para instruírem o processo de regularização de danos que correu termos na seguradora de danos próprios, o veículo em causa preenchia as características necessárias para que a Autora, por si, pudesse pedir o cancelamento da matrícula.

Ou seja, a partir de 19.06.2020, incumbia ao A., constatada a perda total do veículo, diligenciar pelo abate da matrícula e assim evitar as despesas que agora reclama relativamente ao IUC dos anos de 2021 e 2022, relativamente às quais a 2ª Ré. não é responsável.

A 2ª ré apenas é responsável pelo pagamento do valor de € 224,94 relativamente ao IUC cuja data de pagamento correspondia a 28.04.2020, conforme documento nº53 junto com a petição inicial, improcedendo a pretensão da autora relativamente aos restantes valores peticionados e por ela pagos a título de IUC, sendo que estas últimas despesas que aqui a autora reclama não são devidas pela 2ª R., antes se imputando única e exclusivamente à  própria Autora.

Pelo exposto, acolhendo-se distinta fundamentação jurídica, o recurso de apelação interposto pela autora procede parcialmente relativamente à segunda ré-recorrida, mantendo-se a sentença recorrida relativamente à 1ª ré-seguradora-recorrida, embora com distinta fundamentação jurídica.

Sumário.

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IV – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o presente recurso, e, assim, condenam a segunda ré-recorrida a pagar à Autora-apelante as seguintes quantias:

1. 250,00€ da franquia que a autora suportou, acrescida dos juros legais de mora vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

2. 2 500,00€, em termos de equidade, a título de indemnização pelo dano de privação do uso, acrescida dos juros legais de mora que se vencerem a partir do trânsito em julgado desta decisão até efectivo e integral pagamento e

3.  a título de danos patrimoniais relativos aos bens descritos no item 21 dos factos provados que se encontravam no interior da viatura destruída pelo incêndio,  o valor correspondente à soma dos valores  parcelares dos  bens destruídos descritos nesse item 21, não superior ao valor total de 393,00€, relegando para incidente de liquidação o apuramento dos concretos valores dos bens destruídos, nos termos do nº2, do art. 358º e segs do CPC e

.224,94€, a título de valor pago a título de IUC pago pela autora durante o ano de 2020, acrescida dos juros legais de mora vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento,

 absolvendo a 2ª ré da parte restante das pretensões da autora e confirmam a sentença recorrida, embora com distinto fundamento, na parte em que julgou a ação improcedente relativamente à 1ª ré-seguradora.

Custas da apelação a cargo da autora e da segunda ré, na proporção dos respectivos decaimentos.


Porto, 23.05.2024
Francisca da Mota Vieira
Isabel Peixoto Pereira
Carlos Portela
________________
[1] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª Edição, pág. 412.
[2] Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 68,
[3] A. VARELA, ob. cit., 463 e ss.
[4] Das Obrigações em Geral, II Vol., 3ª ed., 97.
[5] Direito das Obrigações – volume III, Contratos em Especial», Almedina, 3ª edição, pag. 533
[6] Cfr. Luís Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, Vol. I, 15ª edição, pág. 120.
[7] “Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, 2ª ed.,2001”, pp. 317 e ss; entre outros
[8] Como é sabido, doutrina recente aduzindo fundamentos consistentes, vem defendendo que do art 799º do CCivil resulta uma presunção que abrange não só a culpa como também a ilicitude do devedor, porquanto, na origem do não cumprimento existe uma conduta ilícita do devedor e que essa conduta é também culposa, isto é, argumentam:
Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432);
[9] . Cfr. Lei do Contrato de Seguro – Anotada, 3ª ed./2016, Almedina, p. 38.
[10] Margarida Lima Rego; “O contrato e a apólice de seguro”, in Temas de Direito dos Seguros; II, Almedina, 2012, p. 21).
A formação do contrato de seguro materializa-se num conjunto de atos coordenado em correspondência com um determinado modelo legal pré-definido,
[11] Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, (…), pp. 30-31 e o Ac. do STJ de 4/12/2014 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. José Vasques, in Lei do contrato de Seguro Anotada (Pedro Romano Martinez e Outros), 2016 – 3ª ed., Almedina, pp. 218 e 219.
[13] Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, (…), p. 350, Ac. do STJ de 31/01/2019 (relatora Graça Trigo), Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), Ac. da RP de 17/01/2008 (relator Teles de Menezes) e Ac. da RG de 20/02/2020 (relatora Maria João Matos), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2008, de 03.05.2011, de 8.5.2013, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2022.
[15] Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, Coimbra, Almedina, 2001.
[16] Neste sentido, acórdão do STJ de 13.05.2011, relatado por Nuno Cameira, cujo sumário, pela relevância, se transcreve:
“I - A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC.
II - Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização.
III - A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto.
IV - Tendo o autor demonstrado que usava o veículo sinistrado no apoio à actividade de construção civil a que se dedica, bem como nas suas deslocações diárias e de lazer, tal mostra-se suficiente para justificar a atribuição duma indemnização a título de privação do uso.
V - O que na essência define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir.
VI - A avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC.”
[17] Assim, Júlio Gomes, O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, 1998, págs. 274 e seguintes e, do mesmo autor, Custo das reparações, valor venal ou valor de substituição?, in Cadernos de Direito Privado, nº 3, págs. 62 e seguintes; Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, vol. I - Indemnização do dano da privação do uso, 3ª edição, págs. 72 e seguintes; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, págs. 297 e seguinte e Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 6ª edição, págs. 359 e seguintes.
[18] Entre outros, Ac deste Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2022, in proc. nº 8064/18.4T8SNT.P2, no qual, se entendeu adequado fixar um montante diário de €15,00 a título de indemnização pelo dano em questão, por se revelar ajustado, mostrando-se em linha com os valores que, em análogas situações, vêm sendo fixados na casuística; Ac deste Tribunal da Relação do Porto de 19.05.2022, Processo: 5126/19.4T8VNG.P1, relatado pela ora relatora; Ac. do STJ, Secção Cível, Processo 1056/06.8TVLSB.L1.S1, 1 de fevereiro de 2011 ; Ac Relação de Lisboa, processo 10514/11.1T2SNT.L1.S1, de 17.12.2014, Relator Orlando Afonso; Ac da RL Processo:2430/16.7T8LRS.L1-2 , de 22-10-2020,no qual se considerou o valor de 20 euros como adequado a fixar esse prejuízo diário decorrente da paralisação do veículo.
[20] Cfr., inter alia, ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, Almedina, págs. 628 e seguintes, ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, págs. 483 e seguintes, MENEZES LEITÃO, ob. citada, págs. 316 e seguintes e CAPELO DE SOUSA, in O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 555 e seguinte, onde enfatiza que os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado não justificam a atribuição de uma compensação pecuniária por se estar em presença de prejuízos «que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos».
[21] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 11.05.98 (processo nº 98A12621), de 24.05.2007 (processo nº 07A1187), de 12.07.2018 (processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1) e de 6.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt; Ac. Relação do Porto de 10.01.2022, in proc. nº 8064/18.4T8SNT.P2,