Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0823545
Nº Convencional: JTRP00041600
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: INVENTÁRIO
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
NOTIFICAÇÃO
REPRESENTAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200807010823545
Data do Acordão: 07/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 278 - FLS 63.
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo de inventário, tendo alguns dos interessados, residentes no Brasil, constituído procurador para os representar em diversos actos desse processo em que a sua presença fosse necessária, designadamente na conferência de interessados, não tinham aqueles interessados de ser pessoalmente notificados da data designada para tal conferência.
II - De qualquer modo, a falta dessa notificação, não afectando o exercício dos direitos dos referidos interessados na conferência, na medida em que aí estiveram validamente representados, não integra uma nulidade processual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo n.º 3545/08-2
1.ª Secção Cível


Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

1. B………., cabeça de casal no processo de inventário que corre termos no ..º Juízo Cível da comarca de Santa Maria da Feira com o n.º …/99, interpôs o presente recurso de agravo do despacho que decidiu anular a notificação dos interessados C………. e marido D………., residentes no Brasil, da data designada para a conferência de interessados, por ter sido efectuada na pessoa do seu procurador, com a consequente anulação de todo o processado subsequente, incluindo a dita conferência de interessados, realizada em 05-05-2005.
Concluiu as suas alegações do seguinte modo:
1.º - A interessada C………. não residindo no círculo judicial, não tem de ser notificada para a conferência de interessados.
2.º - A interessada C………. não é revel e tem procurador com poderes para a representar na Conferência.
3.º - O procurador da C………. esteve presente e interveio na mesma em nome dela.
4.º - Já se tinha realizado outra Conferência de interessados na qual a C………. esteve representada pelo irmão procurador E………. .
5.º - A procuração mantém-se válida, pelo que não existe qualquer irregularidade na Conferência de interessados realizada.
6.º - O Tribunal não interpretou correctamente o disposto nos artigos 1352.º e 1342.º do Cód. Proc. Civil.
7.º - Deve ser revogado o despacho que anulou a conferência de interessados, por esta ser válida, ordenando-se que o processo prossiga seus termos subsequentes, com a elaboração do respectivo mapa da partilha.

Apenas contra-alegaram os interessados C………. e marido D………., os quais concluíram no sentido de que a nulidade da sua notificação foi bem julgada e, por isso, deve ser negado provimento ao agravo.

O tribunal recorrido manteve o seu despacho (fls. 37).

2. Tendo em conta o teor do despacho agravado e as conclusões formuladas pela agravante (arts. 684.º, n.º 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões a resolver são as seguintes:
1) se os interessados C………. e marido D………., com residência no Brasil e tendo constituído procurador para os representar em diversos actos do processo de inventário, incluindo a conferência de interessados, cuja procuração se encontra no processo, tinham que ser pessoalmente notificados para a morada da sua residência no Brasil da data designada para a conferência de interessados;
2) na afirmativa, se a falta dessa notificação pessoal dos interessados afecta de nulidade o acto da conferência de interessados em que os mesmos estiveram efectivamente representados pelo seu procurador.

Cumpridos os vistos legais, cabe decidir.
II

3. Relevam para a apreciação do objecto do agravo os seguintes elementos documentados nos autos:
1) Os interessados C………. e marido D………. têm a sua residência habitual no Brasil.
2) Foram ambos regularmente citados para o presente inventário, instaurado por óbitos de F………. e G………., pais da interessada C………. .
3) Em 09-07-2003, os interessados C………. e marido D………. fizeram juntar aos autos a procuração que consta a fls. 257, em que declararam constituir seu procurador E………., irmão da C………. e também interessado no mesmo inventário, a quem concederam “poderes para os representar no inventário por morte de F………. e G………., que corre seus termos pelo ..° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, sob o n.º …/99, podendo na conferência de interessados acordar em lotes, adjudicações de bens e licitar, recebendo tornas e dar quitação como se os próprios fossem, assinando o que necessário se torne para o bom e fiel cumprimento do presente mandato, o que darão por bom, firme e valioso”.
4) Designado o dia 05-05-2005 para a conferência de interessados, foi convocado para essa data o interessado E………., por si e como procurador dos interessados C………. e marido D………. .
5) Não foi expedida notificação aos interessados C………. e marido D………. para a sua residência no Brasil.
6) Os interessados C………. e marido D………. não estiveram presentes na conferência de interessados realizada no dia 05-05-2005, ficando a constar da respectiva acta que eram representados pelo interessado E………., “com procuração junta aos autos … com poderes para representá-los no inventário” (fls. 516).
7) O interessado E………. esteve presente na dita conferência de interessados, assistido pelo ex.mo advogado Sr. Dr. H………., em que interveio por si e como procurador dos interessados C………. e marido D………. .

4. A primeira questão a resolver é saber se os interessados C………. e marido D………., encontrando-se a residir no Brasil e tendo feito juntar aos autos procuração em que constituíam procurador para os representar em diversos actos deste processo de inventário em que a sua presença fosse necessária e, de modo expresso, na conferência de interessados, tinham que ser pessoalmente notificados, para a morada da sua residência no Brasil, da data designada para a conferência de interessados.
O tribunal recorrido considerou que, reportando-se art. 1352.º do Código de Processo Civil apenas à notificação pessoal dos interessados que residam na área do círculo judicial (n.º 4) e nada dizendo acerca dos interessados com residência foram da área do círculo, deveria aplicar-se a norma genérica constante do n.º 2 do art. 253.º do mesmo código, que dispõe que “quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, será também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência”. Para dai concluir que estes interessados teriam que ser notificados pessoalmente da data designada para a conferência porquanto, embora tenham constituído procurador com poderes especiais para os representar nesse acto, não lhe deram poderes para receber notificações.
Salvo o devido respeito, não podemos aderir a este entendimento. Desde logo porque, como parece óbvio e decorre da teleologia do art. 1352.º do Código de Processo Civil, quem tem que ser notificado para o acto processual é quem tem que a ele comparecer e estar lá.
Com efeito, dispõe o n.º 2 do art. 1352.º do Código de Processo Civil que “os interessados podem fazer-se representar por mandatário com poderes especiais e confiar o mandato a qualquer outro interessado”. E o n.º 4 do mesmo artigo dispõe, no segmento final, que os interessados podem fazer-se representar nos termos do n.º 2, ou seja, por mandatário com poderes especiais ou confiar a sua representação a qualquer outro interessado.
Se a lei permite que os interessados podem fazer-se representar na conferência de interessados por outro dos interessados no mesmo inventário, munido dos inerentes poderes de representação que o acto exige, então a representação dos recorridos pelo interessado E………. é totalmente válida, na medida em que lhe conferiram procuração com poderes especiais para os representar na conferência de interessados e aí “acordar em lotes, adjudicações de bens e licitar, recebendo tornas e dar quitação como se os próprios fossem, assinando o que necessário se torne para o bom e fiel cumprimento do presente mandato”, ou seja, concedendo-lhes poderes para, por si e em seu nome, praticar todos os actos que os próprios poderiam praticar se estivessem presentes.
Junta aos esta procuração previamente à conferência de interessados, a pessoa a convocar para a conferência de interessados é aquela que deverá comparecer. Neste caso, o representante dos interessados aqui recorridos. O poder de receber a notificação para o acto está implícito nos poderes de representação concedidos.
É que não pode confundir-se o acto da citação, que se destina a “dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender” (art. 228.º, n.º 1, do CPC), com o acto da notificação, que serve para, na pendência do processo, chamar alguém a juízo ou dar-lhe conhecimento de algum acto (art. 228.º, n.º 2, do CPC). A citação assume natureza vincadamente pessoal (art. 233.º do CPC) e só pode ser realizada em pessoa diversa do citando desde que munida de poderes especiais para a receber ou nos casos de excepção previstos na lei (arts. 236.º, n.º 2, e 240.º, n.º 2, do CPC). A notificação da parte com mandatário constituído é feita na pessoa do próprio mandatário (art. 253.º, n.º 1, do CPC), sendo mera decorrência da constituição do mandato e inerente representação. E embora esta norma se refira expressamente ao mandato judicial, terá que estender-se a outros casos de representação processual que a lei admita, como sucede com o caso previsto no n.º 2 do art. 1352.º do Código de Processo Civil relativamente à representação nos processos de inventário por outro interessado, em certos actos que não envolvam questões de direito.
A notificação prevista no n.º 2 do art. 253.º do Código Processo Civil é para os actos de natureza estritamente pessoal, que só podem ser praticados pela própria parte, como sucede quando se destina a prestar depoimento pessoal, a ser sujeito a exame pericial ou outro de idêntica natureza. Sempre que a lei permita a representação da parte por mandatário, como sucede no caso da conferência de interessados (art. 1352.º, n.ºs 2 e 4, do CPC), não há que exigir a notificação da própria parte se esta já está representada no processo por mandatário devidamente habilitado.
Conclui-se, assim, que, no caso dos autos, a notificação da data designada para a conferência de interessados efectuada na pessoa do procurador dos interessados recorridos, residentes no Brasil, é adequada e suficiente a satisfazer a exigência legal e que a falta de notificação dos próprios interessados, na sua residência no Brasil, não integra qualquer nulidade ou irregularidade que afectasse o próprio acto.

5. Mas ainda que se devesse concluir pela obrigatoriedade de também notificar os próprios interessados, essa omissão nenhuma consequência comportava para a validade da conferência de interessados, na medida em que aqueles interessados estiveram ali representados validamente pelo seu procurador, como era de sua vontade, livremente expressa na procuração que lhe outorgaram e fizeram juntar aos autos, e como é permitido e previsto pela lei, nos n.ºs 2 e 4 do art. 1352.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, tal nulidade, a existir, seria do tipo previsto no art. 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Que dispõe que “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. São as designadas nulidades secundárias (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 373).
Ora, se a parte compareceu ao acto a que respeitava a notificação omitida ou se fez representar validamente por procurador munido de poderes para praticar todos os actos que a própria parte podia praticar, como neste caso sucedeu, é evidente que fica suprida aquela omissão. A finalidade a que se destinava a notificação omitida — convocar a parte para comparecer ou fazer-se representar num determinado acto — foi alcançada com a presença a esse acto do seu representante devidamente habilitado.
Não é, pois, exacta, a conclusão que consta do despacho recorrido, de que “foi omitido um acto que a lei prescreve, o qual é susceptível de influir no exame ou decisão da causa”. De modo algum esta interpretação se compatibiliza com o regime das nulidades secundários a que alude o n.º 1 do art. 201.º do Código de Processo Civil.
E assim, ao contrário do que foi decidido, conclui-se que: 1) nem os interessados aqui recorridos tinham que ser notificados para a sua residência no Brasil do despacho que designou data para a conferência de interessados, por então já estarem representados no processo por procurador com poderes especiais para os representar nessa acto; 2) nem a falta dessa notificação afectou o exercício de todos os direitos dos mesmos interessados na dita conferência, designadamente os direitos de acordar, licitar, receber e dar tornas, na medida em aí estiveram validamente representados pelo seu procurador com plenos poderes para exercer todos esses direitos.
E, portanto, a conferência de interessados é acto válido e não podia nem devia ser anulada com esse fundamento.
III

Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que declare válidos todos os actos afectados por aquele despacho, incluindo a conferência de interessados realizada em 05-05-2005, e dê prosseguimento ao processo segundo os termos legais subsequentes.
Custas pelos recorridos (art. 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Relação do Porto, 01-07-2008
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues