Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043045 | ||
Relator: | ANTÓNIO MARTINS | ||
Descritores: | LITIGANTE DE MÁ FÉ CONDENAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20091013645-F/1998.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/13/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO - LIVRO 326 - FLS 21. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O art° 456º ns 1 e 2 deve ser interpretado no sentido de que “a recorrente só pode ser condenada como litigante de má fé depois de previamente ser ouvida, a fim de se poder defender da acusação de má fé.” II - O direito de acesso aos tribunais tem implicada a ideia de “proibição da indefesa” ou seja não se pode privar o interessado de apresentar “qualquer tipo de defesa” e também a ideia de que a condenação como litigante de má fé exige que se observe, previamente, “o principio do contraditório”. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso nº 645-F/1998-P1 Apelação Opoente/Executado: B………. Exequente: Ministério Público * Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO 1. O opoente deduziu os presentes autos de oposição à execução[1], por apenso à execução especial por alimentos contra si intentada, pedindo que a oposição seja julgada procedente e consequentemente julgada extinta a execução. Alegou, em resumo, que posteriormente à sentença dada à execução intentou uma acção de impugnação de paternidade pedindo que se declare que não é o pai biológico da pessoa registada como sua filha e que a procedência de tal acção constituirá “título suficiente legal válido para a revisão ou anulação da sentença que baseia a presente execução”, não sendo assim o opoente o obrigado à prestação alimentícia objecto da presente execução. 2. Foi proferido despacho indeferindo liminarmente a oposição, por falta de fundamento legal, condenando ainda o opoente, como litigante de má fé, na multa de 5 UC´s, assim lhe retirando o apoio judiciário. 3. É desta decisão que, inconformado, o opoente vem apelar, pretendendo a sua revogação. Alegando, conclui: A. O recorrente deduziu oposição à execução, esta fundada em sentença homologatória do acordo pelo qual o ora recorrente se obrigou a pagar € 100,00 mensais, a título de prestação alimentícia, como consta no frontispício do requerimento de execução. B. O recorrente alegou os factos em que consubstancia “vício da vontade” susceptível de conduzir à nulidade do indicado acordo homologado pela sentença em execução, conforme os artºs 5º e segs da oposição. C. O recorrente alegou ainda os factos de que teve conhecimento posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração extintivos da sua obrigação, conforme artigos 15 e segs da oposição. D. Factos esses cuja prova documental será naturalmente a sentença que espera obter, no processo de investigação de paternidade anteriormente proposto e que corre termos sob o nº …./08.2TJVNF perante o mesmo juízo e tribunal onde corre a oposição sub Júdice. E. Pois que, salvo melhor opinião, a prova documental exigida pela al. g) do artº 814º do CPC, poderá ser apresentada até ao encerramento da discussão (da oposição) em 1ª instância, conforme a possibilidade legalmente estabelecida na disposição expressa do artº 523º nº 2 do CPC. F. O recorrente, consequentemente, fundou, de direito, a oposição, no disposto no artº 814º als g) e h) do CPC, como expressamente consta no artº 34º da oposição. G. O Tribunal condenou o oponente como litigante de má fé, mas sem previamente o ter notificado para se pronunciar sobre tal “prevista” condenação, como prescreve o comando do artº 3º nº 3 do CPC. H. O oponente expôs com clareza os factos e o direito em que, no seu entender, e salvo melhor opinião, se funda a oposição. I. O oponente não agiu com má fé e muito menos com dolo ou negligência grave, como preceituado no nº 2 do artº 456º do CPC. J. Foram violadas as disposições dos artºs 814º als g) e h), 523º nº 2, 456º nº 2 e 3º nº 3, todos do CPC. K. Tais normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, respectivamente, com o sentido de que a oposição se pode fundar em qualquer facto extintivo desde que posterior ao encerramento da discussão do processo de declaração, ou em qualquer causa de nulidade do indicado acordo homologado pela sentença em execução, e que a prova documental daquele facto extintivo se pode apresentar até ao encerramento da discussão (da oposição) em 1ª instância e com o sentido de que a condenação por litigância de má fé pressupõe uma conduta dolosa ou com negligência grave e, ainda, finalmente, com o sentido que a lei não permite a tomada de “decisões surpresa”. 4. Nas contra-alegações o Ministério Público pugnou pela manutenção da decisão recorrida. 5. Cumpre apreciar e decidir. * II- FUNDAMENTAÇÃO1. De facto A factualidade a tomar em consideração é no essencial a que deixou consignada no relatório supra, importando tomar em consideração, como matéria de facto relevante[2], ainda o seguinte: a) Por sentença datada de 19.03.99, transitada em julgado, proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento nº 645/98, do .º Juízo Cível, de Vila Nova de Famalicão, o recorrente foi condenado a pagar à filha menor, C………., nascida a 03.01.94, a titulo de alimentos, a quantia mensal de € 99,76, a qual foi fixada em € 100,00 por decisão de 08.05.02; b) O exequente instaurou a execução especial por alimentos contra o executado em 22.01.2008 invocando o não pagamento dos alimentos, acima fixados, no valor global de € 6 450,00. * 2. De direitoSabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil[3]. Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma: a) Existe fundamento para a oposição deduzida, tendo sido violadas as disposições dos artºs 814º als g) e h) e 523º nº 2? b) A decisão de condenação por litigância de má fé devia ter sido precedida de notificação ao opoente para se pronunciar, além de que o opoente não agiu com má fé, tendo sido violado o preceituado nos artºs 3º nº 3 e 456º nº 2? Vejamos pois. * 2.1. Fundamento para a oposiçãoO recorrente considera que invocou fundamentos de facto e de direito suficientes na oposição deduzida. Em suma, a existência de um vício da vontade, susceptível de conduzir à nulidade da transacção, consubstanciada no acordo que veio a ser homologado por sentença, além de que entende que poderá fazer prova por documento de que não é o pai biológico, tendo instaurado acção de investigação de paternidade para o efeito. Considera ainda que pode apresentar tal documento até ao termo do encerramento da discussão (da oposição) em 1ª instância. Analisada a argumentação do recorrente não cremos que lhe assista razão e, assim, bem andou o tribunal a quo ao indeferir liminarmente a oposição, como a seguir se procurará evidenciar. Antes de mais refira-se que, ao contrário do que agora alega nas alegações de recurso, o opoente não invocou na oposição quaisquer factos que consubstanciem qualquer erro ou vício da vontade ao celebrar a transacção que celebrou no processo de divórcio. Com efeito, os artºs 1º a 4º são factuais e inócuos para esta matéria e, quanto aos artºs 5º a 14º referem-se à propositura da acção de investigação de paternidade e a factos que começou a notar nos inícios de 2008 (note-se que o titulo executivo, a sentença homologatória, é de 2002, no máximo). Os restantes factos alegados, 16º e segs, invoca tê-los conhecido a partir do Verão de 2008 e foi com base nos mesmos, aliados àqueles primeiros, que considera improvável ser o pai biológica da pessoa registada como sua filha. Temos assim de concluir que o opoente não alegou quaisquer factos que, no momento em que celebrou a transacção, 1999 e 2002, tenham influenciado a sua vontade e o tenham levado a vincular-se a uma obrigação de prestação alimentícia indevida. O opoente pode, eventualmente, ter sido induzido em erro ao proceder ao registo de C………. como sua filha. Até pode ter continuado a persistir nesse erro ao celebrar a transacção que celebrou. Porém, nenhum destes factos foi alegado no requerimento de oposição. Não estamos, assim, perante “qualquer causa de nulidade ou anulabilidade” da transacção que pudesse fundamentar a oposição com base no estatuído no artº 814º al. h). Vejamos agora o outro fundamento invocado, ou seja, que intentou a acção de investigação de paternidade e que pretende fazer prova documental até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Consagra-se na al. g) do artº 814º, como fundamento de oposição à execução baseada em sentença, “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento”. Estas duas exigências, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e prova por documento compreendem-se “sem dificuldade”, como anotou o Prof. José Alberto dos Reis[4]. “Pretende-se evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, …; tem-se em vista, por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa”. Ora, precisamente para evitar isso, uma renovação do litígio, com o reabrir da discussão sobre a existência ou não do direito e todo o tipo de prova a produzir é que se exige que o facto extintivo ou modificativo se prove por documento. Este documento tem que ser junto logo com a oposição precisamente para poder permitir o controle do despacho liminar, previsto no artº 817º. Nem se invoque o artº 523º nº 2, como o faz o recorrente, pois tal preceito, que permite que os documentos possam ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, está integrado na marcha do processo declarativo. Ora, o processo declarativo da oposição à execução apenas começa após a contestação do exequente – v. nº 2 do artº 817º. Consequentemente, atento o estatuído no artº 466º nº 1, tal norma só seria subsidiariamente aplicável ao processo executivo, com as necessárias adaptações, se fosse compatível com a natureza da acção executiva. Não nos restam dúvidas, face às redacções antagónicas do artº 814º al. g) e 523º nº 2, que este preceito não é compatível com o processo executivo pelo que não é invocável a sua aplicação subsidiária nesta fase do processo executivo, de apreciação liminar da oposição. No sentido acima propugnado, ainda que a situação factual subjacente seja diversa, o Ac. da Relação de Coimbra de 28.06.68[5], decidiu que “o facto extintivo ou modificativo tem de estar efectivado, existir já concretamente no momento em que se invoca, uma vez que os embargos à execução, deduzidos pelo executado, têm como fim e como consequência a inutilização do titulo executivo, a ineficácia executiva da sentença em que a execução se funda…”. Por isso concluiu que “não se verifica o requisito da existência concreta, efectivada, do facto extintivo ou modificativo quando se invoca como tal a propositura de uma acção para a cessação ou mudança da servidão constituída pela sentença que é objecto da execução, pois o facto extintivo ou modificativo depende da procedência da acção”. Também o Ac. deste Tribunal da Relação do Porto de 31.05.93[6] vai no mesmo sentido ao ter decidido que o facto extintivo ou modificativo tem de ter já existência no momento em que é invocado e “não podendo estar dependente de um evento futuro e incerto”. Conclui-se pois que o tribunal recorrido, ao ter indeferido liminarmente a oposição, fez adequada interpretação do estatuído nos preceitos atrás citados, encontrando acolhimento tal procedimento no artº 817º nº 1 al. b), pelo que improcedem as conclusões A) a E), J) e K), estas no que tange a esta questão. * 2.2. Litigância de má féComo resulta do relatório supra o tribunal a quo condenou o opoente como litigante de má fé, logo no despacho liminar em que apreciou o requerimento de oposição, não tendo dado oportunidade ao opoente de se pronunciar sobre a possibilidade de o seu comportamento processual poder ser enquadrado na previsão do artº 456º. O recorrente invoca, nas alegações, que tal condenação constituiu para ele uma “decisão surpresa”, proibida pelo artº 3º nº 3 e que, em qualquer dos casos, não agiu de má fé. Afigura-se-nos, efectivamente, que neste segmento a decisão recorrida não fez a melhor interpretação dos citados textos legais. Na verdade não vemos fundamento para não acompanhar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão nº 357/98[7] que decidiu que o artº 456º nºs 1 e 2 deve ser interpretado no sentido de que “a recorrente só pode ser condenada como litigante de má fé depois de previamente ser ouvida, a fim de se poder defender da acusação de má fé.” Esta jurisprudência vem no seguimento dos acórdãos 440/94 e 103/95, do mesmo Tribunal e que também cita, estribando-se num argumentário que não nos merece dúvida, o de que o direito de acesso aos tribunais tem implicada a ideia de “proibição da indefesa” ou seja não se pode privar o interessado de apresentar “qualquer tipo de defesa” e também a ideia de que a condenação como litigante de má fé exige que se observe, previamente, “o principio do contraditório”. Aliás, em conformidade com esta jurisprudência o artº 3º do CPC veio a ser alterado tendo-se introduzido no nº 3 a regra de observância do princípio do contraditório “salvo caso de manifesta desnecessidade” o que não é o caso dos autos. Nesta conformidade procedem, parcialmente, as conclusões G) a K), pelo que se impõe revogar a decisão recorrida, neste segmento da condenação do opoente como litigante de má fé, para ser substituída por despacho que conceda prazo ao opoente para se pronunciar sobre a possibilidade de a sua actuação processual, ao deduzir esta oposição, configurar uma actuação de litigância de má fé. * III- DECISÃOPelos fundamentos expostos acordam os juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal em confirmar o despacho recorrido quanto ao indeferimento liminar da oposição, revogando-o no segmento em que condenou o opoente como litigante de má fé, devendo tal questão ser conhecida na 1ª instância após ser concedido prazo ao opoente para se pronunciar sobre a possibilidade de a sua actuação processual configurar uma actuação de litigância de má fé. Custas a cargo do apelante. * Porto, 13.10.09 António Francisco Martins António Guerra Banha Anabela Dias da Silva ________________________ [1] Proc. nº 645-F/98 do .º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão [2] Aceite pelo opoente e pelo exequente, nas respectivas alegações e assim, para evitar delongas no processamento deste recurso, decidiu-se não se solicitar ao tribunal a quo certidão dos elementos factuais do processo executivo, nomeadamente o requerimento e o titulo executivo, já que este apenso não veio correctamente instruído com tais elementos certificados. [3] Adiante designado abreviadamente de CPC. [4] Processo de execução, Vol 2º, Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pág. 28. [5] Publicado na Jurisprudência das Relações, Ano 14º, pág. 720 [6] Sumariado no BMJ nº 427, pág. 548. [7] Publicado no DR, II Série, de 16.07.98 e igualmente acessível no sitio do Tribunal Constitucional, em http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos/acordaos98/301-400/35798.htm |