Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4353/21.9T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE DO DIREITO
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Nº do Documento: RP202501144353/21.9T8MAI.P1
Data do Acordão: 01/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Na ação de reivindicação, incumbe aos AA. alegar e demonstrar que são donos do prédio reivindicado, estando o R. na posse delas sem título.
Vigora no nosso direito a teoria da substanciação sem prejuízo de a causa de pedir nas ações de reivindicação poder limitar-se ao facto base da presunção legal, daí que, ao titular do registo, beneficiário de uma presunção, apenas basta invocá-la, sendo desnecessária a prova do facto presumido.
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – artº 7º do C.R.Predial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4353/21.9T8MAI.P1

Acordam no tribunal da relação do Porto

AA, BB, com residência na Rua ..., na Maia, e Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC, representada pela cabeça de casal DD, com residência na Praceta ..., em ... - Maia, vieram propor a presente acção declarativa, com forma de processo comum, contra EE, com residência na Rua ..., na Maia, pedindo que a ré seja condenada a:
- reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano composto por casa e quintal, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho da Maia, inscrito na matriz sob o artigo ... e com a descrição predial n.º ... da Conservatória do Registo Predial da Maia e declarar-se que o são;
- desocupar de imediato todo o imóvel e a entregá-lo aos autores livre e devoluto de pessoas e coisas, com todas as suas pertenças;
- pagar-lhes, a título de indemnização a partir da citação desta ação, a quantia mensal de Eur. 500,00, que seria o valor que receberiam se ele estivesse livre e devoluto e o arrendassem.
Para fundamentar a sua pretensão alegam os autores, em síntese, que:
São donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., com entrada pelo n.º ..., na Maia.
Tal imóvel veio à sua posse e propriedade por origem sucessória, por força do testamento celebrado em 17/11/1988 pelos anteriores proprietários FF e GG.
Os anteriores proprietários, antes de 1970, cederam o uso e fruição do imóvel supra aludido a HH, mediante o pagamento da contraprestação mensal de Eur. 2,50, a pagar no primeiro dia do mês anterior àquele a que disser respeito.
O mencionado HH faleceu em 18/1/1996, sendo que o arrendamento se transmitiu para a sua mulher, II.
A indicada II faleceu em 20/12/2019.
Com o falecimento da arrendatária, o contrato de arrendamento caducou.
A partir dessa data, a ré passou a ocupar o imóvel sem qualquer título legítimo para o efeito.
Se tivessem o imóvel livre e devoluto, podiam arrendá-lo por uma quantia mensal nunca inferior a Eur. 500,00.
Concluem conforme supra referido.
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Pessoal e regularmente citada para os termos da presente acção, a ré veio apresentar a respectiva contestação, deduzindo ainda pedido reconvencional contra os autores.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que:
Nasceu no ano de 1977 e durante toda a sua vida sempre residiu no imóvel aludido nos autos.
Nessas circunstâncias, o imóvel aludido nos autos já era propriedade de seus pais, HH e II.
O imóvel adveio à posse do seu pai por compra verbal ao Sr. FF, em meados de 1970, pelo valor de Esc. 6.000$00.
Nessa medida, os autores não dispõem de legitimidade para os termos da presente acção.
A pretensão que os autores invocam constitui um abuso de direito, uma vez que os mesmos bem sabem que naquele imóvel, desde sempre (pelo menos desde 1970), residiram e trabalharam a ré e seus antecessores, na qualidade de legítimos proprietários, nunca tendo existido qualquer contrato de arrendamento.
Os autores aguardaram pelo falecimento de uma das proprietárias originárias para virem agora reivindicar aquilo que bem sabem não lhes pertencer.
Nunca foi paga qualquer quantia a título de rendas, nem nunca lhes foi exigido qualquer valor a esse título.
Pelo menos desde o ano de 1970, por si e por intermédio dos seus pais, sempre usou e fruiu o imóvel em apreço, à vista de todos, de forma pública e pacífica.
Quando os autores levaram ao registo a aquisição deste prédio (11/06/2021), já o direito de propriedade do mesmo se consolidara na ré e seus antecessores, pela via da usucapião.
Os autores litigam com manifesta má-fé.
Conclui considerando que a acção deverá ser julgada improcedente e que o pedido reconvencional deverá ser julgado procedente e, em consequência:
- ser julgado que a ré é dona e legítima proprietária/possuidora do imóvel melhor identificado nos autos pela via da usucapião;
- os autores serem condenados a reconhecer o direito de propriedade da ré sobre o referido imóvel;
- os autores ser condenados a reconhecer que o direito de propriedade da ré integra o imóvel que eles reivindicam e, dessa forma, a absterem-se de praticar qualquer acto turbativo ou espoliativo da posse e propriedade da ré;
- ser decretado o cancelamento do registo de propriedade que os autores invocam a seu favor;
- ser oficiado junto da Conservatória do Registo predial o registo da aquisição do prédio urbano, sito na Rua ..., com entrada pelo n.º ..., freguesia ..., Concelho da Maia e inscrito na respetiva matriz predial sob o nº ..., a favor da ré;
- serem os autores condenados por abuso de direito e litigância de má-fé em quantia não inferior a 10UC`s.
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Oportunamente foi proferida sentença na qual se decidiu:
“Pelo exposto, decide-se julgar a acção principal parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré EE:
- a reconhecer que os autores AA, BB e Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC são donos e legítimos proprietários do prédio urbano composto por casa e quintal, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho da Maia, inscrito na matriz sob o artigo ... e com a descrição predial n.º ... da Conservatória do Registo Predial da Maia;
- a desocupar de imediato todo o imóvel e a entregá-lo aos autores livre e devoluto de pessoas e coisas, com todas as suas pertenças;
- a pagar aos autores, a título de indemnização, a quantia a determinar em incidente de liquidação, relativamente à privação do uso e fruição do imóvel supra aludido, com o limite de Eur. 500,00 por cada mês, a partir da citação até efectiva entrega do imóvel.
Mais se decide julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré/reconvinte EE e, em consequência, absolver os autores/reconvindos AA, BB e Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC do pedido contra eles deduzido.
Julgam-se improcedentes os pedidos formulados pelos autores e pela ré de condenação da contraparte como litigantes de má-fé, deles os absolvendo.
Custas do pedido principal a cargo dos autores e da ré na proporção de 25% para os primeiros e de 75% para a segunda, nos termos do artigo 527º do Cód. de Processo Civil.
Custas do pedido reconvencional a cargo da ré, nos termos do artigo 527º do Cód. De Processo Civil.
Registe e notifique.”
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A Ré EE, apelou concluindo nas suas alegações:
A) Por douta sentença proferida viu a Ré ser deferida a pretensão dos Autores – em que se requeria o Reconhecimento de que os autores AA, BB e Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC são donos e legítimos proprietários do prédio urbano composto por casa e quintal, sito na Rua ..., inscrita na matriz sob art. ... e com descrição predial nº ... da CRP Maia (…), onde a família da Ré e a Ré residem há mais de 50 anos.
B) Por seu turno, em sede de Contestação com pedido reconvencional, pugnou a Ré que fosse reconhecido a seu direito de propriedade sobre o imóvel em discussão nos autos, porque tal lhe veio à posse através do seu antecessor, seu pai, que o havia comprado verbalmente há mais de 50 anos, a FF e caso assim não se entendesse, requeria o seu reconhecimento de propriedade por via de usucapião, o qual lhe foi indeferido.
C) É desta decisão de que recorre a ora Ré.
D) Exposta a matéria de facto dada como provada e não provada, resulta com todo o respeito merecido, que a sentença sob recurso fez um incorreto julgamento da matéria de facto e uma incorreta interpretação e aplicação da Lei, designadamente dos artigos 1251º, 1252º, 1254º, 1255º 1268º, 1287 e 1288º Código Civil, violando também o disposto no artigo 607°do CPC.
E) Quanto à matéria de facto, a sentença fez uma incorreta valoração da prova de factos relevantes que resultaram da discussão da causa e que, deveriam ter sido incluídos nos factos provados, e outros nos factos não provados.
F) Pelo que pretende a Ré em sede recursória, a sua reapreciação e, consequentemente, a alteração da decisão da matéria de facto em causa, porquanto, os factos impugnados e que a Ré. considera incorretamente julgados, atendendo aos documentos juntos, a audição das declarações de parte, e á audição dos depoimentos das testemunhas, conforme transcrição que supra se expôs, nos leva a considerar que feita a análise crítica como se exige, a solução a dar ao presente caso, teria de necessariamente ser outra.
G) Assim, face à prova produzida e que aqui se deixa reproduzida, deve a nosso ver, não poder ser considerado factos provados, os numerados em 7, 17 e 18 dos Factos Provados, pelos motivos que passamos a expor: facto nº 7, resulta o seguinte:
Em 1 de Fevereiro de 1968, os herdeiros de JJ cederam a HH o uso e fruição do prédio aludido em 6), por prazo não concretamente determinado, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária mensal de Esc. 500$00 – este facto, não pode no entender da Ré, ser considerado como provado, atento que não foi feita prova de que existiu efetivamente um contrato de arrendamento e de qual a sua duração e condições.
H) Nenhuma prova foi produzida, para além da prova testemunhal – sempre a mais falível de todos os meios de prova - da existência do contrato de arrendamento, firmado entre FF e HH.
I) Mas mesmo que se admitisse a existência de tal contrato, tal não significaria que em determinado momento não tivesse ocorrido a venda verbal do imóvel, de FF a HH;
J) Certo é que, ao contrário do vertido na douta sentença, a Ré dentro dos seus parcos conhecimentos, uma vez que a aquisição do imóvel em causa nos autos, se deu muitos anos antes desta ter nascido, tentou descrever o que sucedeu ao longo dos anos, das conversas que foi presenciando e das diligências que efetuou quando se apercebeu que o imóvel poderia estar a ser reclamado por terceiros, senão atentemos nas Declarações de Parte da Ré: EE - Cfr. ficheiro áudio Diligencia_4353-21.9T8MAI_2023-10-13_10-11-17, (10:11h às 11:30H), mais concretamente, entre os minutos 00:03:17 a minutos 01:08:00)- conforme supra transcrito para onde se remete, por forma a evitar a sua repetição;
K) Donde se conclui que a Ré ali nasceu e sempre residiu, convencida de que o imóvel sempre foi propriedade de seu pai;
L) Que o mesmo verbalizava em conversas entre família e amigos de que havia adquirido aquele imóvel, pelo preço de 6,000$ (seis mil escudos), chegando inclusive aquele, na altura em que a sua fábrica de calçado, também instalada naquele imóvel, começou a não gerar as receitas habituais, de que ponderava vendê-lo;
M) Assim como foi afirmado pela mesma, que a dado momento, que não consegue precisar, o seu pai, em virtude da boa relação com o Sr. FF, lhe havia cedido uma parcela do seu terreno.
N) Ora, claro é que as declarações da Ré, como parte interessada que é, tem na sua génese, uma limitação, do interesse pessoal do desfecho na causa, e por outro lado, a dificuldade acrescida de fazer prova de factos que ocorreram, em altura em que não era ainda nascida ou então, que era de tenra idade, tendo portanto, as mesmas sido desvalorizadas em sede de apreciação de prova, no entanto, o meritíssimo juiz a quo, valorou o depoimento de parte do A. e das testemunhas arroladas por aquele, que na sua maioria, eram seus familiares e diretamente interessados no desfecho da causa.
O) Estranha pois a Ré, porque é que os Autores, ao fim de 50 anos, virem só agora a proceder ao registo da propriedade, tendo em conta que quer o A. quer a maioria dos seus familiares, são pessoas de elevada formação (veja-se inclusive as declarações do Autor quando refere que poderia ter conseguido adquirir um casa camarária para a Ré, quando o normal nestas circunstâncias é estes procedimentos de atribuição, demorarem anos em lista de espera);
P) Ou mesmo a filha do Autor, Dra. KK, atualmente jurista, mas que anteriormente, foi Advogada e, portanto, conhecedora dos procedimentos necessários ao registo do referido imóvel, mas que quando questionada, refere que a casa esteve efetivamente à venda. Que era o seu número que se encontrava indicado para contacto, mas que em nenhum momento referiu que a casa se encontrava arrendada, assim, como também não chegou a fazer qualquer comunicação à inquilina, mãe da aqui Ré, para eventual exercício de preferência, como e pode verificar, do seu testemunho, gravado em suporte áudio Ficheiro áudio: Diligencia_4353-21.9T8MAI_2023-10-13_12-19-15 (1).mp3 – minutos: 00:04:03 a 00:25:39) – supra transcritos e para onde nos reportamos.
Q) Por seu turno, a Ré, com pouca escolaridade, e, por conseguinte, falta de conhecimento relativamente aos procedimentos legais a seguir para eventual registo de propriedade, associado ao facto de ser cuidadora do seu filho mais novo (que sofre de paralisia desde o nascimento) o que não lhe permite sair e tratar destas ou doutras questões, assumiu que a propriedade onde sempre residiu era de seus pais, que tudo estaria dentro dos conformes e que seria aquela, por sucessão de seus pais a herdeira do imóvel, não obstante a possibilidade de poder vir a ser expropriada, caso o projeto camarário, viesse a ser implementado.
R) Certo é que, a Ré procurou nos últimos anos, pelo menos em 2018, aquando da vistoria camarária, em que pela 1ª vez, lhe surge informações, indicando que a sua mãe seria inquilina e não proprietária, a Ré procurou informar-se a respeito e, foi nessa altura, que teve inclusive conhecimento de que não podia registar o imóvel, atento que havia um projeto camarário para ali passasse uma rua, o que corrobora o referido quer pelo Autor, quer pela filha daquele.
S) Ainda neste sentido, se atentarmos às Declarações de Parte do Autor, gravadas em ficheiro áudio - Diligencia_4353-21.9T8MAI_2023-11-17_14-35-33 (1).mp3 - 14:35 - 15:41 - Autor: AA, verifica-se que também este é dotado de profundos conhecimentos quer quanto aos procedimentos necessários para registo de imoveis, como tem contactos estreitos na Câmara Municipal ..., atente-se para o efeito nas suas declarações ao minuto (00:47:29 ao minuto 01:04:37), em que para o que aqui importa refere o seguinte: Mandatária da Ré: 00:47:29 – Em 2021, os Srs. Registam esta propriedade que até lá nunca esteve registada, e em sede de declarações complementares que lhe foram pedidas para o registo (exibido documento), …Contin. 00:49:33 - Eu perguntava-lhe se reconhece a sua assinatura nesse documento…. Isso foi um pedido de esclarecimento que a conservatória fez, quando fizeram o registo desta propriedade, e na página anterior à assinatura, resumidamente diz aí que os Srs. Declararam que não sabiam quem eram os antepossuidores desta casa.
Testemunha: “Não sabíamos quem eram?
Mandatária da Ré: É o que lá está declarado. Eu pergunto se foi outro lapso?
Testemunha: Nós não sabíamos quem era?
Mandatária da Ré: É o que lá esta, Sr. KK. Os Srs. Declararam e assinaram. Não foi só o
Sr., mais pessoas assinaram.
Testemunha: 00:50:29 – Nós não sabíamos? Não, nós sabíamos perfeitamente… não faço ideia.
Sr. Juiz: 00:50:33 – Sr. KK alguém o aconselhou que para fazer o registo nestes termos, tinha de dizer que não sabia o que estava para trás?
Testemunha: Não, que me aconselhassem, não porque eu… essa não, ninguém me convencia para que eu dissesse…. Porque não há nada a esconder, a história é esta, aquilo é assim, não tem nada para desviar…a não ser que quem registou pensasse por questão de prazos e coisas e dissesse “é a única maneira, mais rápida”, mas agora, em termos de ónus de propriedade…de história, isto nem um milímetro….
Sr. Juiz: 00:51:13 – Mas o Sr. fez isso sozinho ou fez isso com alguém técnico, que tecnicamente o tenha aconselhado?
Autor: Não, a mim ninguém me aconselhou a nada. Nós pedimos o registo, nós pagamos e nunca ninguém me disse “Vou fazer assim ou vou fazer assado, ou não vou fazer isto ou não vou dizer aquilo”… a mim ninguém me disse nada…
Sr. Juiz: 00:51:35 – Ó Sr. KK, eu só queria perceber porque essa forma, as vezes é uma forma de resolver prédios que se consideram omissos no registo predial e por isso, eu lhe dizer se isso que aí consta, consta por esse motivo ou por outro qualquer?
Autor: 00:51:57 – Sr. Dr. Juiz, eu peço desculpa, mas a mim ninguém me disse, o homem? que fez o registo, a mim e à DD, nem a mim e a ela, não nos disse nada…. Nós fizemos o registo convencidos que nós, ao Sr. para o registo dissemos a mesma coisa… aquilo é uma herança de JJ, que passou para os filhos…é isto,
Mandatária da Ré: 00:59:16 – Eu ia-lhe perguntar: “A casa chegou a estar à Venda?”
Autor: Chegou. A princípio, os primeiros 3 anos, 4 anos, 5 anos, sei lá, pus lá uma placa até para avaliar o valor (as 2 era as 2), pusemos uma placa a meio, teve lá com o telemóvel da minha filha (…) aquilo era uma chuva de chamadas…esteve lá muito tempo, uns anos, depois e, nesse espaço eu estive na Câmara, falei com o Sr. Presidente, falei com o arquiteto ligado ao Plano Diretor da Maia, para saber e então lá estava… ali a machada, até que depois desapareceu isso e nós também deixamos, deixamos …
Mandatária da Ré: 01:00:24 – Quando diz que estava lá a “machadada”, seria tal rua que ia passar, é isso?
Autor: Isso, exatamente.
Mandatária da Ré: E se por acaso tivesse tido uma possibilidade de vender, o que é que ia acontecer à Sra. que estava la? Inquilina?
Autor: Ela ia ser bem tratada.
Mandatária da Ré: E o que é ser bem tratada?
Autor: Ia ser indemnizada por nós, ia contribuir…ela não ia para a rua, teria uma casa e ia ser eu que ia fazer isso. Porque eu continuo a dizer, até a própria filha, se fosse outro género de cidadã, (…) eu a pensar já há aqui uns anos “ esta senhora, há aí tanta gente na Maia, com melhores condições que ela, moram em melhores condições até, e que moram já há uns anos e bem, a Maia tem boas casas, para as pessoas que não têm condições, se tivesse alguma dificuldade em arranjar casa na Câmara, eu até podia ajudar, vá, para dizer, para testemunhar a necessidade que ela tinha duma casa…mas ela nunca entrou…. Tive sempre alguma dificuldade, porque ela é assim muito…. Eu não sei bem como dizer…. Parece que tem o “Rei na Barriga…”
Autor: 01:02:09 – A II que era a caseira e nós proprietários, tínhamos responsabilidades, porque ela passou a ser caseira, e eu não sou dos que defendo que “dáse um pontapé no caseiro e passe bem”, nem a lei permite…
Mandatária da Ré: 01:02:03 – Pois era aí que eu ia chegar, precisamente porque sabemos que simplesmente não se pode dar “um pontapé no rabo de um caseiro de um dia para ou outro, pergunto-lhe se Sr. em algum momento deu conhecimento à D. II, que a casa estava à venda?
Autor: Dei.
Mandatária da Ré: 01:02:45 – Então como é que lhe deu conhecimento?
Autor: Não, não, não dei não.
Mandatária da Ré: 01:04:09 – Sr. KK, uma última questão, o Sr. LL não lhe deu conhecimento na altura que a D. II faleceu?
Autor: Não, nem ele nem ninguém.
Mandatária da Ré: Mas o Sr. é próximo do seu cunhado?
Sr. Juiz: 01:04:37 – A única questão é que o Sr. LL disse que soube do falecimento e que o Sr. também soube.
Autor: Não, ninguém me disse, ás vezes passa 1 dia, 2, 3 que eu nem vejo o LL,
Juiz: então quando o sr. LL diz que o Sr. sabia, então o Sr. Não sabia, é isso?
Autor: Não, eu não sabia, ele é que baralhou tudo, porque se eu soubesse… eu estava à espera de que a minha caseira Deus a levasse quando chegasse à altura dela, mas partir daí, eu ia atuar
T- Sendo portanto evidente a diferença de meios e conhecimentos e formas de reagir, entre os Autores a Ré.
U- Por parte da Ré, não se procedeu ao registo da propriedade, porque mal informada e porque a questão da expropriação a fez crer que enquanto essa questão estivesse a ser avaliada pela Câmara Municipal, tal não lhe seria possível efetuar.
V- Já do lado dos Autores, não se compreende porque motivos não procederam ao registo anterior da propriedade sobre o imóvel, atentos os contactos e conhecimentos procedimentais que detêm.
X- No entanto, atentas as declarações do A., somos a concluir que os mesmos sabiam que o registo deste imóvel estava omisso, e que o facto de estar prevista a passagem de uma rua naquele local era “uma machada”, conforme se pode constatar: Autor:
Chegou. A princípio, os primeiros 3 anos, 4 anos, 5 anos, sei lá, pus lá uma placa até para avaliar o valor (as 2 era as 2), pusemos uma placa a meio, teve lá com o telemóvel da minha filha(…) aquilo era uma chuva de chamadas…esteve lá muito tempo, uns anos, depois e, nesse espaço eu estive na Câmara, falei com o Sr. Presidente, falei com o arquitecto ligado ao Plano Diretor da Maia, para saber e então lá estava… ali a machada, até que depois desapareceu isso e nós também deixamos, deixamos …,
Y- Tendo finalmente procedido ao seu registo no ano de 2021, quando perceberam que afinal o projeto relativo à expropriação não iria prosseguir.
Z- Portanto, os A. aguardaram que a questão da expropriação se resolvesse naturalmente entre a Câmara e os ali residentes/proprietários (família da Ré e a Ré) sem que fossem os A. responsáveis pelo dirimir de qualquer questão que surgisse e, com o decurso do tempo, não existindo a concretização de tal arruamento, procederam então ao registo (apenas em 2021).
AA- Bem sabendo que tal prédio estaria omisso, e que com a informação privilegiada junto da Câmara Municipal ..., e de que as possibilidades da Ré em proceder ao registo da propriedade a seu favor eram diminutas, em especial, porque não era conhecedora de como havia de proceder para o registo do referido imóvel, aguardaram os A. pelo falecimento da mãe da A. para se adiantarem no referido registo, o que lograram conseguir.
BB- E, por conseguinte, ficou assim a Ré, sujeita à denominada “prova diabólica”, recaindo sobre si a difícil tarefa de provar em que circunstâncias o pai da Ré adquirira o imóvel, não dispondo, para além do seu conhecimento do que foi ouvindo falar enquanto seus pais eram vivos, de quaisquer documentos, os quais admite até poderem existir, não sabendo onde os mesmos se encontram, atento como referiu e provou, a sua mãe padeceu nos últimos anos de vida de demência, sendo possível não saber onde estariam eventuais documentos que até atestassem a compra particular do imóvel pelo seu pai a FF.
CC- Pelo que no que concerne aos factos não provados, considera a Ré que não podia o tribunal considerar não provados os factos: 26, 27,28,29,30,31, 32, 33 e 34, porquanto, com o devido respeito que nos merece, a prova testemunhal apresentada pela Ré e as suas próprias declarações, foram simplesmente desconsideradas, ao contrário do que sucedeu com as testemunhas dos Autores e as próprias declarações de parte do autor supratranscritas, como a nosso ver, não foram credíveis, evidenciando uma notória tendenciosidade e de que não havia informado a sua alegada “inquilina” de que a casa estaria à venda, assim como não existiu em momento qualquer interpelação para pagamento de rendas, nunca foram realizadas obras, nem mesmo após a vistoria camarária em 2018, que determinou que a Ré teria de remover a estrutura que tem no quintal, e que em nenhum momento os A. se manifestaram junto da Ré, ao perceberem que tal estrutura não havia sido removida, podendo na perspetiva de que se arrogam os proprietários, tal objecção, trazer-lhes problemas a diversos níveis…
DD- Não podendo o tribunal concluir, como conclui, de que a “Ré não comprovou a realização de qualquer diligência para registar a propriedade do imóvel em nome dos seus pais – pois quando questionada relativamente a este facto, a mesma referiu que chegara a tentar proceder ao registo da propriedade, mas que a informaram na altura, que a sua propriedade viria futuramente a ser alvo de expropriação para ali passar uma rua e, por via disso, não chegou a proceder ao referido registo, o que vem exatamente ao encontro mencionado também pelo Autor, como vimos.
EE- Certo é que, os Autores, durante pelo menos 26 anos se abstiveram de qualquer ato registral quanto a este imóvel, bem assim, de qualquer ato que os identificasse como proprietários do imóvel.
FF- E, não se pode dar como provado a existência de um contrato de arrendamento e de que os pais da Ré pagavam rendas, porquanto, para além dos documentos juntos, terem todos sido impugnados, os canhotos juntos, não podem ser suscetíveis de comprovar qualquer recibo de renda, pois que para além de manuscritos, facilmente são manipulados e nem tão pouco foi junto o referido contrato de arrendamento, tendo assim, esta factualidade provada exclusivamente com recurso à prova testemunhal.
GG- Sendo inclusive falso que a mãe da Ré se deslocasse a casa dos anteriores proprietários, para pagamento de rendas, quando nessa altura, a mãe da Ré se encontrava sem qualquer possibilidade de se locomover.
HH- A posse adquirida pela R. em consequência da acessão proveniente do seus pais, é uma posse de boa-fé, pacífica, pública, conquanto não registada, a qual conduz, quando expressamente invocada, como foi o caso, à usucapião do imóvel que pretendiam adquirir.
II-Não se tendo provado, no entendimento da Ré, quaisquer factos de que tivesse resultado a descaracterização da posse da Ré, numa mera detenção, pelos motivos supra mencionados, a actuação desta e de seus antecessores, sempre correspondeu à exteriorização do direito de propriedade sobre o dito imóvel, nos termos de uma posse plena, dotada de “corpus” e de “animus rem sibi habendi”.
JJ-É que, conforme constitui jurisprudência pacífica e lição da doutrina, o “animus” do possuidor presume-se, ilidindo-se esta presunção por qualquer facto que, objectivamente, descaracterize a posse numa detenção, facto esse que não se encontra provado nos autos apesar de ter sido alegado.
KK-Efetivamente, resulta dos factos alegados pela Ré e das suas declarações e por contraponto, da inexistência de prova realizada por parte dos A. da existência do contrato de arrendamento e da posição (inércia) que estes tomaram ao longo de todos os anos em que a Ré e sua família ali residem, à vista de toda a gente e sem oposição, que revelam, indiscutivelmente, em relação e a favor do pai da Ré e depois da Ré., uma situação de posse, com as características e virtualidades suscetíveis de conduzir a usucapião, conforme requereu.
LL-Estão pois provados, concludentemente, os 2 elementos de que depende a usucapião: a posse com determinadas características e dignidade (que tem que ser pública e pacífica – 1293, a), 1297.º e 1300.º); e o decurso de certo período de tempo (os 20 anos do art. 1296.º, 2.ª parte, do C. Civil).
MM- Atento os fundamentos ora invocados, pugna a Ré pela alteração dos seguintes factos assentes na douta sentença de que ora se recorre, nos seguintes termos:
a) factos provados, nºs 7, 17 e 18, devem estes passar a constar dos factos não provados.
b) b) Seguidamente, no que diz respeito aos factos não provados, designadamente, os constantes dos pontos: 26, 27,28,29,30,31, 32, 33 e 34, devem estes passar a constar do elenco dos factos provados, atento o exposto supra.
NN- A sentença de que se recorre fez um incorreto julgamento da matéria de facto e uma incorreta interpretação e aplicação da Lei, designadamente dos artigos 1251º, 1252º, 1254º, 1255º 1268º, 1287 e 1288º Código Civil, violando também o disposto no artigo 607°do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta decisão proferida por outra que, contemplando as conclusões atrás aludidas, alterando-se a decisão da matéria de facto e substituindo-se a decisão recorrida por outra que reconheça o direito de propriedade do imóvel em apreço à aqui Ré, quer porque tal imóvel fora adquirido pelo seu pai, mediante compara verbal, ou se assim não se entender, pela verificação dos pressupostos da aquisição por via da Usucapião, na esfera jurídica de seu pai, transmitido à ora Ré.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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A matéria de facto fixada na sentença recorrida.
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1 – No dia 17 de Novembro de 1988, FF outorgou um testamento mediante o qual declarou que se a sua mulher não lhe sobreviver, instituía seus únicos herdeiros, os seus sobrinhos CC e AA, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido.
2 – No dia 17 de Novembro de 1988, GG outorgou um testamento mediante o qual declarou que se o seu marido não lhe sobreviver, instituía seus únicos herdeiros, os seus sobrinhos CC e AA, conforme documento junto com o requerimento datado de 2/5/2022, cujo teor se dá por reproduzido.
3 - FF faleceu em 19 de outubro de 1992, no estado de casado com GG, conforme documento junto com a réplica sob o n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido.
4 - GG faleceu em 30 de setembro de 1995, no estado de viúva de FF conforme documento junto com a réplica sob o n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido.
5 - CC faleceu em 1 de maio de 2008, no estado de viúvo de MM.
6 - Mostra-se inscrita na 1º Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 308, datada de 11/6/2021, a aquisição a favor de CC, casado com MM, e de AA, casado com BB, em comum e sem determinação de parte ou direito, por sucessão testamentária, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 3, cujo teor se dá por reproduzido.
7 - Em 1 de Fevereiro de 1968, os herdeiros de JJ cederam a HH o uso e fruição do prédio aludido em 6), por prazo não concretamente determinado, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária mensal de Esc. 500$00.
8 - HH faleceu em 18 de Janeiro de 1996, no estado de casado com II, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 4, cujo teor se dá por reproduzido.
9 - II faleceu em 20 de Dezembro de 2019, no estado de viúva de HH, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 5, cujo teor se dá por reproduzido.
10 - A ré EE é filha de HH e de II, tendo nascido no dia 26 de Outubro de 1977.
11 - O prédio aludido em 6) é composto por casa de um pavimento, com tipologia T4, por dependência e quintal, com a área coberta de 67 m2 e com a área descoberta de 598 m2, situando-se a cerca de 400 metros da Câmara Municipal, da estação de metro ... e próxima de supermercados, farmácia, restaurantes e serviços públicos.
12 - A ré desde que nasceu residiu sempre no prédio aludido em 6).
13 - O mencionado HH começou a usar e fruir o prédio aludido em 6) na data mencionada em 7), ali passando a residir com a família e tendo transferido para esse imóvel a sua oficina de calçado.
14 - O mencionado HH exercia a profissão de tamanqueiro e criou uma oficina de calçado que teve os seguintes nomes publicitários “A...”, “B...” e “C...”.
15 – Sendo que essa oficina esteve instalada no prédio aludido em 6) até ao ano de 2005.
16 - No imóvel aludido em 6) reside um filho da ré, nascido em 16/5/2006, o qual padece de paralisia cerebral e apresenta uma incapacidade superior a 60%, estando a cargo e aos cuidados diários da ré.
17 – Na sequência da celebração do acordo aludido em 7), o mencionado HH passou a pagar as contrapartidas monetárias mensais ali estipuladas aos antecessores dos autores.
18 – O mencionado HH e, posteriormente, a indicada II procederam ao pagamento das contrapartidas monetárias mensais aludidas em 7) até ao ano de 2015.
19 – Aquando do falecimento do mencionado FF, a indicada GG declarou o imóvel referido em 6) na relação de bens apresentada à Autoridade Tributária.
20 – Aquando do falecimento da mencionada GG, o autor AA, na qualidade de cabeça de casal, procedeu à comunicação da relação de bens da herança daquela, ali incluindo o imóvel referido em 6).
21 – Os autores e os antepossuidores procederam ao pagamento do IMI referente ao imóvel aludido em 6).
22 – E declararam as contrapartidas monetárias mensais aludidas em 7) nas respetivas declarações de IRS.
23 – Em virtude da ré não lhes entregar o imóvel aludido em 6), os autores estão privados de obter qualquer rendimento resultante do seu uso e fruição.
Factos não provados:
24 - Os autores apenas tenham tido conhecimento do falecimento da mencionada II
em Setembro de 2020.
25 - Os autores pudessem ceder o uso e fruição do imóvel mencionado em 6) por uma quantia mensal nunca inferior a Eur. 500,00.
26 – Em meados de 1970, o mencionado HH tenha adquirido o imóvel aludido em 6) ao referido FF pelo valor de Esc. 6.000$00.
27 - Nessas circunstâncias, o mencionado HH tenha entregue a quantia de Esc. 6.000$00 ao referido FF.
28 - Os progenitores da ré, em consequência do uso e fruição do imóvel aludido em 6), nunca tenham procedido ao pagamento de qualquer quantia a título de renda.
29 - Os progenitores da ré e a própria ré sempre tenham agido como proprietários do imóvel aludido em 6), à vista de todas as pessoas, designadamente do mencionado FF, de forma continuada e sem oposição de quem quer que seja.
30 - Os progenitores da ré tenham executado obras no prédio aludido em 6).
31 - Pelo menos desde 1970, a ré e os seus antecessores sempre tenham usado e fruído o prédio aludido em 6) na convicção de exercerem um direito próprio e de serem proprietários do mesmo imóvel.
32 - Em data não concretamente determinada, o mencionado FF tenha pedido à referida II que esta, a título de favor, lhe cedesse cerca de 150 metros do terreno do prédio aludido em 6) para que a sua esposa pudesse aproveitar essa parcela para cultivo e para colocar dois ferros ao alto que lhe permitisse secar roupa.
33 - O que foi permitido pela mencionada II, tendo-lhe a mesma cedido aquela parcela de 150 metros que lhe pertencia.
34 - A ré e os seus antepossuidores sejam reconhecidos pela vizinhança, por clientes e funcionários como proprietários do imóvel aludido em 6).
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O recurso.
O recurso delimita-se pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transitando em julgado.
Estamos no âmbito de uma ação de reivindicação através da qual os autores sustentam serem os verdadeiros proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., e que a ré o ocupa ilicitamente pedindo a sua restituição. Invoca factos que se enquadram na aquisição originária (usucapião9 e derivada (testamento) e ainda o registo do prédio a seu favor.
Na contestação a Ré vem dizer que ela própria é a proprietária do referido prédio uma vez que o seu pai o comprou, encontrando-se na sua posse desde então. Deduz pedido reconvencional pedindo que o tribunal declare este direito de propriedade sobre o prédio litigioso.
Delimitado o recurso pelas conclusões das alegações colocam-se as seguintes questões:
Saber se a matéria de facto deverá ser alterada em função da impugnação da Ré;
Saber se se verificam os factos constitutivos de onde emerge o direito de propriedade da Ré, por si invocados e que se traduzem na posse para efeitos de usucapião.
A apelante/Autora impugnou a matéria de facto. Sendo que quanto a este ponto do recurso temos de observar o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C. P. Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que:
a) - Especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;
b) - Indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
c) – Indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Encontram-se satisfeitos estes requisitos legais.
Vejamos a impugnação.
A apelante pretende que o tribunal julgue não provados os factos nºs 7, 17 e 18, por oposição ao julgamento do tribunal recorrido que os julgou provados; Em contraponto pretende que se julguem provados os pontos da matéria de facto nºs: 26, 27,28,29,30,31, 32, 33 e 34.
Analisamos toda a prova produzida e concluímos que o julgamento sobre a matéria de facto não padece de erro.
A testemunha arrolada pelos autores, NN residiu no local e conhece os autores os seus antecessores, a Ré e o pai da ré, sabia que o pai da Ré era arrendatário e presenciou o pagamento das rendas, nunca ouviu falar da alegada venda ao pai da Ré; O mesmo acontecendo com OO, KK, PP, QQ, RR e LL. As testemunhas mostraram conhecimento dos factos presenciaram o pagamento das rendas, inclusivamente algumas porque familiares, emitiram os recibos, apesar disso falaram com convicção. Todos estes depoimentos se mostram conformes com a prova documental junta aos autos, o registo dos prédios, os testamentos, os recibos o pagamento do IMI, as declarações de património aquando do óbito dos testadores.
Devem improceder neste ponto as conclusões das alegações de recurso, mantendo-se inalterada a matéria de facto.
As procedências das conclusões das alegações de recurso dependiam da alteração desta prova, não tendo sido feita, impõe-se a procedência da ação, dado que os autores beneficiam da presunção do registo.
Na ação de reivindicação, incumbe aos AA. alegar e demonstrar que são donos do prédio reivindicado, estando o R. na posse delas sem título.
Vigora no nosso direito a teoria da substanciação sem prejuízo de a causa de pedir nas ações de reivindicação poder limitar-se ao facto base da presunção legal, daí que, ao titular do registo, beneficiário de uma presunção, apenas basta invocá-la, sendo desnecessária a prova do facto presumido.
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – artº 7º do C.R.Predial.
Não provou a Ré os factos que integrassem a posse em termos de usucapião uma vez é mera detentora em termos de arrendamento.
Como se vê da matéria de facto o arrendamento não se transmitiu uma vez que a Ré não se encontra na posição dos artigos 57º, nº1 do NRAU, caducando nos termos do artº 1051º, d) do CC.
Improcedem as conclusões das alegações de recurso.
Na improcedência das conclusões das alegações de recurso confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante- artº 527º do CPC.

Sumário:
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Porto, 14/1/2025
Maria Eiró
Márcia Portela
Anabela Dias da Silva