Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MARTINS | ||
| Descritores: | LICENÇA DE USO E PORTE DE ARMA DE CAÇA RENOVAÇÃO IDONEIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP2024012460/18.8T9MLD-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 01/24/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Ser idóneo a ter licença de uso e porte de arma de caça exige que se analise não o perigo de cometer um crime com a mesma, mas o facto de ter condições, qualidades, aptidões e competência para desempenhar a atividade venatória que o uso de tal arma se destina. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo 60/18.8T9MLD-A.P1 Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica da Mealhada Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO I.1. AA veio interpor recurso da decisão proferida em 28.09.2023 que lhe indeferiu o incidente de reconhecimento de idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma de caça. ** I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente) “1. Atentando à decisão recorrida constata-se que durante o longo tempo (desde os 18 anos de idade, com carta há quase 30 anos) o Requerente dedicou-se, como hobbie, à atividade venatória, sem incidentes ou incumprimento das regras que a regulam. 2. Ora, ressalvado o devido respeito, o que importa para o caso é verificar se ocorreram incidentes dignos de registo ou incumprimento das regras que regulam a atividade venatória durante todo o período de tempo em que o requerente, ora recorrente, foi portador de licença de uso e porte de armas (e caça de caçador), elemento este de que a declaração do Clube de caçadores se encontra inscrito desde 13 de Agosto de 1994. 3. Os factos perpetrados no processo principal revestem-se de singularidade, na medida em que só foram realizados numa única situação de conflito, de que, atualmente, o recorrente se mostra afastado. 4. O Tribunal a quo deveria ter emitido um juízo mesmo assim positivo sobre esses factos, tanto para mais, foi solicitado relatório social, para o efeito, e as suas conclusões são elucidativas, desse factor positivo. 5. O Requerente dedicou-se, como hobby, à atividade venatória, sem incidentes ou incumprimento das regras que a regulam. 6. O Tribunal a quo baseou a decisão de que se recorre essencialmente, em dois argumentos, um de índole jurídica e outro de índole prática ao elencar os crimes de que foi acusado e condenado, e sobretudo o de ameaças. 7. O crime pelo qual foi condenado o requerente, foi perpetrado sem o recurso ou exibição a armas de que era legítimo possuidor, ou referiu que ia utilizar alguma arma. 8. A prática desses crimes de ameaças, por si só, não inabilita, por inidoneidade, a concessão de licença de uso e porte de armas. 9. Temos um episódio singular, estanque no tempo (reprovável e evitável, é certo), ocorrido há cerca de 5 anos, num contexto aí descrito, de stress emocional, nervosismo, exaltação, não tendo utilizado armas, ou feito referencia que dava algum tiro. 10. O recorrente não representa nenhum perigo de prática de outros crimes, desta ou doutra natureza, como veio reconhecido na sentença que o condenou, porquanto, além de lhe ter sido a multa que a cumpriu, não lhe foi aplicada a pena acessória de proibição de uso e porte de arma. 11. O recorrente foi portador da licença de uso e porte de armas desde os 18 anos, dedicando-se desde longa data à prática venatória, durante este período, cumprindo as regras associadas a esta atividade. 12. Não constam outras condenações, no seu CRC, ou em sede de inquérito tem processos pendentes. 13. Está integrado na sociedade, profissionalmente, e familiarmente. 14. Não foi determinada a aplicação de medida de segurança de cassação de uso e porte de arma da sentença condenatória primitiva, ou apreensão das armas. 15. O requerente o requerente interiorizou o desvalor da sua conduta e inserido na sociedade, como cidadão honesto, bom amigo e trabalhador. 16. Havendo assim um juízo de prognose favorável, juízo esse que ainda hoje se mantém inalterado, ao longo dos anos que a sua licença foi -se renovando há cerca de 30 anos, tem que ser tido em conta a sua conduta a comportamento ao longo do tempo. 17. Ao recorrente, tirando os crimes por que foi condenado e a escolha da pena, o Tribunal a quo, não adoptou uma postura normativa adequada às regras vigentes, mostrando-se, antes pelo contrário, uma reacção contrária, por isso, o requerente ainda é merecedor da confiança que o estado deposita em quem é titular de licença de uso e porte de armas, para exercício da actividade lúdica/venatória. 18. Assim, com todo o respeito por opinião diversa, parece-nos que os factos dados por provados, em face do exposto, ao recorrente deverá ser atribuída idoneidade para ser titular de licença de uso e porte de armas, nos termos e para os efeitos do art. 14.º, n.º 2 e 4, ex vi do disposto do art. 15.º n.º 2, ambos do RJAM, pois que não denota o seu comportamento uma personalidade avessa ao cumprimento de regras mínimas de convivência social, ou desrespeito pela segurança, em especial e no que concerne à utilização de armas de fogo.” Pugna pela revogação da decisão recorrida, reconhecendo-se ao recorrente condições de idoneidade para os efeitos previstos no artigo 15º da lei 5/2006 de 23 de Fevereiro. ** I.3. Resposta do Ministério PúblicoO MºPº na resposta ao recurso, pugnou pela sua improcedência, concluindo: “1. Por sentença nestes autos exarada proferida em 28 de setembro de 2023, sob referência citius 127724145 foi decidido não reconhecer ao requerente a 10 idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma. 2. Ponto fulcral do presente recurso será avaliar se, em face da condenação do arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291°, n.° 1 alínea b) e artigo 69°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152°, n.° 1, alínea a), n.° 3 do Código da Estrada, tendo sido condenado na pena única de trezentos e sessenta dias de multa à taxa diária de nove euros e na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos com motor, por sentença transitada em julgado em 20.11.2020 por factos praticados em 10.06.2018 será de conferir idoneidade para a concessão de licença de uso e porte de arma de caça. 3. Consta, além do mais, dos factos provados na sentença constante do processo apenso que «Instantes mais tarde, mantendo-se a patrulha no local, o arguido saiu de casa, e, no momento em que lhe foi solicitado de novo que efetuasse o teste, o arguido voltou a exaltar-se, dizendo: "Vocês querem-me lixar. Não faço teste nenhum". - Tendo-se refugiado de novo na habitação, mantendo a porta aberta, o arguido dirigiu-se aos militares, afirmando: "São uns Cabrões, uns filhos da puta. Eu fodo-vos, eu mato-vos". Depois, dirigindo-se ao cabo BB, afirmou: "Eu a ti conheço-te, filho da puta. Eu amanhã mato-te".». 4. Entende o Recorrente, em suma, que tal condenação não é suficiente para se concluir pela falta de idoneidade do Recorrente atendendo a que o mesmo é caçador há diversos anos, sendo aquele episódio, ou seja, os factos que conduziram à condenação, são insuficientes para concluir que não estão reunidos os requisitos de idoneidade do arguido para que lhe seja concedida licença de uso e porte de arma de caça. 5. Dispõe o art. 15.° do RJAM que «As licenças C e D podem ser concedidas a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições: a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis; b) Demonstrem carecer de licença de uso e porte de arma dos tipos C ou D para a prática de atos venatórios, e se encontrem habilitados com carta de caçador ou demonstrem fundamentadamente carecer da licença por motivos profissionais; c) Sejam idóneos; d) Sejam portadores de certificado médico, nos termos do artigo 23.°; e) Obtenham aprovação em curso de formação técnica e cívica para o uso e porte de armas de fogo» e o n.° 2 que «A apreciação da idoneidade do requerente é feita nos termos do disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 14.°». 6. Por seu turno, preceitua o art. 14.° do RJAM no seu n.° 2 que «Sem prejuízo do disposto no artigo 30.° da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante da alínea c) do número anterior é suscetível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão». 7. Conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.02.2013 69/01.0JELSB-I.E1 «A condenação pela prática de crimes dolosos ou negligentes, mesmo que cometidos sem uso de violência e a que não corresponda pena superior a um ano, podem constituir factor atendível de ponderação e, concretamente, integrar essas "outras razões devidamente fundamentadas".». 8. Afigura-se-nos que será do contexto em que o crime foi cometido, designadamente, atentando nos factos dados como provados que terá de se aferir da idoneidade do requerente para a concessão da licença de uso e porte de arma de caça. 9. Assim, e, considerando os factos dados como provados que, como se disse, constituíram ameaças à vida de agentes policiais, tal revela, mesmo que, tratando-se de um ato isolado, falta de idoneidade para a concessão de licença de uso e porte de arma. 10. Deste modo e convocando o parecer de indeferimento da PSP de onde se extrai, com pertinência, que «pelo perigo abstrato que representa a posse de arma de fogo, que não está disponível a qualquer cidadão, implica assim a plena consciência por parte do titular de licença dos especiais deveres que sobre si impendem, eximindo-se de praticar atos que evidenciem negligência e/ou ponham em causa a necessidade de manter o equilíbrio entre os interesses pessoais e os comunitários, neste caso de segurança pública». 11. Por outro lado e, como muito bem refere o Recorrente no seu recurso, designadamente na conclusão 9. «temos um episódio singular, estanque no tempo (reprovável e evitável, é certo), ocorrido há mais de 5 anos, num contexto aí descrito, de stress emocional, nervosismo, exaltação, não tendo utilizado armas, ou feito referência que dava um tiro». Pois que é precisamente a avaliação da personalidade do agente, nos crimes cometidos, de onde revela o contexto de stress emocional, que será de avaliar quanto à sua idoneidade para a concessão de licença de uso e porte de arma. 12. Uma pessoa para ser titular de tal licença tem de demonstrar uma capacidade de auto controlo e domínio da sua personalidade para, em contexto de stress emocional, não fazer uso das armas. E, considerando, os factos dados como provados, à semelhança de como concluiu o Tribunal a quo, não se afigura que se consiga extrair, com a certeza que se impõem em face da condenação sofrida pelo Requerente, pela concessão de licença de uso e porte de arma. 13. Não olvidamos que o Requerente se encontra inserido na sociedade, o relatório da DGRSP nada apontou que lhe desabone, que os factos que conduziram à condenação sofrida se tratou de um ato isolado, e que ocorreram há pouco mais de cinco anos, contudo, atendendo aos factos ali dados como provados, entende- se que os crimes por si praticados e pelos quais foi condenado, tendo em particular atenção a gravidade e as expressões utilizadas, deverá, salvo melhor entendimento, concluir-se pela inidoneidade para a concessão de licença de uso e porte de arma. 14. Pelo exposto supra e com os fundamentos carreados entende-se que bem andou o Tribunal a quo, inexistindo, neste ensejo, qualquer vício a apontar à decisão Sub Judice, nem qualquer violação de qualquer princípio ou dispositivo legal ou constitucional. 15. Não violou o Tribunal a quo qualquer norma ou princípios jurídico penais ou constitucionais.” ** I.4. Parecer do Ministério PúblicoNo sentido da improcedência do recurso. ** I.5. Resposta do arguido/recorrenteFoi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público. ** 1.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.** II. FUNDAMENTAÇÃO** II.1. Objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95). No caso dos autos, não há quaisquer vícios ou questões de conhecimento oficioso que importa conhecer por nenhuma dessas situações ocorrerem no caso sub judice. A questão suscitada pelo recorrente é a de saber se deverá ser reconhecida ao requerente idoneidade para ser titular de licença de uso e porte de arma da classe D. ** II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)“AA, titular do cartão de cidadão n.° ..., nascido a ../../1974, veio requerer o reconhecimento de idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma de caça (classe D), nos termos do disposto no artigo 14.°, n.°, n°.2, 3 e 4 da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as várias alterações subsequentes. Foram realizadas as diligências necessárias para a apreciação do pedido, tendo-se ouvido o próprio requerente - vide acta de 8.11.2022. Foi também elaborado relatório social pela DGRSP - junto aos autos em 6.12.2022, com a referencia 13845575. O Ministério Público emitiu o parecer a que alude o n.° 4 do artigo 14.° da Lei n.° 5/2006, de 23/02, tendo-se pronunciado contra o reconhecimento da idoneidade do requerente para o uso e porte de arma - vide parecer de 23.01.2023. * Dos elementos juntos aos autos, resulta, com relevância para a decisão, que:- AA é o mais velho de uma fratria de 3 (CC de 45 anos e DD de 43 anos, ambos com agregados autónomos). Filho de pai pedreiro e mãe operária fabril, o seu desenvolvimento ocorreu no seio familiar, em conjunto com os irmãos. - Frequentou o ensino primário na escola ..., tendo transitado para a escola preparatória da ..., onde concluiu o 6° ano. Com cerca de 15 anos abandona a escola para ingressar no mercado de trabalho, tendo iniciado atividade com o pai na construção civil, onde permaneceu durante um ano, com 16 anos inicia atividade laboral por conta própria na área da pintura de construção civil, atividade que mantem até à atualidade, auferindo cerca de 1000 euros mensais. - Casou com EE aos 29 anos de idade, tendo uma filha (FF de 16 anos, estudante do 11° ano na Escola Secundária ...) do relacionamento, sendo que a separação do casal ocorre em dezembro de 2013, por incompatibilidade do casal, no entanto, refere manter boa relação com a filha e ex-mulher, sendo esta a sua contabilista. - Atualmente o arguido reside com os pais na morada indicada nos autos, em moradia tipo t4, propriedade destes, infraestruturada e com boas condições de habitabilidade. Mantem relacionamento de namoro há cerca de 5 meses com GG de 39 anos, agricultora, relação que considera como estável e muito gratificante. - AA mantém imagem social de elemento trabalhador, correto e integrado na comunidade, não havendo informação da ocorrência de factos negativos por parte do arguido. - Mantém como hobby a caça e segundo apuado não apresentou até à data comportamento inadequado quanto ao uso de armas de caça e ao cuidado com as mesmas. - Do seu CRC consta uma condenação na pena única de trezentos e sessenta dias de multa à taxa diária de nove euros e na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos com motor, pela pratica de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291°, n.° 1 alínea b) e artigo 69°, n.° 1 alínea a) do Código Penal , um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152°, n.° 1, alínea a), n.° 3 do Código da Estrada. * Foram os seguintes os factos provados na referida sentença:- No dia 10 de Junho de 2018, cerca das 02h45m,o arguido circulava na Rua ..., em ..., ao volante do veículo com a matrícula ..-..-SA e, ao chegar a um cruzamento onde existia um semáforo, estando a luz vermelha, o arguido não parou, prosseguindo a sua marcha, o que fez com que passasse a centímetros da frente de uma viatura policial que circulava na Rua ..., no interior da qual se encontrava uma patrulha da G.N.R., composta pelos militares BB e HH. - Perante tal atuação do arguido, a patrulha seguiu no encalço do mesmo, ligando as luzes de sinalização de veículo policial, e, ao sair da localidade, ligou também os sinais sonoros, tendo este, no entanto, continuado a circular. - Ao entrar na povoação de Silvã, circulando a uma velocidade não concretamente apurada mas excessiva para o local e invadindo a faixa destinada ao sentido de trânsito contrário ao seu, o arguido cruzou-se com uma outra viatura, tendo o respetivo condutor que fazer um desvio brusco, para a berma, de forma a evitar um embate. - Entrando depois na Rua ..., o arguido não efetuou o sinal de mudança de direção à esquerda e circulou em sentido contrário ao sentido de marcha que aí era permitido, mudando logo depois para a direita, sem que também tivesse sinalizado tal mudança de direção. - Logo depois, o arguido imobilizou a sua viatura numa viela, junto ao n.° ..., na Rua .... - Nessa altura os militares da G.N.R. imobilizaram também a viatura onde seguiam, tendo-se dirigido ao arguido, que, entretanto, também já tinha saído do interior do seu veículo, tendo-lhe o cabo BB perguntado se se havia apercebido que não tinha parado junto de um sinal vermelho do semáforo e que tinha passado a muito pouca distância do carro da patrulha. - Tendo-lhe sido dito que teria de se submeter a teste de pesquisa de álcool no sangue, o arguido disse de imediato que não o fazia e começou a chamar pela mãe, em tom de voz alto. - Já depois da mãe do arguido se encontrar no exterior da habitação, foi solicitado de novo ao arguido que efetuasse o exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo ele reafirmado que não o fazia. - Perante tal recusa, o cabo BB disse ao arguido que, com tal conduta, incorria na prática de um crime de desobediência, tendo ele, no entanto, entrado no interior da habitação. - Instantes mais tarde, mantendo-se a patrulha no local, o arguido saiu de casa, e, no momento em que lhe foi solicitado de novo que efetuasse o teste, o arguido voltou a exaltar- se, dizendo: "Vocês querem-me lixar. Não faço teste nenhum". - Tendo-se refugiado de novo na habitação, mantendo a porta aberta, o arguido dirigiu- se aos militares, afirmando: "São uns Cabrões, uns filhos da puta. Eu fodo-vos, eu mato- vos". - Depois, dirigindo-se ao cabo BB, afirmou: "Eu a ti conheço-te, filho da puta. Eu amanhã mato-te". - O arguido sabia que, ao conduzir da forma supra descrita, violando regras de circulação rodoviária, criava um risco de produção de algum acidente, do qual poderiam resultar a morte ou lesões para a integridade física dos restantes utentes da via pública, perigo esse que efetivamente se verificou. - Para além disso, o arguido sabia que devia obediência à ordem que recebera, para se sujeitar a teste de pesquisa de álcool no sangue, conhecendo também as consequências do seu incumprimento, não a tendo, apesar disso, cumprido. - Por outro lado, ao proferir as expressões suprarreferidas, pelo tom sério em que o fez, sabia o arguido que as mesmas eram adequadas, como foram, a causar aos mesmos, medo e receio pela própria vida, tendo o mesmo procedido assim com a intenção de perturbar o sentimento de segurança daqueles e de afetá-los na sua liberdade. - O arguido agiu sempre de forma voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. - No circunstancialismo referido no ponto 1, a militar HH, condutora do carro patrulha, teve que travar a marcha do veículo para não embater no veículo tripulado pelo arguido. - Perante a conduta do arguido após ter estacionado o seu veículo, os militares tiveram que chamar a intervenção de reforços. - O arguido é divorciado e reside em casa dos seus pais, com estes. - O arguido tem uma filha de 14 anos que reside com a mãe desta. - O arguido é pintor da construção civil e realiza trabalhos por conta própria, auferindo uma média mensal de mil e cem euros. - O veículo identificado no ponto 1 é propriedade do arguido. - Ao arguido não é conhecida condenação judicial. - O arguido é considerado pelos seus amigos e colegas de profissão como bom amigo, educado, assíduo, respeitador. *** Atento o disposto no artigo 15.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23/02, com as alterações que lhe foram introduzidas, as licenças C e D podem ser concedidas a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as condições aí elencadas, entre as quais se inclui, sob a alínea c), a idoneidade do requerente.A apreciação da idoneidade, segundo o n.° 2 da mesma norma legal, é feita nos termos do disposto nos n.°s 2 e 3 do artigo 14.° do referido diploma. Dispõe o artigo 14.° que: "( ... ) 2- Sem prejuízo do disposto no artigo 30.° da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante na alínea c) do número anterior, é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão da licença o facto de, entre outros, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão. 3 - No decurso do período anterior à verificação do cancelamento definitivo da inscrição no registo criminal das decisões judiciais em que o requerente foi condenado, pode este requerer que lhe seja reconhecida a idoneidade para os fins pretendidos, pelo tribunal da última condenação". A lei não nos dá uma definição de idoneidade, sendo que, como se viu, indica, a título não taxativo, factos suscetíveis de indiciar a sua falta. Podemos, então, afirmar que idoneidade significa a aptidão de alguém para o uso e porte ou detenção de arma de acordo com a normatividade vigente. O Tribunal, para considerar verificada essa aptidão, deve formular um juízo de prognose no sentido de que o requerente, presumivelmente, irá fazer um uso da arma em conformidade com a lei. Ora, analisados os factos dados como provados naquela sentença proferida no processo principal, constata-se que o requerente desobedeceu a uma ordem legítima de uma autoridade, circulou com o veículo que conduzia da forma que ali vem descrita, recusando submeter-se a exame de pesquisa de álcool no sangue e dirigindo-se a um dos militares ainda disse: "Eu a ti conheço-te,filho da puta. Eu amanhã mato-te". Consta igualmente dos factos provados que «o arguido sabia que, ao conduzir da forma supra descrita, violando regras de circulação rodoviária, criava um risco de produção de algum acidente, do qual poderiam resultar a morte ou lesões para a integridade física dos restantes utentes da via pública, perigo esse que efetivamente se verificou. Para além disso, o arguido sabia que devia obediência à ordem que recebera, para se sujeitar a teste de pesquisa de álcool no sangue, conhecendo também as consequências do seu incumprimento, não a tendo, apesar disso, cumprido. Por outro lado, ao proferir as expressões suprarreferidas, pelo tom sério em que o fez, sabia o arguido que as mesmas eram adequadas, como foram, a causar aos mesmos, medo e receio pela própria vida, tendo o mesmo procedido assim com a intenção de perturbar o sentimento de segurança daqueles e de afetá-los na sua liberdade. Como se vê desta factualidade, o arguido, ao se dirigir aos militares da GNR, dizendo que os matava, claramente, está a fazer uma alusão, implícita, a valer-se de armas de fogo para fins diversos da atividade venatória e, pior do que isso, ilícitos. Não nos parece, em face do passado do arguido, que possa emitir-se um juízo de prognose de que o mesmo possa, de hoje em diante, fazer um uso das suas armas sempre conforme à lei. Deste modo, ainda que o mesmo esteja satisfatoriamente integrado em termos sociais e seja caçador de longa data, não cremos que o seu comportamento passado infunda a garantia de que aquelas armas possam ser usadas apenas para fins lícitos: não o foram no passado, não vemos que razões de monta nos possam convencer que também o não serão no futuro. Nestes termos, Decide-se não reconhecer a idoneidade de AA para o uso e porte de arma. Custas a cargo do requerente que se fixam em 2 Uc. Notifique. Após trânsito, dê conhecimento ao Comando Metropolitano do Porto da PSP.” ** II.3 Apreciação do recurso§1. O recorrente sustenta que os factos provados permitem ilidir a presunção de inidoneidade, devendo por isso ser-lhe reconhecida idoneidade para ser titular, através da sua renovação, de licença de uso e porte de arma de caça de classe D. * §2. Vejamos a lei reguladora no caso aqui em apreço.Os pressupostos da concessão de licenças de uso e porte de arma da categoria pretendida pelo arguido estão previstos no art. 15º da Lei nº 5/2006 de 23/2 (na última alteração introduzida pela lei 50/2019, de 24.07) que estabelece: “1 - As licenças C e D podem ser concedidas a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições: a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis; b) Demonstrem carecer de licença de uso e porte de arma dos tipos C ou D para a prática de atos venatórios, e se encontrem habilitados com carta de caçador ou demonstrem fundamentadamente carecer da licença por motivos profissionais; c) Sejam idóneos; d) Sejam portadores de certificado médico, nos termos do artigo 23.º; e) Obtenham aprovação em curso de formação técnica e cívica para o uso e porte de armas de fogo. 2 - A apreciação da idoneidade do requerente é feita nos termos do disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 14.º.” No que respeita ao conceito da idoneidade, o artigo 14º do mesmo diploma legal (na última alteração introduzida pela lei 50/2019, de 24.07) preceitua: “(…) 2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante da alínea c) do número anterior é suscetível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão. 3 - No decurso do período anterior à verificação do cancelamento definitivo da inscrição no registo criminal das decisões judiciais em que o requerente foi condenado, pode este requerer que lhe seja reconhecida a idoneidade para os fins pretendidos, pelo tribunal da última condenação. 4 - A intervenção judicial referida no número anterior não tem efeitos suspensivos sobre o procedimento administrativo de concessão ou renovação da licença em curso.” Por seu turno, o artigo 30º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), que tem por epígrafe «Limites das penas e das medidas de segurança», dispõe na parte que aqui interessa: “(…)4. Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.” * §3. Importa, agora, face ao alegado pelo recorrente e à questão que nos cumpre apreciar e decidir, caracterizar e definir o conceito de “idoneidade”, não esquecendo, nesta tarefa, o que estatui o citado artigo 14º, nº 2, da Lei nº 5/2006 (e repete-se): “sem prejuízo do disposto no artigo 30º da Constituição, (…) é suscetível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão”.Assim, por um lado, uma condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de crime doloso, com uso de violência é susceptível de, por si só, indiciar falta de idoneidade. Ou seja, constitui presunção de inidoneidade. E, por outro lado, a condenação pela prática de crimes dolosos ou negligentes, mesmo que cometidos sem uso de violência e a que não corresponda pena superior a um ano, podem constituir factor atendível de ponderação e, concretamente, integrar as “outras razões devidamente fundamentadas”. No que concerne à remissão do nº 2 do citado artigo 14º para o artigo 30º da CRP julgamos que está relacionada com os «chamados efeitos da condenação» e que se traduzem na proibição de que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática, mecânica, e independentemente de decisão judicial, apenas por força da lei, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista, pág. 198). A expressão “idoneidade” aqui em apreciação traduz, numa formulação genérica, a capacidade ou a qualidade de alguém para ser titular de licença de uso e porte de arma, alguém de quem se espera que, em caso de concessão de tal licença, tenha condições, qualidades, aptidões e competência para fazer um uso da arma em causa correspondente aos fins legais (veja-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRP de 29.04.2015, relatado por Ernesto Nascimento e de 15.05.2021, relatado por Eduarda Lobo, do TRE de 19.02.2013, relatado por Ana Barata Brito de 08.05.2018, relatado por João Amaro, do TRC 21.03.2012, relatado por José Eduardo Martins e do TRL de 21.02.2019, relatado por Maria do Carmo Ferreira, todos acessíveis em www.dgsi.pt). * §4. Revertendo ao caso presente, a decisão recorrida baseia-se no passado criminal do requerente como fundamento exclusivo do não reconhecimento da idoneidade.Ora, o requerente foi condenado por decisão transitada em julgado em 20.11.2020, pela prática, em 10.06.2018, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291°, n.° 1 alínea b) e artigo 69°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 153°, n.°1, 155, n.°1, alínea a) e artigo 132°, n.°2, alínea l) do Código Penal, um crime desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152°, n.° 1, alínea a), n.° 3 do Código da Estrada, tendo sido condenado na pena única de trezentos e sessenta dias de multa à taxa diária de nove euros e na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos com motor. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: “- no dia 10 de Junho de 2018, cerca das 02h45m,o arguido circulava na Rua ..., em ..., ao volante do veículo com a matrícula ..-..-SA e, ao chegar a um cruzamento onde existia um semáforo, estando a luz vermelha, o arguido não parou, prosseguindo a sua marcha, o que fez com que passasse a centímetros da frente de uma viatura policial que circulava na Rua ..., no interior da qual se encontrava uma patrulha da G.N.R., composta pelos militares BB e HH; - perante tal atuação do arguido, a patrulha seguiu no encalço do mesmo, ligando as luzes de sinalização de veículo policial, e, ao sair da localidade, ligou também os sinais sonoros, tendo este, no entanto, continuado a circular; - ao entrar na povoação de Silvã, circulando a uma velocidade não concretamente apurada mas excessiva para o local e invadindo a faixa destinada ao sentido de trânsito contrário ao seu, o arguido cruzou-se com uma outra viatura, tendo o respetivo condutor que fazer um desvio brusco, para a berma, de forma a evitar um embate; - entrando depois na Rua ..., o arguido não efetuou o sinal de mudança de direção à esquerda e circulou em sentido contrário ao sentido de marcha que aí era permitido, mudando logo depois para a direita, sem que também tivesse sinalizado tal mudança de direção; - logo depois, o arguido imobilizou a sua viatura numa viela, junto ao n.° ..., na Rua ...; - nessa altura os militares da G.N.R. imobilizaram também a viatura onde seguiam, tendo-se dirigido ao arguido, que, entretanto, também já tinha saído do interior do seu veículo, tendo-lhe o cabo BB perguntado se se havia apercebido que não tinha parado junto de um sinal vermelho do semáforo e que tinha passado a muito pouca distância do carro da patrulha; - tendo-lhe sido dito que teria de se submeter a teste de pesquisa de álcool no sangue, o arguido disse de imediato que não o fazia e começou a chamar pela mãe, em tom de voz alto; - já depois da mãe do arguido se encontrar no exterior da habitação, foi solicitado de novo ao arguido que efetuasse o exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo ele reafirmado que não o fazia; - perante tal recusa, o cabo BB disse ao arguido que, com tal conduta, incorria na prática de um crime de desobediência, tendo ele, no entanto, entrado no interior da habitação; - instantes mais tarde, mantendo-se a patrulha no local, o arguido saiu de casa, e, no momento em que lhe foi solicitado de novo que efetuasse o teste, o arguido voltou a exaltar- se, dizendo: "Vocês querem-me lixar. Não faço teste nenhum"; - tendo-se refugiado de novo na habitação, mantendo a porta aberta, o arguido dirigiu- se aos militares, afirmando: "São uns Cabrões, uns filhos da puta. Eu fodo-vos, eu mato-vos"; - depois, dirigindo-se ao cabo BB, afirmou: "Eu a ti conheço-te, filho da puta. Eu amanhã mato-te"; - o arguido sabia que, ao conduzir da forma supra descrita, violando regras de circulação rodoviária, criava um risco de produção de algum acidente, do qual poderiam resultar a morte ou lesões para a integridade física dos restantes utentes da via pública, perigo esse que efetivamente se verificou; - para além disso, o arguido sabia que devia obediência à ordem que recebera, para se sujeitar a teste de pesquisa de álcool no sangue, conhecendo também as consequências do seu incumprimento, não a tendo, apesar disso, cumprido; - por outro lado, ao proferir as expressões supra referidas, pelo tom sério em que o fez, sabia o arguido que as mesmas eram adequadas, como foram, a causar aos mesmos, medo e receio pela própria vida, tendo o mesmo procedido assim com a intenção de perturbar o sentimento de segurança daqueles e de afetá-los na sua liberdade.” Perante tal factualidade e atendendo ao tipo de pena que lhe foi aplicada não se nos afigura que a condenação (a única registada ao recorrente) possa integrar a presunção de inidoneidade prevista no n.º 2 do citado artigo 14º por não se mostrarem verificados os três requisitos cumulativos enunciados, ou seja, a condenação pela prática de um crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão. Vejamos agora se a condenação judicial se enquadra nas “outras razões devidamente fundamentadas” susceptíveis de revelar falta de idoneidade para os fins pretendidos. Em primeiro lugar, na fundamentação do despacho sob recurso, não poderemos concordar com a afirmação que (sublinhado aposto) “…o arguido, ao se dirigir aos militares da GNR, dizendo que os matava, claramente, está a fazer uma alusão, implícita, a valer-se de armas de fogo para fins diversos da atividade venatória (…).” Na verdade, da factualidade assente na condenação acima transcrita não existem quaisquer referências à utilização ou posse de armas por parte do requerente, na realização dos crimes pelo qual foi condenado, não lhe tendo sido aplicada a medida de segurança de cassação de licenças de uso e porte de arma. Em segundo lugar, na fundamentação do despacho sob recurso também não compreendemos a afirmação (com sublinhado aposto) “não cremos que o seu comportamento passado infunda a garantia de que aquelas armas possam ser usadas apenas para fins lícitos: não o foram no passado, não vemos que razões de monta nos possam convencer que também o não serão no futuro.” Com efeito, não há nenhum elemento de prova carreado para os autos que permite, sequer, sugerir que as armas foram usadas no passado fora dos fins legais (no caso, a actividade venatória). Aliás, dos elementos juntos autos resulta precisamente realidade diversa – “mantém como hobby a caça e segundo apurado não apresentou até à data comportamento inadequado quanto ao uso de armas de caça e ao cuidado com as mesmas.” Por conseguinte, não podemos afirmar (como fez o tribunal recorrido), de forma fundada, certa e segura, que “Não nos parece, em face do passado do arguido, que possa emitir-se um juízo de prognose de que o mesmo possa, de hoje em diante, fazer um uso das suas armas sempre conforme à lei.” Finalmente, não podemos olvidar as suas condições pessoais e o seu percurso de vida: - o requerente é detentor de licença de uso e porte de arma de caça há cerca de trinta anos (desde os seus 18 anos de idade); - os factos a que respeitam a única condenação registada no seu certificado de registo criminal reportam-se a 10.06.2018 (ou seja, há cerca de 5 anos) e desde então até ao presente não constam quaisquer outras condenações no seu certificado de registo criminal; - o requente encontra-se profissional, familiar e socialmente integrado; - o requerente mantém imagem social de elemento trabalhador, correcto e integrado na comunidade, não havendo informação da ocorrência de factos negativos por parte do arguido. Ponderando todo o exposto e, tendo presente o conceito de idoneidade acima explanado, não podemos afirmar que a prática dos factos pelos quais o arguido foi condenado potencia, de per si, o uso das armas fora das suas finalidades. Acresce, ainda, que não vemos na decisão recorrida argumentação atinente a outras circunstâncias exógenas aos crimes praticados pelo arguido, que assumam fundada relevância no sentido de se concluir pela não idoneidade do recorrente para a renovação da licença de uso e porte de arma para o exercício da actividade venatória. Importa referir que o perigo a acautelar no caso, com a exigência da respectiva autorização e licenciamento não é o de que o portador possa vir a fazer um uso indevido da arma, praticando outros crimes, mas sim a sua capacidade para o desempenho da actividade venatória com todos os pressupostos que a mesma implica. A este propósito, no acórdão do TRP de 29.04.2015 (já acima citado) escreveu-se: Ser idóneo a ter licença de uso e porte de arma de caça exige que se analise não o perigo de cometer um crime com a mesma, mas o facto de ter condições, qualidades, aptidões e competência para desempenhar a actividade lúdica que o uso de tal arma pressupõe.” Donde, no pressuposto deste entendimento, não encontramos na matéria assente na única condenação judicial registada no certificado do registo criminal do recorrente e nos elementos juntos autos e, principalmente no que concerne à sua personalidade, sinais de risco para o exercício da actividade venatória. Nestes termos, impõem-se concluir que inexiste fundamento para se recusar ao recorrente o seu pedido de reabilitação judicial para efeitos de renovação de licença de uso e porte de arma da classe D. Procede, pois, o presente recurso. *** III. DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, revogar a decisão recorrida, reconhecendo ao recorrente idoneidade para obter a renovação de licença de uso e porte de arma de caça, da classe D. Sem custas. * Porto, 24.01.2024Maria do Rosário Martins Castela Rio Paulo Costa |