Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
| Descritores: | AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM CUMULAÇÃO DE PEDIDOS RECONVENÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP2025101316880/24.1T8PRT-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A ação especial de divisão de coisa comum destina-se a fazer cessar a indivisão, sendo o meio próprio de operar a divisão em situações de compropriedade ou contitularidade (situações estas pressuposto daquela ação). II - No regime de compropriedade ou outra forma de contitularidade de direitos reais sobre bens concretos o consorte é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso e confere o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos art.s 1403º, 1412º e 1413º do CC e art.s 925º e segs, do CPC. III - A causa de pedir de tal ação é a contitularidade e o pedido é a divisão. IV - Não é de admitir cumulação de pedidos na ação de divisão de coisa comum, consistente na integração de pretensões distintas da divisão para serem, real e efetivamente, apreciadas com aquela nesse mesmo processo, a que correspondam diferentes formas de processo (nº1, do art. 555º e nº1, do art. 37º, do CPC), salvo se existir interesse relevante ou se resultar ser a apreciação conjunta das pretensões indispensável para a justa composição do litígio (cfr. nº2 do art. 37º, daquele diploma legal). V - Sendo diferentes as formas de processo, a admissibilidade da cumulação tem de ser apreciada nas concretas circunstâncias do caso e não se configurando uma das referidas situações, de exceção, haverá obstáculo à cumulação de pedidos, verificando-se exceção dilatória conducente à absolvição da instância (cfr. nº1, do art. 555º, nº1 e 2, do art. 37º, nº2, do art. 576º e al. f), do art. 577º, todos do CPC), justificada por se gerar acrescida e indesejada complexidade. VI - Por de interesse relevante e indispensável à justa composição do litígio, permitindo a apreciação conjunta da situação litigiosa e economia de processos, é admissível, na ação de divisão de coisa comum, cumulação, com o pedido típico de divisão, de pedidos relativos a créditos e despesas relacionados com o imóvel, com causas de pedir substancialmente distintas mas, todos eles, de direta relação com a contitularidade do bem e conexão/interferência com a divisão a operar, como rendas, indemnizações por sinistro no imóvel, prestações do crédito para a sua aquisição, contribuições de condomínio e de IMI. VII - É, assim, também, admissível reconvenção (v. nº 2 e 3, do art. 266º, do CPC). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 16880/24.1T8PRT-A.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível da Maia – Juiz 1
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… *
Recorrentes: ambas as partes.
AA intentou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra BB alegando a compropriedade sobre a fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ..., da freguesia ... e que o Réu arrendou a referida fração em 2010, recebendo a respetiva renda, inferior ao valor de mercado, sem que lhe tenha entregue a proporção do valor que lhe é devida, e que, por indisponibilidade de local para viver, teve de suportar o pagamento de renda desde 2009. Concluiu pela procedência da ação quanto à indivisibilidade do prédio e consequente adjudicação ou venda, pedindo, ainda: i)- a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de: - 45.025,00 €, correspondente a metade das rendas recebidas, e metade das rendas, pelo valor de mercado até à venda do imóvel ou, subsidiariamente, a pagar-lhe uma renda enquanto o mesmo não for vendido, com efeitos retroativos à data da sua citação; - 60.725,00 €, correspondente a metade das rendas pagas pela Autora; - 403,43 €, correspondente a indemnização de sinistro no imóvel; ii) - a sua exoneração das prestações a pagar ao banco, desde a data em que deixou de ter acesso à fração, ou, a assim se não entender, desde a data do divórcio, bem como das despesas de condomínio e de IMI. O Réu contestou reconhecendo a compropriedade e a indivisibilidade da fração, deduzindo a exceção da cumulação ilegal de pedidos, porquanto o pedido de divisão e o demais peticionado seguem formas de processo distintas, sendo a competência deste juízo local reservada ao primeiro pedido e sendo competente para conhecimento dos demais, o juízo central cível, e impugnando os factos alegados. Concluiu que, a verificar-se responsabilidade pela gestão do património comum ou pela privação do uso do património comum, o direito da Autora se encontra prescrito. Alegou, ainda, que desde a data da entrada em juízo da ação de divórcio que suportou, exclusivamente, todas as despesas inerentes ao contrato de mútuo contraído para aquisição da fração, IMI, seguro, quotas de condomínio, pedindo, em reconvenção, a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de 38.064,28 €, acrescida do crédito a apurar a final ou em sede de execução de sentença, relativo aos encargos com o imóvel pagos pelo Réu depois de 23.10.2024, com prestações do empréstimo, seguro, condomínio e IMI. A Autora respondeu pugnando pela improcedência das exceções invocadas bem como do pedido reconvencional.
No saneador foi decidido: “Julgo verificada a excepção de inadmissibilidade da cumulação de pedidos formulados pela Autora e do pedido reconvencional formulado pelo Réu devendo a acção prosseguir apenas quanto ao pedido de divisão da coisa comum e absolvo o Réu da instância quanto ao demais peticionado pela Autora e a Autora da instância reconvencional”. * CONCLUSÕES: “1.ª A Recorrente instaurou contra o Recorrido ação de divisão de coisa comum da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente a uma habitação no Rés-do-Chão Direito, com lugar de garagem, com a entrada pela Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, inscrito na matriz sob o artigo urbano .... 2.ª E cumulou outros pedidos de crédito relacionados com o imóvel dividendo, nomeadamente metade do valor das rendas vencidas/vincendas pagas na totalidade ao Requerido com o arrendamento daquele imóvel, metade do valor de um sinistro no imóvel pago na totalidade pela seguradora ao Requerido, indemnização de metade do valor que a Requerente teve de suportar pelas rendas da casa que teve de arrendar para morar (quando o Requerido nem sequer estava a precisar do imóvel para habitar) e ainda a exoneração com efeitos retroativos das despesas do condomínio e IMI do imóvel comum. 3.ª O Recorrente apresentou a sua contestação e pedido reconvencional e o Tribunal a quo julgou procedente a exceção de inadmissibilidade da cumulação de pedidos formulados pela Autora e do pedido reconvencional formulado pelo Réu, decidindo pelo prosseguimento da ação apenas quanto ao pedido de divisão da coisa comum, absolvendo o Réu da instância quanto ao demais peticionado pela Autora e a Autora da instância reconvencional. 4.ª Ora, apesar de aos pedidos formulados pela Recorrente corresponderem formas de processo diferentes que à partida impediriam a sua coligação nos termos do art. 37.º, n.º 1 do CPC, certo é que o legislador salvaguardou a hipótese de o julgador o poder autorizar nos termos previstos do n.º 2 do mesmo preceito legal. 5.ª Assim, nos termos do n.º 2, do art. 37.º do CPC, para se verificar esta cumulação é necessário que os diferentes pedidos não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, e haver interesse relevante ou ser a apreciação conjunta das pretensões indispensável para a justa composição do litígio. 6.ª No nosso entendimento, parece-nos que a apreciação conjunta das pretensões formuladas pela Recorrente é indispensável para a justa composição do litígio, nomeadamente porque deverão ser analisados os pedidos cumulados por não serem alheios à coisa comum dividenda, para serem aferidos os encargos e créditos devidos relacionados com o imóvel, o que tem clara interferência ou reflexo na divisão da coisa comum 7.ª Além disso, há um interesse relevante em se proceder à cumulação dos pedidos no âmbito deste processo, com fundamento na economia processual. 8.ª Apesar de se aceitar que a cumulação dos pedidos possa trazer alguns inconvenientes, não existe entre os pedidos formulados uma incompatibilidade manifesta, intolerável ou gritante que leve à prática de atos processuais contraditórios ou inconciliáveis e sempre são menores os inconvenientes que emergem dessa perturbação do que os que emergiriam do facto de se ter de vir a intentar nova ação para discutir aquelas mesmas questões. 9.ª Por força do princípio geral previsto no artigo 2.º, n.º 2 do CPC, no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum, haverá sempre todo o interesse, na medida do possível, em procurar discutir e decidir as questões que, para além da divisão, envolvam o prédio dividendo, prevenindo a necessidade de que as partes desenvolvam novo litígio, noutro processo, para o exercício de direitos que aqui podem ser exercidos e decididos de imediato. 10.ª Precisamente, incumbe ao juiz o dever de gestão processual conforme prescrito no art. 6.º do CPC, cumprindo-lhe “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.” 11.ª E, nos termos do n.º 2, do art. 547.º do CPC, ficando este obrigado a “adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.” 12.ª Acresce que, nos termos do n.º 3 do art. 37.º do CPC, é ao juiz a quem incumbe adaptar o processado à cumulação autorizada nos termos do n.º 2 daquele dispositivo legal, em harmonia com o próprio art. 926.º do CPC, n.º 3 que prescreve que o juiz pode mandar seguir os termos subsequentes na forma do processo comum se verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida. 13.ª Assim, no nosso entendimento, o Tribunal a quo andou mal ao ter julgado verificada “a excepção de inadmissibilidade da cumulação de pedidos formulados pela Autora e do pedido reconvencional formulado pelo Réu”, prosseguindo a ação apenas quanto ao pedido de divisão da coisa comum, absolvendo “o Réu da instância quanto ao demais peticionado pela Autora e a Autora da instância reconvencional”. 14.ª Pelo que poderia – e deveria! – ter feito uso dos seus poderes de gestão e – uma vez verificados os seus pressupostos - da possibilidade que o legislador lhe dá no art. 37.º, n.os 2 e 3, em harmonia com o disposto no artigo 926.º, n.º 3 do CPC, para aceitar a cumulação de pedidos formulados pela Autora, evitando o recurso a uma outra ação cível para que esta consiga fazer face à sua pretensão, sendo esta a tendência da jurisprudência mais atual do nosso ordenamento jurídico. 15.ª Não o fazendo entendemos que violou os artigos 2.º, n.º 2, 6.º, 37.º, n.os 2e 3, 547.º e 926.º, n.º 3, todos do CPC, nomeadamente o dever de gestão processual, assim como princípios basilares que regem este processo como são o da garantia de acesso aos Tribunal e economia e celeridade processual. 16.ª Em consequência, requer-se que seja o presente recurso julgado procedente e seja a decisão recorrida substituída por outra que aceite a cumulação dos pedidos formulados pela Autora/Recorrente por não se verificar a exceção de inadmissibilidade arguida pelo Réu/Recorrido daquela cumulação, mantendo-se o peticionado pela mesma, e em conformidade, seja adaptado o processo à forma comum”. CONCLUSÕES “1. O presente recurso tem por objecto o douto despacho saneador que julgou verificada a excepção de inadmissibilidade do pedido reconvencional e, em consequência, absolveu a autora da instância reconvencional. 2. O recorrente deduziu reconvenção para ser ressarcido de créditos seus contra a autora, relacionados com o prédio a dividir, mais concretamente com os pagamentos pelo recorrente das prestações do empréstimo bancário para aquisição prédio a dividir, e, bem assim, dos montantes a título de IMI, contribuições de condomínio e seguros do referido imóvel, numa situação em que o pagamento caberia a ambos, os quais, por terem sido exclusivamente suportados pelo recorrente, influenciam o valor daquilo que a autora tenha direito a receber no fim dessa acção de divisão de coisa comum. 3. Inexiste obstáculo à admissibilidade de dedução de reconvenção em acção de divisão de coisa comum, mesmo nas situações em que a questão da indivisibilidade da coisa é pacífica, desde que a pretensão reconvencional diga respeito a despesas com pagamentos de prestações do crédito para aquisição da coisa, IMI, condomínio e seguros ou outras despesas, suportadas em quota superior à do comproprietário da coisa a dividir. 4. A justa composição do litigio impõe a apreciação conjunta das pretensões (divisão de coisa comum e do pedido reconvencional), um vez que, ao contrário dos pedidos da autora, cujas causas de pedir emergem de eventual responsabilidade civil do recorrente, incompatíveis com as finalidades da acção de divisão de coisa comum, o pedido reconvencional do recorrente está relacionado com os créditos emergentes de pagamentos feitos pelo recorrente de prestações de empréstimo bancário contraído para a aquisição, do condomínio, do seguro e do IMI do prédio a dividir, pagamentos que foram suportados exclusivamente pelo recorrente e foram necessários, se não mesmo essenciais, à conservação do imóvel na esfera jurídica da recorrida e do recorrente. 5. Assim, não sendo admitido o pedido reconvencional, a recorrida que, depois do divórcio, em nada contribuiu para a conservação do património comum, receberá o mesmo valor que o recorrente, desconsiderando que, para a sua conservação, o recorrente pagou, até 23/10/2024, 76.128,56€, dos quais a recorrida deveria ter pago, 50%, ou seja, 38.064,28€, e obrigando o recorrente a intentar nova acção para discutir esses créditos relacionados com o imóvel. 6. Tendo o réu na sua contestação, identificado expressamente a reconvenção, separado a matéria da contestação (artigos 1º a 79º) da matéria da reconvenção (artigos 80º a 106º), como determinado no artigo 583º do CPC, a não tendo a autora respondido à reconvenção, mediante a apresentação da réplica, não podia, por um lado, a douta decisão recorrida considerar o pedido da autora para a improcedência do pedido reconvencional, devendo, por outro lado, considerar admitida por acordo os factos alegados pelo recorrente, nos termos dos artigos 587º e 574º do CPC. 7. Pelo que, deveria o tribunal “a quo”, em sede de despacho saneador, ter admitido o pedido reconvencional e reconhecer o crédito do recorrente sobre a autora no montante de 38.064,28€, acrescido do crédito a apurar a final ou em sede de execução de sentença, relativo aos pagamentos pelo recorrente dos encargos com o imóvel depois de 23/10/2024, com prestações do empréstimo, seguro, condomínio e IMI, e condenar a autora a proceder ao seu pagamento, acrescido dos juros, sobre o montante 38.064,28€ contados desde a data da notificação à autora do presente pedido, e o sobre o demais, a partir das datas dos respectivos pagamentos pelo réu, tudo até ao efectivo e integral pagamento, e o pagamento dos referidos créditos seja feito por compensação com o crédito que eventualmente resulte da adjudicação ou venda do imóvel no âmbito dos presentes autos a favor da autora, até ao limite das suas forças. 8. O douto despacho recorrido, ao decidir como decidiu violou ou mal interpretou o disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º. 2, 574º, 583º e 587º do CPC”. * Não foram apresentadas respostas. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto. * II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto dos recursos, tendo presente que os mesmos são balizados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir são as seguintes: * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Da admissibilidade da cumulação de pedidos e da reconvenção na ação, de divisão de coisa comum. Insurgem-se ambas as partes contra a decisão que, julgando verificada a exceção da inadmissibilidade da cumulação de pedidos formulados pela Autora e do pedido reconvencional formulado pelo Réu, absolveu este da instância quanto a pedidos formulados por aquela e absolveu a Autora da instância reconvencional, determinando o prosseguimento, tão somente, do pedido de divisão da coisa comum. As questões a decidir são, pois, as de saber: - se é admissível a cumulação, na ação de divisão de coisa comum, dos pedidos formulados e, ainda, a dedução do pedido reconvencional. Vejamos. A ação especial de divisão de coisa, regulada nos arts. 925º a 930º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os artigos citados sem outra referência, destina-se a possibilitar aos consortes o exercício do seu direito potestativo de porem termo à comunhão, atribuído pelo art. 1412º, do Código Civil, abreviadamente CC. Não favorecendo a lei a manutenção, prolongada indefinidamente, de situações de compropriedade, pelo potencial conflito que geram, com o consequente ineficaz aproveitamento das utilidades das coisas, inclui-se entre os direitos do comproprietário o de pôr fim à comunhão, exigindo a divisão da coisa, mesmo no caso de coisas indivisíveis, nos termos do art. 209º, do CC, sendo que se a coisa não for divisível em espécie, será dividido o respetivo valor[1]. Prevê o artigo 1413º, do CC, que se a divisão de coisa comum não for feita amigavelmente o pode ser nos termos da lei de processo (cfr. nº1), sendo que quando for judicial, é feita mediante o processo especial previsto nos artigos 925º e ss., com intervenção de todos os comproprietários, para que a ação atinja o seu efeito útil normal, tendo o processo dois desfechos possíveis: a divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor. Para que seja possível a divisão em substância, a coisa deve ser divisível (v. art. 209º, do CC). Tratando-se de imóveis, a divisibilidade terá de ser apreciada também à luz da legislação urbana aplicável (nomeadamente, das regras relativas aos loteamentos), bem como, se a coisa a dividir for um edifício, do regime da propriedade horizontal (v. art. 1417, do CC)[2]. A ação de divisão de coisa comum é “uma ação em último grau apontada à dissolução da comunhão, não à declaração do direito, e em que o decisor goza de uma margem de apreciação e intervenção mais lata do que na ação comum e os ónus das partes se suavizam”[3]. Estatui o art. 925º, que “todo aquele que pretenda pôr termo à divisão da coisa comum requer, no confronto dos demais consortes que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com a repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”. Assim, a ação de divisão de coisa comum tem como pressuposto a existência de uma coisa comum e como objetivo proceder à divisão em substância dessa coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respetiva adjudicação a um dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do valor. A sua finalidade é a cessação da compropriedade, impondo-se, por isso e para tal, que nela intervenham todos os consortes (litisconsórcio necessário legal de todos os contitulares[4]), o que lhe confere caráter universal. E, embora a ação especial de divisão de coisa comum se destine a fazer atuar o direito do consorte a exigir a divisão, consagrado no art. 1412º, do CC, quando não seja possível pôr termo à compropriedade por via extrajudicial, daí não resulta que a cessação da indivisão opere, necessariamente, pela divisão da coisa em substância, o que só acontece quando a coisa comum é divisível, podendo, contudo, a divisão em substância ser impossível de realizar em virtude da existência de prescrição legal (art. 1376º, n.º 1, do CC) ou pela própria natureza da coisa dividenda (art. 209º, do CC), dividindo-se, então, o respetivo valor. Como decorre dos arts. 925º a 930º, a ação de divisão de coisa comum desenvolve-se, sob o ponto de vista processual, em duas fases distintas: uma, a fase declarativa, a que se reportam os arts. 925º e segs., outra, posterior, a fase executiva, aquela destinada a definir o direito à divisão, esta a efetivá-lo[5]. Na fase declarativa define-se o direito do autor, cabendo, desde logo, determinar a natureza comum da coisa: a existência (atual) da invocada compropriedade ou outra forma de comunhão[6]. É na fase declarativa que terão de ser suscitadas, apreciadas e decididas todas as questões atinentes à natureza comum da coisa, à existência de compropriedade, à identidade dos comproprietários e as questões de ordem processual com isso relacionadas. Bem analisa Nuno Andrade Pissarra na referida ação especial a “Causa de pedir e o pedido” e a questão da “Prova da comunhão”, bem concluindo ser aquela “integrada pela existência (ou persistência) da situação de comunhão e não pelos factos jurídicos concretos de que derivam os direitos em comunhão ou a situação de comunhão”[7], o pedido “consiste na divisão material da coisa de harmonia com os quinhões que forem fixados ou, sendo a coisa indivisível, na sua adjudicação ou venda com consequente partilha do valor na proporção das quotas de cada um dos consortes (artigo 925º)”[8] e “a prova da situação de compropriedade ou outra forma de comunhão havia de ser carreada pelo autor, enquanto elemento da causa de pedir do direito à divisão.(…) o autor não está onerado com a prova dos factos aquisitivos (maxime originários) dos direitos em comunhão. (…) Na causa de pedir desta ação não se inscrevem sequer tais factos”[9]. Mais refere o mencionado autor que “Não havendo contestação da comunhão, nada obsta a que fique dada como assente a qualidade de comunheiros do autor e dos réus. Não tendo a ação por objeto a definição da compropriedade ou outra forma de comunhão, a situação de comunhão factualiza-se e pode ser tratada como matéria de facto”[10]. Com efeito, na ação de divisão de coisa comum o que se faz valer é o “«[d]ireito de exigir a divisão» aos consortes, conforme se lê na epígrafe do artigo 1412º do CC. Quando requer a divisão, o consorte não atua qualquer direito diretamente incidente sobre a coisa ou alguma das faculdades que, enquanto direito absoluto, o caracterizam; não se diz proprietário, nem pretende tirar partido de o seu direito ser oponível erga omnes, por ter por objeto uma coisa, todos o devendo respeitar e todos o podendo violar; limita-se a invocar a relação de comunhão em que está envolvido com os restantes consortes e um poder nascido e existente em razão dessa relação, de que só os consortes são (…) sujeitos ativos e passivos, que é o de provocar a sua cessação mediante divisão. O que o autor tem de alegar são, pois, os factos constitutivos deste direito à divisão, entre os quais pontifica, como elemento de facto e não como questão de direito principal ou prejudicial, a existência daquela relação de comunhão, não a sua origem. Estando os direitos em comunhão e a situação de comunhão fora do objeto do litígio, não vale a regra da substanciação”[11] (negrito e sublinhado nosso). Na petição inicial o autor tem “o ónus de identificar o bem a dividir, alegar a relação de compropriedade (p. ex. quando decorra de uma situação de união de facto, como se decidiu em STJ 7-3-19, 1065/16) ou outra forma de comunhão de direitos sobre o concreto bem, especificar a posição relativa de cada consorte e as respetivas quotas e tomar posição sobre a divisibilidade (STJ 14-6-11, 1147/06 e STJ 14-10-04, 04B2961)”[12]. Aqui chegados, e reafirmando que o processo especial de divisão de coisa comum adjetiva o regime substantivo consagrado no art. 1412º, do Código Civil, que confere ao comproprietário o direito de exigir a divisão, cumpre afirmar que este meio adjetivo se distingue do processo comum, sendo dotado de específica e diversa tramitação, embora seja pacífico inexistir incompatibilidade entre estes meios, comportando a ação de divisão de coisa comum uma, primeira, fase declarativa. Revertendo para o caso, temos que a Autora invoca ser o imóvel a dividir compropriedade de Autora e Réu e conclui pela procedência da ação quanto à indivisibilidade do prédio e consequente adjudicação ou venda, com repartição dos respetivos valores, mais pretendendo sejam considerados os outros direitos seus, que correspondem a deveres do Réu, formulando os respetivos pedidos para serem considerados e atendidos na divisão a operar. Conclui pela procedência da ação quanto à indivisibilidade do prédio e consequente adjudicação ou venda, cumulando o pedido de divisão com os pedidos suprarreferidos, de condenação do Réu a pagar-lhe valores de rendas do imóvel em causa, de indemnização paga por seguradora de sinistro no imóvel e de indemnização por privação de uso do mesmo e, ainda, de exoneração de prestações relacionadas com o imóvel (prestações do mútuo para a aquisição do mesmo, contribuições de condomínio e de IMI). Procedem, por conseguinte, totalmente, as conclusões das apelações, devendo, por isso, a decisão recorrida ser revogada. * As custas do recurso da Autora são da responsabilidade do Réu/Recorrido, dada a total procedência da pretensão recursória a que o recorrido, que deduziu a exceção em causa, se opôs (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil) e as custas do recurso do Réu/Recorrente são da responsabilidade do mesmo, dado que a parte contrária não deu causa ao recurso, tirando o recorrente proveito (nos termos dos preceitos anteriormente referidos). * III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam, na total procedência das apelações, revogar a decisão recorrida, devolvendo-se os autos à 1.ª instância para que, com a cumulação dos pedidos e a admissão da reconvenção, se determinem os ulteriores termos processuais que forem tidos por adequados à apreciação dos correspondentes pedidos, sob a forma de processo comum. * Custas de ambos os recursos a cargo do Réu. Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Teresa Pinto da Silva Teresa Fonseca ______________ [1] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume II, 2017, pág. 224. [2] Ibidem, pág 225. [3] Nuno Andrade Pissarra, Divisão de coisa comum, in Rui Pinto e Ana Alves Leal, Processos Especiais, volume I, AAFDL Editora, pág. 166. [4] Ac. RP de 4/6/19, CJ, T. III, pág. 388. [5] Nuno Andrade Pissarra, Idem, pág. 166. [6] Ibidem, pág. 170. [7] Ibidem, pág. 168. [8] Ibidem, pág. 170. [9] Ibidem, pág. 170. [10] Ibidem, pág. 171. [11] Ibidem, pág. 169. [12] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 363. [13] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, idem, pág. 639. [14] Ibidem, pág. 74 [15] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 639 e cfr. Ac. aí citado (STJ 22/3/18, 349/13). [16] Ac. TRL de 2/3/2023, proc. 102/22.2T8VLS.L1-2, acessível in dgsi, onde se deixa claro“… não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis” [17] Ac. TRG de 7/10/2021, proc. 446/20.8T8MNC.G1, acessível in dgsi.pt. [18] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, idem, pág. 75. [19] Acórdão da RL de 2/3/2023, proc. 102/22.2T8VLS.L1-2, acessível in dgsi.pt. [20] Ac. TRL de 12/9/2024, proc. 16759/21.9T8LSB-A.L1-2, acessível in dgsi.pt. |