Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
332/21.4T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RP20250224332/21.4T8OAZ.P1
Data do Acordão: 02/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para o funcionamento da estatuição do art.º 18.º da LAT, no que concerne à violação de regras de segurança, é necessário concluir que sobre o empregador (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento que não foram cumpridas e que essa conduta inadimplente, nas circunstâncias do caso concreto, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.
II – Ocorre violação de regras de segurança causal do acidente se o funcionamento da máquina (prensa hidráulica) em que ocorreu o acidente, comportava o risco efetivo de contacto entre as mãos do trabalhador e as partes móveis da máquina, designadamente o risco de esmagamento pelo movimento descendente da prensa e a empregadora não a dotou de sistemas de proteção adequados, designadamente que impedissem o acesso do operador à zona da prensa e/ou que interrompessem o movimento descendente da prensa em caso de falha avaria, cuja instalação era possível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 332/21.4T8OAZ.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo de Trabalho de Oliveira de Azeméis

Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Frustrada a conciliação na fase conciliatória dos presentes autos emergentes de acidente de trabalho, AA deu início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, na qual demandou a A..., SA e a B..., Unipessoal, Lda, pedindo o seguinte:

I- Que se declare que o presente acidente de trabalho se deveu a violação de normas de segurança no trabalho por parte da Segunda Ré, Entidade Empregadora;

II- Que, em consequência, seja a Primeira Ré, seguradora e Segunda Ré Entidade Empregadora condenadas a pagar ao Autor, solidariamente ou na medida das respetivas responsabilidades:

a) A pensão anual e vitalícia no montante de € 12.326,72, atualizável, devida a partir de 19/01/2021, calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 12.707,96 e na IPP de 90,00%, com IPATH;

b) A quantia de € 5.265,22, a título de subsídio por situações de elevada incapacidade,

c) A quantia de € 50,00, respeitante a despesas de transporte, com deslocações obrigatórias;

d) A quantia de € 1.636,45 a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta;

e) A suportar todas as despesas com:

- O acompanhamento médico na área de medicina física e de reabilitação e realizar tratamento periódico, tendo como objetivo a recuperação das funções neuromúsculoesqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica e da mobilidade articular do membro superior direito;

- O programa de reabilitação específico para potencializar o membro superior esquerdo de competências motoras para a sobrecarga funcional a que ficou sujeito após o evento traumático, bem como no ensino e treino e técnicas compensatórias para a realização de atividades bimanuais com apenas uma mão.

Bem assim como, das seguintes ajudas técnicas:

- Luva (par), já atribuída, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Abotoador para facilitar a tarefa de apertar botões de forma autónoma, com periodicidade de substituição de 10 anos;

- Adaptações automóveis, de acordo com as restrições médicas identificadas em inspeção especial através de junta médica, para que o examinado seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Cordões elásticos, evitando a necessidade de dar laços sempre que o examinando se calce, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Máquina de barbear, para ser autónomo na realização desta atividade, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Prótese para amputação parcial da mão (cosmética em silicone), com necessidade de manutenção/revisão pelo menos uma vez por ano e de substituição periódica dos seus componentes (estimando-se em cerca de doze meses para o revestimento cosmético);

- Tábua de para preparação de alimentos, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Talher duplo, combinando faca e garfo num só dispositivo, com periodicidade de substituição de 5 anos;

f) Os juros de mora, à taxa legal (4,00%), referentes às sobreditas prestações em dinheiro, contados a partir do seu vencimento e até efetivo e integral pagamento.

III - Que, em consequência a Segunda Ré, Entidade Empregadora, seja condenada a pagar ao Autor:

a) A quantia de € 70.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico e/ou danos não patrimoniais que lhe foram infligidos;

b) A quantia de € 7.000,00 pelo prejuízo resultante do não cultivo do campo agrícola;

c) A quantia de € 3.000,00 pelo prejuízo com o pagamento semanal do corte da barba.

d) Os juros de mora à taxa legal (4,00%), referentes às sobreditas prestações em dinheiro, contados a partir da citação.

Para tanto alegou, em síntese, que sofreu acidente de trabalho de que resultaram lesões que exigiram tratamentos e, após consolidação, lhe deixaram sequelas que determinam uma IPP de 90% com IPATH. Por força das sequelas, o autor carece ainda d e um conjunto de ajudas técnicas. Acresce que o acidente ocorreu por força da violação de regras de segurança pela ré empregadora, mais concretamente falta de verificação da conformidade do equipamento; realização de intervenções no equipamento sem os devidos testes ou ensaios; omissão de instruções concretas de utilização/segurança no manual de instruções do equipamento, como a não definição da regra da utilização do comando bimanual e especificação da utilização do botão de emergência; não disponibilidade de instruções dos comandos em português; e inexistência de um sistema elétrico de segurança e de uma grade de proteção na parte posterior da máquina com sensores para verificar a presença da grade SICK, que controla o estado das barreiras e dos sensores da grade de proteção. Este sistema, se existisse, como foi instalado posteriormente, tinha impedido o acidente. O sinistrado não tinha formação adequada para operar aquele equipamento, tenso sido lá colocado dois dias antes. Em consequência do acidente e das lesões que sofreu, o autor sofreu e sofre de dores, continua a ter necessidade de medicação analgésica, tem limitações marcadas na mobilidade do punho e incapacidade funcional do membro superior direito, necessita de acompanhamento médico e de tratamentos periódicos. Para além disso, ficou com limitações em vários atos da sua vida diária, como comer, calçar, vestir, etc…, não consegue conduzir, deixou de passear ao fim-de-semana e de ir ao café, passando a maioria do tempo em casa, sentindo vergonha da sua deformação física, não escreve, não participa nas atividades domésticas e, por isso, reclama, a título de dano biológico e/ou não patrimonial a quantia de € 70.000. Por fim, deixou de cultivar o campo que tinha, o que lhe causa um prejuízo de € 40 mensais, o que durante 15 anos, lhe daria a quantia de € 7.000 e passou a ter de fazer a barba no barbeiro, o que implica um custo semanal de € 3,5, pelo que deve ser fixado por equidade o valor de € 3.000.

A ré empregadora contestou alegando, em síntese, que sempre efetuou

manutenções periódicas e frequentes no equipamento, que se encontra apto para o tipo de serviço realizado; o autor foi mudado de posto de trabalho por força das limitações derivadas do COVID, mas tem experiência a trabalhar com equipamentos, designadamente prensas, trabalhando num equipamento com um funcionamento semelhante ao deste, já tinha trabalhado com este equipamento várias vezes; frequentou diversas ações de formação profissional que atestam a sua polivalência e que o tornam apto para trabalhar neste tipo de

equipamentos; conhecia o funcionamento de todos os comandos; não se verificou qualquer alteração ou situação excecional antes do acidente; e as alterações ao funcionamento da prensa ocorreram depois do acidente, nunca tendo sido alertada pela empresa de segurança no trabalho para a necessidade de qualquer alteração; e o manual de instruções contém instruções precisas sobre o funcionamento e o autor cumpriu-as, pois acionou a prensa através do comando bimanual, o que corresponde à medida de prevenção de segurança existente, tendo ao acidente ocorrido por força de uma falha incontrolável e inesperada, ou seja, uma avaria imprevisível, não havendo nexo de causalidade com o acidente. No que respeita aos danos, alegou que, tendo o autor vendido o seu veículo, não há qualquer veículo a que fazer adaptações; é pedida uma máquina de barbear, o que é contraditório com o pedido do valor do corte da barba e os demais valores são excessivos.

A ré seguradora contestou, alegando, em síntese, que o acidente ocorreu porque o equipamento não dispunha de válvulas ou blocos de segurança que, enquanto dispositivos eletromecânicos permitissem evitar/controlar acionamentos involuntários ou falhas; válvula de retenção antiqueda que permita impedir a queda/descida involuntária do êmbolo numa situação de falha do sistema hidráulico; e proteções com deteção através de aproximação, como dispositivos de luz ou sensores de aproximação, que permitam a paralisação da máquina, concluindo que o sinistro ocorreu por causa imputável à ré empregadora, pelo que deve ser reconhecido o direito de regresso da ré seguradora sobre a ré empregadora relativamente aos valores por esta pagos ao autor.

Foi proferido despacho saneador e delimitados os temas de prova.

No início da audiência de julgamento o autor e a ré empregadora acordaram fixar o dano não patrimonial e patrimonial previsto no ponto 3(três) do pedido de fls. 130 dos autos, no montante global de € 60.000,00(Sessenta Mil euros), acrescidos de juros de mora desde a sentença e até integral e efetivo pagamento; que esta compensação não abrange qualquer outro dos pedidos cumulando-se com estes, exceto no pedido constante no ponto 2 (dois), alínea e) item 7 (Máquina de barbear), por existir cumulação nos dois pedidos, prescindindo o Autor, em caso de responsabilidade agravada, desta ajuda técnica; que acordo de fixação do montante da compensação fica dependente da pronúncia do Tribunal sobre a existência da responsabilidade agravada da Entidade Empregadora, nos termos do art.º 18º da LAT; e que perante este acordo as partes declaram prescindir da discussão sobre as matérias dos temas de prova nº 1, nº 2 e nº 5.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente decidindo nos seguintes termos:

“(…) declaro que o autor foi vítima de um acidente de trabalho ocorrido em 28 de maio de 2020, com consolidação das lesões em 18 de janeiro de 2021, tendo ficado afetado com uma IPP de 90% com IPATH para a profissão de serralheiro/guilhotineiro e, em consequência, determino o seguinte:

Com base em responsabilidade agravada, condeno a ré B...,

Unipessoal, Lda, no pagamento ao autor das seguintes quantias:

A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 12.326,72 devida a partir de 19 de janeiro de 2021, atualizada para a quantia de € 12.449,99 a partir de 1 de janeiro de 2022, para a quantia de € 13.495,79 a partir de 1 de janeiro de 2023 e para a quantia de € 14.305,54 a partir de 1 de janeiro de 2024, deduzida das pensões provisórias pagas pela ré seguradora, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas e não pagas até integral pagamento;

A quantia de € 5.265,22, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19 de janeiro de 2021 até integral pagamento;

A quantia de € 1.636,45, a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento;

A qauntia de € 50, a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral

pagamento; e

A quantia de € 60.000, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais constantes do ponto III do pedido do autor, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde esta sentença até integral pagamento.

A ré empregadora é ainda condenada no fornecimento ao autor das seguintes prestações:

- O acompanhamento médico na área de medicina física e de reabilitação e realizar tratamento periódico, tendo como objetivo a recuperação das funções neuromúsculoesqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica e da mobilidade articular do membro superior direito;

- O programa de reabilitação específico para potencializar o membro superior esquerdo de competências motoras para a sobrecarga funcional a que ficou sujeito após o evento traumático, bem como no ensino e treino e técnicas compensatórias para a realização de atividades bimanuais com apenas uma mão.

- Luva (par), já atribuída, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Abotoador para facilitar a tarefa de apertar botões de forma autónoma, com periodicidade de substituição de 10 anos;

- Adaptações automóveis para que o examinado seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso, traduzidas na diferença de preço, quando o sinistrado adquirir uma viatura automóvel, entre o preço dessa viatura com sistema de seleção de transmissão manual e o preço do mesmo veículo com sistema de seleção de transmissão automática;

- Cordões elásticos, evitando a necessidade de dar laços sempre que o examinando se calce, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Prótese para amputação parcial da mão (cosmética em silicone), com necessidade de manutenção/revisão pelo menos uma vez por ano e de substituição periódica dos seus componentes (estimando-se em cerca de doze meses para o revestimento cosmético);

- Tábua de para preparação de alimentos, com periodicidade de substituição de 5 anos; e

- Talher duplo, combinando faca e garfo num só dispositivo, com periodicidade de substituição de 5 anos.

Na qualidade de responsável solidária dos pagamentos devidos ao sinistrado pela ré empregadora e fixados a título de danos patrimoniais e reconhecendo o direito de regresso da ré seguradora quanto às quantias que pagou ou vier a pagar ao sinistrado em cumprimento desta sentença, condeno a ré A..., SA, no pagamento solidário ao sinistrado das seguintes quantias:

A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 8.641,41 devida a partir de 19 de janeiro de 2021, atualizada para a quantia de € 8.727,82 a partir de 1 de janeiro de 2022, para a quantia de € 9.460,96 a partir de 1 de janeiro de 2023 e para a quantia de € 10.028,62 a partir de 1 de janeiro de 2024, deduzida das pensões provisórias que pagou, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas e não pagas até integral pagamento;

A quantia de € 5.265,22, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19 de janeiro de 2021 até integral pagamento;

A qauntia de € 50, a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral

pagamento.

A ré seguradora é condenada, solidariamente com a ré empregadora e ficando com direito de regresso sobre esta pelo valor das prestações que efetuar, pelo fornecimento das seguintes prestações:

- O acompanhamento médico na área de medicina física e de reabilitação e realizar tratamento periódico, tendo como objetivo a recuperação das funções neuromúsculoesqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica e da mobilidade articular do membro superior direito;

- O programa de reabilitação específico para potencializar o membro superior esquerdo de competências motoras para a sobrecarga funcional a que ficou sujeito após o evento traumático, bem como no ensino e treino e técnicas compensatórias para a realização de atividades bimanuais com apenas uma mão.

- Luva (par), já atribuída, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Abotoador para facilitar a tarefa de apertar botões de forma autónoma, com periodicidade de substituição de 10 anos;

- Adaptações automóveis para que o examinado seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso, traduzidas na diferença de preço, quando o sinistrado adquirir uma viatura automóvel, entre o preço dessa viatura com sistema de seleção de transmissão manual e o preço do mesmo veículo com sistema de seleção de transmissão automática;

- Cordões elásticos, evitando a necessidade de dar laços sempre que o examinando se calce, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Prótese para amputação parcial da mão (cosmética em silicone), com necessidade de manutenção/revisão pelo menos uma vez por ano e de substituição periódica dos seus componentes (estimando-se em cerca de doze meses para o revestimento cosmético);

- Tábua de para preparação de alimentos, com periodicidade de substituição de 5 anos; e

- Talher duplo, combinando faca e garfo num só dispositivo, com

periodicidade de substituição de 5 anos.

Reconheço ainda o direito de regresso da ré seguradora sobre a ré empregadora pelas quantias já pagas a título de pensão provisória e de indemnização por incapacidades temporárias, sendo esta no montante de € 6.545,39.

Condeno as rés no pagamento das custas, na proporção da responsabilidade de cada uma, fixando-se o valor da causa, considerando os pedidos efetuados, em € 208.930,83.”


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Inconformada a ré empregadora interpôs o presente recurso, com impugnação de facto e de direito, cujas alegações concluiu nos seguintes termos:

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A ré seguradora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

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O sinistrado não apresentou contra-alegações.

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O recurso foi regularmente admitido e, remetidos os autos a este tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público nos termos do disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, quer de facto, quer de direito.

Nenhuma das partes se pronunciou sobre o dito parecer.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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Delimitação objetiva do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – impugnação da matéria de facto

2 – se o acidente ocorreu por violação de regras de segurança imputável à empregadora.


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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

«1. O Autor no dia 28 de maio de 2020, cerca das 15 horas, nas instalações fabris da Ré empregadora, sitas na Rua ..., ..., ... ..., concelho de Oliveira de Azeméis, foi vítima de um acidente.

2. O Autor manuseava uma peça na prensa hidráulica ..., quando a parte móvel do equipamento desceu atingindo a sua mão direita e provocando-lhe um traumatismo.

3. Em resultado do referido acidente de trabalho compareceu no local os Bombeiros Voluntários ... e o INEM, tendo o Autor sido transportado para o Centro Hospitalar ... (CH..., Hospital ...), onde deu entrada no serviço de urgência;

4. O Autor apresentava esfacelo grave da mão direita, com amputação traumática do 2-5º raio.

5. Ficou internado no Serviço de Ortopedia para ser submetido a uma intervenção cirúrgica, a qual se veio a realizar nesse mesmo dia.

6. A intervenção cirúrgica incidiu sobre a mão direita do Autor, tendo este sofrido a amputação das articulações carpo metacarpianas de D2 a D5, da referida mão.

7. No dia 1 de junho de 2020 o CH..., o Autor teve Nota de Alta, com destino à Consulta Externa, para ser submetido a cuidados de penso de 2 em 2 dias.

8. O acidente aconteceu quando o Autor se encontrava no seu local e horário de trabalho a desenvolver a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da Ré empregadora.

9. A Ré empregadora havia transferido a responsabilidade infortunística de acidentes de trabalho para a A..., S.A, Primeira Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., na modalidade de prémio variável.

10. O Autor compareceu no Gabinete Médico-Legal de Santa Maria da Feira no dia 20-04-2021, a fim de se proceder a exame médico na especialidade de avaliação de dano corporal.

11. O Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, elaborou o respetivo Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal com data de 27 de agosto de 2021;

12. O Autor apresentava as seguintes lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento:

Membro superior direito: apresenta amputação completa dos D2, D3, D4 e D5 com atingimento das metacarpo-falângicas dos mesmos dedos com presença de cicatrizes irregulares, dolorosas ao toque e aderentes aos planos subjacentes, uma das quais com 5 cm por 4 cm por 6 cm por 1 cm de maiores dimensões, outra na face anterior do hipotenar com 10 cm de comprimento. Apresenta imobilidade ao nível das todas articulações do D1 com dedo “em martelo” com flexão fixa ao nível da IFP do D1. Alterações de sensibilidade na forma de picadas e formigueiros.

13. Quanto ao ponto Discussão, o Relatório Médico refere que:

1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.

2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/01/2021, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.

3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:

- Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.

- Incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 29/05/2020 até 18/01/2021, fixável num período total de 235 dias.

4. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de Outubro), é de 90,0000%.

Na determinação do valor final da incapacidade foram considerados os fatores de bonificação a seguir referidos, tendo em conta os seguintes aspetos: perda de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que a vítima ocupava com carácter permanente e idade superior de 50 anos.

A atribuição de coeficientes máximos previstos na Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais justifica-se tendo em conta os seguintes aspetos (ponto 6 das instruções gerais): estado geral da vítima consideravelmente afetado de forma negativa e natureza das funções exercidas, aptidão e capacidade profissional.

14. O Relatório Médico apresentou as seguintes Conclusões:

- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/01/2021.

- Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.

- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 235 dias.

- Incapacidade permanente absoluta para trabalho habitual como serralheiro.

- Incapacidade permanente parcial fixável em 90,0000%.

15. Para efeitos de obter a informação pormenorizada das necessidades do Autor com vista a determinar se o sinistrado no sentido de este vir a ser reabilitado, foi solicitado ao Centro de Reabilitação ... que emitisse “parecer sobre estudo e avaliação funcional do examinando, de modo a caraterizar as sequelas com vista a determinar se o sinistrado AA, (…) está ou não permanentemente incapacitado para o exercício da sua profissão habitual, bem como informação pormenorizada das necessidades do sinistrado no sentido de vir a ser reabilitado”.

16. No dia 11 de novembro de 2021 o Autor compareceu nos serviços Centro de Reabilitação ..., onde foi examinado, tendo no dia 12 de janeiro de 2022 sido elaborado o respetivo Parecer sobre Avaliação dos Impacto dos Acidentes na Funcionalidade e das Necessidades de Reabilitação;

17. No dia 08 de novembro de 2022 realizou-se a Tentativa de Conciliação com a presença do Autor, da Ré seguradora e da Ré empregadora, não tendo sido possível a conciliação pelo que foi lavrado o respetivo Auto de Não Conciliação.

18. O autor nasceu no dia ../../1962.

19. As declarações do Autor na Tentativa de Conciliação e que constam do Auto de Não Conciliação foram as seguintes:

Pelo sinistrado foi dito que no dia 28-05-2020, cerca das 15:00 horas, em ..., foi vítima de acidente de trabalho, quando, com a categoria profissional de guilhoteiro, mediante o salário mensal de € 756,25 x 14 meses, acrescido de € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação, e a quantia de € 910,46 anuais de outras remunerações, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da B..., Unipessoal, Ldª, cuja responsabilidade infortunística se encontrava transferida para a A..., S.A, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., na modalidade de prémio variável; que o acidente consistiu em quando manuseava uma peça na prensa, ter sido atingido pela mesma na mão direita, do qual resultou as lesões e incapacidades descritas no relatório de perícia de avaliação do dano corporal de fls 39 e segs; que o Perito do GML de Entre Douro e Vouga fixou a consolidação médicolegal das suas lesões no dia 18-01-2021 e lhe arbitrou um coeficiente de desvalorização de 90,00%, a título de IPP e que, de forma permanente e absoluta, o incapacita para o exercício da sua profissão habitual, com o qual CONCORDA; de acordo com parecer do Centro de Reabilitação ..., carece de:

Acompanhamento médico na área de medicina física e de reabilitação e realizar tratamento periódico, tendo como objetivo a recuperação das funções neuromúsculoesqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica e da mobilidade articular do membro superior direito;

Programa de reabilitação específico para potencializar o membro superior esquerdo de competências motoras para a sobrecarga funcional a que ficou sujeito após o evento traumático, bem como o ensino e treino e técnicas compensatórias para a realização de atividades bimanuais com apenas uma mão.

Bem assim como, das seguintes ajudas técnicas:

-Luva (par), já atribuída, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Abotoador para facilitar a tarefa de apertar botões de forma autónoma, com periodicidade de substituição de 10 anos;

- Adaptações automóveis, de acordo com as restrições médicas identificadas em inspeção especial através de junta médica, para que o examinado seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Cordões elásticos, evitando a necessidade de dar laços sempre que o examinando se calce, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Máquina de barbear, para ser autónomo na realização desta atividade, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Prótese para amputação parcial da mão (cosmética em silicone), com necessidade de manutenção/revisão pelo menos uma vez por ano e de substituição periódica dos seus componentes (estimando-se em cerca de doze meses para o revestimento cosmético);

- Tábua de para preparação de alimentos, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Talher duplo, combinando faca e garfo num só dispositivo, com periodicidade de substituição de 5 anos;

Que recebeu da seguradora a importância de € 6.545,39, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos e que despendeu a quantia de € 50,00 em despesas de transporte, com as suas deslocações obrigatórias ao aludido Gabinete Médico-Legal, ao Centro de Reabilitação ... e a este Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis.

Nada recebeu da sua entidade empregadora, a título de indemnizações por incapacidades temporárias.

20. Entende que a entidade empregadora violou regras de segurança e que foram causa do acidente de trabalho por si sofrido, pelo que entende ser uma situação de aplicação do artigo 18.º da LAT e, consequentemente, requer responsabilidade agravada da entidade empregadora.

21. Fez-se constar no Auto de Não Conciliação as reclamações do Autor, a saber: Em face do exposto, RECLAMA o pagamento de uma pensão anual e vitalícia no montante de €12.326,72, atualizável, devida a partir de 19-01-2021, calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 12.707,96 e na IPP de 90,00%, com IPATH, de harmonia com as disposições conjugadas dos arts 18.º, n.º4, alínea b) e 79.º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.

Mais reclama a quantia de € 5.265,22, a título de subsídio por situações de elevada incapacidade, calculado nos termos do artº 67º nº 3 do mesmo diploma legal, entre 70% e 100% de 12 vezes o valor de 1,1 IAS.

Reclama ainda a quantia de € 50,00, respeitante a despesas de transporte, com as suas aludidas deslocações obrigatórias.

Reclama também da entidade empregadora o valor de € 1.636,45 a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, calculada nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LAT.

Reclama o pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente acima identificado em valor ainda a quantificar.

MAIS RECLAMA:

Acompanhamento médico na área de medicina física e de reabilitação e realizar tratamento periódico, tendo como objetivo a recuperação das funções neuro-músculoesqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica e da mobilidade articular do membro superior direito;

Programa de reabilitação específico para potencializar o membro superior esquerdo de competências motoras para a sobrecarga funcional a que ficou sujeito após o evento traumático, bem como no ensino e treino e técnicas compensatórias para a realização de atividades bimanuais com apenas uma mão.

Bem assim como, das seguintes ajudas técnicas:

-Luva (par), já atribuída, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Abotoador para facilitar a tarefa de apertar botões de forma autónoma, com periodicidade de substituição de 10 anos;

- Adaptações automóveis, de acordo com as restrições médicas identificadas em inspeção especial através de junta médica, para que o examinado seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Cordões elásticos, evitando a necessidade de dar laços sempre que o examinando se calce, com periodicidade de substituição de 1 ano;

- Máquina de barbear, para ser autónomo na realização desta atividade, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Prótese para amputação parcial da mão (cosmética em silicone), com

necessidade de manutenção/revisão pelo menos uma vez por ano e de substituição periódica dos seus componentes (estimando-se em cerca de doze meses para o revestimento cosmético);

- Tábua de para preparação de alimentos, com periodicidade de substituição de 5 anos;

- Talher duplo, combinando faca e garfo num só dispositivo, com periodicidade de substituição de 5 anos;

Reclama, por fim, os juros de mora, à taxa legal (4,00%), referentes às sobreditas prestações em dinheiro, contados a partir do seu vencimento e até efetivo e integral pagamento.

22. Relativamente à seguradora, Primeira Ré, consta no Auto de Não Conciliação o seguinte: Seguidamente, pela Mandatária da Seguradora, foi dito que a sua representada aceita a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional e a retribuição do sinistrado. Mais aceita a transferência da responsabilidade infortunística, nos termos da citada apólice de seguro, em função da retribuição anual ilíquida de € 12.707,96. Concorda com o resultado da perícia de avaliação de dano corporal realizada pelo Perito do Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, visto entender que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 90,00%, aceitando que o mesmo se encontra incapacitado, de forma permanente e absoluta, para o exercício da sua profissão habitual.

Não aceita, porém, as conclusões resultantes do parecer emitido pelo CRPG.

No entanto, declina a responsabilidade pelo acidente dos presentes autos, quando o mesmo ocorreu por violação das condições de segurança por parte da empregadora.

Mais refere que se encontra a pagar pensão provisória ao sinistrado, tendo pago até à data o total de € 12.969,47.

23. Relativamente à empregadora, Segunda Ré, consta no Auto de Não Conciliação o seguinte: Seguidamente, pela Mandatária da empregadora, foi dito que a sua representada aceita a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional e a retribuição do sinistrado. Mais aceita a transferência da responsabilidade infortunística, nos termos da citada apólice de seguro, em função da retribuição anual ilíquida de € 12.707,96. Concorda com o resultado da perícia de avaliação de dano corporal realizada pelo Perito do Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, visto entender que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 90,00%, aceitando que o mesmo se encontra incapacitado, de forma permanente e absoluta, para o exercício da sua profissão habitual.

Não aceita, porém, as conclusões resultantes do parecer emitido pelo CRPG.

No entanto, entende que a responsabilidade pelo acidente dos presentes autos está transferida totalmente para a seguradora e que não ocorreu qualquer violação das condições de segurança por parte da empregadora.

Consequentemente, nada aceita pagar ao sinistrado.

24. Face a estas posições assumidas, foi proferido o Despacho que considerou as partes Não Conciliadas.

25. O equipamento de trabalho onde ocorreu o acidente consiste numa prensa hidráulica com 250t, identificada internamente como ..., instalada no sector da estampagem da Segunda Ré.

26. O Autor tinha abastecido o equipamento com folha metálica em cima da ferramenta que funciona como um cunho de estampagem, tendo acionado o comando bimanual para fazer descer o cilindro principal, movimento esse automático, voltando, após prensar a folha metálica contra o molde, à sua posição subida inicial.

27. Em consequência do acidente, o autor teve um período de incapacidade temporária absoluta fixável num total de 235 dias.

28. O Autor era serralheiro de profissão e a Ré empregadora atribuía-lhe a categoria profissional de operador de guilhotina (guilhotineiro).

29. O Autor auferia o salário mensal de € 756,25 x 14 meses, acrescido de € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação, e a quantia de € 910,46 anuais de outras remunerações, num total de € 12.707,96.

30. O autor necessita dos seguintes produtos de apoio:

- Luva para proteger a área sensível da mão direita de lesões da pele;

- Abotoador para facilitar a tarefa de apertar botões de forma autónoma;

- Adaptações automóveis, traduzidas em seleção automática da relação de transmissão, para que o examinando seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso;

- Cordões elásticos, evitando a necessidade de dar laços sempre que o examinando se calce;

- Tábua para preparação de alimentos, permitindo executar as tarefas de descascar cortar, raspar os alimentos e fixar frascos para facilitar a abertura ou fixar recipientes para bater o conteúdo utilizando apenas um membro superior;

- Talher duplo, combinando faca e garfo num só dispositivo, possibilitando cortar alimentos com a lâmina e picá-los com a extremidade para os levar à boca, só com uma mão.

31. O autor necessita de uma prótese cosmética em silicone de definição, de acordo com a configuração do membro contralateral com finalidade sobretudo cosmética.

32. O autor necessita de manter acompanhamento médico na área de Medicina Física e de Reabilitação e realizar tratamento periódico, tendo como objetivo a recuperação das funções neuro-músculo-esqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica e da mobilidade articular do membro superior direito.

33. O autor necessita de um programa de reabilitação específico para potencializar o membro superior esquerdo de competências motoras para a sobrecarga funcional a que ficou sujeito após o evento traumático, bem como no ensino e treino de técnicas compensatórias para a realização de atividades bimanuais com apenas uma mão.

34. O autor procedeu à venda do seu veículo, planeando adquirir veículo com caixa de transmissão automática após realização de junta médica para definição da sua incapacidade para efeitos fiscais, aguardando a sua realização.

35. O sinistrado renovou a sua carta de condução, tendo-lhe sido retirada autorização para condução de ciclomotores e limitado a condução de veículos automóveis àqueles que estejam equipados com seleção automática da relação de transmissão.

36. Enquanto o Autor retirava a peça transformada do equipamento, a parte móvel superior (cilindro principal) iniciou um movimento de descida repentina e brusca, sem ter havido qualquer ação voluntária por parte do operador (o Autor), acabando este por ficar com a mão entalada/esmagada.

37. Os relatórios de verificação periódicos e/ou registos de manutenção da Prensa Hidráulica em questão, descreviam as intervenções efetuadas, o dia e a hora e o respetivo responsável, nada referindo quanto à conformidade do equipamento, considerando os seus elementos e componentes, de modo a garantir a segurança do operador.

38. O empregador não procedeu a verificações extraordinárias dos equipamentos de trabalho referido para atestar a conformidade do equipamento com s regras legais.

39. O equipamento em causa havia sido sujeito, ao longo dos anos, a transformações do seu funcionamento.

40. No mês de junho de 2020 foi efetuada uma intervenção neste equipamento sem indicação de eventuais testes ou ensaios que possam ter sido realizados.

41. A afixação do documento intitulado “Instruções de Segurança”, no qual constam os riscos profissionais, bem como, os principais procedimentos de segurança na utilização do equipamento, não são específicos relativamente ao equipamento de trabalho em concreto, não definindo como regra de segurança a utilização do comando bimanual para acionamento do referido equipamento de trabalho, nada especificando quanto à utilização do botão de paragem de emergência.

42. O equipamento de trabalho não dispunha dos comandos identificados em português.

43. Após o acidente, o equipamento foi dotado de sistema elétrico de segurança: um quadro elétrico com um circuito de alimentação de 24 Vdc para alimentação de um autómato, um relé de segurança SICK, um par de barreiras de segurança SICK e restante equipamento elétrico.

44. Posteriormente ao acidente foi aplicado na grade de proteção na parte posterior da máquina, sensores para verificar a presença da grade SICK, que controla o estado das barreiras e dos sensores da grade de proteção.

45. Com estes sensores, se os sensores de proteção da grade forem interrompidos, a prensa já não inicia o ciclo; se as barreiras forem interrompidas ou os sensores das grades forem interrompidos durante o ciclo de trabalho da prensa, imediatamente o relé de segurança ativa o sistema de segurança da prensa, que irá bloquear; e para que haja qualquer movimento da prensa, as barreiras não podem estar interrompidas nem os sensores detetarem a falta da grade de proteção na parte posterior da prensa.

46. No seguimento da ação inspetiva levada a cabo pela ACT na sequência do acidente de trabalho existente, a ré empregadora foi intimada para:

- Incrementar formação ministrada aos trabalhadores em matéria de segurança e saúde no trabalho, garantindo que é adequada ao exercício das suas funções, atentos os riscos profissionais a que estão expostos, de modo a garantir o desenvolvimento da atividade em condições de segurança e saúde;

- Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e saúde no trabalho, devendo ser fornecidas informações e formação adequadas e necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde?

Em data anterior ao acidente de trabalho a ré empregadora não assegurou a verificação da conformidade do equipamento de trabalho.

47. O autor estava naquele posto de trabalho há dois dias e não tinha tido a formação profissional em matérias de segurança e saúde no trabalho.

48. Na data do acidente o equipamento não tinha o sistema elétrico de segurança: um quadro elétrico com um circuito de alimentação de 24 Vdc para alimentação de um autómato, um relé de segurança SICK, um par de barreiras de segurança SICK e restante equipamento elétrico.

49. Na data do acidente o equipamento não tinha grade de proteção na parte posterior da máquina, sensores para verificar a presença da grade SICK, que controla o estado das barreiras e dos sensores da grade de proteção.

50. A ré empregadora, além de efetuar manutenções periódicas do equipamento referido, produz os respetivos relatórios que identificam se o tipo de serviço realizado, o que fez designadamente em abril de 2019 e em janeiro, fevereiro, março e maio de 2020.

51. O trabalhador foi indicado para o exercício da estampagem, que pressupunha a utilização da Prensa, dois dias antes da ocorrência do acidente, devido ao lay off decorrente da pandemia Covid-19.

52. Por força da instabilidade vivida à data do acidente aqui em causa (20 de maio de 2020) face, entre o mais, às circunstâncias de saúde pública vigentes à época e perante a necessidade de laboração contínua da B..., esta adaptou a gestão dos seus recursos humanos.

53. A B... reorganizou a mão-de-obra que se manteve a laborar, afetando os trabalhadores com mais experiência e com maior conhecimento sobre o funcionamento de determinadas máquinas a diferentes ordens de produção.

54. Apesar de o Autor não trabalhar habitualmente com a Prensa, já tinha trabalhado com o equipamento anteriormente e tinha conhecimento da sua função e funcionamento.

55. O equipamento de trabalho em que o autor costuma trabalhar habitualmente, tem um modo de funcionamento idêntico à daquele [Prensa].

56. O autor frequentou formações promovidas pela ré empregadora, designadamente o relatório de julho de 2014 relativo à verificação e atualização dos níveis de polivalência dos colaboradores de estampagem e soldadura (aptidão para o posto de trabalho).

57. Em novembro de 2014 foi atribuído ao Autor o nível de polivalência, tendo o referido relatório atestado que o Autor tinha conhecimento no manuseamento e manutenção da Prensa, mais concretamente que o Autor “Opera na máquina, preenche toda a documentação e efectua o autocontrolo.”.

58. O autor recebeu ainda outras formações, nomeadamente na movimentação mecânica das máquinas de corte e estampagem.

59. De forma contínua foi comprovada a aptidão do Sinistrado, através de exames e avaliações, tal como se constata pelos diversos relatórios elaborados pela C... (entidade responsável pela área da saúde e segurança no trabalho contratada pela B...), sendo o relatório mais recente de setembro de 2019.

60. O Autor tinha conhecimento da utilidade de cada comando, uma vez que já tinha experiência no manuseamento da Prensa.

61. As alterações de funcionamento que a Prensa sofreu tiveram lugar em 20 de junho de 2020, na sequência do acidente de trabalho aqui em causa, tendo sido promovida a instalação de um sistema elétrico de segurança.

62. O manual de instruções da máquina, nas suas páginas 16 a 21 refere o procedimento a adotar para o corte das peças na Prensa.

63. Constam nas páginas 16 e 17 do Manual de Instruções, indicações específicas quanto ao procedimento a adotar com o cilindro principal, componente da Prensa que causou o sinistro em causa.

64. Ao autor foi ministrada informação quanto à manutenção do equipamento, pelo que este possui conhecimento da composição dos equipamento.

65. O autor adquiriu, em formações e pela sua experiência, conhecimento sobre as regras específicas quanto ao comando bimanual, assim como quanto ao botão de paragem de emergência.

66. O sinistrado acionou o comando bimanual.

67. O descontrolo ocorreu por falha ou avaria do equipamento.

68. Caso a máquina estivesse dotada dos sensores referidos, a falha ou avaria do equipamento que originou o acidente não era evitada, mas o relé de segurança ativaria o sistema de segurança da prensa, que bloqueava a descida do êmbolo da prensa nos termos em que ocorreu.

69. Numa das avaliações de riscos profissionais realizada no local de trabalho, conclui-se que o risco de esmagamento associado às tarefas realizadas pelo Autor (pegar na peça, executar o trabalho, remover a peça, olear a peça antes de cunhar, troca dos moldes, limpeza do posto de trabalho) é um risco moderado, revelando-se aceitável.

70. Nessa avaliação, a ré empregadora não foi alertada pela entidade contratada para a organização do serviço de saúde e segurança no trabalho para um risco elevado de esmagamento pela utilização da Prensa.

71. A B... recorreu a um Serviço Externo de Segurança no Trabalho, mediante a celebração de sucessivos contratos de prestação de serviços desde 2008, os quais previam, entre outras competências, a elaboração de programa de prevenção de riscos profissionais e inspeções internas.

72. Na avaliação referida, a B... não foi informada de qualquer prática que não se enquadrasse no limiar aceitável dos riscos profissionais associados a cada tarefa desempenhada pelos trabalhadores, nem foi notificada de qualquer violação na sequência das referidas inspeções internas, mas foi-lhe sugerida a análise da possibilidade de efetuar a verificação da conformidade legal de máquinas e equipamentos segundo o DL 50/2005.

73. Quando se deu o acidente o Autor encontrava-se a desempenhar a tarefa de estampagem de uma peça metálica integrante do interior do depósito de combustível da Mitsubishi Canter (separador), com as dimensões 40cmx30cm, utilizando, para o efeito, uma prensa hidráulica.

74. Na execução da tarefa, o Autor colocava a mencionada peça metálica na base de impacto da prensa, pressionando, posteriormente, o comando bi-manual que, por sua vez, accionava a descida do êmbolo.

75. Em virtude da pressão, aquela procedia à estampagem da peça, retirando-a o Autor, de seguida, manualmente.

76. No dia do acidente (28.05.2020), desempenhava o Autor a tarefa normalmente até que, quando estava a retirar a peça já estampada da base de impacto, o êmbolo da máquina, sem qualquer acção humana, desceu, atingindo-o no 2.º, 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão direita, assim como no dorso.

77. O Autor é uma pessoa com experiência, trabalhando na máquina em apreço, e noutra idêntica, mas com 800 toneladas, há cerca de 7 anos.

78. Na data do acidente, aquela prensa hidráulica não possuía válvulas ou blocos de segurança que, enquanto dispositivos electromecânicos, permitam evitar/controlar accionamentos involuntários ou falhas.

79. Não possuía válvula de retenção anti queda que permita impedir a queda/descida involuntária do êmbolo numa situação de falha do sistema hidráulico.

80. E não possuía, como forma de protecção física, protecções com detecção através da aproximação, tais como dispositivos de luz ou sensores de aproximação, que permitam a pronta paralisação da máquina, garantindo a protecção colectiva e individual dos trabalhadores.

81. Aquele equipamento não tinha para se encontrarem marcação CE2, atestando a sua conformidade.

82. Tratando-se de um equipamento mais antigo, sem a dita norma CE, a ré empregadora não a submeteu a alterações atinentes ao cumprimento da protecção colectiva e individual dos trabalhadores, certificadas por uma entidade competente.

83. O acidente ocorreu na descida do êmbolo da prensa, sem qualquer intervenção humana, por avaria mecânica e ausência de dispositivos de segurançaalterado, passando a ter a seguinte redação:

83. No momento do acidente o êmbolo da prensa desceu, sem intervenção humana, devido a uma avaria mecânica.

84. Só após a ocorrência do acidente, em Junho de 2020, a ré empregadora diligenciou pela instalação de medidas de protecção e segurança na máquina, introduzindo um sistema eléctrico de segurança, bem como sensores de segurança que passaram a impedir que a prensa iniciasse o seu normal ciclo ou que ficasse bloqueada caso o operador estivesse com as mãos na zona de descida do êmbolo da prensa.»

E foram considerados não provados os seguintes factos:

«1. O autor necessita de máquina de barbear.

2. O manual de instruções do equipamento não refere instruções de utilização/segurança de modo concreto, nem define regras para a intervenção sobre os seus componentes.

3. Os relatórios de manutenão atestam que o equipamento se encontra apto à realização adequada das tarefas para as quais é utilizado.

4. Não se verificou qualquer situação excecional antes do acidente, nomeadamente transformações; acidentes; fenómenos Naturais; ou períodos prolongados de não utilização.

5. A máquina não possuía qualquer sinalização de segurança.»


*

Apreciação

Seguindo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.

Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão[1].

Por outro lado, como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.»

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[3] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento (…)».

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[4] - de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC - de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa - significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão desta Secção de 28/06/2024[5], “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

No mesmo sentido, que perfilhamos, escreve-se no Ac. RP de 10/07/2024[6] “Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo, haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por modo diverso.

Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”

Com estes pressupostos vejamos se é de alterar a decisão da matéria de facto relativa aos concretos pontos impugnados pela recorrente.

A recorrente pretende que o facto que o tribunal considerou provado sob o n.º 3, seja considerado provado, “quer por via documental, através dos relatórios elaborados pelos técnicos de manutenção, quer por via Testemunhal, através do depoimento do técnico de manutenção BB”, indicando algumas passagens do depoimento desta testemunha.

A recorrida seguradora não concorda com a alteração

É o seguinte o teor do facto não provado em causa:

“3. Os relatórios de manutenção atestam que o equipamento se encontra apto à realização adequada das tarefas para as quais é utilizado.”

Analisados meios de prova invocados pela recorrente, verifica-se que, nem um nem outro impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal.

Na verdade, considerando o depoimento da testemunha na totalidade, e não apenas as declarações parceladas que a recorrente indicou, bem como os relatórios de manutenção, nenhum reparo merece aquela decisão que se mostra coerente e sustentada na prova e que, a ser diversa, seria até contrária aos factos provados em 37 e 50 que não foram impugnados.

Vem também impugnada a decisão relativa ao facto constante do ponto 38 dos factos provados, que a recorrente pretende que seja considerado como não provado, face ao depoimento da testemunha BB que, na sua perspetiva comprova o permanente controlo do estado das máquinas e ao depoimento da testemunha CC, Inspetora da Autoridade para as Condições do Trabalho, do qual resulta a existência de uma manutenção preventiva.

Também nesta parte a recorrida seguradora discorda.

Em 38 o tribunal “a quo” considerou provado o seguinte:

“38. O empregador não procedeu a verificações extraordinárias dos equipamentos de trabalho referido para atestar a conformidade do equipamento com s regras legais.”

A impugnação é manifestamente improcedente, já que os depoimentos invocados pela recorrente não são aptos a pôr em causa a decisão do tribunal. De facto o ponto 38 refere-se a verificações extraordinárias do equipamento e não às intervenções de manutenção normais ou preventivas. O que está em causa são as verificações para além daquelas e que devem ser efetuadas nos termos do art.º 6.º, n.º 3 do DL 50/2005 de 25/02. E mesmo quanto às intervenções preventivas a que a recorrente se refere, a testemunha CC referiu que, as que foram realizadas, foram limpezas de partes do equipamento, lubrificação de partes, inexistindo evidências quanto a intervenções relacionadas com o funcionamento do próprio equipamento.

A impugnação prossegue quanto à parte final do ponto 46, que a recorrente pretende que seja considerado não provado por apelo aos depoimentos das testemunhas supra identificadas e por contradição com o facto provado em 50.

A recorrida seguradora opôs-se à pretendida alteração.

É o seguinte o teor do ponto 46:

“Em data anterior ao acidente de trabalho a ré empregadora não assegurou a verificação da conformidade do equipamento de trabalho.”

Por sua vez está provado em 50, sem impugnação que:

“A ré empregadora, além de efetuar manutenções periódicas do equipamento referido, produz os respetivos relatórios que identificam se o tipo de serviço realizado, o que fez designadamente em abril de 2019 e em janeiro, fevereiro, março e maio de 2020.”

Importa começar por referir que a verificação de conformidade do equipamento, não se confunde com a sua manutenção periódica, pelo que inexiste qualquer contradição. Depois, não tendo sido impugnada a matéria provada em 37, e atendendo à improcedência da impugnação quanto ao facto não provado sob o n.º 3, não pode ser procedente a pretensão deduzida quanto ao ponto 46.

Finalmente, a recorrente pretende que seja considerado como não provada a parte final do ponto 83 dos factos provados, cujo teor é o seguinte:

“O acidente ocorreu na descida do êmbolo da prensa, sem qualquer intervenção humana, por avaria mecânica e ausência de dispositivos de segurança.”

Ora, antes de apreciar a impugnação deduzida pela recorrente e prejudicando até tal apreciação, importa afirmar, desde já, que o segmento em causa e mesmo o anterior, são do nosso ponto de vista não só conclusivos, como comportam um juízo jurídico-valorativo que determina a sua eliminação da decisão de facto.

Na verdade, o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.

Como se escreve no Ac. RP de 08/02/2021[7], “sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto]”. E como se lê no Ac. RP de 23/11/2017[8], com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP”.

Ora, parece-nos evidente que, discutindo-se nos autos se o acidente resultou da violação de regras de segurança imputável à entidade empregadora, nomeadamente por falta de implementação de mecanismos de segurança adequados, as afirmações em causa, que não fazem referência a qualquer concreta avaria ou a qualquer concreto mecanismo de segurança, na parte em que encerram em si mesmas um juízo genérico quanto à relação causal entre o acidente, a avaria mecânica e a inexistência de quaisquer dispositivos de segurança, constituem meros juízos jurídico-conclusivos e como tal têm de ser excluído da decisão de facto, o que se decide e, como já afirmado, prejudica a apreciação dos fundamentos da impugnação, nesta parte.

Assim, o ponto 83 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:

83. No momento do acidente o êmbolo da prensa desceu, sem intervenção humana, devido a uma avaria mecânica”.

Pelos mesmos motivos é manifesta a improcedência da pretensão da recorrente de que seja dado como provado que “não ocorreu incumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho e que o acidente não foi provocado por sua culpa, nomeadamente por omissão do cumprimento das referidas normas” e também a “inexistência do nexo de causalidade entre o incumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho e o acidente de trabalho”.


*

A segunda questão a decidir consiste em saber se o acidente que vitimou o sinistrado se ficou a dever à violação de regras de segurança.

Atenta a data do acidente de trabalho em apreço nos autos – 28/05/2020 – é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Assim o dita a conjugação dos artigos 187.º e 188.º daquela Lei n.º 98/2009 (LAT).

O art.º 18º, n.º 1, da LAT estabelece que “[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”

Nestas situações é devida a reparação agravada prevista no n.º 4 do preceito e, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, do mesmo diploma, “a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.

Para o funcionamento da estatuição do art.º 18.º, especificamente no que concerne à violação de regras de segurança, é necessário concluir:

1.º - que sobre o empregador (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento que não foram cumpridas;

2.º - que dessa conduta inadimplente resultou o acidente (entre ambos intercorre um nexo de causalidade adequada - artigo 563.º do Código Civil), importando a este respeito ter em atenção o Ac. do STJ de 17/04/2024, processo n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1-A[9], que uniformizou jurisprudência no sentido de que: “para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18º, nº1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”

Cabe a quem invoca a inobservância das regras de segurança pelo empregador – neste caso o recorrente, na medida em que é o mesmo quem tira proveito dessa circunstância - o ónus de alegação e prova dos factos demonstrativos de que houve inobservância das regras de segurança no trabalho por parte do empregador e de que essa inobservância foi causal do acidente (cfr. o artigo 342.º do Código Civil)[10].

A primeira operação de subsunção do caso à lei consiste na determinação da existência de concreta(s) medida(s) de segurança aplicável(eis).

Não está aqui em causa a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança, já que essas violações se inserem nos riscos próprios da atividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objetiva) decorrente de acidentes de trabalho[11], mas a violação de uma específica regra de segurança.

É hoje inquestionável a obrigação de o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (Lei n.º 102/2009 de 10/09, da qual se realça o disposto pelos arts. 15.º e 17.º quanto às obrigações gerais do empregador e do trabalhador, respetivamente).

No que respeita à utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho importa ter presente o regime aprovado pelo DL nº 50/2005 de 25/02, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Diretiva nº 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Diretiva nº 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Julho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Equipamentos de trabalho são, de acordo com o disposto pelo art.º 2.º, al. a) do citado DL n.º 50/2005 quaisquer máquinas, aparelhos, ferramentas ou instalações utilizadas no trabalho, os quais devem de acordo com o art.º 4.º do mesmo diploma satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º.

No que respeita à utilização de equipamentos de trabalho dispõe o art.º 30.º do citado DL n.º 50/2005 que as regras de utilização dos equipamentos de trabalho previstas no capítulo em que o mesmo se insere são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.

Ora, compete à entidade empregadora proporcionar aos seus trabalhadores a utilização de equipamento em conformidade com as regras de segurança estabelecidas nestas normas, estando, por sua vez o trabalhador obrigado a cumprir as prescrições de saúde e segurança no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador (cfr. art.º 17.º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10/09 e o art.º 128.º, nº 1, als. e) e j) do Código do Trabalho).

Nos termos do art.º 15.º da Lei 102/2009 de 10/09:

“1- O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos; (…)

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; (…)

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador. (…)

4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.”

Acresce que o art.º 3.º do DL 50/2005 dispõe que: “Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:

a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;

b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;

c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;

d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;

e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores”.

O art.º 4.º do DL 50/2005, a propósito dos requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho dispõe que:

“1 - Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º

2 - Os equipamentos de trabalho colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores na empresa ou estabelecimento devem satisfazer os requisitos de segurança e saúde previstos em legislação específica sobre concepção, fabrico e comercialização dos mesmos.

3 - Os trabalhadores devem utilizar os equipamentos de trabalho em conformidade com o disposto nos artigos 30.º a 42.º”

Nos termos do art.º 5.º do DL 50/2005 de 25/02 “Sempre que a utilização de um equipamento de trabalho possa apresentar risco específico para a segurança ou a saúde dos trabalhadores, o empregador deve tomar as medidas necessárias para que a sua utilização seja reservada a operador especificamente habilitado para o efeito, considerando a correspondente actividade.”

Por sua vez, o art.º 6.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25/02, estatui que “O empregador deve proceder a verificações extraordinárias dos equipamentos de trabalho quando ocorram acontecimentos excepcionais, nomeadamente transformações, acidentes, fenómenos naturais ou períodos prolongados de não utilização, que possam ter consequências gravosas para a sua segurança”.

Do art.º 8.º do mesmo diploma legal resulta que:

“1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.

2 - A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:

a) Condições de utilização dos equipamentos;

b) Situações anormais previsíveis;

c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;

d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não os utilizem directamente.”

Dispõe o art.º 12.º do mesmo diploma legal que:

“1- Os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma acção voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam:

a) Ser postos em funcionamento;

b) Arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta;

c) Sofrer uma modificação importante das condições de funcionamento, nomeadamente velocidade ou pressão.

2 - O disposto no número anterior não é aplicável se esse arranque ou essa modificação não representar qualquer risco para os trabalhadores expostos ou se resultar da sequência normal de um ciclo automático.”

E nos termos do art.º 16.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Riscos de contacto mecânico”, prevê-se que:

“1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.

2 - Os protectores e os dispositivos de protecção:

a) Devem ser de construção robusta;

b) Não devem ocasionar riscos suplementares;

c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;

d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;

e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.

3 - Os protectores e os dispositivos de protecção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada”.

É ainda de salientar o disposto pelo art.º 40.º da Portaria n.º 53/71 de 03/02, na redação da Portaria n.º 702/80 de 22/09, segundo o qual:

“1 - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que accionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objetos.

2 - As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique”.

E o art.º 56.º- A, n.º 4 da mesma Portaria, prescreve que:

“4 - As prensas devem ter protecções em grade ou de outro tipo, de forma a envolverem completamente a ferramenta e a torná-la inacessível às mãos do trabalhador quando o punção desce.

Os comandos devem ser de preferência bimanuais para que as mãos do trabalhador estejam sempre afastadas da ferramenta quando esta desce.”

No caso dos autos, ficou provado que o equipamento de trabalho onde ocorreu o acidente consiste numa prensa hidráulica com 250t e que o autor tinha abastecido o equipamento com folha metálica em cima da ferramenta que funciona como um cunho de estampagem, tendo acionado o comando bimanual para fazer descer o cilindro principal, movimento esse automático, voltando, após prensar a folha metálica contra o molde, à sua posição subida inicial.

Na execução da tarefa, o autor colocava a mencionada peça metálica na base de impacto da prensa, pressionando, posteriormente, o comando bimanual que, por sua vez, acionava a descida do êmbolo. Em virtude da pressão, aquela procedia à estampagem da peça, retirando-a o autor, de seguida, manualmente. Quando o autor estava a retirar a peça já estampada da base de impacto, o êmbolo da máquina, sem qualquer ação humana, desceu, atingindo-o no 2.º, 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão direita, assim como no dorso.

Resulta também da matéria de facto provada que o autor estava naquele posto de trabalho há dois dias e não tinha tido a formação profissional específica em matérias de segurança e saúde no trabalho, ainda que tivesse conhecimento do modo de funcionamento da máquina e dos seus comandos.

Assim, é possível afirmar que a ré não cumpriu a obrigação de informação e formação necessária ao desempenho da concreta atividade em condições de segurança, não havendo elementos que permitam sequer concluir que o autor tenha sido informado dos riscos específicos de manuseamento da máquina, designadamente do risco de esmagamento que efetivamente existia por contacto entre a prensa e as mãos as quais, para a execução da tarefa, o autor tinha necessariamente que colocar na zona de trabalho para retirar a peça depois de estampada.

É certo que a máquina estava dotada de um sistema de comando bimanual de tal modo que era necessária uma ação voluntária sobre o comando para que fizesse o movimento descendente.

Este mecanismo de dupla pressão que exige um movimento voluntário do operador da máquina, serve precisamente, para evitar que uma mera distração ou movimento involuntário do trabalhador pudesse acionar e fazer descer de imediato a prensa, pelo que, a ré empregadora não violou o disposto pelo art.º 12º do citado DL 50/2005.

A ré empregadora violou, contudo, o disposto pelo art.º 16º do DL 50/2005, já que a máquina em que ocorreu o acidente, atento o seu modo de funcionamento comportava o risco efetivo de contacto entre as mãos do trabalhador e as partes móveis da máquina, designadamente o risco de esmagamento pelo movimento descendente da prensa.

Ora, apesar da existência de tal risco, a ré empregadora não dotou a máquina de quaisquer mecanismos que o prevenissem, tendo resultado provada a inexistência de qualquer tipo de proteção.

Com efeito, na data do acidente o equipamento não tinha o sistema elétrico de segurança: um quadro elétrico com um circuito de alimentação de 24 Vdc para alimentação de um autómato, um relé de segurança SICK, um par de barreiras de segurança SICK e restante equipamento elétrico, não tinha grade de proteção na parte posterior da máquina, sensores para verificar a presença da grade SICK, que controla o estado das barreiras e dos sensores da grade de proteção.

E a prensa hidráulica não possuía válvulas ou blocos de segurança que, enquanto dispositivos eletromecânicos, permitam evitar/controlar acionamentos involuntários ou falhas; não possuía válvula de retenção anti queda que permita impedir a queda/descida involuntária do êmbolo numa situação de falha do sistema hidráulico e não possuía, como forma de proteção física, proteções com deteção através da aproximação, tais como dispositivos de luz ou sensores de aproximação, que permitam a pronta paralisação da máquina, garantindo a proteção dos trabalhadores.

Ademais, tratava-se de uma máquina antiga, sem marcação CE e a ré empregadora não a submeteu a alterações atinentes ao cumprimento da proteção coletiva e individual dos trabalhadores, certificadas por uma entidade competente, nem, tendo a mesma sido sujeita a transformações ao longo dos anos, procedeu a verificações extraordinárias do equipamento de trabalho referido para atestar a conformidade com as regras legais, violando também o disposto pelos art.º 40.º, n.º 2 da Portaria n.º 53/71 de 03/02, na redação da Portaria n.º 702/80 de 22/09 e o disposto pelo art.º 6.º, n.º 3 do DL 50/2005.

A ré violou, pois, estas específicas obrigações de segurança que, no caso concreto, se lhe impunham.

No que respeita à imprescindível existência do nexo causal entre a violação de regras de segurança e o acidente, importa ter em consideração a uniformização de jurisprudência resultante do Ac. do STJ, já acima identificado, cujo teor aqui repetimos: “para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18º, nº1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”

Ora, considerando o modo de funcionamento do equipamento em causa (a descida da prensa era acionada por um comando bimanual, fazendo um movimento automático de descida, voltando, após prensar a folha metálica contra o molde, à sua posição subida inicial), o modo como a tarefa em curso no momento do acidente tinha que ser executada (o sinistrado tinha que colocar e tirar a peça do molde, com as mãos, da zona de contacto da prensa), o risco que daí advinha em caso de distração ou de qualquer falha da máquina como veio a acontecer, a inexistência de verificação da conformidade do equipamento de trabalho, a falta de verificações extraordinárias, não pode haver dúvidas de que, pelo menos, a violação da obrigação de dotar a máquina de sistemas de proteção adequados, designadamente que impedissem o acesso do operador à zona da prensa e/ou que interrompessem o movimento descendente da prensa em caso de falha ou avaria, cuja instalação era possível, em concreto, como resulta das alterações introduzidas após o acidente dos autos, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele veio efetivamente a acontecer e se deixou descrito.

De resto, no caso dos autos, ainda que tal não fosse imprescindível, ficou mesmo provado que caso a máquina estivesse dotada de sensores, ainda que, a falha ou avaria do equipamento que originou o acidente não fosse evitada, o relé de segurança ativaria o sistema de segurança da prensa, que bloqueava a descida do êmbolo da prensa nos termos em que ocorreu.

Donde não pode se não concluir-se que ficou demonstrada a existência do nexo causal entre a violação das regras de segurança, por um lado e o acidente e as suas consequências, por outro.

A sentença recorrida, tendo concluído precisamente naqueles termos, não merece censura e não tendo sido deduzida impugnação quanto a natureza e valor das prestações devidas ao sinistrado tal como na mesma fixadas, improcede o recurso.


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Tendo decaído totalmente no recurso, impende sobre a recorrente a responsabilidade pelo pagamento das custas, nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC.

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Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, apenas com a alteração à redação do ponto 83 da matéria de facto provada nos termos definidos supra.

Custas pela recorrente.


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Notifique.

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Porto, 24/02/2025
Maria Luzia Carvalho
António Luís Carvalhão
Rita Romeira
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[1] A respeito do cumprimento dos ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil, importa ter presente o Ac. do STJ, Uniformizador de Jurisprudência n. º 12/2023, de 17/10/2023, publicado no DR, I série, de 14/11/2023, com Declaração de Retificação n.º 35/2023, publicada no DR, I série, de 28/11/2023.
[2] In “Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7.ª edição atualizada, 2022, pág. 195.
[3] Ob. cit., pág. 350.
[4] Entre outros, veja-se os Acórdãos do STJ de 08/03/2022, processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1 e de 24/10/2023, processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1.
[5] Processo n.º 1472/23.0.T8AVR.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[6] Processo n.º 12796/20.9T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Processo n.º 811/13.3TBPRD.P1 e no mesmo sentido, entre outros, o Ac. RP de 08/02/2021, Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Acessível em www.dgsi.pt.
[10] Vide os Acs. do STJ de 31/05/2005 (processo n.º 256/05), de 13/09/2006 (processo n.º 2068/06), de 24/01/2007 (processo n.º 2073/06), de 09/05/2007 (processo n.º 275/07) e de 21/06/2007 (processo n.º 534/07) in www.stj.pt e já à luz do novo regime, o Ac. RE de 05/07/2012 (processo n.º 236/10.6TTEVR.E1, in www.dgsi.pt.)
[11] Neste sentido veja-se o Ac. da RG de 26/02/2015, processo n.º 987/11.8TTVCT.G1, acessível em www.dgsi.pt.