Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RUI MOREIRA | ||
| Descritores: | PATERNIDADE BIOLÓGICA PROVA PERICIAL REGISTO CIVIL | ||
| Nº do Documento: | RP202510281448/17.7T8VCD.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Estando registada a paternidade da autora com referência ao marido da sua mãe, ao tempo do seu nascimento, resulta do disposto no art. 1848º nº 1 do C.Civil não ser possível o reconhecimento de outra filiação, enquanto aquele registo não for rectificado, declarado nulo ou cancelado. II - Resultando provada a paternidade biológica da autora por pessoa diferente da constante do assento de nascimento, deve ser cancelado o registo correspondente e, sucessivamente, averbado a paternidade averiguada e declarada judicialmente. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | PROC. 1448/17.7T8VCD.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 1 REL. N.º 988 Relator: Rui Moreira Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Andrade Miranda * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:1 - RELATÓRIO AA, casada, residente na Rue ..., ... ..., França, intentou a presente acção pretendendo a impugnação da paternidade estabelecida em relação a si (com o cancelamento do respectivo assento de nascimento e da avoenga paterna), bem como a investigação de paternidade, contra BB, viúva, residente na Av. ..., n.º ..., 2º Esq., Póvoa de Varzim, pedindo: a) que se declare que o CC não é o seu pai biológico, eliminando-se tal menção de paternidade que consta do seu assento de nascimento, bem como a respectiva avoenga paterna; b) que se reconheça e declare que é filha de DD, antecessor da ré BB, devendo, em consequência, ordenar-se o respectivo averbamento no seu assento de nascimento. Alegou ter nascido no dia ../../1953, sendo sua mãe EE, então no estado de casada com CC, desde 12 de Julho de 1942. Porém, afirmou que este CC não é o seu pai biológico, pois que há mais de um ano este e sua mãe viviam em casas e cidades separadas, não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. Aliás, sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, tinha passado a viver na casa de DD, viúvo, onde fora trabalhar como empregada doméstica, com este tendo vindo a manter uma relação amorosa. Conclui dizendo que o seu pai biológico é DD e não CC. Mais alega que CC faleceu no dia 31 de Julho de 1957, no estado de casado com EE, não tendo deixado descendentes (apenas se encontrando averbada como sua filha a ora Autora); que EE faleceu no dia 15 de Setembro de 1991, no estado de viúva de CC, tendo deixado como sua herdeira a sua única filha ora Autora; que DD faleceu no dia 9 de Setembro de 1972, no estado de viúvo de FF, tendo deixado como seu herdeiro o seu filho GG ; que este GG faleceu no dia 5 de Maio de 2007, no estado de casado com BB, sem descendentes, tendo deixado como sua herdeira a sua referida mulher, que nessa qualidade é demandada como Ré para a presente acção. Citada, a ré apresentou contestação por excepção e por impugnação. Desde logo, e por excepção, alega que a presente acção, tal qual foi configurada pela Autora, comporta duas causas de pedir e dois pedidos que se reconduzem, no fundo, a duas acções: uma de impugnação da paternidade e uma outra de investigação e reconhecimento da paternidade. Tendo já ocorrido a morte da mãe e do presumido pai a acção deveria de ter sido instaurada ou prosseguir contra as pessoas referidas no art. 1844º do Código Civil, devendo, na falta delas – como, aliás, também ocorre no caso vertente - ser nomeado curador especial. Conclui dizendo não ter legitimidade passiva para intervir na acção de impugnação da paternidade, devendo a Autora de ser convidada a proceder à regularização subjectiva da instância Por outro lado, alegou que é pressuposto processual para a interposição da acção de investigação e reconhecimento da paternidade que, previamente, tenha sido interposta e julgada procedente acção de impugnação da paternidade, e que na sua decorrência, o registo da filiação quanto ao presumido pai tenha sido declarado nulo, o que não ocorreu no caso vertente. Mais excepcionou a caducidade do direito à acção, quer quanto à impugnação, quer quanto à investigação prevista no art. 1842º, nº 1, al. c). A esse propósito alegou que a Autora nasceu no dia ../../1953 e atingiria a sua maioridade no dia 10 de Fevereiro de 1974, dado que, à data, ainda a idade da maioridade estava estabelecida nos 21 anos. Porém, tendo casado catolicamente com HH em 12 de Setembro de 1971, isso levou à sua emancipação naquela data, em que tinha 18 anos, 7 meses e 2 dias, Assim, apenas podia intentar a presente acção até à idade de 28 anos, 7 meses e 2 dias. Logo, como à data da interposição da presente acção, em 28 de Novembro de 2017, já tinha atingido a idade de 64 anos, encontrava-se largamente ultrapassado o prazo de 10 anos para a propositura da acção, estando caducado o direito da Autora para interpor a acção de impugnação da paternidade, bem como a de investigação. No mais, impugnou o alegado bem como os documentos juntos. Foi proferido o despacho a convidar a autora a suprir o vício da ilegitimidade, na sequência do que foi requerida e admitida a intervenção principal passiva para o exercício da função de curador de II. Foi realizada audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador decididas questões prévias, identificado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova, tendo sido julgado improcedente a invocada excepção da legitimidade e relegada para a sentença a apreciação da excepção da caducidade (fls. 84 a 89 – refª 396952125). Foram interpostos recursos relativamente aos despachos que determinaram a realização da perícia com exumação de cadáver. Tais recursos foram julgados improcedentes e confirmadas as decisões. Foi realizada a perícia cujo relatório foi junto de fls. 514 e 515. Realizada a audiência de julgamento, veio no seu termo a ser proferida sentença que julgou “totalmente procedente a excepção de caducidade do direito à acção e, consequentemente, (…) improcedente o pedido de impugnação e de investigação da paternidade formulado nestes autos por AA, absolvendo a ré BB do mesmo.” É desta decisão que vem interposto recurso, pela autora, que o terminou formulando as seguintes conclusões: II – CONCLUSÕES A) DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA – NULIDADE DA SENTENÇA COM FUNDAMENTO NO ART.º 615.º, n.º 1, d) do CPC – a) O art.º 3.º do Novo CPC – aplicável ao caso na medida em que a ação foi instaurada em 28/11/2017 – consagra, como antes o art.º 3.º do CPC revogado, o princípio do contraditório nos seus n.ºs 2 a 4. Com vista a evitar as chamadas “decisões-surpresa”, o invocado princípio proibe que providência ou decisão alguma seja proferida sem que às partes seja previamente conferida a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em questão, salvo nos casos excecionais previstos na lei. b) No presente caso, veio a Ré BB excecionar a caducidade do direito à ação quer de impugnação, quer de investigação e reconhecimento da paternidade, invocando, nessa senda, o art.º 1842.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte do CC. c) Face a isto, apresentou a Autora o requerimento com a ref.ª 28117773 (fls 45 a 51), pronunciando-se acerca da exceção invocada, que foi desentranhado através do termo de desentranhamento com a ref.ª 392065958, datado de 20-04-2018. Realizada a audiência previa a 10 de outubro de 2018, em momento algum, foi concedida à Autora a oportunidade de se pronunciar relativamente à questão da caducidade do direito à ação. d) Ainda assim, a Mm.ª Juiz a quo veio a proferir a sentença recorrida, datada de 05 de março de 2020, decidindo-se, surpreendemente, pela procedência da exceção alegada pela Ré. Tendo sido omitida a audição da Autora a respeito, parece inquestionável o desrespeito do aludido princípio do contraditório praticado pelo Tribunal a quo. Ao proferir a “decisão surpresa” aqui em apreço, aquele acabou por violá-lo notória e grosseiramente, o que importa a nulidade da sentença a quo, por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, d) do CPC. – NULIDADE DA SENTENÇA COM FUNDAMENTO NO ART.º 615.º, n.º 1, b) do CPC – e) A ação que deu origem aos presentes autos, tal qual configurada pela Autora, comporta duas acções distintas: ● Ação de impugnação da paternidade quanto a CC; ● Ação de investigação e reconhecimento da paternidade quanto a DD. f) Sucede, porém, que, apesar de terem ambas sido submetidas à sua apreciação – dada a alegação expressa no primeiro dos articulados apresentados, e correspondente prova – o Tribunal a quo preferiu dedicar o seu tempo e atenção apenas e só quanto à ação de investigação, Ainda assim, a final, julgou improcedente o pedido de impugnação e de investigação da paternidade (Cf. Ponto V – Decisão), tratando-os (inconcebivelmente) como um só, g) Ora, em parte alguma da sentença encontramos os fundamentos de facto e de direito que justifiquem este desfecho, quanto a questão da impugnação da paternidade. h) A propósito, vale relembrar que, pese embora estejam incluídas, na presente ação, duas ações/questões fundamentais – impugnação e investigação –, o certo é que estas, assim como os respetivos pedidos, são autonomizáveis, significando isto que, mesmo que o Tribunal julgasse procedente o pedido associado à impugnação, poderia perfeitamente julgar improcedente o inerente à investigação. i) Posto isto, arriscamo-nos a concluir que, na verdade, o pedido correspondente à ação de impugnação nem sequer foi verdadeiramente conhecido, dado que o Tribunal a quo acabou por “fundi-lo” no pedido associado à investigação, aproveitando-se, inexplicável e descabidamente, da fundamentação apresentada, por si, relativamente à investigação da paternidade, para decidir, a final, nos mesmíssimos termos quanto a ambos os pedidos. Com efeito, verificando-se a completa omissão quanto à fundamentação de facto de direito que, no entender da Mm.ª Juiz, justificaria o desfecho da ação de impugnação, verifica-se também a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, b) de CPC. B) DA MATÉRIA DE DIREITO – DA CADUCIDADE DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE – NORMAS APLICÁVEIS EM TERMOS DE PRAZOS DE CADUCIDADE . j) No que respeita à sentença recorrida, não podemos, desde já, deixar de referir a: - Manifesta contradição entre a fundamentação apresentada e a decisão proferida, pois que, apesar de fundamentar ser aplicável o prazo de três anos a contar da ocorrência de um dos eventos, previstos nas várias alíneas do n.º 3 do art.º 1817.º do CC, deles se “esquece”, aplicando apenas o prazo de 10 anos previsto no n.º 1. - Errada aplicação do artigo 1817.º do CC às ações de impugnação da paternidade, pois que o mesmo, apenas e tão só, se aplica as ações de investigação da paternidade. - Errada aplicação da alínea c) do n.º 3 deste normativo, uma vez que não estamos perante a inexistência de paternidade determinada mas o inverso, conforme se extrai do registo de nascimento juntos aos autos k) Estando em causa a impugnação da paternidade constante do registo de nascimento, a caducidade da pretensão ao estabelecimento judicial da paternidade biológica está submetida ao regime do invocado n.º 2 do art.º 1817.º do CC, ex vi do art. º1873.º do mesmo diploma. l) Atendendo ao Ponto 2 dos factos dados como provados resultante da certidão de nascimento junto aos autos – deveria ter sido diferente a conclusão da Mm.ª Juiz. Estando a paternidade da Autora/Recorrente deferida registralmente a CC – existindo, assim, um registo inibitório de qualquer outro registo de paternidade –, não podia a esta fazer investigar, sem mais, a paternidade biológica contra DD. Teria previamente que obter o afastamento da paternidade registada. Assim, m) Por força do disposto nos art.ºs 1873.º, 1817.º n.º 2, 1815.º e 329.º do CC, a ação de investigação da paternidade podia ser proposta nos três anos seguintes ao cancelamento desse registo inibitório. Resta dizer que, contrariamente ao decidido, não há qualquer fundamento legal para ser decretada a caducidade, porquanto o prazo de caducidade previsto no art.º 1817º, nº 1 do CC não só não se aplica às ações de impugnação da paternidade, como, in casu, pelas razões supra expostas, é de aplicar o n.º 2 do mesmo preceito à ação de investigação de paternidade – atento o ponto 2 dos factos dados como provados. SEM PRESCINDIR, AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA… DO ÓNUS DA PROVA DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO n) Seguindo de perto a orientação proferida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2021, de 15-11-2021, somos de entender que “o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos de que a ação foi intentada decorridos mais de três anos sobre os factos que justificaram a ação competia ao réu (…)”, o) Ainda que se entendesse não ser de aplicar o art.º 1817 n.º 2 do CC – o que não se admite, pois que o prazo apenas começará a contar após o cancelamento do registo de paternidade de CC –, nos casos previstos nos art.ºs 1873.º e 1817.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4 do mesmo diploma, o ónus da prova do decurso do prazo de 3 anos recai sobre a Ré, por se tratar de um prazo de caducidade e o seu decurso constituir uma exceção perentória. É também isto que se extrai do art.º 342.º, n.º 1 e 2 do CC: p) Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22-09-2011, “os prazos de três anos referidos nos transcritos n.º 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.” q) Não há, pois, um prazo regra, e um prazo exceção, mas sim um duplo prazo de caducidade ou, seguindo a perspetiva do Tribunal Constitucional, um prazo de caducidade e a definição de um período em que ele não opera. r) Não fará muito sentido afirmar-se que os prazos de caducidade previstos no n.º 3 do artigo 1817.º do CC, configuram contra exceções ou factos impeditivos da caducidade prevista no n.º 1 do mesmo preceito. Quanto a este último aspeto, é indiscutível a aplicação do disposto no art.º 343.º, n.º 2, do CC, à luz do qual: “Nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova do prazo já ter decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.” Tal entendimento está em perfeita sintonia com a repartição do ónus da prova estabelecido no já invocado art.º 342.º, n.º 1 e 2 do CC. C) DA MATÉRIA DE FACTO D) s) Relativamente ao facto vertido no ponto 13 dos factos dados como provados, acima transcrito, entende a Autora/Recorrente que este enferma de um lapso de escrita, dado que, a presente ação foi instaurada a 28 de Novembro de 2017, e não 2018, bastando a mera consulta da plataforma CITIUS para se verificar o respetivo registo. t) Aqui chegados, no que tange aos factos dados como não provados nas alíneas a), b) e c) e ao facto aditado em sede de audiencia prévia, há que concordar que no que se refere à alinea c) se trata de um “conhecimento indireto decorrente de conversas tidas com amigas da avó materna”. u) Porém, a verdade é que este, analisado conjuntamente com os demais elementos probatórios – sobretudo de cariz pericial – junto aos autos, importa a formulação de um juízo completamente oposto ao (lamentavelmente) revelado pelo Tribunal a quo. v) Conforme ensina o Acórdão do TRP, de 10/02//2016, Processo n.º 2947/12.2TBVLG-B.P1 “nos processos de averiguação de paternidade, os testes de ADN, feitos através da recolha de sangue ou saliva, equivalem a uma prova plena, do ponto de vista científico, no que concerne à filiação biológica.” Assim, “Por um lado, a prova científica ganhou foros de quase exclusividade, ficando as demais provas relegadas para casos excepcionais, em que aquela não seja possível.” w) Ora, no presente caso, não só foi possível realizar o teste de ADN, através da colheita biológica a GG – cujo resultado é de 99,97% de compatibilidade –, como foi corroborado no seu teor pelo depoimento de JJ já mencionado. x) Em suma, resulta claro do depoimento que: ● A Autora/Recorrente nunca conheceu o pai presumido, CC [minuto 04:04]; ● A mãe da Autora/Recorrente, avó da testemunha, e CC não vivam juntos, não mantendo qualquer relação efetiva e amorosa [minuto 04:57]; ● A mãe da Autora/Recorrente não mantinha qualquer contacto ou relação com o mesmo [minuto 05:05]; ● A mãe da Autora/Recorrente foi trabalhar como doméstica para DD e foi nessa altura que teve relações sexuais com este [minuto 09:13]; ● A mãe da Autora/Recorrente não conheceu outros homens na vida, e não sabia sequer usar métodos contracetivos [minuto 10:00]. y) Conjugando este depoimento com o resultado dos exames periciais supra mencionados, e aliando-se a isto a lógica e as regras da experiência comum, não restam dúvidas de que a mãe da Autora/Recorrente manteve com DD relações sexuais de cópula completa, sem recurso a qualquer meio contracetivo, e na sequência das quais foi aquela concebida. *** Pelo que, e por ser evidente o erro na apreciação da prova produzida:- Deverá ser dado como provado o ponto 13 dos factos dados como provados, com a seguinte redação: 13. A presente ação deu entrada em 28 de Novembro de 2017. - Deverão ser dados como provados os factos constantes das alíneas a), b) e c) dos factos dados como não provados, com a seguinte redação: a) A mãe da Autora e CC não viviam juntos, não mantendo qualquer relação afetiva e amorosa. (art.º 8º) b) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, trabalhado para DD, à data viúvo, como empregada doméstica. (art.º 9º) c) Com este manteve relações sexuais de cópula completa sem recurso a qualquer meio contraceptivo, e na sequencia das quais a Autora foi concebida.” (ponto 10 em conjugação com facto aditado na audiência prévia) NORMAS VIOLADAS: Proferindo a sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: Art.º 3.º do CPC, Art.º 615.º, n.º 1, d) do CPC, Art.º 615.º, n.º 1, b) do CPC, Art.º 1817.º n.º 2, 3 e 4 do CC, Art.º 1873.º do CC, Art.º 1848.º do CC, Art.º 1815.º do CC, Art.º 329.º do CC, Art.º 342.º n.º 1 e 2 do CC, Art.º 343.º n.º 2 do CC. Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, devendo, por conseguinte, ser revogada a Sentença de que ora se recorre. Nesse sentido deverá ser proferido um Acórdão que a substitua e que, por sua vez, determine a total procedência da ação movida pela Autora/Recorrente, condenando as Rés nos pedidos nela formulados. FARÃO VEXAS, DESSA FORMA, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA! A ré respondeu, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida, rejeitando que a mesma padeça de qualquer nulidade.. O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo. * Em 8/6/2022, foi proferido acórdão, por este TRP, que confirmou a decisão da 1ª instância, no tocante à caducidade do direito da autora, o que prejudicou a apreciação das restantes questões suscitadas pela recorrente.Tendo sido interposto recurso de revista, o STJ dispôs nos termos seguintes: a) recusar a aplicação da norma contida no artigo 1842º, nº 1, al. c), do Código Civil, que estabelece que a acção de impugnação da paternidade pode ser intentada, pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe; b) revogar o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos à Relação para apreciação das questões prejudicadas. Interposto recurso junto do Tribunal Constitucional, foi tida por válida a solução decretada pelo STJ, pelo que, devolvido o processo a este TRP, cabe dar cumprimento ao então decidido. * 2- FUNDAMENTAÇÃO:O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC. Em qualquer caso, decidida definitivamente a inexistência de caducidade do direito da autora, apenas cabe decidir as questões remanescentes, que são as seguintes. 1. Da inversão do juízo probatório sobre os factos dados por não provados sob as als. a),b) e c), devendo dar-se por provado que: a) A mãe da Autora e CC não viviam juntos, não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. (art.º 8º); b) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, trabalhado para DD, à data viúvo, como empregada doméstica. (art.º 9º); c) Com este manteve relações sexuais de cópula completa sem recurso a qualquer meio contraceptivo, e na sequência das quais a Autora foi concebida.” (ponto 10 em conjugação com facto aditado na audiência prévia). * A resolução dessa questão exige que se pondere a decisão do tribunal recorrido, sobre a matéria de facto controvertida.“Factos Provados Da petição inicial 1. A autora, AA, nascida no dia ../../1953, é filha de EE. 2. Consta inscrito no seu assento de nascimento como sendo seu pai CC. 3. Á data do nascimento da autora a sua mãe EE era casada com CC, tendo estes contraído casamento entre si em 12 de Julho de 1942. 4. CC faleceu no dia 31 de Julho de 1957, no estado de casado com EE, não tendo deixado descendentes. 5. EE faleceu no dia 15 de Setembro de 1991, no estado de viúva de CC, tendo deixado como sua herdeira a sua única filha ora Autora. 6. DD faleceu no dia 9 de Setembro de 1972, no estado de viúvo de FF, tendo deixado como seu herdeiro o seu filho GG. 7. GG faleceu no dia 5 de Maio de 2007, no estado de casado com BB, sem descendentes. Da contestação: 8. A Autora se casou catolicamente com HH em 12 de Setembro de 1971. 9. Consta do assento de nascimento da Autora que a sua mãe, EE, e o seu pai, CC, à data do seu nascimento, residiam na mesma morada: Rua ..., ..., na Póvoa de Varzim. 10. No jazigo onde se encontram depositados os restos mortais de DD encontram-se inumados KK, inumada a 26/04/1978; LL, inumada a 23/06/1994; e GG, inumado a 07/05/2007. Mais se provou que: 11. Foi inviável a realização de perícia quanto a DD. 12. No âmbito dos presentes autos foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade com colheitas biológicas a GG onde se conclui que não permite excluir GG como irmão consanguíneo de AA e não permite excluir o pai de GG da paternidade de AA sendo o IP previamente determinado conduziu a uma probabilidade W=99,97% considerando uma probabilidade a priori de 0,5, cfr. teor de fls. 514 e 515. 13. A presente acção deu entrada em 28 de Novembro de 2017 (data rectificada, conforme infra determinado). (A acrescer com factos com os números 14, 15 e 16, como infra determinado). * 2. Factos não provados:Com interesse para a boa decisão da causa, não se lograram apurar os seguintes factos: Da petição inicial: [A seguinte matéria transita para o rol de factos provados, sob os nºs 14, 15 e 16, como infra determinado a) Há mais de um ano que a mãe da autora e o CC residiam em casas e cidades separadas (a sua mãe residia na cidade da Póvoa de Varzim e CC em Matosinhos), não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. b) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora passado a viver na casa de DD, à data viúvo, para onde foi trabalhar como empregada doméstica. c) E com este manteve uma relação amorosa (art. 10º).] Da contestação: d) Que a mãe da Autora tinha, à data do seu nascimento, a profissão de conserveira. e) A referida EE é pessoa completamente desconhecida de DD, da sua família, designadamente GG seu filho e defunto marido da aqui Ré, e até de amigos; f) Com quem, todos eles, nunca tiveram qualquer contacto; g) Também a Autora é pessoa completamente desconhecida de DD, da sua família, designadamente GG seu filho e defunto marido da aqui Ré, e até de amigos; h) Com quem, todos eles, nunca tiveram qualquer contacto; i) Sendo que a primeira vez que a Ré ouviu falar da Autora, de sua mãe ou do seu pai, foi quando tomou contacto comos autos.” * Sustentando a sua pretensão, quanto à alteração da matéria de facto invoca a apelante o depoimento da testemunha JJ, filha da Autora.Sobre esse depoimento, afirma o tribunal recorrido que “…não obstante a relação familiar de proximidade, se nos ter afigurado genuína e sincero, o certo é que quanto a tal factualidade (e só essa foi alegada pela Autora) revelou um conhecimento indirecto decorrente e conversas tidas com amigas da avó materna entretanto falecida, no que toca à forma como terá tomado conhecimento do presumido pai da mãe e as circunstâncias em que a avó terá conhecido o DD. Mais esclareceu que perante tal revelação propôs-se ajudar a mãe a descobrir a verdade.” Todavia, o tribunal não considerou eficaz esse depoimento, por ser “indirecto”. Ouvido tal depoimento, verifica-se, com efeito, que o conhecimento da testemunha resulta de conversas de amigas da avó com a sua mãe, quando, no Verão de 2017, a informaram sobre a identidade do seu pai, que não era o constante do registo, mas sim o DD. Referiu, ainda os demais factos referidos em tais alíneas. Tal como se refere na sentença em crise, ouvido esse depoimento, não se oferecem dúvidas sobre a sua genuinidade e credibilidade. Depôs serenamente, com coerência e sem aditar comentários e convicções tendencialmente favoráveis à tese da autora, sua mãe. Não se detectam, por isso, razões para duvidar da sua isenta convicção sobre a factualidade em causa. Por outro lado, dado o longo tempo já passado sobre os factos referidos, designadamente sobre o relacionamento da mãe da autora com DD, e o falecimento deste, apontado pai, do marido da mãe, cuja paternidade em relação à autora está registada, e da avó da testemunha e mãe da autora, é compreensível que os mesmos não possam ser relatados por quem neles interveio ou a eles assistiu ou deles teve conhecimento directamente. Estão, pois, reunidas condições para que se deva aceitar a eficácia do depoimento da testemunha, apesar de indirecto, desde logo por impossibilidade de obtenção de testemunhas de com conhecimento directo sobre os factos, tanto mais que nada proíbe a valoração de um depoimento com essas características (cfr. art. 392º do CPC). Mas a isto acresce que a factualidade assim indiciada e sustentada é perfeitamente congruente com os resultados do exame pericial que fundaram o facto dado por provado sob o item 12º: a extrema probabilidade de a autora ser irmã consanguínea de GG, filho de DD, bem como a extrema probabilidade de ser filha de DD. Nestas circunstâncias, entendemos dever ser valorado o depoimento de JJ, a constituir fundamento para que se dê por provada a seguinte factualidade, que acrescerá ao rol dos factos provados sob os números 14, 15 e 16, removendo-se, paralelamente do elenco de factos não provados. 14) Há mais de um ano que a mãe da autora e o CC residiam em casas e cidades separadas (a sua mãe residia na cidade da Póvoa de Varzim e CC em Matosinhos), não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. 15) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora passado a viver na casa de DD, à data viúvo, para onde foi trabalhar como empregada doméstica. 16) E com este manteve uma relação amorosa. Procederá, nestes termos, a pretensão recursiva da autora, quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto. * Cabe, agora, decidir do mérito da causa, em função do elenco de factos provados e não provados, sendo pertinente afirmar que a alteração acima determinada, com acréscimo fáctico à matéria dada por provada, nem sequer se torna decisiva, face ao que já constava do item 12º, que apresenta o seguinte teor: “No âmbito dos presentes autos foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade com colheitas biológicas a GG onde se conclui que não permite excluir GG como irmão consanguíneo de AA e não permite excluir o pai de GG da paternidade de AA sendo o IP previamente determinado conduziu a uma probabilidade W=99,97%).Exprime este facto a filiação biológica da autora: o valor encontrado no exame para determinação do perfil genético de ADN exprime a análise probabilística do pai de GG (DD) ser o pai de AA, por comparação com outro indivíduo ao acaso da população. E essa probabilidade ascende a 99,97%. Perante o resultado de um tal exame pericial, outra conclusão é inevitável extrair: tendo-se, assim, por adquirida a relação de paternidade biológica entre DD e a autora AA, não pode ela ser filha de CC, tal como consta do respectivo assento de nascimento. Estando registada a paternidade da autora com referência ao marido da sua mãe, ao tempo do seu nascimento, ou seja, estando registada a sua filiação em relação a CC, resulta do disposto no art. 1848º nº 1 do C.Civil não ser possível o reconhecimento de outra filiação, enquanto aquele registo não for rectificado, declarado nulo ou cancelado. É, pois, inequívoca a precedência da impugnação de paternidade em relação à investigação de paternidade, seja em acção sucessivas, seja em acções cumuladas. Na presente acção, em que se cumularam as duas pretensões, impõe-se dar-lhes provimento, declarando-se, em primeiro lugar, que AA não é filha de CC, pelo que deve ser cancelado o registo de tal filiação, bem como a da respectiva avoenga paterna. Seguidamente, cumpre declarar que AA é filha de DD, cabendo averbar tal relação de paternidade no respectivo assento de nascimento. Procederá, nestes termos, a presente apelação, revogando-se a decisão recorrida, como aliás se impunha na sequência da precedente revogação do acórdão deste TRP pelo STJ, quanto à conclusão pela caducidade do direito da autora. Sumariando: ……………………………… ……………………………… ……………………………… 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que integram esta secção do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso de apelação, com o que, revogando a decisão recorrida, julgam procedente a pretensão de impugnação da paternidade registada deduzida pela autora, declarando que AA não é filha de CC, pelo que deve ser cancelado o registo de tal filiação, bem como a da respectiva avoenga paterna. Mais julgam procedente a sua pretensão de averiguação de paternidade, em razão do que declaram que AA é filha de DD, devendo averbar-se tal relação de paternidade no respectivo assento de nascimento. Custas pelos apelados. Registe e notifique. Oportunamente cumpra-se o disposto no art. 78º do C Reg. Civil. Porto, 28/10/2025 Rui Moreira João Diogo Rodrigues Anabela Miranda |