Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | SIMULAÇÃO HIPOTECA HIPOTECA SOBRE COISA ALHEIA NULIDADE DERIVADA TERCEIROS DE BOA FÉ | ||
| Nº do Documento: | RP20251113577/19.7T8PNF.P3 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A simulação tem três requisitos: a) o acordo entre as partes com o fim de criar uma falsa aparência de negócio (o chamado acordo simulatório); b) a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, isto é, entre a aparência criada (negócio exteriorizado) e a realidade negocial (negócio realmente celebrado); c) o intuito de enganar terceiros. II - O artigo 715.º do Código Civil equipara a constituição da hipoteca à alienação da coisa: se a hipoteca foi constituída sobre uma coisa alheia, a constituição da hipoteca é nula por falta de legitimidade do devedor, sem prejuízo do poder de convalidação nos termos do artigo 895.º do Código Civil. III - Para efeitos dos artigos 243.º e 291.º do Código Civil, terceiros são todos aqueles que inserindo-se numa e mesma cadeia de transmissões vêm o seu direito afectado por uma ou mais invalidades anteriores ao acto em que intervieram. III - Para efeitos de boa fé releva o conhecimento do interveniente no negócio, o qual é oponível aos respectivos herdeiros e ao cônjuge meeiro que não tenha intervindo no negócio. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:577.9.7T8PNF.P3 * SUMÁRIO: ………………………………………….. …………………………………………… ……………………………………………
ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. Relatório: AA, contribuinte fiscal n.º ...34, residente em ..., Paredes, instaurou acção judicial contra BB, contribuinte fiscal n.º ...06, residente em ..., Paredes, CC e mulher DD, residentes em ..., e EE, contribuinte fiscal n.º ...87, por si e na qualidade de cabeça de casal e única herdeira da herança aberta por óbito do seu falecido marido FF, residente em ..., Maia. Terminou a sua petição inicial formulando os seguintes pedidos: a) condenar-se os réus em verem declarada a nulidade das escrituras públicas de 18-12-2002, de 14-1-2004 e de 28-10-2009, melhor identificadas nesta p.i., por simulação absoluta, com a consequente restituição do prédio identificado no item 8º desta p.i. ao património do 1º réu, livre de ónus ou encargos; b) em consequência, determinar-se o cancelamento das inscrições prediais registadas pela Ap....6 de 2002/12/20, pela Ap. ...1/20040601, pela Ap....7 de 2009/11/01, pelas cotas G-2, C-2 e aquela a que se refere a Ap....7 de 2009/11/01, e pela Ap....79 de 2015/02/10, todas da descrição predial nº ...54/030287-... da Conservatória do Registo Predial de Paredes; ou, caso assim doutamente se não entenda, c) condenar-se os réus em verem declarada a ineficácia relativamente à autora dos actos consubstanciados nas escrituras de 18-12-2002, de 14-1-2004 e de 28-10-2009, melhor identificadas nesta p.i., ordenando-se aos 2ºs e 3ª R. por si e na qualidade de cabeça de casal e única herdeira de seu falecido marido, FF, a restituição do prédio identificado nessas escrituras e no item 8º desta p.i. ao património do 1º R., livre de ónus ou encargos e desembaraçado de pessoas e coisas, de modo a que a autora se possa pagar à custa desse prédio e na medida do seu invocado crédito; d) em consequência, determinar-se a ineficácia/cancelamento relativamente à autora das inscrições prediais registadas pela Ap....6 de 2002/12/20, pela Ap. ...1/20040601, pela Ap....7 de 2009/11/01, pelas cotas G-2, C-2 e aquela a que se refere a Ap....7 de 2009/11/01, e pela Ap....79 de 2015/02/10, todas da descrição predial nº ...54/030287-... da Conservatória do Registo Predial de Paredes. Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que na sequência do divórcio e partilha dos bens comuns é credora do 1º réu, seu ex-marido, o qual, para evitar pagar à autora, outorgou com o seu irmão aqui réu uma escritura pública de compra e venda para retirar da sua titularidade um imóvel e impedir a autora de o executar, e este outorgou com o réu FF e com este e a mulher duas escrituras de confissão de dívida e constituição de hipoteca para garantia dessa dívida, actos jurídicos esses que são nulos por simulação porque nenhum dos intervenientes teve a vontade real que declarou e tudo não passou de um plano delineado por todos para enganar a autora e a impedir de obter a satisfação do seu crédito. Citados os réus, contestou apenas a ré EE, entretanto falecida e substituída pelo herdeiro, defendendo a improcedência da acção, para o efeito impugnando a maioria dos factos alegados pela autora e alegando que os negócios celebrados por si e pelo seu falecido marido não são simulados nem obedeceram a qualquer propósito de prejudicar a autora, uma vez que, além do mais, desconhecia de todo as vicissitudes dos negócios anteriormente celebrados e a existência do crédito da autora. Realizado julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção do seguinte modo: Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, declaro a nulidade, por simulação, da compra e venda outorgada entre o 1º réu e os 2ºs réus, pela escritura pública de 18-12-2002, sobre o imóvel ali melhor caracterizado, sem prejuízo da inoponibilidade à 3ª ré dessa invalidade, nos termos e para os efeitos do artigo 291º do CC, quanto à constituição de hipoteca caracterizada sob as alíneas Q) e R) da matéria assente. Julgo inválida, consequencialmente, a constituição de hipoteca mediante o contrato/escritura sob S) e T), a qual, assim, se extingue, vista a invalidade do negócio de aquisição pelo dador de hipoteca, sem prejuízo da manutenção do crédito ali constituído. Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. A recorrente pretende ver reapreciadas quer a douta decisão recorrida no que se refere à decisão acerca da matéria de facto, quanto às alíneas LL) dos factos provados, e quanto aos pontos 1, 3, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos não provados, devendo ainda aditar-se um facto provado, como infra explicitado, e ainda no que diz respeito à solução de mérito. 2. Acerca da impugnação da decisão sobre a matéria de facto tida por provada e tida não provada, no sentido infra proposto, entendemos que, com o devido respeito, nos termos do disposto nos artigos 662º e 640º, ambos do C.P.C., este Colendo Tribunal da Relação pode modificar/alterar a decisão sobre a matéria de facto aqui impugnada, uma vez que a recorrente expressamente a impugna, a prova oral produzida em audiência que também a sustenta está gravada e constam dos autos todos os demais elementos e documentos com base nos quais ela foi proferida. 3. A recorrente impugna a matéria de facto tida por provada nas alíneas LL) dos factos provados, e nos pontos 1, 3, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos não provados, devendo ainda aditar-se um facto provado, todos da sentença em crise, no sentido de se alterar para não provada a factualidade da alínea LL), alterar para provada a factualidade dos pontos 1., 3., 7., 8., 9., 10., e 11. citados. 4. A recorrente sustenta a sua pretensão quanto à modificação da factualidade dada por provada na alínea LL) e ainda da factualidade dada por não provada no ponto 9., ambos da sentença também nos depoimentos das testemunhas GG e HH. 5. Assim, em cumprimento do disposto no art. 640.º n.º 2 alínea a) do C.P.C., a recorrente explicita que são as seguintes as concretas passagens desses depoimentos, conjugados com os demais elementos de prova assinalados nesta alegação, que impõem que a matéria factual dada por provada em LL) e não provada em 9. seja modificada como assinalado nestas conclusões: GG, o qual está identificado na Acta de 7-7-2021 e gravado sistema integrado de gravação digital da seguinte forma: 10:47:46 – 11:26:58, com início, pois, às 10:47:46 e termo às 11:26:58, concretamente da rotação 10:15 à rotação 12:20 e da rotação 13:00 à rotação 14:15 e HH, o qual está identificado na Acta de 15-1-2021 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, o qual foi prestado através do sistema de videoconferência a partir do Tribunal de Gondomar, com início às 13:17:31 e termo às 13:40:07, concretamente da rotação 11:30 à rotação 12:30. 6. A 3ª ré, à data de celebração dos mútuos com hipotecas em crise, era casada com o falecido FF – amigo de sempre dos “Leais” – pelo que mediante a utilização do mesmo critério de aquisição dos factos, ou seja, o recurso às inferências e presunções judiciais, é de concluir que a mencionada 3ª ré tivesse ou conhecimento, como o falecido marido tinha, ou a cognoscibilidade, de que o contrato de compra e venda titulado pela escritura de 18-12-2002 celebrada entre o 1º e 2º réus era viciado por simulação e não correspondia às vontades de vender e comprar. 7. Tais factos materiais conhecidos, que permitem inferir aquele referente ao conhecimento da 3ª ré, consistem, designadamente, no conhecimento pelo falecido marido da 3ª ré da discrepância entre o valor efectivo do imóvel e o declarado pela transmissão, da existência de credores do 1º réu, não somente pela falada relação de amizade, justificativa de alguns pagamentos de dívidas daquele, e empréstimos ao 1º réu, em termos de se inferir o conhecimento ou, quando menos, a cognoscibilidade da simulação demonstrada, como dito pelo distinto Tribunal na explicação da convicção que formou. 8. Mostrando-se irrelevante, nessa parte, a gratuita afirmação da testemunha empregada do escritório do falecido marido da 3ª ré de que esta sempre desconhecia os termos dos negócios do marido, gratuidade essa que a experiência comum, a lógica e o bom senso permitem extrair. 9. Como resulta do documento nº 1 cuja junção se pede com estas alegações – certidão judicial respeitante ao processo nº 4852/07.5TBPRD do Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2, o qual contém a petição inicial, comprovativos de citação do ora falecido FF e da ora sua viúva, a 3ª ré, e da contestação por estes apresentada nesses autos, e do nº 1-A o qual contém a sentença proferida no processo nº 4852/07.5TBPRD do Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2 pela mesma Julgadora dos presentes autos, demonstrativa do conhecimento dos factos por virtude do exercício das funções de magistrada, peças e actos processuais estes que permitem concluir que a 3ª ré, pelo menos desde Janeiro de 2008, tinha conhecimento de que a recorrente lhe imputava o conhecimento, ou a cognoscibilidade, de que o 1º réu não quis vender e o 2º réu não quis comprar o imóvel, como declarado na escritura de 18-12-2002, e assim mais de um ano antes de ter celebrado, em conjunto com o falecido marido, em 28-10-2009, a escritura de mútuo com hipoteca do mesmo prédio dito em G) com os 2ºs réus, factos estes dos quais a Mª Julgadora do Tribunal recorrido tem conhecimento pessoal em virtude do exercício das funções, o que tudo infirma o facto provado em LL) da decisão sobre a matéria de facto. 10. No caso, a Mª Julgadora ignorou estes factos relevantes para o mérito desta acção, no qual teve intervenção no exercício das suas funções, e não ordenou a junção de documento bastante que os comprove, incorrendo, pois, na nulidade apontada por violação do disposto nos artigos 411º e 412º nº2 do C.P.C. que se deixa expressamente arguido. 11. Ademais, a 3ª ré outorga a escritura de mútuo com hipoteca de 28-10- 2009 referente ao prédio dito em G) com o seu falecido marido, estando ambos presentes no cartório notarial, sendo certo que, nessa data, o seu marido FF, como é dito na página 13 da sentença, “… na medida da relação intercedente de amizade, a justificar até alguns pagamentos de dívidas daquele e empréstimos ao 1º réu..,” tinha o conhecimento ou, quando menos, a cognoscibilidade, da simulação demonstrada, o que permite concluir, de acordo com a experiência, a lógica e o bom senso que a 3ª ré tinha igual conhecimento ou cognoscibilidade. 12. A recorrente requer assim a alteração da matéria provada na alínea LL) dos factos provados e no ponto 9. dos factos não provados, no sentido exposto nas alegações, ou seja, que a 3ª ré sabia que o 1º réu não quis vender e o 2º réu não quis comprar o imóvel dito em G), como declarado na escritura de 18- 12-2002. 13. O facto não provado sob o número 1 da sentença deve ser alterado para provado, em face da confissão do 2º réu marido, CC, como consta da assentada exarada na Acta de 21-04-2021 de que “ … a transmissão foi sugerida pelo seu pai e pelo FF, marido da 3ª ré, como forma de eximir o prédio a responsabilidades do depoente, mormente as por ele assumidas na partilha com a ex-mulher e aqui autora”, conjugada com a explicação dada pelo Tribunal recorrido quanto à formação da sua convicção referente à apontada simulação do contrato de compra e venda exarado na escritura de 18-12-2002 onde é dito “ … no recurso às regras da experiência comum e a juízos de normalidade, a partir de dois factos indiciários determinantes: - o valor do imóvel à data daquela escritura, como alcançado a partir da perícia cujo relatório se mostra a fls. 45 e ss. dos autos, muito superior ao valor declarado como de aquisição (o que mais infirmando a razoabilidade de um negócio indirecto de constituição de garantia); - a manutenção, sem o pagamento de qualquer contrapartida e de forma absolutamente autónoma (para além de uma ou outra conduta pontuais atestadas junto de credores do estabelecimento pelo 2º réu, numa encenação enganosa para com estes) da exploração do estabelecimento comercial, restaurante, instalado no imóvel pelo 1º réu, como trazido a juízo pelos funcionários que nele trabalharam ao longo do tempo.”. 14. Em face desta concreta confissão do 2º réu, CC, conjugada com os factos indiciários determinantes para a convicção do julgador no que respeita ao vicio simulatório da escritura de compra e venda de 18-12- 2002, sendo certo que a 2ª ré mulher era casada e vivia com o 2º réu marido à data de todos esses factos, torna-se obvio que ela tinha que saber que a aquisição do imóvel dito em G) feita pelo seu marido e em tal escritura estava viciada, e que ele e o 1º réu nada tinham comprado e vendido, tratando-se de uma venda fictícia ou fantástica, razão pela qual a 2º ré mulher tinha que saber o motivo pelo qual o seu marido 2º réu tinha colocado no património de ambos um prédio que, afinal, continuava a pertencer ao irmão 1º réu, sabendo ela e tendo consentido ela que este irmão o continuasse a usar, gozar e fruir até ao momento em que tal compra e venda é declarada nula, ou seja, até 2022. 15. Estes factos consubstanciam, pois, factos indiciários fortes e suficientes para alterar o julgado nesta matéria, de acordo com regras da experiência, da lógica e do senso comum, achando-se, pois, presentes todos os factos materiais que permitem a ilação que se pode extrair deles para dar como provado o facto desconhecido de 1., nos termos definidos no artigo 349º do C.C. 16. Assim, deve julgar-se provado que a 2ª ré mulher tinha conhecimento do facto sob BB). 17. O facto não provado sob o número 3 da sentença deve ser alterado para provado em face da confissão integral e sem reserva, prestada por quem nele teve intervenção directa, os 1º e 2º réus, e constam das assentadas a que alude o artigo 463º do C.P.C. 18. Ocorre assim violação do preceituado no nº 1 do artigo 358º do C.C. na parte em que tais confissões aludem à escritura de compra e venda em que esses confitentes foram as únicas partes intervenientes, confissão essa que tem força probatória plena, o que leva a que a factualidade vertida no ponto 3. da sentença seja modificada no sentido acima exposto. 19. Os factos não provados sob os números 7., 8., 9., 10. e 11. da sentença devem ser alterados para provados, porquanto, se é certo que o falecido marido da 3ª ré tinha conhecimento da simulada compra e venda realizada pelos 1º e 2º réus, é possível inferir, por presunção judicial, que a 3ª ré, que com ele era casada e com ele vivia, também sabia do mencionado vicio de simulação do negócio entre o 1º réu e o 2º réu. 20. Ademais, é crível que, caso existissem negócios tão vultuosos – os dois empréstimos somam quase meio milhão de euros –, a 3ª ré estivesse ao corrente deles, tratando-se, como se trata, da afectação de substanciais meios financeiros, pertença comum do casal dela e seu falecido marido. 21. E, caso os putativos empréstimos, garantidos pelas hipotecas do imóvel dita em G) fossem reais, era exigível, em face das circunstâncias concretas do caso e pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, ou seja, a diligência relevante de um homem normal, médio, perante o circunstancialismo próprio do caso concreto, que tais mútuos fossem passiveis de ser demonstrados por recurso aos inerentes suportes documentais, designadamente, transferências, cheques ou outros meios de pagamento, devidamente comprovados por informação da instituição de crédito respectiva. 22. Em face das regras da experiência comum e das coisas, e como resulta dos autos: - a relação de amizade/proximidade apodada de “existencial” na sentença, entre o falecido marido da 3ª ré, os réus e o pai destes; - a realização entre eles de empréstimos e de transmissões de bens entre o pai dos 1º e 2º réus e o falecido marido da 3ª ré; - o conhecimento pelo falecido marido da 3ª ré, à data da constituição das hipotecas, da nulidade da compra e venda entre os 1º e 2º réus do prédio dito em G); - o acerto das “contas de outro rosário”, através da constituição das hipotecas sobre um prédio cuja venda era nula, admitido pelo Tribunal no seu raciocínio explicativo da convicção que formou, rosário esse relativo à propriedade de um estabelecimento hoteleiro do pai de ambos os 1º e 2º réus, transferido para o falecido marido da 3ª ré, tendo a Mª Julgadora citado para tanto o depoimento da companheira do pai dos 1º e 2º réus em juízo, GG; - os valores referidos nas hipotecas como mutuados não o foram nas ocasiões das escrituras; - a documentação corroborativa dos empréstimos apresentada pela 3ª ré, cujas formas de concretização/realização foram trazidos a juízo pela empregada do escritório do seu falecido marido, cujos valores, datas, locais e destino, para além da titulação, descaracteriza inteiramente os valores contidos nas escrituras de mútuo, referidos como tendo sido aqueles efectivamente mutuados, como declarado, dando prova efectiva e insofismável da falsidade das declarações de empréstimos feitas nessas escrituras. permitem concluir que as quantias exaradas nas escrituras de confissão de divida com hipoteca não foram afinal entregues pelo falecido marido da 3ª ré no que respeita ao mútuo de 2004 e pela 3ª ré e seu falecido marido quanto ao mútuo de 2009 e que tais mútuos não existiram. 23. Destarte, deve ter-se por provado que: -Pese embora o declarado nas escrituras assentes em Q) e R), certo é que o falecido marido da 3ª ré não quis emprestar, nem emprestou, e os 2ºs réus deles não quiseram receber, nem receberam, a referida quantia de 275.000,00 €, bem como os 2ºs réus não quiseram dar de hipoteca o prédio dito nos termos em que o declararam e o falecido marido da 3ª ré não quis aceitar a hipoteca nos termos em que o declarou. -Os 2ºs e 3ª ré e falecido marido bem sabiam que o prédio em apreço não pertencia aos 2ºs réus, mas sim ao 1º réu, sabendo da simulação da venda. -Por isso, todos os 2ºs e 3ª ré e falecido marido, com conhecimento, com a anuência e no interesse exclusivo do 1º réu, acordaram entre si em “criar” a aparência de dois ónus reais incidentes sobre o prédio identificado nas escrituras públicas de 14-1-2004 e 28.10.2009, citadas, por forma a dificultar o ressarcimento do crédito da autora, que todos eles conheciam. -Pois que os réus bem sabiam que nada mais ou pouco mais restaria no património do 1º réu susceptível de dar satisfação integral ao crédito da autora. 24. Importa aditar um facto provado à matéria de facto tida por provada, pois que, como advém da explicação dada pela distinta Julgadora na explanação dos motivos da sua convicção, ela adquiriu como certo que o FF, falecido marido da 3ª ré, tinha o conhecimento, ou pelo menos a cognoscibilidade, da simulação demonstrada quanto à escritura de compra e venda que o 1º réu e o 2º réu outorgaram em 18-12-2002. 25. Assim, revela-se essencial consignar, como facto provado, que o FF, falecido marido da 3ª ré, conhecia ou devia conhecer que o 1º réu não quis vender e o 2º réu comprar o imóvel, como declarado na escritura de 18-12-2002, até por que a 3ª ré intervém também nestes autos na qualidade de única herdeira do FF, o que se requer. 26. A escritura de 18-12-2002 de compra e venda, a escritura de mútuo com hipoteca de 14-1-2004 e a escritura de mútuo com hipoteca de 28-10-2009 são nulas em face do vicio de simulação absoluta de que padecem, pelo que o prédio dito em G) há-de retornar ao património do 1º réu, livre de tais simuladas hipotecas, a fim de ser devidamente liquidado em benefício dos credores do 1º réu, designadamente a aqui recorrente. 27. A declaração de nulidade, assim como a anulação do negócio, têm efeito retroactivo, pelo que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, como é regra geral sobre os seus efeitos prevista no artigo 289º do C.C., pelo que e atendendo a este preceito, uma vez reconhecida a simulação absoluta e declarada a nulidade dos negócios, todos os demais e posteriores negócios que dele advenham tombam em virtude do vício que afectou o primeiro. 28. Em face do provado resultante da impugnação da matéria de facto no sentido pugnado pela recorrente, designadamente de que, nos momentos das hipotecas, o falecido marido da 3ª ré, e a 3ª ré tinham conhecimento do vicio de que padecia o putativo direito dos 2ºs réus, ou seja, sabiam que a aquisição do prédio dito em G) estava ferida do vicio da simulação absoluta, permite concluir que a comprovada simulação nos putativos direitos emergentes das hipotecas (garantia real sobre o imóvel) é também causa da nulidade destas, razão pela qual o prédio retornará ao património do 1º réu, livre de tais simulados ónus ou encargos, a fim de ser devidamente liquidado em beneficio dos credores do 1º réu, designadamente a aqui recorrente. 29. A inoponibilidade da nulidade provinda do negócio de O) dos factos provados carece de ser invocada por quem dela beneficia, como advém deste artigo 291º do C.C., pelo que não é passível de ser conhecida ex-ofício pelo Tribunal. 30. Compulsada a contestação da 3ª ré, vê-se que esta não invocou tal excepção consistente nessa inoponibilidade da nulidade que advém da simulação absoluta que vicia o negócio de O) dos factos provados, pelo que, ao declarar a nulidade, por simulação, da compra e venda outorgada entre o 1º réu e os 2ºs réus, pela escritura pública de 18-12-2002, sobre o imóvel ali melhor caracterizado, sem prejuízo da inoponibilidade à 3ª ré dessa invalidade, nos termos e para os efeitos do artigo 291º do CC, quanto à constituição de hipoteca caracterizada sob as alíneas Q) e R) da matéria assente, e assim estabelecer a inoponibilidade da nulidade do negocio de O) dos factos provados aos negócios de Q) e R) todos dos factos provados, a sentença de recorrida conhece oficiosamente de matéria que não podia conhecer por não ser sido invocada, como defesa, pelo seu titular, a 3ª ré, em violação do disposto no nº2 do artigo 608º, o que é causal da nulidade a que alude a alínea d) do nº1 do artigo 615º, todos do C.P.C. 31. Acresce que, da defesa da 3ª ré vê-se que ela pugna pela validade do negócio de O) dos factos provados, dizendo que se trata de um contrato de compra e venda sem qualquer vicio, designadamente o da simulação, sendo, pois, contraditório alegar a inoponibilidade em apreço a qual pressupõe o reconhecimento da nulidade do contrato de compra e venda. 32. Sem prescindir, na hipótese de se entender que estes mútuos e hipotecas não enfermam do falado vicio da simulação, em face da nulidade que afecta o contrato de compra e venda outorgado em 18-12-2002, entre o 1º e 2º réus, relativamente ao prédio dito em G) que os 2ºs réus deram de hipoteca, caberia à 3ª ré, em face da pretensão da recorrente, terceira, opor a esta a limitação provinda do artigo 291º do C.C., para o que lhe competiria demonstrar (i) a boa-fé do interveniente no negocio que pretende sustentar, no caso a boa fé de FF na escritura de mutuo com hipoteca de 14- 1-2004, e a boa fé do FF e dela, 3ª ré, na escritura de 28-10- 2009, e que (ii) a acção foi proposta e registada para além dos três anos posteriores à conclusão dos negócios, sob pena de não lhe ser reconhecida tal excepção ao regime geral da nulidade, o que ela não fez. 33. Trata-se de saber se é legítimo estender os efeitos da declaração de nulidade por simulação do contrato de compra e venda celebrado entre o 1º réu BB e o 2º réu CC ao contrato de hipoteca de R) dos factos provados, em que interveio unicamente e como terceiro, o falecido marido da 3ª ré, e não esta. 34. Discordamos da sentença quando esta afirma que “… quanto à escritura de constituição de hipoteca de 14.01.2004, registado o direito respectivo em 01.06.2004, a ré, na qualidade de cônjuge meeira torna-se beneficiária da constituída hipoteca, mesmo que não tenha participado directamente na constituição da mesma (artigos 1724º e 1730º, nº 1 do CC), sendo que ali estando em causa um negócio oneroso, que não gratuito. Significa que na qualidade de cônjuge meeira não podia ter conhecimento, nem podia ter conhecimento com a diligência de um bom pai de família, do vício do negócio que deu origem à hipoteca. A ausência de culpa é crucial para a protecção do terceiro de boa fé.”. 35. Antes da partilha, o cônjuge meeiro não tem um direito de propriedade sobre concretos bens do património conjugal (os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão – artigo 1730º do C.C. citado na sentença, mas apenas um direito à meação nos bens comuns do casal, tal como o herdeiro não tem um direito real sobre bens concretos da herança, detendo apenas o direito a um quinhão hereditário, a uma quota-parte ideal da herança global em si mesma, pelo que não existe qualquer direito de propriedade do 3ª ré, como cônjuge meeira, sobre o dinheiro mutuado pelo seu falecido marido, sendo ela apenas titular de um direito sobre a comunhão conjugal no momento da sua dissolução, seja inter vivos, seja mortis causa. 36. A 3ª ré, como cônjuge meeira, não é beneficiária da hipoteca dita em R) dos factos provados, assim como não é credora dos 2ºs réus, porquanto o contrato de mútuo e o contrato de hipoteca foi celebrado exclusivamente entre estes 2ºs réus e o falecido marido da 3ª ré, pelo que, no momento próprio para a verificação da condição – a boa fé do terceiro – que é o da celebração dos convénios de Q) e R) dos factos provados, o terceiro quanto ao contrato de O) dos factos provados é unicamente o falecido marido da 3ª ré, cujo conhecimento do vicio simulatório é reconhecido na motivação da sentença. 37. Sobre o imóvel da descrição nº...54/19870203-..., incide o registo de aquisição, após a simulada venda do 1º réu para o 2º réu no estado de casado sob o regime da comunhão de adquiridos com a 2ª ré, como advém da inscrição – Ap....6 de 2002.12.20, e o registo de hipoteca voluntária em que é sujeito activo o FF e são sujeitos passivos os aqui 2ºs réus, como advém da inscrição ...1 de 2004/06/01 à dita descrição, sendo certo que, quanto ao registo da aquisição do prédio a favor do 2º réu no estado de casado em comunhão de adquiridos com a 2ª ré nenhuma dúvida se suscita acerca da sua manifesta nulidade, conforme foi sentenciado na douta sentença recorrida, mas também no que respeita ao registo da hipoteca a favor do FF, falecido marido da 3ª ré, é inquestionável o facto de a mesma ter sido constituída sobre um imóvel que, em face da nulidade da simulada venda do prédio dito em G), não estava no património dos putativos devedores à data da respectiva constituição, traduzindo-se numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva dos 2ºs réus. 38. Cabe à 3ª ré o ónus da prova do desconhecimento por parte do seu falecido marido (que não dela, porquanto ela não teve qualquer intervenção no negócio), sem culpa da simulação da venda do prédio dito em G) em 18-12- 2002, porquanto e quanto aos pontos das alíneas Q) e R), nas folhas 4 e 5 da sentença – repete-se - os 2ºs réus declararam confessar-se devedores ao FF, falecido marido da 3ª ré (e não à 3ª ré e seu falecido marido), da quantia em capital de 275000,00 €, proveniente de mútuo entre as partes celebrado, e assim declararam, pois, os 2ºs réus terem recebido, com a obrigação de restituir, ao FF, falecido marido da 3ª ré (e não à 3ª ré e seu falecido marido) a citada quantia de 275000,00 €, o que o FF, falecido marido da 3ª ré (e não à 3ª ré e seu falecido marido) declarou aceitar, acrescendo que ainda nessa escritura de 14-1-2004, os 2ºs réus declararam dar de hipoteca ao FF, falecido marido da 3ª ré (e não à 3ª ré e seu falecido marido), e para garantia da restituição da referida quantia de 275000,00 € e acréscimos, o prédio nela identificado, que é aquele descrito em G), o que o FF, falecido marido da 3ª ré (e não à 3ª ré e seu falecido marido) declarou aceitar. 39. A 3ª ré não teve qualquer intervenção no acto ou negócio – mútuo com hipoteca de 14-1-2004 – razão pela qual ela não é terceira para os efeitos da norma do artigo 291º do C.C., e assim não é exigível a verificação quanto a ela da boa-fé, mas sim e ao invés, é exigível a verificação desse pressuposto quanto ao FF, o falecido marido da 3ª ré., sendo certo que a 3ª ré intervém na acção por ter adquirido mortis causa o direito de crédito de Q) e a garantia de R) ambos dos factos provados. 40. A boa fé relevante para a economia do artigo 291º em causa haveria de verificar-se na pessoa do falecido marido da 3ª ré, e nunca nesta, porquanto esta intervém pela razão de ser única herdeira do FF. 41. Não tendo sido demonstrada a ignorância da simulação ou o desconhecimento desta sem culpa por parte do FF, e sendo irrelevante a prova da ignorância da simulação ou o desconhecimento desta sem culpa por parte da 3ª ré não interveniente no mutuo com hipoteca de 14- 1-2004, registado definitivamente na Conservatória do Registo Predial de Paredes pela Ap. ...1/20040601 da descrição predial nº ...54/030287-..., então a recorrente pode opor-lhe eficazmente a dita nulidade e quanto a essa concreta hipoteca. 42. E daí a procedência da apelação com a consequente revogação da sentença nesta parte, declarando-se extinta a hipoteca inscrita como exarado em R) dos factos provados. 43. Sem prescindir, vista a factualidade referida e interpretadas as normas em apreço, vê-se que a impugnação pauliana do artigo 610º do C.C. pode ter lugar não apenas quando o património do devedor não constitua universalidade com capacidade ou valor de mercado suficiente para pagar uma determinada dívida, mas também quando, apesar de tal universalidade ter essa suficiência, não tem o mesmo valor capaz de garantir o pagamento de todas as dívidas conhecidas por cujo pagamento o devedor é responsável. 44. A verificação deste requisito é suficiente e bastante que do acto – da dita escritura de R) dos factos provados - resulte a impossibilidade, para a autora, como credora, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade, como vem provado. 45. É ao interessado na manutenção do acto impugnado, a aqui 3ª ré, que compete a prova de que o património do devedor, aqui 1º réu, possuía, na data da celebração do acto impugnado, outros bens penhoráveis de igual ou maior valor que o montante da sua dívida para com a credora, como dito no artigo 611º do C.C., o que ela não logrou (nem alegou), sendo certo que à autora basta provar o montante, a existência e a anterioridade do seu próprio crédito, para que se possa presumir a impossibilidade da respectiva satisfação ou o seu agravamento, como é o caso. 46. Para os fins do disposto no artigo 612º do C.C., não é exigível a prova da intenção de prejudicar, ou do conhecimento da situação de insolvência do devedor, sendo suficiente o conhecimento do interessado na manutenção do acto impugnado de que este ocasiona dano ao credor, no caso à autora, pela diminuição da garantia patrimonial do seu crédito, o que se torna conciliável com o dolo, mas também com a negligência consciente, como é o caso, o que tudo conduz, em subsidiariedade, à procedência do pedido. O herdeiro habilitado da falecida terceira ré, recorrida, respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado. Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso[1] demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i. Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada. ii. Se a constituição da hipoteca por escritura de 14-01-2004 é nula. iii. Se o credor hipotecário estava de boa fé quando celebrou essa escritura. iv.Se a ré EE, na qualidade de cônjuge meeira do credor hipotecário, pode opor à nulidade da hipoteca o regime do artigo 291.º do Código Civil. v.Não sendo a constituição de hipoteca nula, se estão reunidos os requisitos da impugnação pauliana desse acto.
III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: (…) IV. Fundamentação de facto: Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos: A) A autora e o 1º réu contraíram, entre si, casamento canónico, em primeiras núpcias de ambos e sem precedência de convenção antenupcial, em 9-6-1991. B) O acima aludido casamento foi dissolvido por divórcio, proferido em 26-04-2002, pela Conservatória do Registo Civil de Paredes. C) Após a prolação da decisão que decretou o divórcio entre ambos, a autora [e] o 1º réu acordaram na partilha entre eles dos bens que relacionaram, de acordo com o contrato de partilha que outorgaram. D) Nos termos desse contrato, o 1º réu constituiu-se devedor da autora, a título de tornas, da quantia líquida de €224.459,00. E) Ainda nesse convénio, o 1º réu obrigou-se para com a autora ao pagamento da quantia mencionada no item antecedente, em dez prestações anuais, iguais e sucessivas de €22.445,91 cada, vencendo-se a primeira prestação em 31.12.2002. F) Obrigou-se ainda o 1º réu para com a autora ao pagamento de todo o passivo do casal que formou com a mesma autora, mormente daquele relacionado na relação de bens apresentada. G) E, como garantia do bom cumprimento das suas obrigações contratuais, o 1º réu obrigou-se a constituir hipoteca a favor da autora sobre o prédio designado como “Casa da ...”, que é o prédio misto, constituído por morada de casas térreas, sobradadas, telhadas, com eira, palheiro, espigueiro e cortinhas pegadas, e terreno junto, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Paredes, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...00, e na respectiva matriz predial rústica sob os artigos rústicos ...21 e ...23, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ...54/030287- .... H) Por último, a autora e o 1º réu convencionaram a cláusula penal de metade do valor das referidas tornas, ou seja, €112.229,50, para o caso de incumprimento, ou mesmo simples mora, total ou parcial, no cumprimento dos convénios acordados. I) A autora remeteu ao 1º réu uma carta, que este recebeu, avisando-o de que estava designado o dia 25-9-2002, pelas 16 horas, no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, para a outorga da escritura de hipoteca pela qual o 1º réu iria hipotecar a favor da autora e para garantia do pagamento das citadas tornas no valor de €224.459,00, o prédio descrito em G). J) O 1º réu não compareceu no 1º Cartório Notarial de Gaia no dia e hora referidos. K) A autora enviou ao 1º réu uma carta datada de 8-1-2003, que este recebeu, comunicando-lhe que considerava vencidas as demais prestações em virtude de o 1º réu não ter efectuado o pagamento da prestação vencida em 31-12- 2002. L) Em 25-2-2003, a autora intentou contra o 1º réu uma acção judicial registada sob o nº 1452/03.2 TBPRD do 1º Juízo Cível deste Tribunal, na qual, entre o mais, peticionou a condenação do 1º réu no pagamento à autora da quantia de €224.459,00 relativa às tornas vencidas, e ainda da quantia de €112.229,50 relativa à citada cláusula penal. M) Por sentença proferida nos autos referidos na alínea que antecede, já transitada em julgado, o 1º réu foi condenado, entre o mais, no pagamento à autora da quantia global de €336.688,50, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, decisão esta proferida em 4-5-2007, dela tendo sido o 1º réu devidamente notificado. N) O crédito da autora logrou pagamento parcial na execução que corre termos sob o n.º 2274/16.6T8LOU, no Juízo de Execução de Lousada, J2, tendo-lhe sido entregue/satisfeita/transferida já a quantia de € 138.884,64. O) Por escritura pública datada de 18-12-2002, lavrada a fls. 82 do Livro ... do Cartório Notarial de Paços de Ferreira, o 1º réu declarou vender ao 2º réu marido, que declarou comprar, pelo preço de cem mil euros, já pago, o prédio descrito sob a alínea G). P) O 1º réu e o 2º R. marido são irmãos. Q) Por escritura pública de 14-1-2004, lavrada a fls. 93 do Livro ... do Cartório Notarial de Paços de Ferreira, os 2ºs réus declararam confessar-se devedores ao falecido marido da 3ª ré, FF, da quantia em capital de €275.000,00, acrescida de juros à taxa anual de 4%, acrescido de 3% em caso de mora, e no montante máximo de €332.750,00, proveniente de mútuo entre as partes celebrado. Declararam, pois, os 2ºs réus terem recebido, com a obrigação de restituir, daquele FF a citada quantia de €275.000,00, o que aquele declarou aceitar. R) De igual forma e nessa escritura de 14-1-2004, os 2ºs réus declararam dar de hipoteca e para garantia da restituição da referida quantia de €275.000,00 e acréscimos, o prédio nela identificado, que é aquele descrito em G), o que o falecido marido da 3ª ré declarou aceitar. S) Por escritura pública de 28/10/2009, lavrada a fls. 53 do livro ... do Cartório Notarial de Vila do Conde, a cargo da Notária II, os 2ºs réus declararam confessar-se devedores da 3ª ré e falecido marido, casados no regime da comunhão de adquiridos, da quantia em capital de cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros, sem vencimento de juro, e em prazo até 31/01/2010, proveniente de alegado mútuo celebrado entre essas partes. Declararam, pois, os 2ºs réus terem recebido, com obrigação de restituir à 3ª ré e falecido marido a citada quantia de cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros, o que a 3ª ré e falecido marido declararam aceitar. T) Nessa mesma escritura, os 2ºs réus declararam dar de hipoteca à 3ª ré e falecido marido e para garantia da restituição daquela quantia de cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros, o prédio nela identificado. U) A 3ª ré e falecido marido instauraram, usando como títulos executivos as escrituras assentes em Q) e S), contra os 2ºs réus execução nº 1706/15.5T8PRT do Juízo de Execução do Porto-J1 que corre ainda termos, onde lograram obter a penhora sobre o prédio identificado em G). V) O acto consubstanciado na escritura de 18-12-2002 está registado definitivamente na Conservatória do Registo Predial de Paredes pela Ap....6 de 2002/12/20 da descrição predial nº ...54/030287-.... W) O acto consubstanciado na escritura de 14-1-2004 está registado definitivamente na Conservatória do Registo Predial de Paredes pela Ap. ...1/20040601 da descrição predial nº ...54/030287-.... X) O acto consubstanciado na escritura de 28-10-2009 está registado definitivamente na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a Ap....7 de 2009/11/01 da descrição predial nº ...54/030287, freguesia ..., Paredes. Y) O acto consubstanciado na penhora realizada no âmbito do processo nº 1706/15.5T8PRT do Juízo de Execução do Porto- J1 está registada na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a Ap....79 de 2015/02/10 da descrição predial nº ...54/030287, freguesia ..., Paredes. Z) À data de 18-12-2002, o prédio descrito em G) tinha um valor real e corrente superior a €400.000,00, de cerca de €591.528. AA) Contrariamente ao declarado na escritura assente em O)[2], o 1º réu marido não quis vender ao 2º R. marido o prédio identificado na mesma escritura, e o 2º réu marido não quis comprar ao 1º réu o mesmo prédio. BB) Antes dessa escritura, ao menos o 2º réu marido tinha perfeito conhecimento de que, em resultado do contrato de partilha já mencionado, o 1º réu marido se tinha constituído devedor da autora da citada quantia de €224.459,00 a título de tornas. CC) O 1º réu e o 2º réu marido acordaram entre si subtrair o prédio identificado na escritura pública de 18-12-2002 citada ao património do 1º réu e integrá-lo no património dos 2ºs réus, com o intuito de evitar a penhora do imóvel pelos credores do 1º réu, aqui incluída a autora. CC')A escritura referida em O) foi outorgada pelo 1.º e pelo 2.º réu com o intuito enganar a autora e evitar que esta viesse a obter a satisfação do seu crédito através daquele mesmo prédio. DD) Os 2ºs réus não pagaram qualquer preço ao 1º réu marido, como contrapartida da aquisição consubstanciada na escritura de 18-12-2002, nomeadamente o preço declarado de €100.000,00. EE) Os 2ºs réus nada recebem pela ocupação do prédio que adquiriram pela escritura de 18-12-2002 citada, ocupação essa traduzida na exploração comercial de um estabelecimento comercial designado por “Quinta ...”. FF) O dito estabelecimento comercial, que se manteve-se o mesmo, com todo o seu equipamento até hoje, é gerido efectivamente pelo 1º réu, o qual faz suas as receitas do mesmo estabelecimento, e paga as despesas inerentes à sua exploração. GG) Desde o divórcio de autora e 1º réu e não obstante a escritura de 18-12-2002, é o 1º réu quem, directa ou indirectamente, usa, goza e frui do prédio mencionado nessa escritura. HH) O 2º réu marido tinha também a perfeita consciência de que a transmissão consubstanciada na escritura de 18-12-2002 prejudicava a autora e teve intenção de a prejudicar; para além de outros credores, pois que o 1º réu e o 2º réu marido bem sabiam que nada mais restava no património do 1º réu susceptível de dar satisfação integral ao crédito da autora, como de outros credores. II) O marido da 3ª ré era amigo do pai dos 1º e 2º réus, como destes também. II’) E nessa qualidade tomou conhecimento dos factos referidos em AA), CC) e CC'), ainda antes do facto referido em Q) e R). JJ) À data das escrituras assentes em Q) e S), e mesmo antes, o marido da 3ª ré teve/tinha conhecimento de que a autora tinha intentado a acção judicial registada sob o nº 1452/03.2TBPRD já acima melhor identificada e qual o objecto dessa acção. Também o tinham os 2ºs réus. KK) Ao menos à data da escritura referida em S), 28.10.2009, a terceira ré tinha conhecimento de que a autora tinha intentado a acção judicial registada sob o nº 1452/03.2TBPRD já acima melhor identificada, e qual o objecto dessa acção, bem assim sabendo que a autora assacava ao negócio referido em O) a nulidade por simulação, tendo proposto àquela data outra acção com vista à respectiva anulação, para os termos da qual aquela 3ª ré foi citada em 09.01.2008. LL) Ao menos a 3ª ré desconhecia e à data de ambas as escrituras assentes em Q) e S) que o 1º réu não quis vender e o 2º réu comprar o imóvel, como declarado na escritura de 18-12-2002. MM) Ao menos os 2ºs réus bem sabiam que o prédio em apreço não lhes pertencia, mas sim ao 1º réu, sabendo da simulação da venda. NN) A acção tendente à anulação por simulação do negócio descrito em O), como da escritura referida em Q), deu entrada em juízo em 17.12.2007 [subsequentemente, ali deduzida ampliação do pedido à anulação consequencial daquela sob S)], correu termos contra os aqui e ali réus sob o número 4852/07.5T8PRD, nesta Instância Central, J2, foi apresentada a registo no dia 04.11.2009, sendo-o a ampliação do pedido por apresentação de 18.06.2015. Estes registos foram cancelados por caducidade em 13.11.2018. OO) A instância referida na alínea que antecede foi julgada extinta por deserção por decisão de 08.07.2015. PP) A presente acção deu entrada em 16.02.2019 foi apresentada ao registo predial em 18.02.2019.
V. Matéria de Direito: A. da simulação dos actos jurídicos celebrados pela escritura pública de 14-01-2004: Antes de entrar na análise das questões jurídicas suscitadas, convém precisar o objecto do recurso. Como vimos, a autora pediu a declaração da nulidade de três actos jurídicos distintos: a) a compra e venda de um imóvel celebrada em 18-12-2002 entre o ré BB e o réu CC; b) a confissão de dívida e constituição de hipoteca sobre esse imóvel celebrada em 14-01-2004 entre os réus CC e DD e o falecido FF; c) a confissão de dívida e constituição de hipoteca sobre esse imóvel celebrada em 28-10-2009 entre os réus CC e DD e a ré EE e o falecido marido, FF. A autora atribui essa invalidade ao vício da simulação absoluta. Subsidiariamente, a autora requer a declaração da ineficácia desses actos em relação assim ao abrigo do instituto da impugnação pauliana. Na sentença recorrida, foi declarada a nulidade, por simulação, apenas da compra e venda celebrada em 18-12-2002 (a), ou seja, não foi declarada a nulidade por simulação dos demais actos jurídicos, mais especificamente das duas confissões de dívida e constituição de hipoteca (b e c). Na sentença recorrida, foi ainda declarada a invalidade da constituição de hipoteca celebrada em 28-10-2009 (c) por arrastamento da invalidade da transmissão do bem imóvel para a pessoa que sobre ele constituiu a hipoteca. Mas foi decidido que a constituição da hipoteca celebrada em 14-01-2004 (b) não é afectada pela invalidade da aquisição do imóvel pela pessoa que constituiu a hipoteca, por essa invalidade não ser oponível à ré EE nos termos do artigo 291º do Código Civil. Na parte em que a sentença é favorável à autora, ela transitou em julgado por falta de recurso dos réus. É favorável à autora a declaração da nulidade, por simulação, da compra e venda (a), mas também a declaração da invalidade da constituição da hipoteca de 28-10-2009 (c) ainda que não propriamente por se tratar de um acto simulado, mas por falta de legitimidade substantiva da pessoa que constituiu a hipoteca, subsequente à invalidade da aquisição do imóvel. Por isso, se bem vimos, o que resta apreciar e constitui objecto do recurso é apenas o acto jurídico da constituição da hipoteca celebrada em 14-01-2004 (b), rectius, se esse acto jurídico é nulo por simulação ou, não o sendo, se a nulidade, por simulação, da transmissão do imóvel para a pessoa que constituiu a hipoteca, conduz à invalidade da constituição da hipoteca ou aquela é inoponível ao titular da hipoteca nos termos do artigo 291º do Código Civil. Subsidiariamente, coloca-se a questão da impugnação pauliana deste acto jurídico. Estão demonstrados os factos relativos a esses actos jurídicos que integram os pressupostos da simulação? Seguramente não. A simulação é uma das formas jurídicas de divergência intencional entre a declaração e a vontade que consiste numa divergência bilateral entre a vontade e a declaração, pactuada entre as partes com a intenção de enganar terceiros. Na simulação as partes acordam entre si emitir uma declaração negocial com um conteúdo que não corresponde nem expressa a sua real vontade com o intuito de enganar terceiros (cf. Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, pág. 682). Nos termos do artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil, «se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado». Desta definição resulta que os elementos constitutivos do negócio simulado são, cumulativamente, três: a) o acordo entre as partes com o fim de criar uma falsa aparência de negócio (o chamado acordo simulatório); b) a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, isto é, entre a aparência criada (negócio exteriorizado) e a realidade negocial (negócio realmente celebrado); c) o intuito de enganar terceiros. A simulação pressupõe a existência de uma divergência entre a aparência e a realidade: celebrou-se um negócio jurídico mas queria celebrar-se outro diferente ou nenhum, emitiu-se uma declaração de vontade correspondente a um efeito jurídico mas a vontade real era não emitir qualquer declaração negocial ou emitir outra declaração geradora de efeitos jurídicos diversos. A divergência pressupõe uma de duas coisas: que apesar do que declarou o declarante nada quis, ou que quis algo mas a sua vontade é diferente do que declarou. A divergência entre a vontade declarada e a vontade real consiste em as partes terem proferido no negócio uma determinada declaração de vontade e ser outra diferente – simulação relativa – ou não ser nenhuma – simulação absoluta – a sua vontade efectivamente assumida, havendo assim uma divergência entre a aparência negocial criada e a realidade das declarações de vontade. A intenção de enganar terceiros (animus decipiendi) não se confunde com a intenção de prejudicar terceiros (animus nocendi). Quando não houver intenção de prejudicar, a simulação designa-se por inocente; quando houver intuito de enganar e prejudicar, é designada por simulação fraudulenta. Essencial à existência de simulação é tão só que haja a intenção de criar nos terceiros a convicção errónea do negócio jurídico, de que ele emerge de um determinado acordo de vontades, ainda que esse erro possa não lhes causar qualquer prejuízo. O pacto simulatório é um acordo, um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, a exteriorização de um negócio inexistente ou falso e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. Não resulta de qualquer ponto da fundamentação de facto o preenchimento de qualquer destes requisitos. Não resultou provado que o outorgante que se confessou devedor sabia que não era devedor e não quis declarar-se devedor nem que o outorgante que constituiu a hipoteca não quis constituir a hipoteca; nem que a escritura tenha sido celebrada por acordo dos intervenientes com o objectivo de criar a falsa aparência de que esses actos jurídicos eram reais, traduziam a vontade real dos intervenientes; nem, por fim, que tudo não tenha passado de um embuste destinado a enganar e prejudicar a autora para a impedir de executar o imóvel e obter a satisfação do seu crédito. Está, pois, sem necessidade de mais justificações, excluída a demonstração de que esses actos são nulos por simulação. Porém, uma vez que já está decidido com força de caso julgado que o contrato de compra e venda celebrado em 18-12-2002 é nulo por simulação, importa apurar as consequências da invalidade desse contrato através do qual se transmitiu o imóvel para o simulado adquirente, no que respeita à posterior constituição por este de hipoteca sobre o imóvel a favor de terceiro. A simulação gera a nulidade do contrato (artigo 240.º, n.º 2, do Código Civil). A declaração de nulidade de um contrato tem efeito retroactivo (artigo 289.º do Código Civil), tudo se passando, pois, como se o contrato não tivesse produzido quaisquer efeitos desde o início. Por conseguinte, a cadeia de transmissões posteriores ao acto anulo fica afectada pela ilegitimidade do transmitente que adquiriu o direito por negócio simulado. Tudo se passa como se este não tivesse adquirido o direito posteriormente transmitido e, consequentemente, ele deixa de ter o poder de disposição do direito que lhe permitia celebrar validamente actos de disposição ou oneração desse direito. Como se escreve no comentário ao artigo 289.º do Código Civil in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Coord. Brandão Proença, página 123, a propósito dos efeitos retroactivos da invalidade em relação a terceiros, «segundo a doutrina, e conforme pressupõe o artigo 289.º, a retroactividade da declaração de nulidade ou da anulação, em regra, opera tanto em relação às partes como em confronto de terceiros, isto é, tomando como paradigma um contrato de compra e venda declarado nulo ou anulado, a invalidade produz os seus efeitos não só entre as partes, através dos deveres de restituição recíprocos, mas também em relação ao terceiro a quem o primeiro comprador transmitiu o mesmo bem. Assim, se A vendeu a B, através de negócio nulo ou anulável e se B, por sua vez, antes da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido, vendeu ou doou a C, C é sujeito passivo da obrigação de restituir a coisa ao primeiro vendedor, verdadeiro proprietário do bem. Trata-se da situação que a doutrina designa por invalidade derivada ou invalidade em cadeia. Sendo nulo o primeiro negócio, também o será o segundo, em virtude de se tratar de uma venda ou de uma doação de bens alheios. Na hipótese de anulabilidade do primeiro negócio, sendo este anulado, também o segundo passará a ser, por força da destruição retroactiva dos efeitos do negócio anulável, uma alienação de bens alheios, estando o terceiro obrigado a restituir o bem ao verdadeiro proprietário.» A hipoteca é um direito real de garantia (artigo 686.º do Código Civil). Nos termos do artigo 715.º do Código Civil só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respectivos bens. Esta norma equipara a constituição da hipoteca à alienação da coisa, o que significa que se aplicam à hipoteca de coisa alheia as mesmas regra da venda de coisa alheia do artigo 892.º do Código Civil. Se a hipoteca foi constituída sobre uma coisa alheia, uma coisa que no momento pertence a outrem, sem que o devedor tenha o poder de disposição sobre ela, a constituição da hipoteca é nula por falta de legitimidade do devedor, sem prejuízo naturalmente do poder de convalidação nos termos do artigo 895.º do Código Civil. Assim, declarado nulo o contrato de compra e venda através do qual o imóvel foi transmitido para a pessoa que depois, na qualidade de devedor, constituiu hipoteca sobre o imóvel, para garantia de uma dívida, a hipoteca é igualmente nula por falta de legitimidade do devedor. Com isso somos levados a perguntar se tem aplicação o regime dos artigos 243.º e 291.º do Código Civil e se por efeito desse regime a nulidade é inoponível ao credor que recebeu a garantia hipotecária. Estes preceitos estabelecem situações de inoponibilidade dos efeitos da nulidade em relação aos chamados terceiros de boa fé. Os terceiros para efeitos de boa fé são todos aqueles que inserindo-se numa e mesma cadeia de transmissões vêm o seu direito afectado por uma ou mais invalidades anteriores ao acto em que intervieram. Para poder ser considerado detentor dessa qualidade, o interessado necessita de se encontrar numa e mesma cadeia de transmissões a partir do acto viciado e necessita ainda de estar numa situação em que o seu direito apenas é afectado pela invalidade de um acto anterior dessa cadeia de transmissões, isto é, é necessário que o acto em que intervém não possua qualquer causa de invalidade própria, qualquer causa de invalidade que não seja apenas a que decorre reflexamente da invalidade do acto anterior e da subsequente falta de legitimidade do transmitente. Estes preceitos tutelam o terceiro de boa fé. Mas para o efeito definem o que é a boa fé por referência a um estado subjectivo, o estar ou não munido de um determinado conhecimento. Para o artigo 243.º «a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos», para o artigo 291.º «é considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável». Logo, para que a sua posição possa ser tutelada e evitar os efeitos da nulidade do acto em que não interveio, o terceiro necessita de desconhecer o vício do negócio anterior àquele em que intervém que gera a respectiva nulidade, seja ele a simulação (artigo 243.º do Código Civil, quando arguida pelo simulador) ou qualquer outro (artigo 291.º do Código Civil, nos demais casos). No caso está em causa, como referido, a constituição de hipoteca celebrada através da escritura pública de 14-01-2004 (e não propriamente a celebração do mútuo garantido pela hipoteca porque este é apenas um contrato obrigacional inter partes que não tem por objecto o imóvel). A boa fé do terceiro, que pode permitir-lhe prevalecer-se da tutela do artigo 243.º ou do artigo 292.º do Código Civil, é o desconhecimento da simulação do negócio de aquisição do imóvel pela pessoa que depois constituiu a hipoteca em benefício do terceiro credor. Sucede que quem interveio nessa escritura de constituição da hipoteca foi apenas o FF, ou seja, não interveio em tal escritura a mulher e aqui ré EE. Logo, independentemente da comunicabilidade ou não desse direito real de garantia ao cônjuge do réu que na pendência do casamento celebrou o negócio jurídico de constituição da hipoteca, a boa fé que releva só pode ser a boa fé do réu FF já que foi ele e apenas ele a intervir na escritura. A comunicabilidade do direito adquirido por um dos cônjuges é somente um efeito do regime de bens a que se encontra sujeito o casamento. A comunicabilidade significa que o direito adquirido por um dos cônjuges se torna um direito comum, integra o património comum dos cônjuges, o outro cônjuge torna-se igualmente titular (nos termos em que isso se caracteriza no âmbito de um casamento) desse direito. A comunicabilidade seguramente não converte o outro cônjuge em parte no contrato de aquisição em que não interveio, apenas empresta ao bem ou direito adquirido por outro cônjuge a natureza de bem ou direito comum. Por isso mesmo, a comunicabilidade não obsta a que o preenchimento dos requisitos de validade do acto de aquisição do bem ou direito tenha de ser satisfeito pelo cônjuge que realizou esse acto de aquisição ou por referência a ele. Acresce que no caso não foi alegado nem demonstrado o regime de bens a que se encontrava sujeito o casamento entre os réus EE e FF, pelo que nem sequer é possível afirmar que o direito de hipoteca adquirido em 14-01-2004 se comunicou à ré EE na medida em que isso pode ocorrer se o regime de bens for a comunhão geral e, em determinadas situações, também se for a comunhão de adquiridos (mesmo assim seria necessário conferir se o dinheiro mutuado para garantia de cujo reembolso a hipoteca foi constituída era um bem comum ou um bem próprio), mas já não ocorre se o regime de bens for o da separação de bens. Ora, provou-se que, antes da celebração da escritura pública em causa, o FF já conhecia que, ao contrário do que declararam na escritura de compra e venda que outorgaram no final de 2002, o réu BB não quis vender e o réu CC não quis comprar o imóvel, tendo ambos acordado retirar o imóvel da titularidade daquele e colocá-lo sob a titularidade deste com o intuito de evitar a penhora do imóvel pelos credores do suposto alienante e enganar a autora, evitando que pudesse obter a satisfação do seu crédito através do imóvel. Por outras palavras, o FF não é um terceiro de boa fé e por isso mesmo não pode invocar em seu benefício o disposto nos artigos 243.º e 291.º do Código Civil. Tal como não a podem invocar os respectivos sucessores mortis causa porque estes estão na posição do de cujus. E também não pode a viúva e cônjuge meeira daquele réu porque ela apenas beneficia da comunicabilidade da hipoteca e, não sendo parte no contrato de constituição da garantia, apenas pode prevalecer-se dos elementos subjectivos da validade desse contrato que se relacionem com o único membro do casal que interveio no contrato, o marido. Refira-se ainda que o artigo 291.º do Código Civil só protege o terceiro que tenha adquirido direitos sobre o bem imóvel a título oneroso, estando excluídos da tutela do preceito os terceiros que ainda que de boa fé tenham adquirido esses direitos a título gratuito. A decisão recorrida e as partes pressupuseram que, no caso, a hipoteca é um negócio oneroso. Todavia, não existe nada na matéria de facto que traduza onerosidade na constituição da hipoteca, ou seja, que a mesma tenha sido constituída mediante uma contrapartida, sendo certo que ela pode ser onerosa ou gratuita. Na escritura pública de mútuo, rectius de confissão de dívida com origem em mútuo, e hipoteca, não existe qualquer declaração de vontade que exprima, por exemplo, que a hipoteca foi condição da celebração do mútuo ou foi constituída mediante qualquer outra contrapartida. A prova produzida, inclusivamente, indicia que o mútuo garantido não foi constituído nessa data, mas em datas anteriores e mediante sucessivos valores parcelares que finalizariam o valor da dívida confessada, o que levaria a considerar a hipoteca afinal um acto gratuito. Pelo exposto, há que concluir que a nulidade da compra e venda do imóvel arrasta consigo a nulidade da hipoteca constituída sobre o imóvel pelo adquirente simulado e que o titular da hipoteca não pode opor-se àquela nulidade invocando, ao abrigo do disposto nos artigos 243.º e/ou 291.º do Código Civil, ter adquirido, a título oneroso, e de boa fé, o direito de hipoteca. Nessa medida também nesta parte procede a acção e procede o recurso.
B. Da impugnação pauliana: A impugnação do acto de constituição da hipoteca ao abrigo do instituto da impugnação pauliana foi deduzida a título subsidiário, para a hipótese de não lograr obter a ineficácia desse acto em relação a si, por via da nulidade por simulação. Assim, o conhecimento deste pedido está prejudicado porque o pedido principal procedeu na medida suficiente para assegurar essa ineficácia.
VI. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida, do seguinte modo: - julgam agora, por invalidade derivada da nulidade por simulação da compra e venda outorgada em 18-12-2002, igualmente nula a constituição de hipoteca pelos réus CC e DD através da escritura de 14-01-2004. - ordenam o cancelamento das inscrições prediais dos actos declarados nulos (Ap....6 de 2002/12/20, Ap. ...1 de 2004/06/01, Ap....7 de 2009/11/01 sobre a descrição predial nº ...54/030287- ... da Conservatória do Registo Predial de Paredes). Custas do recurso pela recorrida por a recorrente retirar aproveitamento total da decisão, sendo que, como a recorrente beneficia de apoio judiciário, as custas de parte a pagar pelo vencido reverterão a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. *
Porto, 13 de Novembro de 2025.
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Os Juízes Desembargadores Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 915) 1.º Adjunto: Francisca Micaela da Mota Vieira 2.º Adjunto: Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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