Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1376/20.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: EMPREITADA DE CONSUMO
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP202206301376/20.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de empreitada de construção de uma moradia celebrado entre um empresário da construção civil e um consumidor é regulado pelo Dec. Lei nº 67/03, de 8-4, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 84/08, de 21-5, com recurso subsidiário às disposições do Código Civil sobre o contrato de empreitada.
II - No que respeita ao exercício dos direitos por parte do consumidor, no âmbito da empreitada de consumo, se se tratar de bem imóvel, a lei contempla 3 (três) tipos de prazo:
i) - O prazo de denúncia dos defeitos é de 1 (um) ano, a contar da data em que tiver sido detetado o defeito (cfr. art. 1225º, n.º 2 do CC e art. 5º-A, n.º 2 do DL n.º 67/2003).
ii) - O prazo de exercício judicial do direito é de 3 (três) anos, a contar da denúncia (atempada) dos defeitos (cfr. art. 5º-A, n.º 3 do referido DL n.º 67/2003).
iii) - O prazo da garantia legal de conformidade é de 5 (cinco) anos a contar da entrega do imóvel (cfr. art. 1225º, n.º 1 do Código Civil e art. 5º, n.º 1 do DL n.º 67/2003).
III - O dono da obra que pretende denunciar os defeitos e, simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência de defeitos, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas partes se exceder aquele.
IV - Verificando-se que o verniz, bem como as tintas aplicadas nas madeiras das janelas/caixilharias exteriores, dos quartos, no acesso à varanda do piso superior do lado da biblioteca e na zona entre a garagem e o ginásio da habitação descascaram, afigura-se-mos que padece a obra da “falta de conformidade” do art. 2.º do DL 67/2003 e do “defeito” da lei geral (art. 1208.º e 1218.º/1 do Código Civil), impondo-se a sua reparação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2022:1376/20.9T8PNF.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, contra M..., Lda, com sede no ..., Lote ..., ..., onde concluiu pedindo:
a) seja a Ré condenada a executar as obras necessárias a corrigir, reparar e realizar trabalhos de manutenção da caixilharia que colocou na habitação da Autora, nos termos descritos em 13.º da petição inicial;
b) após a fixação de um prazo judicial para realização das obras, que não deverá ser superior a 30 (trinta) dias, no caso da Ré não as executar nesse prazo, deverá ser condenada numa sanção pecuniária compulsória, à razão de € 100,00, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil.
Alegou, em síntese, que em 19 de Agosto de 2016 adquiriu uma habitação com dois pisos, sita na Rua ..., ... e ..., Penafiel.
Acrescentou, que o anterior proprietário da referida habitação, em 12 de Julho de 2011 negociou com a Ré a colocação de portas e janelas de madeira na habitação, tendo esta prestado uma garantia de qualidade dos caixilhos, bem como de quaisquer defeitos de materiais, na permeabilidade dos caixilhos, empeno, vidro, ferragens, vedantes e outros materiais que naqueles incorpore por um período de 10 (dez) anos.
Sucede que volvidos alguns anos veio a verificar-se que os trabalhos executados pela Ré começaram a apresentar defeitos e incorrecções, não tendo a Ré procedido às suas reparações.
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Citada, a Ré apresentou contestação, na qual arguiu a ilegitimidade da Autora, a caducidade do direito que a Autora pretende exercer na acção e impugnou os factos alegados pela Autora.
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Notificada, a Autora respondeu às excepções arguidas, onde concluiu pedindo a sua improcedência.
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Foi elaborado despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, e relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
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Por sentença proferida a 10.01.2022, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção de caducidade, absolvendo a Ré do pedido formulado.
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Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente AA, veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I.Salvo o devido respeito por opinião contrária, é inequívoco que a decisão enferma de vícios e erro de julgamento, fazendo incorreta valoração dos meios de prova, errada aplicação da lei e orientações jurisprudenciais;

II. Como foi consignado no petitório, na ação que a Autora intentou contra a Ré, no processo n.º 2625/19.1T8PNF, que correu termos na mesma secção civil que a presente ação, esta veio a ser absolvida da instância por ineptidão da petição inicial;

III. A presente ação foi assim proposta ao abrigo do artigo 279º do CPC, pelo que ao repristinar-se a ação que a Ré veio a ser absolvida da instância, resulta que tal ação foi intentada em 24/09/2019 e a Ré foi citada em 27/09/2019, devendo aproveitar-se tais prazos na presente lide.

IV. Por se impugnar matéria de facto, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 640º do C. P. Civil, indicam-se os pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os meios de prova que impõe decisão diversa:
c) Os defeitos foram denunciados pela Autora à Ré por correio eletrónico em 12 de outubro de 2017;
g) Dois meses antes da data de 12 de outubro de 2017, a Autora já havia comunicado os defeitos à Ré, duas ou três vezes, por telefone;
h) A Ré reconheceu e comprometeu-se a reparar os mencionados defeitos (artigo 5.º do articulado apresentado pela Autora em 30.09.2020);
i) Tendo ficado combinado que a Ré procederia à reparação dos mesmos a partir de meados de março de 2018 (artigo 6.º do articulado apresentado pela Autora em 30.09.2020).

V. Ora, ao conjugar-se o teor da comunicação eletrónica que a testemunha BB remeteu para a Ré, em 12 de outubro de 2017, a posição que a Ré verteu no seu articulado, com o depoimento desta testemunha e a testemunha CC, impunha-se dar uma resposta diferente à suprarreferida matéria e facto.

VI. O depoimento da testemunha BB está sustentado pelo teor da própria comunicação eletrónica, uma vez que não é credível nem faz qualquer sentido se referir que se anexa 13 (treze) fotos apenas para dar as dimensões de um vidro que seria substituído.

VII. Esta testemunha antes dessa comunicação tinha já falado com a D. DD, verbalizando-lhe os defeitos que descortinou na empreitada e por isso esta lhe pediu que lhe remetesse fotografias que se visualizasse tais defeitos.

VIII. Tudo isto é reforçado com o facto dos colaboradores da Ré se terem deslocado à habitação da Autora para substituírem o vidro e procederem a afinações na caixilharia, uma vez que, como concluiu o Tribunal apelado, os defeitos apontados são conhecidos em data anterior a outubro de 2017, sendo tal deslocação ulterior a essa data, inexiste margem para quaisquer dúvidas que tais colaboradores tiveram necessariamente que verificar in loco os defeitos elencados no ponto 6. da matéria provada.

IX. Assim, para além do depoimento do BB ser coerente e verosímil na sua globalidade, o mesmo não sucedendo com o depoimento interessado e ilógico da funcionária da Ré, está sustentado na comunicação eletrónica e no normal do acontecer, designadamente que os funcionários da Ré teriam que ter visionado os defeitos que a obra patenteava, já que os defeitos são anteriores à deslocação destes.

X. Por fim, deve ainda ter-se em consideração o facto relatado pela testemunha CC, de que estes funcionários procederam a reparações, nomeadamente afinações na caixilharia, o que inculca o reconhecimento por parte da Ré da existência de defeitos, o que é equivalente à denúncia, nos termos do n.º 2 do artigo 1220º do C. Civil.

XI. Sendo certo que a testemunha BB por não ter o dom da premonição, a conversa que diz ter tido com os funcionários da Ré corresponderá a verdade, tendo dito o seguinte:
Teste - Os funcionários que lá estiveram disse que o que era preciso fazer era raspar aquilo tudo das zonas das janelas, raspar tudo por lá novamente um verniz não sei o termo técnico disso, deixar secar e voltar a por outra camada e que então aí ficaria impecável, isto na altura agora se calhar hoje se calhar é preciso substituir.

XII. Isto constitui ainda um impedimento da caducidade, o reconhecimento, expresso ou tácito, do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido - vide artigo 331º, n.º 2 do C. Civil.

XIII. Nesta medida, a factualidade contida nas alíneas c, d), e) e f) da douta sentença deve ser dada como provada.

XIV. A Autora também não se conforma que os defeitos verificados na empreitada sejam apenas os que se encontram enumerados no ponto 6. da matéria provada.

XV. Conjugando-se o depoimento prestado pela testemunha BB, que acima se transcreveu breves trechos, com as fotografias juntas aos autos, é manifesto que os defeitos verificados na obra são bastante mais extensos que os que foram elencados no ponto da decisão indicado na conclusão anterior.

XVI. Nessa conformidade deverá ser dada como provada a factualidade vertida nas alíneas a) e b) da douta sentença.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora por documento escrito particular autenticado em 19 de agosto de 2016 adquiriu uma habitação com dois pisos, sita na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho de Penafiel, descrita sob o n.º ... da Conservatória do Registo Predial de Penafiel e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ... (artigo 1.º da pi).
2. A habitação foi adquirida pela Autora para aí instalar a sua residência própria e permanente (artigo 2.º da pi).
3. A Ré dedica-se ao fabrico e montagem de caixilharias em madeira (artigo 3.º da pi).
4. No exercício da sua atividade, em 12 de julho de 2011, a Ré negociou com o anterior proprietário a colocação de janelas e portas de madeira na moradia (artigo 4.º da pi).
5. A Ré prestou contratualmente uma garantia de qualidade dos caixilhos, bem como de quaisquer defeitos nos materiais, na permeabilidade dos caixilhos, empeno, vidros, ferragens, vedantes e outros materiais que naqueles incorpore, por um período de 10 (dez) anos (artigo 5.º da pi).
6. Em datas não concretamente apuradas, mas anteriores a outubro de 2017, verificou-se que o verniz, bem como as tintas aplicadas nas madeiras das janelas/caixilharias exteriores, dos quartos, no acesso à varanda do piso superior do lado da biblioteca e na zona entre a garagem e o ginásio da habitação descascaram.
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2.2 Factos Não Provados.
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) As janelas de correr de duas folhas por não terem a devida estanquicidade deixam passar o vento e o frio (artigo 7.º da pi);
b) Quase todos os caixilhos das janelas e das ferragens encontram-se empenados e os vedantes não garantem a impermeabilização e estanquicidade (artigo 8.º da pi);
c) Os defeitos foram denunciados pela Autora à Ré por correio eletrónico em 12 de outubro de 2017 (artigo 1.º do articulado apresentado em 30.9.2020);
d) Dois meses antes da data de 12 de outubro de 2017, a Autora já havia comunicado os defeitos à Ré, duas ou três vezes, por telefone (artigo 2.º do articulado apresentado pela Autora em 30.9.2020);
e) A Ré reconheceu e comprometeu-se a reparar os mencionados defeitos (artigo 5.º do articulado apresentado pela Autora em 30.9.2020);
f) Tendo ficado combinado que a Ré procederia à reparação dos mesmos a partir de meados de março de 2018 (artigo 6.º do articulado apresentado pela Autora em 30.9.2020).
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da caducidade do direito da acção;
- Do mérito da acção.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1. Da impugnação da Matéria de facto
A apelante, em sede recursiva, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, defendendo que os factos a seguir enunciados devem ser considerados provados:
“c) Os defeitos foram denunciados pela Autora à Ré por correio eletrónico em 12 de outubro de 2017;
g) Dois meses antes da data de 12 de outubro de 2017, a Autora já havia comunicado os defeitos à Ré, duas ou três vezes, por telefone;
h) A Ré reconheceu e comprometeu-se a reparar os mencionados defeitos;
i) Tendo ficado combinado que a Ré procederia à reparação dos mesmos a partir de meados de março de 2018”.
Defende, igualmente, que devem ser dados como provados os factos vertidos nas alíneas a) e b) dos factos não provados.

Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que a Senhora Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:
“O Tribunal fundamentou a sua convicção na prova produzida em sede de audiência de julgamento conjugada com as regras da experiência e do normal acontecer.
A factualidade constante do ponto 1 dos factos provados no teor do documento junto como n.º 1 com a petição inicial.
A factualidade constante dos pontos 3, 4 e 5 dos factos provados na sua não impugnação especificada por parte da Ré, em sede de contestação, o que equivale à sua aceitação, conjugado quanto ao ponto 5 dos factos provados no teor do documento junto como n.º 2 com a petição inicial.
Quanto à demais factualidade no teor das fotografias juntas aos autos conjugadas com o teor dos depoimentos das testemunhas EE, pai da Autora e BB, anterior proprietário da habitação da Autora e seu atual companheiro de facto que as confirmaram.
Com efeito, ambas as testemunhas esclareceram que em 2016 a Autora adquiriu a habitação constante em 1 dos factos provados para aí instalar a sua habitação permanente e habitual, bem como descreveram os defeitos que as caixilharias apresentam a nível do acabamento, verniz a descascar, anomalias estas perfeitamente percetíveis nas fotografias juntas, tendo ainda esclarecido que tais anomalias surgiram pouco tempo depois da Autora ter comprado a moradia, cerca de um ano e pouco depois.
Assim, tais depoimentos, nesta parte, porque se mostraram sustentados e coerentes, lograram convencer o Tribunal.
Quanto aos factos não provados, nenhuma prova direta, sustentada e coerente foi produzida quanto aos mesmos.
De referir que a testemunha EE quanto à denúncia dos defeitos apenas sabia aquilo que a sua filha lhe havia transmitido, nomeadamente de que os havia reclamado. Assim, tal depoimento quanto aos mencionados factos nada de relevante trouxe aos autos.
Já testemunha BB explicou que denunciou tais defeitos por email enviado à Ré em 12 de outubro de 2017.
Todavia, analisado tal correspondência eletrónica junta aos autos com o requerimento da Autora com a referência n.º 36646323, verifica-se que no mesmo se faz menção a fotos que se anexam, mas que não se conseguem visualizar, bem como a dimensões de um vidro para substituir (sublinhado nosso).
Ora, quanto aos alegados defeitos e respetiva denuncia tal documento é manifestamente insuficiente para demonstrar o referido e ainda se torna mais insuficiente com os esclarecimentos dados pela testemunha CC, funcionária da Ré, que esclarece que tal email diz respeito a uma reclamação de um vidro que partiu e que a Ré substituiu. Depoimento este que é coerente e consentâneo com o teor do email, pelo que, logrou convencer o Tribunal da sua veracidade em contrário do depoimento da testemunha BB cujo depoimento não encontra sustentação no teor do referido email, pelo que, quanto a esta parte, o Tribunal não lhe conferiu credibilidade.”.
Tendo presentes os elementos probatórios e ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a análise crítica referida corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.
Como é sabido, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessáriamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
Deve ter-se em conta que o acto de julgar parte de uma operação lógico-dedutiva, a partir de dados objectivos (a experiência pessoal, as regras da experiência da vida) e dados intuitivos (a forma como o depoente expõe, as reacções públicas e emocionais, a racionalidade e razoabilidade das respostas).
Destarte, a prova testemunhal não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode ser objecto de formulação de deduções e induções, os quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras da experiência.
E sempre se deve ter presente a globalidade dos depoimentos e não apenas as partes que alegadamente conviriam ao Apelante.
Ora, ao conjugar-se o teor da comunicação eletrónica que a testemunha BB remeteu para a Ré, em 12 de Outubro de 2017, a posição que a Ré verteu no seu articulado, com o depoimento desta testemunha e a testemunha CC, afigura-se-nos justificar-se dar uma resposta diferente à atrás referida matéria de facto enunciada sob as alíneas c), g), h) e i).
Com efeito, o depoimento da testemunha BB está sustentado pelo teor da própria comunicação eletrónica, sendo certo que não é credível, nem faz sentido, à luz das regras da lógica e da experiência comum, referir-se que se anexa 13 (treze) fotos apenas para dar as dimensões de um vidro, que seria substituído.
De resto, a testemunha BB antes dessa comunicação tinha já falado com a D. DD, verbalizando-lhe os defeitos que descortinou na empreitada e, por isso esta lhe pediu que lhe remetesse fotografias em que se visualizasse tais defeitos.
Tudo isto é reforçado com o facto dos colaboradores da Ré se terem deslocado à habitação da Autora para substituírem o vidro e procederem a afinações na caixilharia, uma vez que, como concluiu o Tribunal a quo, os defeitos apontados são conhecidos em data anterior a Outubro de 2017, sendo tal deslocação ulterior a essa data, afigurando-se-nos, à luz das regras da lógica e da experiência comum, que os referidos colaboradores tiveram necessariamente que verificar in loco os defeitos elencados no ponto 6. da matéria de facto provada.
Assim, para além do depoimento do BB ser coerente e verosímil na sua globalidade, o mesmo não sucede com o depoimento interessado da funcionária da Ré, estando sustentado na comunicação eletrónica e no normal do acontecer, designadamente que os funcionários da Ré teriam que ter visionado os defeitos que a obra patenteava, já que os defeitos são anteriores à deslocação destes.
Por fim, deve ainda ter-se em consideração o facto relatado pela testemunha CC, de que estes funcionários procederam a reparações, nomeadamente afinações na caixilharia, inculca o reconhecimento por parte da Ré da existência de defeitos.
Afigura-se-nos, por isso, que a factualidade contida nas alíneas c, d), e) e f) da sentença deve ser dada como provada.
Relativamente à demais factualidade impugnada, parece-nos que não há elementos probatórios que justifiquem a alteração das respostas dadas à referida matéria de facto.
Em face do que vem de ser exposto, deve ser aditada a seguinte factualidade à matéria de facto provada:
“- Os defeitos foram denunciados pela Autora à Ré por correio eletrónico em 12 de outubro de 2017;
- Dois meses antes da data de 12 de outubro de 2017, a Autora já havia comunicado os defeitos à Ré, duas ou três vezes, por telefone;
- A Ré reconheceu e comprometeu-se a reparar os defeitos dados como provados;
- Tendo ficado combinado que a Ré procederia à reparação dos mesmos a partir de meados de março de 2018.”
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim a enunciada pelo Tribunal a quo, acrescida da factualidade, agora, considerada, igualmente provada.
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4.3. Da verificação da excepção de caducidade.
Decorre do disposto no artigo 1225.º, do Código Civil que “Sem prejuízo do disposto no artigo 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no artigo 1221.º .
(…).”
No caso vertente, importa, ainda, trazer à colação a legislação da defesa ao consumidor – Decreto Lei 67/2003, de 8 de abril, designadamente o previsto no seu artigo 5.º, onde se dispõe que:
“1. Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de quaisquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor (…).
2. Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo (…) de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que o tenha detetado.”
Assim, do exposto, resulta que a lei prevê três prazos de caducidade:
a) O prazo de caducidade para a denúncia dos defeitos;
b) O prazo de caducidade para o exercício de direitos, designadamente o de reparação/eliminação de defeitos;
c) O prazo de caducidade, em que aqueles se têm de conter, referente ao limite máximo de garantia legal ou convencionada.
No caso vertente, apenas encontra-se em causa o prazo de caducidade para a denúncia dos defeitos.
Conforme decorre das disposições legais acima citadas, é necessário que o dono da obra denuncie o defeito, ou seja, que dê dele conhecimento ao empreiteiro para que este possa agir prontamente eliminando as desconformidades qualitativas da coisa relativamente ao convencionado (cfr. artigos 1220.º e 1225.º, n.º 2, ambos do Código Civil).
A sua falta leva a que o dono da obra perca todos os direitos decorrentes da prestação defeituosa, com excepção dos que respeitam à indemnização dos danos sequenciais, os quais estão sujeitos ao regime geral da responsabilidade civil.
O ónus da prova da efectivação da denúncia compete ao dono da obra, atenta a sua natureza de condição de exercício dos direitos deste, em conformidade com o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e resulta de um dever de colaboração entre os contraentes.
Já o ónus da prova do decurso do prazo para denúncia compete ao empreiteiro, conforme preceitua o artigo 343.º, n.º 2 do Código Civil.
Se o empreiteiro reconhecer a existência de defeitos torna-se desnecessária a denúncia que seria um acto redundante - cfr. artigo 1220.º, n.º 2 do Código Civil.
No caso dos autos, compulsada a factualidade dada como provada, resulta que os defeitos foram denunciados pela Autora à Ré por correio eletrónico em 12 de Outubro de 2017; que dois meses antes da data de 12 de Outubro de 2017, a Autora já havia comunicado os defeitos à Ré, duas ou três vezes, por telefone; que a Ré reconheceu e comprometeu-se a reparar os defeitos dados como provados, tendo ficado combinado que a Ré procederia à reparação dos mesmos a partir de meados de Março de 2018.
Assim, a Apelante, que havia adquirido o bem imóvel a 19 de Agosto de 2016, logrou demonstrar, como lhe incumbia, que efectuou a denúncia dos defeitos à Ré, em momento anterior à instauração da presente acção.
Note-se que a presente acção, já havia sido precedida da acção 2625/19.1T8PNF, instaurada a 24 de Setembro de 2019, em que a Ré, aqui Apelada, havia sido absolvida da instância, tendo a Apelante, nesta acção, manifestado pretender beneficiar do estatuído no artigo 279.º do Código Civil, pelo que consideram-se o prazo em que a Autora terá tido conhecimento dos defeitos ainda não se tinha esgotado o prazo para a sua denúncia.
De referir ainda que a Recorrente também logrou demonstrar que a Recorrida conhecia ou reconhecia os defeitos dados como provados que, neste caso e como atrás referimos, a teria dispensado de denunciar os defeitos e provar que efectuou tal denúncia. Tal reconhecimento do direito, com efeitos impeditivos da caducidade, pode ser expresso ou tácito, desde que nesta última eventualidade decorra de factos que inequivocamente o exprimam (Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, págs. 155 e 156, com menção de diversa jurisprudência e doutrina).
Constitui também entendimento corrente que, uma vez impedida a caducidade do direito de reparação dos defeitos por via daquele reconhecimento, deixa de correr qualquer prazo de caducidade, passando a situação a ser regulada pelas regras da prescrição.
Em face do exposto, resulta que o direito que a Autora, aqui Apelante, pretende exercer não se mostra caducado, impondo-se, por isso, o conhecimento do mérito da acção uma vez que se encontra assente toda a factualidade necessária para o efeito.

4.4. Do mérito da acção
Invoca a Autora/Apelante (consumidora/dona da obra) que a Ré/Apelada (empreiteira) não cumpriu devidamente a sua prestação contratual, já que a obra executada padece de defeitos graves, devidos a má execução.
O contrato de empreitada sub judice deve qualificar-se como de empreitada de consumo, uma vez que os serviços a prestar pelo empreiteiro se destinavam a uma finalidade não profissional por parte da consumidora que os recebeu, sendo fornecidos por uma pessoa colectiva (a Ré) que exercia com carácter profissional uma actividade económica visando a obtenção de benefícios, tudo nos termos gerais do artigo 2º, nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pela Lei nº 67/2003, de 8 de Abril e artigo 1º-B deste último diploma legal.
Conforme refere sobre o tema Cura Mariano, in “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, página 206: “O critério de definição legal de uma relação de consumo, no domínio dos contratos de empreitada, encontra-se, pois, na identificação de dois pólos duma relação contratual subjectivamente desequilibrada. Num lado, posiciona-se o dono da obra consumidor, como parte contratual mais débil, identificado pela intenção a que destina a obra encomendada, e, no outro, o empreiteiro empresário, identificado pela veste profissional que assume”.
Nos termos do artigo 4º, nºs 1 e 2 e 5º do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 84/2008, de 21 de Maio:
“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação adequada do preço ou resolução do contrato” (nº 1).
“Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, (…) sem grave inconveniente para o consumidor” (nº 2).
“O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais” (nº 5).
Das presunções de não conformidade (constantes do art. 2.º/2 do DL 67/2003) resulta que o conceito de falta de conformidade, abrange genericamente os casos de “vícios” e “desconformidades” da obra, referidos nos art. 1208.º e 1218.º/1, nos quais se subdivide o conceito mais amplo de “defeito”.
Preenchidos tais conceitos – a “falta de conformidade” e o “defeito” – os direitos do dono da obra, seja relação de consumo ou não, são os mesmos quer no regime especial, quer na lei geral: são, de acordo com o art. 4.º, n.º 1 do DL 67/2003, o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da obra, o direito à redução adequada do preço e o direito à resolução do contrato; exactamente os mesmo dos art. 1221.º e 1222.º do C. Civil (sendo aqui os dois primeiros designados como direito à eliminação dos defeitos e à realização de obra nova).
É certo que a lei geral não estabelece - como o art. 12.º/1 da redação inicial da LDC ou como o art. 3.º/1 do DL 67/2003 - a responsabilidade objectiva do empreiteiro pela falta de conformidade da obra realizada (relativamente aos referidos direitos de eliminação das deficiências, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato), porém, em face da presunção de culpa constante do art. 799.º/1 do Código Civil, tal diferença de regime (entre a lei especial e a lei geral) acaba por não ter grande relevância prática.
Onde as diferenças/especialidades existentes podem assumir relevo prático é no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra.
Enquanto no regime do Código Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).
Ou seja, perante a existência de faltas de conformidade na obra realizada, o dono desta pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art. 4.º/1 do DL 67/2003; sem prejuízo, evidentemente, desta liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses dever respeitar os princípios da boa-fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art. 4.º/ do DL 67/2003 e art. 334.º do C. Civil), o que significa que o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – conduzirão, algumas vezes, à observância das regras de articulação (dos diferentes direitos do dono da obra) impostas pelo Código Civil e a soluções coincidentes com as do Código Civil.
Em todo o caso - sem prejuízo da solução casuística, em que nunca será demais encarecer o papel que o princípio da boa fé (com tudo o que do mesmo irradia) tem, de acordo com o Código Civil (cfr. 762.º/2), em toda a execução contratual – “o regime dos direitos do dono da obra nas empreitadas de consumo permite uma maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado. Aqui não se pode falar na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra. O direito de substituição da obra pode ser exercido mesmo em situações em que a reparação das faltas de conformidade é possível. Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a conformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra.” – cfr. João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4.ª ed., pág. 226.
Sendo justamente aqui, nesta opção imediata, que a aplicação da lei especial faz diferença para a aplicação da lei geral.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que se provou que em datas não concretamente apuradas, mas anteriores a outubro de 2017, verificou-se que o verniz, bem como as tintas aplicadas nas madeiras das janelas/caixilharias exteriores, dos quartos, no acesso à varanda do piso superior do lado da biblioteca e na zona entre a garagem e o ginásio da habitação descascaram.
Assim, a factualidade provada não deixa dúvidas quanto à existência de vícios ou defeitos da obra resultantes da (deficiente) execução da empreitada por parte do empreiteiro, como se alcança do ponto 6 dos factos provados, pelo que se determina a reparação, mas, apenas dos danos considerados provados.
Impõe-se, por isso, a procedência parcial da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação parcialmente procedente, julgando improcedente a excepção da caducidade do direito de acção da Autora/Apelante relativamente às desconformidades mencionadas em 6. dos factos provados e condenando a Ré/Apelada a proceder à eliminação das desconformidades descritas no referido ponto, absolvendo-se a mesma do demais pedido.
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Custas a suportar pela Apelada e pela Apelante, na proporção de 2/6 e de 4/6, respectivamente.
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Notifique.

Porto, 30 de Junho de 2022
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
João Venade

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)