Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3975/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
ENFERMEIRO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RP201812073975/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º286, FLS.64-76)
Área Temática: .
Sumário: I - O reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, em acção especial intentada pelo Ministério Público, não dispensa a prova de factos suficientes para a presunção de laboralidade, prevista no artigo 12.º do Cód. Trabalho.
II - A actividade de enfermeiro desenvolvida num hospital, usando equipamentos sua pertença e por ele disponibilizados; estando obrigado a cumprir um horário de trabalho (escala) elaborado pela enfermeira-chefe; auferindo como contrapartida, uma remuneração calculada com base no valor/hora de €6,80, acrescido de 25% em horários nocturnos e fins-de-semana e de 50% em dias feriado, paga com periodicidade mensal; cumprindo procedimentos/instruções de natureza obrigatória, como as prescrições médicas para tratamento dos doentes; e sendo controlado, não só pelo tempo de execução da sua prestação (escala de serviço), como de permanência nas instalações do hospital, constitui uma relação laboral subordinada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3975/18.0T8PRT.P1
Origem: Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho J3.
Relator - Domingos Morais – Registo 792
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
- Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. - O Ministério Público, na sequência de participação que lhe foi apresentada pela ACT, instaurou, na Comarca do Porto, Porto, Juízo do Trabalho, J1, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com B…, contra:
Fundação C…, IPSS, alegando, em síntese que:
B… iniciou a prestação da actividade de enfermeiro para a ré, em 27 de Setembro de 2016, mediante contrato oral de prestação de serviços.
No entanto, encontra-se inserido numa equipa de enfermagem composta por doze enfermeiros, dois dos quais tem com o beneficiário da actividade um vínculo de trabalho dependente;
Cumpre procedimentos/instruções, de natureza obrigatória, designadamente, da Enfermeira-chefe, Irmã D…, responsável pelo serviço do C1…, a qual, além das orientações emitidas, também dá ordens com vista à execução dos trabalhos e, se necessário, faz “chamadas de atenção”.
A referida Enfermeira-chefe trata todos os enfermeiros que integram a sua equipa da mesma maneira, distribui-lhes as tarefas, “tendo em conta a qualidade do trabalho prestado e não o vínculo laboral de cada um com o Hospital”, “se tiver que chamar á atenção, chama, independentemente do vínculo, porque os chefia a todos” e “são tratados da mesma forma”.
O trabalhador está obrigado a cumprir um horário de trabalho (Escala), elaborado pela Enfermeira-chefe que, para essa elaboração, pede “as disponibilidades” apenas aos enfermeiros que trabalham em acumulação com outros locais.
O trabalhador B… está obrigado a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas, sistema, esse, utilizado por todos os trabalhadores que ali prestam a sua actividade, quer estejam qualificados como trabalhadores independentes ou como trabalhadores por conta de outrem.
Está, ainda, obrigado ao dever de assiduidade e, no caso de não poder cumprir a escala previamente definida pela Ré, está obrigado a comunicar telefonicamente à sua superior hierárquica, Irmã D…, assim justificando a respectiva falta, sendo tal procedimento idêntico também para os enfermeiros pertencentes ao quadro de trabalhadores da Ré.
Pode trocar o turno com qualquer dos restantes elementos da equipa de enfermeiros, independentemente de estarem qualificados como trabalhadores dependentes ou independentes, embora tal troca esteja sempre dependente da autorização da Enfermeira-chefe.
A marcação do período de férias depende de autorização da aludida superior hierárquica, a qual pede a cada elemento da equipa de enfermeiros, independentemente do vínculo com o hospital, que escolha e faça o respectivo plano de férias com vista à posterior compatibilização dos períodos de férias de todos os enfermeiros.
No desenvolvimento diário da sua actividade, o trabalhador B…, utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré e, por esta, disponibilizados ao trabalhador, nomeadamente: computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (papel, canetas, pastas de arquivo, caixotes do lixo), seringas, medicação, pensos, carros e tabuleiros para distribuir medicação e / ou fazer pensos, luvas de protecção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres e outros.
Igualmente utiliza o mobiliário disponível no local de trabalho (secretária, cadeiras, macas, camas) e pertencente à entidade beneficiária da actividade do trabalhador.
Trabalha com os programas informáticos disponibilizados pela Ré (K-HIS e PHC).
Está obrigado ao uso de uma farda – calças, túnica, casaco e socas – que lhe foi entregue pela entidade beneficiária da actividade e com o respectivo logotipo gravado.
Encontra-se ainda obrigado ao uso de um crachá de identificação, que pode ser colocado na túnica ou no casaco, ou ser pendurado ao pescoço, utilizando para o efeito uma fita na qual se encontra gravado o nome do hospital e que lhe foi entregue pela Ré.
Em Março e Abril de 2017 o trabalhador frequentou duas acções de formação ministradas e custeadas pela Ré: Curso C2… e Curso C3….
Como contrapartida da actividade desenvolvida, o trabalhador recebe da Ré, uma remuneração calculada com base no valor/hora de €6,00.
E a remuneração auferida é paga com periodicidade mensal, por transferência bancária;
Variando o valor médio da retribuição entre €1.200,00 e €1.400,00, por mês, sempre calculada em função do tempo (horas) de trabalho e não das tarefas ou serviços desenvolvidos.
Acresce que o trabalhador não exerce outra actividade laboral, trabalhando exclusivamente para a Ré.
O B… depende economicamente da retribuição que aufere da Ré, para a sua subsistência.
Terminou, pedindo:
“Nestes termos, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e por via dela:
Ser reconhecido que o contrato celebrado entre a Ré e o trabalhador B…, em 27 de Setembro de 2016, é um verdadeiro contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no art. 12º do Código do Trabalho.”.
3. - Citada, a ré C…, IPSS, contestou, alegando, em resumo, que a actividade de enfermeiro, desenvolvida por B…, no Hospital C…, tem sido ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
E concluiu: “Nestes termos e nos melhores de Direito com que V. Exa. Doutamente suprirá, deve a presente ação ser considerada não provada e o pedido formulado na P.I. ser julgado improcedente na sua totalidade, não se reconhecendo a existência de qualquer contrato de trabalho entre o Enfermeiro B… e a aqui R., reconhecendo tratar-se de uma efectiva prestação de serviços, absolvendo-se assim a R. com as legais consequências.”
4. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, a Mma. Juiz proferiu decisão:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) reconheço que o contrato celebrado entre B…e a C…, I.P.S.S. em 27 de setembro de 2016 é um verdadeiro contrato de trabalho enquadrável no conceito definido pelo art.º 12.º do Código do Trabalho;
b) sem custas, por delas estar isenta a R.
Valor da ação: €2.000.
Comunique à A.C.T.”.
5. – A ré, inconformada, apresentou recurso de apelação,
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II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:
1) A R. C…, I.P.S.S. é uma fundação de direito privado e tem por objeto “atividades dos estabelecimentos de saúde com internamento” e “atividades de prática médica de clínica geral em ambulatório”;
2) Em 17 de outubro de 2017, pelas 18h15min, a R. tinha ao seu serviço, no denominado C1…, a funcionar na Rua …, n.º …, Piso …, …. - … Porto, B…, residente em Penafiel, a prestar a sua actividade de enfermeiro, acabado de chegar após uma reunião com a direção de enfermagem;
3) B… exerce a atividade de enfermeiro nas instalações da R., situadas na Rua …, n.º …, no Porto;
4) Encontra-se inserido numa equipa de enfermagem de doze enfermeiros, dos quais apenas dois têm com a R. um vínculo de trabalho dependente; - alterado nos termos infra consignados:
Encontra-se inserido numa equipa de enfermagem de doze enfermeiros, dos quais três têm com a R. um vínculo de trabalho dependente.”.
5) Cumpre procedimentos/instruções de natureza obrigatória, designadamente da enfermeira-chefe, Irmã D…, responsável pelo serviço do C1…, a qual, além das orientações emitidas, também dá ordens com vista à execução dos trabalhos;
6) A referida enfermeira-chefe trata todos os enfermeiros que integram a sua equipa da mesma maneira, distribui-lhes as tarefas tendo em conta a qualidade do trabalho prestado e não o vínculo laboral de cada um com o hospital;
7) B… está obrigado a cumprir um horário de trabalho (escala) elaborado pela enfermeira-chefe que, para essa elaboração, pede “as disponibilidades” apenas aos enfermeiros que trabalham em acumulação com outros locais;
8) B… está obrigado a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas, sistema esse utilizado por todos os trabalhadores que ali prestam a sua atividade, quer estejam qualificados como trabalhadores independentes, ou como trabalhadores por conta de outrem;
9) No caso de não poder cumprir a escala previamente definida pela R., B… deve-o comunicar telefonicamente à sua superior hierárquica, Irmã D…, sendo tal procedimento idêntico também para os enfermeiros pertencentes ao quadro de trabalhadores da R.;
10) B… pode trocar o turno com qualquer dos restantes elementos da equipa de enfermeiros, independentemente de estarem qualificados como trabalhadores dependentes ou independentes, embora tal troca possa ser impedida pela enfermeira-chefe;
11) A marcação do período de férias depende de autorização da aludida superior hierárquica, a qual pede a cada elemento da equipa de enfermeiros, independentemente do vínculo com o hospital, que escolha e faça o respetivo plano de férias com vista à posterior compatibilização dos períodos de férias de todos os enfermeiros;
12) No desenvolvimento diário da sua atividade B… utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à R. e por esta disponibilizados, nomeadamente computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (papel, canetas, pastas de arquivo, caixotes do lixo), seringas, medicação, pensos, carros e tabuleiros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres e outros;
13) E utiliza o mobiliário disponível no local de trabalho (secretária, cadeiras, macas, camas), pertencente à entidade beneficiária da sua atividade;
14) B… trabalha com os programas informáticos disponibilizados pela R. (K-HIS e PHC) e está obrigado ao uso de uma farda – calças, túnica, casaco e socas – que lhe foi entregue pela entidade beneficiária da atividade e com o respetivo logotipo gravado;
15) Encontra-se ainda obrigado ao uso de um crachá de identificação, que pode ser colocado na túnica ou no casaco, ou ser pendurado ao pescoço;
16) Em março e abril de 2017 B… frequentou duas ações de formação ministradas e custeadas pela R.: o Curso C2… e o Curso C3…;
17) Como contrapartida da atividade desenvolvida B… recebe da R. uma remuneração calculada com base no valor/hora de €6,80, acrescendo 25% a esse valor em horários noturnos e fins de semana e 50% daquele valor em dias feriado.aditado o segmento a negrito, nos termos infra consignados.
18) E a remuneração auferida é paga com periodicidade mensal, por transferência bancária, sempre calculada em função do tempo (horas) de trabalho, e não das tarefas ou serviços desenvolvidos;
19) B… não exerce outra atividade laboral, trabalhando em exclusivo para a R.;
20) B… depende economicamente da retribuição que aufere da R. para a sua subsistência;
21) B… iniciou funções de enfermeiro para a R. mediante um denominado “contrato de prestação de serviços”, outorgado em 27 de setembro de 2016;
22) Por carta registada, a Autoridade para as Condições do Trabalho (Centro Local do Grande Porto) procedeu à notificação da R. para, no prazo de dez dias, proceder à regularização da situação de B…, ou para se pronunciar e, pretendendo regularizar tal situação, para fazer prova desse facto, mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral;
23) A R. respondeu à referida notificação, considerando nunca ter existido relação de trabalho subordinado entre a C…, I.P.S.S. e B…, mas existindo antes uma relação de prestação de serviços; 24) E acrescentou, em síntese, o seguinte: o prestador de serviços não tem contrato de prestação de serviços com regime de exclusividade para o Hospital C…; o horário de trabalho não é imposto pela R., mas resulta da escolha pelo prestador de serviços das horas, turno, ausências, férias e disponibilidade; a retribuição é paga com carácter mensal, mas sem regularidade, sendo pago apenas o número de horas prestadas em função do acordo e da disponibilidade do prestador de atividade; o montante pago mensalmente não é fixo, variando em função do número de horas efetivamente prestado; o prestador está inserido na orgânica funcional e organizativa do Hospital C…, Porto, mas é independente e autónomo nas decisões que toma na qualidade de enfermeiro, de acordo com os estatutos da classe e respeitando as subordinações e hierarquias próprias do exercício da profissão em específico; o Hospital C… exerce apenas uma fiscalização geral sobre os serviços prestados, tendo o prestador uma autonomia global no exercício das suas funções, sendo responsável, para além do mais, pelo preenchimento de registos clínicos/outros da responsabilidade do enfermeiro;
25) A R. mantém ao seu serviço profissionais enfermeiros em regime de prestação de serviço em determinados departamentos;
26) É do conhecimento da R. que o enfermeiro B…, desde outubro de 2017, desenvolve uma atividade relacionada com política autárquica, e integra, na qualidade de enfermeiro e candidato, várias bolsas e listagens de recrutamento com referência a diversas entidades públicas empresariais (E.P.E.);
27) A R. prefere manter a colaboração com enfermeiros prestadores que simultaneamente acumulem funções em instituições públicas, como ponto de garante de experiência efetiva no exercício da profissão e melhoria da qualidade do serviço e capacidade de resposta em geral por parte do HC… aos utentes com quem lida no exercício da sua atividade;
28) A relação existente com os prestadores de serviço e a R. basta-se, quanto às ausências, com uma comunicação informal por telefone, até por SMS, sem pré-requisitos temporais;
29) Como B…, também as assistentes administrativas usam diariamente a mesma farda identificativa, embora apenas estejam vinculadas a entidade externa prestadora de serviços de saúde e que mantém com o HC… uma simples relação de arrendamento de espaço (especialidade clínica própria), o mesmo sucedendo com os colaboradores carácter mensal, mas sem regularidade, sendo pago apenas o número de horas prestadas em função do acordo e da disponibilidade do prestador de atividade; o montante pago mensalmente não é fixo, variando em função do número de horas efetivamente prestado; o prestador está inserido na orgânica funcional e organizativa do Hospital C…, Porto, mas é independente e autónomo nas decisões que toma na qualidade de enfermeiro, de acordo com os estatutos da classe e respeitando as subordinações e hierarquias próprias do exercício da profissão em específico; o Hospital C… exerce apenas uma fiscalização geral sobre os serviços prestados, tendo o prestador uma autonomia global no exercício das suas funções, sendo responsável, para além do mais, pelo preenchimento de registos clínicos/outros da responsabilidade do enfermeiro;
25) A R. mantém ao seu serviço profissionais enfermeiros em regime de prestação de serviço em determinados departamentos;
26) É do conhecimento da R. que o enfermeiro C…, desde outubro de 2017, desenvolve uma atividade relacionada com política autárquica, e integra, na qualidade de enfermeiro e candidato, várias bolsas e listagens de recrutamento com referência a diversas entidades públicas empresariais (E.P.E.);
27) A R. prefere manter a colaboração com enfermeiros prestadores que simultaneamente acumulem funções em instituições públicas, como ponto de garante de experiência efetiva no exercício da profissão e melhoria da qualidade do serviço e capacidade de resposta em geral por parte do HC… aos utentes com quem lida no exercício da sua atividade;
28) A relação existente com os prestadores de serviço e a R. basta-se, quanto às ausências, com uma comunicação informal por telefone, até por SMS, sem pré-requisitos temporais;
29) Como B…, também as assistentes administrativas usam diariamente a mesma farda identificativa, embora apenas estejam vinculadas a entidade externa prestadora de serviços de saúde e que mantém com o HC… uma simples relação de arrendamento de espaço (especialidade clínica própria), o mesmo sucedendo com os colaboradores de diversas seguradoras com quem o HC… mantém somente uma relação de serviço de hotelaria (arrendamento de espaço);
30) O facto do enfermeiro B… usar a mesma farda tem apenas a ver com uma questão de imagem interna e a sua perceção pelos utentes que todos os dias passam nas instalações da R.;
31) A utilização do crachá identificativo prende-se com os mesmos motivos e, para além desses, com questões de segurança e controlo interno, numa instituição que entre colaboradores, parceiros, prestadores e outros conta com mais de 600 profissionais e que diariamente recebe a visita/entrada de muitos utentes.
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2. – Objecto do recurso
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- A qualificação jurídica da relação contratual descrita nos autos.
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4.Da qualificação jurídica da relação contratual
4.1. - Na decisão recorrida entendeu-se reconhecer a existência de uma relação de contrato de trabalho entre a ré/recorrente e B…, com início a 27 de setembro de 2016, atenta a matéria de facto apurada, da qual resulta que a ré/recorrente, no desenvolvimento da sua actividade hospitalar, admitiu aquele ao seu serviço, na data supra referida.
À data do início da relação contratual, vigorava (e vigora, desde 19.02.2009) o Código do Trabalho de 2009, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12.02.
A definição da lei aplicável é tanto mais relevante, porquanto, quer o CT de 2003 (na sua versão originária e, posteriormente, através de nova redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03), quer o CT/2009 vieram a consagrar uma presunção de laboralidade, que favorece o trabalhador no que ao ónus probatório diz respeito.
A noção de contrato de trabalho consta do artigo 11.º do CT/2009: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”. - cf., ainda, o artigo 1152.º do C. Civil.
A prestação de uma actividade também caracteriza o contrato de prestação de serviços, em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição – cf. artigo 1154.º do C. Civil.
O que já sugere, fortemente, que o prestador de serviços exerce a sua actividade como um profissional livre, e, por isso, com total independência e autonomia técnica, pelo que o que avulta no enunciado definitório do contrato de prestação de serviços, que consta do artigo 1154.º do Código Civil, é a referência do objecto do contrato ao resultado do trabalho, por contraposição à actividade subordinada que caracteriza o contrato de trabalho.
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador.
A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador informar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou ou, como refere o Professor Monteiro Fernandes, numa «relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem» (cf. Direito do Trabalho, 11ª edição, pp. 131).
A subordinação técnico-jurídica, por ser entendida num sentido amplo, abrangendo três realidades: a alienabilidade; o dever de obediência e a sujeição ao poder disciplinar do empregador, correspondendo estas duas últimas à subordinação em sentido estrito.
(cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, IDT, 3.ª edição, pp. 147-151).
A alienabilidade significa que o trabalhador exerce uma actividade para outrem, alienando a sua força de trabalho.
O dever de obediência, corolário do princípio da boa fé e contrapartida do poder de direcção conferido ao empregador, significa a obrigatoriedade de acatar as ordens do empregador, consubstanciada na possibilidade de as receber.
(cf. Monteiro Fernandes, sobre O Objecto do Direito do Trabalho, Temas Laborais, Coimbra, 1984, pp. 41 e ss.).
A sujeição ao poder disciplinar do empregador, consequência do poder de direcção, é o poder conferido ao empregador de aplicar sanções ao trabalhador por incumprimento de obrigações emergentes do contrato de trabalho.
Por sua vez, o artigo 12.º - Presunção de contrato de trabalho - do CT/2009, dispõe no seu n.º 1:
“1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”.
Para o método presuntivo do CT/2009 – como defende parte da doutrina e da jurisprudência: cf. acórdãos do TRL de 11.02.2015 (proc. 4113/10.2TTLSB.L1-4); de 03.12.2014 (proc. 2923/10.0TTLSB.L1-4) e do TRG, de 14.05.2015 (proc. 995/12.1TTVCT.G1); e do TRP de 10.10.2016 (proc. 434/14.3TTVNG.P1), de 30.01.2017 (proc. 5/14.4T8OAZ.P1) e de 14.12.2017 (proc. 1694/16.0T8VLG.P1) - basta que se verifiquem, pelo menos, dois dos factos-base da presunção.
Assim, B… desenvolve a sua actividade de enfermeiro:
(i) nas instalações da ré/recorrida [artigo 12.º, n.º 1, al. a)] – cf. ponto 3 dos factos provados;
(ii) usa equipamentos pertença da ré/recorrida e por esta disponibilizados, nomeadamente, computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (papel, canetas, pastas de arquivo, caixotes do lixo), seringas, medicação, pensos, carros e tabuleiros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres e outros [artigo 12.º, n.º 1, al. b)] - cf. pontos 12), 13) e 14) dos factos provados;
(iii) está obrigado a cumprir um horário de trabalho (escala) elaborado pela enfermeira-chefe [artigo 12.º, n.º 1, al. c)] - cf. ponto 7) dos factos provados;
(iv) Como contrapartida da atividade desenvolvida, recebe da ré uma remuneração calculada com base no valor/hora de €6,80, acrescido de 25% em horários noturnos e fins de semana e de 50% em dias feriado, paga com periodicidade mensal, por transferência bancária, sempre calculada em função do tempo (horas) de trabalho [artigo 12.º, n.º 1, al. d)] – cf. pontos 17) e 18) dos factos provados.
Além disso, cumpria procedimentos/instruções de natureza obrigatória, como as prescrições médicas para tratamento dos doentes [ponto 5)], e era controlado, não só pelo tempo de execução da sua prestação (escala de serviço), como de permanência nas instalações da ré [está obrigado a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas – ponto 8)], factos que permitem concluir pelo facto presumido e que não resultam ilididos pela ré, em face dos indícios globalmente apurados – cf. o n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil. E, apesar de poder trocar de turno com qualquer dos restantes elementos da equipa de doze enfermeiros, tal troca podia ser impedida pela enfermeira-chefe por necessidade do serviço (ponto 10), revelador que estava inserido numa estrutura organizacional da ré/recorrida.
[Neste sentido, cf. João Leal Amado, Enfermagem, trabalho dependente e autónomo: comentário ao Acórdão TRL de 11 de janeiro de 2017, Questões Laborais, n.º 49 (agosto 2016), págs. 163-182.].
Assim, improcede, também nesta parte (conclusões 48.ª a 100.ª), o recurso do réu.
III.A decisão
Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, julgar improcedente o recurso de apelação da ré, e em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, por isenção da ré/recorrente.

Porto, 2018.12.07
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha – (nos termos do art.º 153, n.º1 do CPC tem voto de conformidade do Sr. Juiz Desembargador Dr. Rui Penha, que não assina por não estar presente).