Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO LIMA COSTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE AGÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP201201265470/08.6TBVFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/26/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Nos casos de resolução ou denúncia do contrato de agência por parte do agente, o direito à indemnização de clientela é delimitado pelo disposto no art.º 30.ºdo DL n.º 178/86, de 3/7. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 5470/08.6TBVFR Juiz Relator: Pedro Lima da Costa Primeiro Adjunto: Des. Filipe Caroço Segundo Adjunto: Des. Maria Amália Santos Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto. # B…, Limitada, C…, Limitada, e D…, instauraram no dia 17/11/2008 acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra E…, Sociedade Anónima, pedindo a condenação da ré a pagar aos autores, em conjunto, a quantia de 230.000€, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da entrada em juízo da acção até integral pagamento. Sumariamente, alegam os autores: Os autores são agentes independentes e a ré fabrica e importa calçado; Os autores celebraram com a ré contrato de agência e ao longo dos últimos dez anos têm vindo a promover e a vender os artigos da ré, no mercado português e espanhol, com volume total de vendas da ré na ordem dos 50 milhões de euros; Os autores, até Julho de 2008, dedicavam-se em exclusivo às vendas da ré e esta concedeu-lhes exclusivo das vendas no Minho e Trás-os-Montes e em toda a Espanha, excepto na Catalunha; Unilateralmente e sem aviso prévio, a ré retirou aos autores a exclusividade no Minho e Trás-os-Montes, mas comprometeu-se a compensá-los pelos prejuízos causados, o que nunca fez; Após essa decisão, a ré propunha-se restringir a área em Espanha atribuída aos autores, reduzindo a sua área de vendas a um sexto da que até então se verificava, o que inviabilizava a continuação do contrato de agência; Em Julho de 2008, a ré nomeou um novo agente nas Ilhas Canárias e fez promoção directa do seu calçado na F…, convidando para esse evento clientes de toda a Espanha, os quais, até então, eram convidados pelos autores, tudo com o objectivo de chamar a ela, ré, a clientela angariada pelos autores; O conjunto dos actos descritos tornaram impossível a manutenção do contrato de agência e os autores manifestaram à ré o seu propósito de resolver tal contrato; A ré recusa indemnizar os autores pela angariação de clientela; Em mais de dez anos os autores angariaram uma lista infindável de novos clientes e aumentaram substancialmente o volume de negócios em Espanha, passando-o de um valor residual para o valor de 6 milhões de euros por ano, sendo certo que a ré irá continuar a vender aos clientes assim angariados; Nos últimos cinco anos, o primeiro e segundo autores receberam, cada um, a média anual de 100.000€ de comissões e o terceiro autor recebeu a média anual de 30.000€, devendo a indemnização pela angariação de clientela ascender a montante equivalente ao das comissões de um ano. # Na contestação, a ré concluiu que a acção deve ser julgada não provada e improcedente e deduziu reconvenção, a fim de os autores serem condenados a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença. Sumariamente, alega a ré: É verdade que foi celebrado o contrato de agência, embora só reportado a artigos importados pela ré; Os autores não resolveram o contrato nos termos impostos pela lei; A ré nunca concedeu aos autores exclusividade nas vendas, fosse em que zona fosse, e efectivamente outros agentes da ré vendiam em zonas que os autores invocam estarem-lhes adjudicadas em exclusivo, além de existirem vendas promovidas directamente pela ré; No assunto da F…, a ré actuou como sempre actuava; Eventual cláusula de exclusividade teria de ser outorgada por escrito e não existe tal instrumento escrito; Foram os autores quem quiseram fazer cessar o contrato de agência, seja propondo carteira de encomendas que tinha decréscimo na ordem de 1 milhão de euros em relação ao ano anterior, seja porque queriam passar a agenciar a empresa G…, como passaram, tendo iniciado negociações com essa empresa concorrente da ré antes de Julho de 2008; Não é devida indemnização de clientela se o contrato cessar por razões imputáveis ao agente, como sucedeu; A indemnização peticionada pelos autores incorpora comissões que se prendem com clientes angariados pela ré, clientes esses que entre 2003 e 2008 fizeram compras de mais de 5,4 milhões de euros, além de as vendas totais angariadas pelos autores só terem sido na ordem dos 39 milhões de euros; Os autores resolveram o contrato de agência de forma ilegal e sem aviso prévio, vendo-se a ré de repente sem vendedores e cobradores junto de um grande círculo de clientes em Espanha e causando a substituição intempestiva dos serviços dos autores prejuízos à ré, prejuízos esses que a ré ainda não consegue quantificar. # Na réplica, os autores concluem que deve ser declarada a “inadmissibilidade” da reconvenção. Sumariamente, alegam: Os autores cederam à ré os clientes que tinham angariado em Portugal, recebendo comissão com as vendas futuras a esses clientes, nunca pagas, e dedicar-se-iam em exclusivo ao mercado espanhol, com excepção da Catalunha; As vendas facturadas e especiais ascenderam a cerca de 50 milhões de euros e não aos cerca de 39 milhões invocados pela ré; Se não tivesse ocorrido interrupção das relações comerciais, os autores angariariam vendas no ano de 2008 idênticas às que tinham angariado no ano anterior e as negociações dos autores com a G… só se iniciaram depois de cessarem os negócios com a ré, ou seja ocorreram em Setembro de 2008; A ré não teve prejuízos com a cessação do contrato e foi ela quem deu causa a essa cessação. # A ré apresentou tréplica, sustentando a condenação dos autores como litigantes de má fé e reclamando indemnização correspondente não inferior a 5.000€. # No despacho saneador admitiu-se a reconvenção e seleccionaram-se os factos assentes e a base instrutória. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e foi proferido despacho com resposta à base instrutória. Os autores apresentaram alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa. # Na sentença decidiu-se julgar tanto a acção como a reconvenção totalmente improcedentes, com absolvição correspondente dos autores e da ré. # Os autores apelaram da sentença e formulam as seguintes conclusões (as quais se iniciam com o número 75): 75. – Plagiando a decisão recorrida, dir-se-á que a questão sub júdice, se confina a saber se o contrato de agência celebrado entre AA. e Ré, cessou por razões imputáveis àquelas. 76. – Com efeito, a justa indemnização de clientela reclamada pelas AA. em sede de P. I., só não foi apreciada pelo tribunal à quo, porque, na óptica deste, tal indemnização, ficou prejudicada pela aplicação ao caso sub júdice do disposto em nº 3 do art. 33º do Dec/lei 118/93 de 13 de Abril. 77. – Todavia, nesta matéria, muito mal andou o Meritíssimo Juiz do tribunal à quo. 78. – É, que, na verdade e no rigor, o contrato de agência celebrado entre AA. e Ré, cessou, por todas as razões e mais algumas, mas nunca por razões imputáveis às AA. 79. – Sucede, porém, não ter sido esse o entendimento do Meritíssimo Juiz do tribunal à Quo, por isso, o presente recurso. 80. – Objectivamente, o Meritíssimo Juiz do tribunal à quo, deu como provada a presença clara, inequívoca e cumulativa, dos requisitos a que alude o disposto em nº 1, alíneas a); b); c) do art. 33º do Dec/lei 118/93 – veja-se pontos 3 – 4 – 4.1 – 5 – da douta sentença recorrida. 81. – Nesta conformidade e face à cessação do contrato de agência, nada obstava a que o tribunal à quo tivesse fixado, em termos equitativos, a justa indemnização de clientela peticionada pelas AA. tal como se encontra configurada no art. 34º do dec/lei 118/93. 82. – Contudo, o Meritíssimo Juiz do tribunal á quo, com o devido respeito, sem provas e até contra as provas, ficcionou determinada tese, através da qual, imaginou que a cessação do contrato de agência ocorreu por razões imputáveis às AA., 83. – e, nesta perspectiva, aplicou ao caso sub júdice o disposto em nº 3 do art. 33º do Dec/lei 118/93. 84. – Acontece que, a tese gizada pelo Meritíssimo Juiz do tribunal á quo, tendo em vista ancilar a decisão recorrida, enferma de ausência absoluta de suporte fáctico e probatório, Senão vejamos: 85. – É óbvia, clara e inequívoca a presença no caso em apreço, de causa grave, objectiva e relevante, perpetrada pela Ré e exclusivamente imputada a esta, a qual obrigou as AA. a comunicar à Ré a sua decisão de cessar o contrato de agência com efeitos imediatos. (quem, em seu perfeito juízo, coloca termo a um contrato que lhe permite obter um rendimento anual de 230.000,00 €, sem ocorrer gravíssima causa que torna impossível a realização do fim contratual, em termo ou não ser exigível que o contrato se mantenha). 86. – Ora, atentas as circunstâncias supra referidas conjugadas com a valorização da prova de forma objectiva aplicando criticamente as máximas da experiência conclui-se de forma clara e inequívoca, que não faria sentido que as AA. tenham colocado termo ao contrato de agência, sem que tenha ocorrido uma causa grave, objectiva e relevante perpetrada pela Ré e exclusivamente imputada a esta. 87. – Face ao exposto, cai, pela base, a tese gizada pelo Meritíssimo Juiz do tribunal à quo, no que tange à ausência de justa causa para a resolução do contrato de agência invocado pelas AA. 88. – Todavia, atento o AC. do S. T. J. de 7.3.2006, invocado pelo Meritíssimo Juiz do tribunal à quo e para o que importa tendo em vista a decisão sobre o mérito da causa em apreço, a presença ou ausência de justa causa de resolução do contrato é irrelevante. 89. – Com efeito, ensinam os Exmºs Srs. Drs. Juízes Conselheiros que, “para os efeitos previstos no art. 33/3 do dec/lei 118/93 – exclusão da indemnização de clientela – a lei não distingue a forma da cessação do contrato – por revogação ou denúncia – relevando apenas saber se a extinção teve lugar por razões imputadas ao agente”. 90. – Nestas circunstâncias, quod erat demonstrandum, era, justamente, a presença de qualquer elemento ou facto, susceptível de indiciar que o contrato de agência celebrado entre as AA. e Ré, cessou por razões imputadas àquelas. 91. – Ora, não se vislumbra, mesmo indiciariamente, no conteúdo da decisão recorrida, nem a Ré apresenta qualquer prova susceptível de indicar que a cessação do contrato de agência ficou a dever-se a razões imputáveis às AA. 92. – Plagiando mais uma vez a douta sentença – ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat. – o ónus da prova incumbe a quem diz e não a quem nega. 93. – Se o Meritíssimo Juiz do tribunal à quo julgou prejudicada a apreciação das indemnizações reclamadas pelas AA. em sede de P. I., por aplicação do disposto em nº 3 do art. 33º do dec/lei 118/93 ao caso sub júdice, 94. – então, teria que constar da decisão recorrida, prova plena e cabal da presença clara e inequívoca de elementos ou factos que indiciam razões imputadas às AA. pela cessação do contrato de agência. 95. – Como se demonstrou à saciedade, não se vislumbra no conteúdo da douta decisão recorrida, um único elemento ou facto, provado ou não provado, susceptível de indicar que o contrato de agência cessou por razões imputáveis às AA. 96. – Nesta conformidade, está, definitivamente, afastada a possibilidade de aplicar ao caso sub júdice o disposto em nº 3 do art. 33º do Dec/lei 118/93 de 13 de Abril. 97. – Face ao exposto, nada obsta a que os Exmºs Srs. Drs. Juízes Desembargadores revoguem a decisão recorrida, determinando que a Ré seja condenada a pagar às AA. a justa indemnização de clientela resultante da cessação do contrato de agência, tal como a mesma se encontra prevista no art. 33º, nº 1, do Dec/lei 118/93 de 13 de Abril, conjugado com o art. 34º do mesmo diploma legal. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão e condenando a Ré nos termos peticionados em sede de P. I. # Nas contra-alegações da ré são formuladas as seguintes conclusões: 1 – Ao concluir que: “não se encontram verificados os requisitos para a indemnização de clientela” o Tribunal a quo valorou de forma correcta e conforme a realidade dos factos a prova apresentada. II – De facto, resulta inequivocamente dos autos, salvo melhor opinião, que o contrato de agência em apreço cessou, por facto exclusivamente imputável aos recorrentes (agentes). III – Na verdade, foram os recorrentes, que de forma infundada fizeram cessar o dito contrato, não logrando demonstrar perante o Tribunal qualquer facto que consubstancie um incumprimento imputável à apelada. IV – Assim o entendendo, a aliás douta Decisão em crise avaliou correctamente os factos carreados nos autos, interpretou e aplicou correctamente o direito, nomeadamente o artigo 33°, do Decreto-Lei n.° 118/93, de 13 de Abril, razão pela qual deve ser confirmada. # Foram colhidos os vistos legais. As questões a decidir prendem-se com a crítica às respostas dadas aos quesitos 1 a 6, com a averiguação relativa ao fim do contrato de agência e com a indemnização de clientela. # Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos: 1. Os autores, enquanto agentes independentes e autónomos, dedicam-se à promoção e venda de artigos provenientes da indústria do calçado e afins (A dos factos assentes). 2. A ré dedica-se ao comércio, importação e exportação de calçado e afins (B dos factos assentes). 3. Por acordo verbal de autores e ré celebrado para vigorar por tempo indeterminado, ao longo dos últimos dez anos os autores promoveram e venderam a terceiros os produtos importados e comercializados pela ré, que lhes pagava as respectivas comissões (C dos factos assentes). 4. Os autores apenas promoviam a venda de produtos importados e comercializados pela ré (D dos factos assentes). 5. Tal sucedeu até final do mês de Julho de 2008 (E dos factos assentes). 6. Os autores comunicaram à ré, verbalmente e por escrito, o seu propósito de pôr termo ao acordo referido em C e D, com a produção de efeitos imediatos (F dos factos assentes). 7. A ré recusa-se a pagar qualquer indemnização aos autores (G dos factos assentes). 8. Os autores, ao longo de mais de dez anos, angariaram em Portugal e Espanha novos clientes para a ré e aumentaram o volume de negócios desta: a facturação em Espanha era, então, residual, situando-se actualmente nos 6.000.000€ por ano (H dos factos assentes). 9. O primeiro e segundo autores receberam da ré nos últimos 5 anos, a título de remunerações/comissões, uma média de 200.000€ por ano (I dos factos assentes). 10. As remunerações/comissões auferidas pelo terceiro autor eram provenientes de vendas efectuadas em regime especial, por instruções directas da ré, e nos últimos 5 anos ascenderam a 150.000€, num montante médio anual de 30.000€ (J dos factos assentes). 11. Não há acordo escrito firmado por autores e ré que atribuísse àqueles o direito de promover e vender os produtos da ré em exclusividade (L dos factos assentes). 12. Actualmente, os autores são agentes comerciais da empresa G…, concorrente da ré (M dos factos assentes). 13. Caso existisse uma redução a um sexto da área de vendas em Espanha, os autores não teriam receitas suficientes para fazerem face às suas despesas (resposta ao 7 da base instrutória). 14. A 4/7/2008 os autores tiveram conhecimento que a ré tinha nomeado um novo agente/distribuidor exclusivo para as ilhas Canárias (8 da base instrutória). 15. No início de Julho de 2008 a ré organizou uma exposição e promoveu os seus produtos na Feira Internacional de calçado, em …, Espanha (9 da base instrutória). 16. E convidou todos os clientes de Espanha e Ilhas Baleares (resposta ao 10 da base instrutória). 17. Os autores procederam à cobrança de alguns créditos pendentes até à data em que a ré enviou aos seus clientes a missiva de fls. 16 (resposta ao 11 da base instrutória). 18. A clientela angariada pelos autores, por via de fidelização à marca, aos produtos, ao relacionamento empresarial e ao interesse comercial, continuará a contratar e negociar com a ré, tendo ocorrido uma diminuição de vendas de 1.100.000€ em 2008 (resposta ao 12 da base instrutória). 19. O montante referido em I importou a cada um dos primeiro e segundo autores cerca de 100.000€ por ano (13 da base instrutória). 20. O referido em F sucedeu em 4/7/2008 (14 da base instrutória). 21. Os clientes da ré denominados H…, SL, I…, SL, J…, SL, K…, SL, L…, SL, M…, N…, O…, P…, Q…, SL, S… e T…, SL, não foram angariados pelos autores, mas antes pela própria ré (17 da base instrutória). 22. No período de 2003 a 2008 esses clientes adquiriram produtos à ré no montante global de 5.431.468,86€ (18 da base instrutória). 23. Em virtude da conduta dos autores, a ré, em Setembro de 2008, decidiu deslocar os seus vendedores do território nacional para determinadas áreas de Espanha (resposta ao 19 da base instrutória). 24. De acordo com o acordo firmado com a ré e contra o pagamento da respectiva comissão, os autores procediam também à cobrança do preço dos produtos vendidos junto dos clientes da ré e prestavam-lhes assistência pós-venda (20 da base instrutória). 25. Após a divulgação pela ré entre os seus clientes da carta de fls.16, os autores deixaram de efectuar cobranças (resposta ao 21 da base instrutória). 26. No ano de 2008 as vendas directas da ré em Espanha diminuíram cerca de 20% e as vendas efectuadas através dos autores, em 2008, sofreram uma diminuição anual de 1.100.000€, face a 2007 (resposta ao 23 da base instrutória). # Os quesitos 1 a 6 têm o seguinte teor: 1- A ré declarou conceder aos autores o direito exclusivo de promover e vender os seus produtos em Portugal – região do Minho e Trás-os-Montes – e em Espanha, incluindo as ilhas Baleares, e com exclusão da província da Catalunha? 2- Mais tarde a ré não permitiu que os autores continuassem a promover e vender os seus produtos em exclusividade na região do Minho e Trás-os-Montes? 3- Em momento ulterior a ré determinou que a nova estratégia comercial para a Espanha passaria pela delimitação de zonas e círculos de clientes? 4- Seleccionou um novo quadro de agentes/vendedores, aos quais concedeu o direito exclusivo do círculo de clientes da zona atribuída – Estremadura, Andaluzia, Galiza, entre outras? 5- Por assim ser, os autores ficariam, em paridade como outros agentes, confinados à zona atribuída? 6- E viam reduzida a um sexto a zona exclusiva de vendas e respectivo círculo de clientes? Ao invés da resposta “não provado” que se deu a esses quesitos 1 a 6, nas alegações de apelação os autores invocam que tais respostas deveriam ser “provado”. Referem para tanto: - “Face à prova clara e inequívoca dos quesitos 1 a 6 constantes da douta base instrutória, a qual, além do mais, resulta, justamente, da valoração da mesma de forma objectiva aplicando, criticamente, as máximas da experiência”; - “Objectivamente e à luz dos critérios da valoração da prova tal como os concebe e bem, o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, ocorreram circunstâncias, imputáveis à ré, que pela sua gravidade e relevância, in casu, aquelas que constam dos quesitos 1 a 6 inclusive da douta base instrutória, prejudicavam, gravemente, a realização do fim contratual, justificando a cessação do contrato de agência comunicado pelas autoras à ré”; - “Não fazia sentido que autoras e ré tenham cessado as suas relações sem causa grave, objectiva e relevante”; - “Como supra se disse e reitera, as máximas da experiência, enquanto regras fundamentais aplicadas à valoração da prova, ensinam que ninguém em seu perfeito juízo, resolve um contrato que lhe permite auferir um rendimento de 230.000,00€/ano, sem que ocorra causa grave, objectiva e relevante, imputável à outra parte, que impede a obtenção daquele rendimento”. Os autores não reiteram a impropriedade das respostas dadas aos quesitos 1 a 6 nas conclusões da apelação, o que seria óbice suficiente à reapreciação na apelação dessa matéria de facto, nos termos dos arts. 684 nº3 e 660 nº 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil (CPC). Por outro lado, os autores não enunciam especificadamente meios de prova que impusessem resposta diferente aos citados quesitos, não cumprindo a obrigação referida no art. 685-B nº 1 al. b) do CPC, tanto mais que os depoimentos das testemunhas foram gravados e não é feita qualquer referência a tais depoimentos, muito menos com os requisitos impostos no nº 2 do mesmo art. 685-B. Acresce que as máximas da experiência comum não revelam como evidente a impropriedade das respostas negativas dadas aos ditos 6 quesitos e o entendimento de que ninguém em seu perfeito juízo resolve um contrato que lhe permite auferir um rendimento de 230.000€ por ano sem que ocorra causa grave, objectiva e relevante, imputável à outra parte, que impede a obtenção daquele rendimento, também não se tem por evidente: existem numerosos motivos plausíveis, inteiramente racionais e até correntes para se resolver por iniciativa própria um contrato que propicia uma receita bruta anual de 230.000€, a começar pela possibilidade de essa receita não cobrir as despesas, sendo a continuação do contrato causa, isso sim, de prejuízos, e continuando pela possibilidade de a resolução em causa conferir disponibilidade para se passar a vender por conta de outrem que pague melhores comissões. Os apelantes não estabelecem crítica substantiva e adjectivamente admissível à resposta “não provado” dada aos quesitos 1 a 6, e, nem de perto, revelam evidência sobre a impropriedade de qualquer uma dessas respostas. Cumpre acrescentar que as respostas negativas aos quesitos 1 a 6 e a correspondente fundamentação se conciliam com a matéria de facto que já tinha sido considerada assente e com as respostas dadas aos outros quesitos, pelo que não se verifica contradição, obscuridade, insuficiência ou outra deficiência na matéria de facto provada e não provada – bem como na correspondente motivação – que justificasse a anulação de qualquer uma das respostas, ao abrigo do disposto no art. 712 nº 4 e nº 5 do CPC. Assim sendo, mantém-se inalterada a matéria de facto considerada provada e não provada, particularmente a matéria não provada dos quesitos 1 a 6. Dispõe o art. 33 nº 3 do DL 178/86, de 3/7, na redacção conferida pelo art. 1 do DL 118/93, de 13/4: “Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente (…)”. Nessa norma consta requisito cumulativo, que se adiciona aos requisitos previstos no nº 1 do mesmo art. 33, para que o agente tenha direito à indemnização de clientela. O ónus de alegação e de prova de todos esses requisitos do direito dos autores à indemnização de clientela cabe a estes últimos, nos termos da regra geral do art. 342 nº 1 do Código Civil. Cumpre referir que o ónus de alegação e de demonstração que cabe aos autores na parte do requisito do citado art. 33 nº 3 e trecho transcrito, se prende com a demonstração de uma das situações referidas nas duas alíneas (adiante transcritas) do art. 30 do DL 118/93, pelo que é um ónus de demonstração de factos positivos e não de demonstração do facto negativo, como, aparentemente, transparece nesse art. 33 nº 3. Os autores desfocam o assunto quando entendem que é a ré que tem de demonstrar que o contrato cessa por razões imputáveis aos autores, mas antes se entende que são os autores quem tem de demonstrar uma das situações referidas nas duas alíneas do art. 30 citado para que se possa concluir que o contrato não cessa por razões imputáveis aos autores. Na sentença reconheceu-se que os autores reuniram os requisitos cumulativos previstos no nº 1 daquele art. 33 para obterem indemnização de clientela – assunto que se encontra assente para os termos da presente apelação –, mas exclui-se essa indemnização ao abrigo da transcrita norma do nº 3 do mesmo art. 33, com os argumentos que se passam a transcrever: “Ora, in casu sabemos que foram os autores quem puseram termo ao contrato (facto nº 6) em Julho de 2008 (facto nº 21). Será que os autores tinham justa causa para essa resolução? Parece evidente que não. Desde logo porque a resolução prevista no art. 30, exige que: “O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”. Ora, in casu todos os fundamentos alegados pelos autores resultaram indemonstrados, decorrendo apenas dos factos provados que - “Caso existisse uma redução de um sexto as receitas seriam insuficientes para fazer face às despesas” (facto nº 14). - Que a ré nomeou um representante para as Ilhas Canárias (facto 16). - E que realizou uma exposição para onde convidou directamente os seus clientes de Espanha e Ilhas Baleares (facto nº 17). Parece seguro e evidente que nenhum desses factos pode ser o incumprimento grave e reiterado de qualquer obrigação. Em primeiro lugar, porque os autores não provaram qualquer tipo de exclusividade no mercado espanhol, nem sequer que tenham realizado vendas nas Ilhas Canárias. Depois, porque nada resulta que tenha sido estabelecida qualquer redução da sua área (cfr. facto 16). E, por fim, porque, sempre com o devido respeito por melhor opinião, a promoção de exposições e envio de convites em nada afectaria a posição dos autores que até poderiam beneficiar com essa medida comercial. Concluímos assim inexistir qualquer justa causa de resolução desse acordo por parte dos autores”. Entendem os autores que os factos que resultaram provados sustentam que o contrato de agência não cessou por razões imputáveis aos autores. Antes do mais cumpre referir que se demonstrou que o fim do contrato ocorreu no fim de Julho de 2008 em função de declarações verbais e escritas que os autores dirigiram à ré. Os autores podem desistir do contrato, sem que isso se confunda com atitude relapsa de quem quer que seja, e não existe evidência alguma, ou regra de experiência comum alguma, que consubstancie falta contratual da ré só porque os autores desistem de um contrato que lhes rendia, em média, receitas brutas anuais de 230.000€. O que se discute, para os efeitos da previsão das duas alíneas do art. 30 do DL 178/86, é saber se os autores podiam apontar ao principal (a ré) o incumprimento, por este, do contrato, em termos graves e reiterados, ou se existiam outras circunstâncias – que até nem se prendam totalmente com actos ou omissões do principal – que tornassem impossível, ou prejudicassem gravemente, a realização do fim contratual relativo à promoção de vendas de artigos do principal pelos autores. Dispõe aquele art. 30: “O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”. Nos casos de resolução ou denúncia por parte do agente, o contorno do direito à indemnização de clientela é moldado pela verificação das circunstâncias referidas nesse art. 30, ou seja, o disposto no art. 33 nº 3 é delimitado pelo disposto em tal art. 30. É essa a tese da sentença, com a qual se concorda inteiramente. Conferindo a causa de pedir enunciada pelos autores, constata-se que estes invocam os seguintes actos da ré: - A ré concedeu aos autores o exclusivo das vendas no Minho e Trás-os-Montes e em toda a Espanha, excepto na Catalunha; - Unilateralmente e sem aviso prévio, a ré retirou aos autores a exclusividade no Minho e Trás-os-Montes, mas comprometeu-se a compensá-los pelos prejuízos causados, o que nunca fez; - Após essa decisão, a ré propunha-se restringir a área em Espanha atribuída aos autores, reduzindo a sua área de vendas a um sexto da que até então se verificava; - Em Julho de 2008, a ré nomeou um novo agente nas Canárias e fez promoção directa do seu calçado na F…, convidando para esse evento clientes de toda a Espanha, os quais, até então, eram convidados pelos autores, tudo com o objectivo de chamar a ela, ré, a clientela angariada pelos autores. Concluem os autores que o conjunto dos actos descritos tornaram impossível a manutenção do contrato de agência, pelo que os autores manifestaram à ré o seu propósito de resolverem tal contrato. Sucede que: - Não se provou que a ré tenha concedido exclusivo geográfico algum aos autores para a promoção das vendas, sendo certo que tal convenção teria de ser outorgada por escrito, nos termos do art. 4 do DL 178/86 (“Depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente, nos termos do qual a outra parte fique impedida de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo”); - Não se provou que a ré – independentemente de inexistência de convenção de exclusivo geográfico algum – tenha impedido os autores de venderem no Minho e em Trás-os-Montes; - Não se provou que a ré – independentemente de inexistência de convenção de exclusivo geográfico algum – tenha restringido a um sexto da área anterior o âmbito geográfico das vendas dos autores em Espanha – sempre sem a Catalunha. Num contexto muitíssimo rarefeito para sustentar as pretensões dos autores, já que contratos de agência verbais não sustentam juridicamente exclusivos geográficos conferidos pelo principal, não se prova qualquer acto que corporize incumprimento do contrato de agência pela ré e muito menos se demonstra incumprimento grave e reiterado por parte da ré, tal como não se demonstra, seja por que causa for – mesmo ponderando a alteração reportada às Canárias –, alteração das condições de trabalho e de negócio dos autores em ordem a tornar impossível a sua actividade de promoção de vendas, ou em ordem a prejudicar gravemente essa actividade. Sem concessão de exclusivo geográfico aos autores, a ré não estava impedida de nomear um agente distribuidor para as Canárias. A ré não incorreu em incumprimento contratual quando nomeou esse agente, o que afasta liminarmente a previsão da al. a) do art. 30 do DL 178/86 nessa parte do assunto que opõe as partes. Os autores não invocam que o volume das vendas que tinham realizado nas Canárias tinha dimensão crítica para o seu negócio e que sem esse trecho insular de Espanha se tornava impossível, ou era gravemente prejudicada, a globalidade da sua actividade de vendas, tudo sem esquecer que durante cerca de dez anos os autores se limitavam a promover vendas da ré. Ou seja, o assunto da alteração das vendas nas Canárias não foi alegado pelos autores em termos de consubstanciar a previsão da al. b) do dito art. 30, embora seja correcto, em abono dos autores, que estes tinham efectivamente promovido vendas nessas ilhas, como se revela nos e-mails de 4/7/2008 e “listado de stocks” subscrito por U…. Também se demonstrou que no início de Julho de 2008 a ré organizou uma exposição e promoveu os seus produtos na F…, convidando para essa feira todos os clientes de Espanha. Os autores alegam que até então eram eles quem convidavam os clientes de Espanha para essa mostra e que a ré agiu daquela forma para chamar a ela a clientela angariada pelos autores, clientela essa que até então só com os autores se relacionava (anota-se que não se provou o trecho do quesito 10 relativo ao convite pelos autores, antes da mostra de 2008, dos clientes de Espanha). A fragilidade da condição jurídica dos autores inerente à inexistência de contrato escrito mais uma vez se revela no assunto da mostra de Valência, não existindo alegação no sentido de que mesmo dentro da convenção verbal que se estabeleceu entre as partes ainda se acordou que os contactos comerciais entabulados naquela mostra só se poderiam realizar com os autores. A alegada, mas não demonstrada, exclusividade de vendas dos autores na Espanha (excepto Catalunha), não equivale a idêntica exclusividade de contactos numa mostra comercial e nem sequer se demonstra com razoável segurança que dos contactos directos entre a ré e clientes de Espanha resultaria efectiva perda de clientes intermediados pelos autores, clientes esses desviados para negócios directos com a ré e/ou desviados para negócios com outros agentes da ré, embora nesta última asserção não se chegue ao ponto de sustentar o seguinte trecho da sentença: “a promoção de exposições e envio de convites em nada afectaria a posição dos autores, que até poderiam beneficiar com essa medida comercial”. A resposta não provado aos quesitos 3, 4, 5 e 6, por um lado, e a resposta que veio a ser dada ao quesito 7, por outro lado, só tem o significado de se ter demonstrado, como hipótese, que se a área de vendas dos autores em Espanha ficasse reduzida a um sexto da área que até então realizavam o seu negócio se tornaria insolvente, mas não tem o significado de demonstrar que a ré reduziu aos autores, ou se preparava para reduzir, a área de vendas em Espanha a um sexto daquela em que antes os autores trabalhavam. Também não é nesse elemento meramente hipotético que os autores encontram impossibilidade ou grave prejuízo para a continuação da sua actividade como agentes da ré e também não será por aí que vêm consubstanciada a sua conclusão de a ré ter inviabilizado a manutenção do contrato de agência. Ou seja, não é nesse elemento meramente hipotético que se integraria a previsão da transcrita al. b) do art. 30. Os factos provados compatibilizam o fim do contrato com razões que só possam ser as que convêm aos autores, na medida em que estes não sustentam, em sede de prova, actuação da ré passível de censura, nomeadamente incumprimento contratual algum – incumprimento esse que, a existir, também fosse de tal forma grave ou reiterado que justificasse a resolução do contrato pelo agente –, tal como não sustentam que os autores viram, de qualquer modo, a sua actividade de vendas impossibilitada ou gravemente prejudicada. Assim sendo, improcede a apelação. Nos termos e para os efeitos do art. 713 nº 7 do CPC, elabora-se o seguinte sumário: 1- Nos casos de resolução ou denúncia do contrato de agência por parte do agente, o contorno do direito à indemnização de clientela também é moldado pela verificação de alguma das circunstâncias referidas nas duas alíneas do art. 30 do DL 178/86, de 3/7, norma com o seguinte teor: “O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”; 2- Ou seja, o disposto na primeira parte do art. 33 nº 3 desse diploma – “Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente (…)” – é delimitado pelo disposto naquele art. 30. # Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar improcedente a apelação e confirmam a sentença. Custas pelos autores, com base no valor tributário de 230.000€. Porto, 26/1/2012 Pedro André Maciel Lima da Costa Filipe Manuel Nunes Caroço Maria Amália Pereira dos Santos Rocha |