Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7251/22.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: DIREITO À IMAGEM
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO À PRIVACIDADE
Nº do Documento: RP202305087251/22.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito à imagem abrange, primeiro, o direito de definir a própria auto-exposição, ou seja, o direito de cada um a não ser fotografado e a não ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento; e, depois, o direito de não o ver apresentado de forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel («falsificação da personalidade»).
II - Do art. 79.º CC resulta o direito à autodeterminação da imagem exterior que, na sequência da tutela geral da personalidade acolhida no art. 70.º, concede à pessoa a escolha sobre a forma como se apresenta aos outros, o quando e o como (vestuário que utiliza, adereços, etc…), e o direito de definir os termos e as condições em que o seu retrato pode ser captado e utilizado por terceiros.
III - Uma pessoa que decide tornar públicos, designadamente em redes sociais, comportamentos ou imagens que são protegidos pela reserva de intimidade da vida privada não está a renunciar ao seu direito de personalidade (onde se inclui o direito à imagem), mas a exercê-lo autonomamente, definindo assim soberanamente a sua auto-exposição.
IV - O direito à autodeterminação informacional constitui uma nova aplicação jurídica do direito à privacidade e não se extingue pelo facto de o indivíduo não fazer uso dele ou mesmo não se esforçar para o defender.
V - A liberdade de expressão inclui a publicação de fotografias, sendo esta uma área em que a proteção da reputação e dos direitos de terceiros é de particular importância, uma vez que as fotografias podem conter informações pessoais, mesmo íntimas, sobre um indivíduo ou a sua família.
VI - Pretendendo um órgão de comunicação social informar os leitores de revista publicada a nível nacional que determinada jovem, filha de líder partidário, se lançava também ela nos meandros político-partidários – o que pode ser considerado tema de interesse público e nacional e por isso legítimo – não se antolha como adequado à notícia e proporcionado àquele fim o recurso a fotografias desta, publicadas sem o seu consentimento, adulterando-as e divulgando a sua figura em poses mais ousadas ou em situações da vida privada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 7251/22.5T8PRT.P1


Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO

AUTORA: AA, solteira, residente na Rua ..., ... Porto.

RÉS: A... S.A., com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa.
BB, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... Lisboa.

Por via da presente ação declarativa, pretende a A. obter a condenação das Rés a indemnizá-la por danos não patrimoniais na quantia de €15.700,00.
Invoca uma publicação noticiosa, em revista distribuída pela primeira Ré e artigo subscrito pela segunda Ré, na qual surge a A. indicada como sendo filha de líder político, envolvida em assuntos de uma juventude partidária, aludindo ainda à sua carreira académica. O artigo exibe várias fotografias da demandante, algumas de quando era ainda menor de idade, tendo as mesmas sido recolhidas em ambientes da sua esfera privada e não tendo as Rés obtido consentimento para a sua publicação.
Mercê desta difusão, a A., pessoa reservada e discreta, passou a ser abordada, por vezes de forma insultuosa, vendo-se mesmo obrigada a confinar-se.

Contestaram as Rés, entre o mais que ficou conhecido em despacho saneador, atribuindo a seleção de fotografias ao editor de fotografia e à chefia de redação, sendo a isso alheia a segunda Ré. Mais aduziram que o interesse da notícia resulta do facto de A. exercer atividade política numa juventude partidária, achando-se as fotografias em causa publicadas pela A. na sua página de uma rede social.

Foi exercido contraditório.

Realizado julgamento, foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, absolvendo a segunda Ré do pedido, condenou a ré A..., SA, a pagar à autora a quantia de 5.000€, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data da sentença.
Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1) A autora é uma jovem universitária a frequentar o curso de Direito, pela Universidade ....
2) A ré A..., SA é uma reconhecida empresa de comunicação social, sendo proprietária, entre outras, da publicação semanal sob a designação Revista ....
3) A ré BB é autora do texto publicado na edição ... da revista ... sob o título ”... – O peso de um nome”, junto com a petição inicial como documento n.º 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4) Na sua edição n.º ..., de 6 a 12 de agosto de 2020, a dita revista publicou, em chamada de capa, uma foto da autora, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo a autora menos de 18 anos de idade, com a menção em letras maiúsculas e parcialmente a vermelho:
“A FILHA DE CC AA TEM 18 ANOS E JÁ ANDA EM GUERRAS POLÍTICAS NO PARTIDO ONDE MANDA O PAI”.
5) Na mesma capa constavam apenas 3 outros títulos, apenas um com maior destaque.
6) Logo na página 4 da mesma publicação, no sumário, surge uma fotografia da autora em tamanho A4, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e com nova menção, agora dizendo: “A FILHA DE CC, AA, FILIOU-SE NA ... E VIU-SE ENVOLVIDA NA RECENTE GUERRA DE PODER, MAS FICOU DO LADO QUE PERDEU”.
7) Na página 52, nova fotografia da autora, cujo teor aqui se dá por reproduzido, de corpo inteiro, novamente de página completa, com um fundo laranja.
8) Nas páginas seguintes, de 53 a 55, da mesma publicação surge o artigo da autoria da ré BB, mencionado em 3), acompanhada de diversas fotografias da autora, sendo uma na página 53, cinco na página 54 onde a autora surge na companhia de terceiros e ainda uma fotografia de meio corpo, na página 55, com um fundo laranja, tudo conforme termos do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujos teores aqui se dão por reproduzidos.
9) Com exceção da fotografia que consta da página 53, as fotografias publicadas foram tiradas pela autora na sua esfera privada.
10) Algumas das quais em sua casa.
11) Outras com amigos, em momentos de convívio.
12) Em todas as fotografias da página 54 a autora aparece ainda menor, acompanhada de outros jovens.
13) As fotografias das páginas 52 e 55, que surgem com um fundo laranja, foram adulteradas, porquanto, na sua versão original, têm o fundo da cor da parede da casa da autora, que é bege.
14) A autora participou em listas como candidata a cargos na ..., para o Núcleo Ocidental do Porto e para o conselho de jurisdição da ....
15) A autora é filha do líder de CC, na altura da publicação presidente do ....
16) Para além das fotografias que publicou na rede social instagram, a autora não expõe ou exibe a sua vida.
17) A autora não procurou ou propiciou que a sua vida ou os seus comportamentos fossem foco de interesse ou de notícia.
18) Nunca a autora autorizou ou consentiu a publicação das ditas fotografias, que foram retiradas abusivamente da conta da rede social instagram que tem.
19) Além da publicação das suas fotos, a ré BB dedicou à autora acentuado destaque com um texto através do qual pretende desvendar o caráter e personalidade da autora, referindo-se à autora como sendo “aluna mediana”, que “ficou do lado de quem perdeu” ou por ser “pouco ativa”.
20) Sendo que foi opção da ré BB:
a) elaborar um texto que procura trazer algum sensacionalismo
b) descrever a vida da visada, apesar de bem saber se tratar de uma jovem de 18 anos, que vivia com discrição e numa opção de anonimato
21) E foi opção de quem exercia a direção da revista, de acordo com a sua estrutura organizativa:
a) fazer publicar na edição n.º ... da revista ... o texto escrito pela ré BB, acima mencionado, já editado, em quatro páginas, onde descreve a militância partidária da autora, mas onde ainda menciona que a autora “acaba de passar para o segundo ano de Direito na Universidade ...”, “é descrita como muito discreta e reservada”, “não é ativa” (na vida política), “é vista como uma aluna mediana”,
b) fazer dele uma chamada de capa com foto.
c) dedicar uma página, o sumário, a fls. 4, integralmente ocupada com a imagem da autora e com a menção A FILHA DE CC, AA, FILIOU-SE NA ... E VIU-SE ENVOLVIDA NA RECENTE GUERRA PELO PODER. MAS FICOU DO LADO QUE PERDEU.
d) publicar as fotografias da autora AA acima referidas.
22) As fotografias publicadas foram recolhidas na conta da autora na rede social instagram, na altura aberta ao público, tendo duas delas sido alteradas e todas sido publicadas sem o consentimento da autora.
23) A autora não tinha, à data, notoriedade pública própria, estatuto social próprio ou praticava atos cuja natureza preenchesse por si a condição de interesse publico, bem como não exercia cargos de relevo ou importância.
24) Foi exposta na reserva da sua vida privada e pela devassa da sua imagem, de forma intencional e flagrante, sentindo-se desrespeitada.
25) Após a publicação da ..., colegas da faculdade abordaram a autora, confrontando-a com as fotografias publicadas, dirigindo comentários e apreciações quanto às poses que as mesmas apresentam, como “afinal és assim, de forma para a autora que a desagradou.
26) Dando as fotografias, essencialmente a da página 4, uma imagem global da autora que não coincide com a sua verdadeira essência.
27) A publicação do artigo e as fotografias tiveram um impacto negativo na autora, fazendo-a sentir amargurada, trazendo-lhe desequilíbrio e insegurança.
28) Com a publicação do artigo a autora perdeu anonimato, o que prezava, e passou a ser vista por força das fotografias e essencialmente pela da página 4, por colegas segundo juízos de valor que a rebaixam e diminuem.
29) O que pode colocar a normal afirmação de uma jovem como pessoa e como mulher.
30) A autora sentiu-se revoltada e envergonhada com partes do texto, concretamente quando se refere a si como sendo “aluna mediana” e quando é classificada como tímida.
31) O texto publicado na revista ... sobre a autora, pelo seu conteúdo, extensão, destaque, inclusive com a chamada de capa e publicação das fotografias, e interesse que pode suscitar é despropositado.
32) Aparecendo as fotografias, salvo a da página 53, que acompanham o texto descontextualizadas do assunto do próprio artigo, não tendo a menor relação com ele.
33) Ainda hoje uma pesquisa no google com o nome da autora resulta no acesso à dita publicação e às fotografias que a mesma apresenta.
34) A autora a 24 de agosto de 2020 dirigiu uma exposição à Entidade Reguladora para a Comunicação Social a quem solicitou parecer sobre o interesse público do artigo da revista ... publicado sobre si.
35) Tendo a autora, por intermédio de advogado, sido notificada por carta datada de 11 de fevereiro de 2022 das conclusões da Entidade Reguladora para a Comunicação Social de arquivar o processo, nos termos pelos fundamentos que constam do documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
36) A ré promove à publicação da revista ... há diversos anos.
37) Consta da ficha técnica da Revista ... que no mês de janeiro teve uma tiragem de 100.000 exemplares, conforme termos do documento n.º 5, junto com o requerimento eletrónico de 17/06/2022, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
38) A ré A..., SA, tem receitas resultantes da venda da revista ... e publicitárias.
39) As chamadas de capa são habitualmente reservadas para as notícias que incitam o leitor a comprar a revista.
40) O trabalho de seleção e tratamento das imagens é um trabalho editorial e técnico que está concentrado no editor de fotografia e na chefia de redação, não tendo sido a ré BB que as escolheu da conta da autora do instagram.
41) Na semana em que o texto foi paginado e dado à impressão a ré BB estava ausente da redação, em férias,
42) Antes de ir de férias, a ré BB deixou o texto escrito em word e não acompanhou a fase de paginação e escolha de fotografias.
43) A ré BB enviou, pelo menos, uma mensagem escrita à autora, via whatsapp, que foi recebida e lida no dia 31/07/2020, procurando dar-lhe nota do trabalho que estava a fazer sobre si.
44) Adicionalmente, fez várias tentativas para falar com a autora por telefone, sempre sem sucesso.

Foram dados como não provados os factos seguintes:
45) A participação da autora na vida politica ativa é destituída de qualquer interesse público.
46) Todos os jovens que aparecem nas fotografias da página 54 são menores de idade.
47) A autora não tem qualquer atividade pública ou política.
48) Foi opção da ré BB escolher e incluir fotos, recolhidas nas redes sociais, alterando-as e publicando-as sem obter o consentimento da visada.
49) A ré BB não cuidou de cuidar de consultar a autora antes da publicação do artigo na revista ....
50) A autora não foi abordada pelas rés, pelo menos em momento prévio a esta publicação, tendo sido surpreendida pela publicação do artigo na revista ....
51) A autora foi confrontada por absolutos desconhecidos que, vendo as fotos publicadas, se acharam próximos da autora e assim lhe dirigindo comentários e apreciações quanto às poses que as mesmas apresentam
52) A autora foi comentada por estranhos e abordada por meros conhecidos que a passaram a interpelar de forma abonatória ou insultuosa, como se fosse dela a responsabilidade pelas decisões políticas quotidianas do seu pai.
53) Por causa da publicação da reportagem na revista ... a autora evitou o convívio com amigos e durante largos meses deixou de frequentar festas da faculdade e, até mesmo, aulas, no sentido de evitar as abordagens que lhe passaram a ser repetidamente feitas por força da notícia em causa.
54) A ré A..., SA tem uma receita média semanal de 350.000€ com a venda da revista ....
55) A receita publicitária constitui cerca de 50% dos proveitos da ré A..., SA.
56) Com a publicação da fotografia da autora na capa, a ré A..., SA, vendeu mais revistas do que é habitual.
57) No que se materializou em ganhos económicos, proveitos e maior projeção da imagem da sua publicação, potenciando assim ganhos futuros.
58) A ré BB é diretamente favorecida pelos ganhos da ré A..., SA.

Desta sentença recorre a Ré A..., visando a sua absolvição e argumentando desta forma:
1. A 1ª Ré, ora Recorrente, não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 07.12.2022, com a referência nº 442269006.
2. A Recorrente não concorda, desde logo, com decisão do Tribunal a quo, quanto à matéria de facto dada como provada.
3. A Recorrente também não concorda com a solução de Direito a que chegou o Tribunal a quo, uma vez que, salvo o devido respeito, não fez uma aplicação correta do regime legal previsto nos artigos 29º da Lei da Imprensa, dos artigos 79º, 483º, 496º do Código Civil (“CC”), e dos preceitos constitucionais (artigos 26º, 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)) e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”), nomeadamente os seus artigos 1º e 10º, que regulam os direitos em discussão na presente ação.
4. O Tribunal a quo apenas considerou provado que a Autora era menor nas fotografias da página 54 e na fotografia da chamada de capa pelo seu aspeto juvenil nessas fotografias, afirmando perentoriamente que a Autora nenhuma prova fez sobre isto e acrescentou que a mesma devia ter tido outro cuidado procurando fazer alguma prova sobre esta matéria, evitando um exercício de alguma advinha.
5. O Tribunal a quo não podia ter apresentado a sua fundamentação de facto, sem subsumi-la aos factos, nem podia retirar conclusões próprias baseadas em probabilidades consoante a aparência física, sem fundamento e sem o mínimo de correspondência com a prova produzida.
6. Como é sabido, muitas vezes as pessoas, nomeadamente os jovens adultos, não aparentam a idade que têm, podendo parecer mais jovens ou mais velhos.
7. Por outro lado, as fotografias também às vezes criam essa ilusão, criando uma ideia da pessoa como mais ou menos jovem; e as fotografias em causa são de dimensão reduzida, o que, a ver da Recorrente, ainda mais dificulta qualquer conclusão que o Tribunal pudesse tirar a este respeito, sem qualquer prova.
8. Do mesmo modo que o Tribunal ficou sem ter a certeza da idade da Autora quanto às fotografias publicadas nas outras páginas e quanto à idade dos outros jovens que estão na página 54, seria coerente, face à ausência de prova sobre esta matéria, que tivesse as mesmas dúvidas quanto às fotografias da Autora da referida página 54.
9. Mais se diga que nenhuma testemunha depôs sobre esta matéria da menoridade ou não da Autora nas fotografias.
10. Tal como também não resultou prova de que as fotografias foram tiradas numa esfera pública ou privada da Autora.
11. Apenas duas testemunhas referiram que vieram a saber mais tarde (sem indicar o contexto ou por quem vieram a saber) que uma das fotografias seria numa varanda de casa e uma testemunha referiu que, na sua perceção, uma das fotografias remete-o para uma ideia mais privada, sem que destes depoimentos possa resultar de forma evidente e indubitável a prova dos factos provados 9) e 10).
12. O Prof. DD prestou o seu depoimento entre as 11:04:20 e as 11:33:28 e nada referiu ao tribunal quanto ao tema da menoridade da Autora nas fotografias e relativamente ao facto das mesmas terem sido tiradas num espaço público ou privado, de forma evasiva e sem qualquer conhecimento direto, referiu que as mesmas não teriam sido tiradas no espaço público (vide minutos 00:40 – 00:44; 01:57 – 02:05; 06:06 – 10:23).
13. O Prof. EE, que prestou o seu depoimento entre as 11:34:23 e as 12:01:25, referiu de forma en passant, e até descontextualizada, o tema da menoridade da Autora nas fotografias (vide minutos 16:20 – 17:10; “tanto mais e tanto quanto sei na altura as fotografias reportavam a uma situação em ela ainda é menor”), mas sem que tenha sido questionado sobre o tema e sem justificar porque faz a asserção transcrita.
14. Relativamente ao facto de as fotografias terem sido tiradas num espaço público ou privado, referiu apenas que uma das fotografias remete para uma ideia mais privada (vide minutos 13:00 – 13:30; “esta fotografia remete-nos para uma ideia mais privada”).
15. Começou o seu depoimento por esclarecer que não conhece propriamente a Autora, mas com o pai tem uma relação pessoal (vide minutos 0:14 – 0:40).
16. A testemunha Prof.ª FF, cujo depoimento foi prestado entre as 12:20:20 e as 12:46:36, foi assessora de comunicação do pai da Autora, durante cerca de 20 anos, e referiu, à semelhança das demais testemunhas, que o conhecimento que tinha da Autora era relativo, ou seja, com quem tinha uma relação próxima era com o seu pai (vide minutos 01:44 – 02:30).
17. Mais adiante no seu depoimento, refere de forma totalmente evasiva, relativamente a uma das fotografias publicada “vim a saber depois [que era] na varanda de casa” (vide minutos 17:18 – 17:20).
18. Não pode evidentemente a Recorrente concordar com o Tribunal quando fundamenta a sua decisão, relativamente aos factos aqui em causa, referindo que “algumas [das fotografias] tendo sido tiradas em casa da autora, concretamente as de fls. 4 (na varanda da casa), 52 e 55, assim o tendo explicado a testemunha FF, que foi assessora de comunicação do pai da autora enquanto presidente do ..., não tendo nenhuma delas, com exceção da de fls. 53, qualquer relação com questões políticas ou partidárias, daí que se diga que se tratam de fotografias da esfera privada da autora”.
19. É uma conclusão manifestamente forçada face àquilo que foi a prova da Autora, nomeadamente, a prova feita em audiência final, com reflexos depois na condenação da Recorrente, uma vez que o Tribunal arbitrou a indemnização considerando a alegada menoridade e devassa da vida privada.
20. A verdade é que estas três testemunhas da Autora eram todos amigos da família ou do seu pai, não tendo propriamente uma relação com a Autora e muito menos um conhecimento direto sobre o que a mesma alega na ação; o conhecimento que tiveram acerca da situação relatada nos autos é notoriamente indireto.
21. É por demais evidente que os factos considerados provados nos pontos 9), 10) e 12), da sentença recorrida, deveriam ter sido considerados não provados.
22. Era de suma importância que a Recorrida tivesse conseguido provar os danos que efetivamente alega, para fazer valer o seu alegado direito a uma indemnização – o que, de todo, não conseguiu.
23. Sobre este tema apenas se pronunciaram duas testemunhas, uma que se revelou próxima da Autora, mas a outra testemunha – Prof.ª FF – revelou um conhecimento totalmente indireto sobre o tema.
24. Esta testemunha afirmou que tinha um conhecimento relativo da Autora e que a relação próxima era com o seu pai, por quem alegadamente soube os efeitos que a publicação terá causado na Autora (vide minutos 01:44 – 02:30; 19:38 – 26:15).
25. As duas primeiras testemunhas – Prof. DD (vide minutos 15:30 – 16:00; 17:07 – 17:55; 23:00 – 24:20) e Prof. EE (vide minutos 01:54 – 03:18) – pouco ou nada disseram de concreto sobre este tema, revelando sempre um conhecimento meramente indireto.
26. A única testemunha que revelou um conhecimento direto sobre o tema em apreciação foi o Prof. GG, que prestou o seu depoimento, com início às 12:02:36 e fim às 12:19:26, e que explicou ao Tribunal que tem acompanhado o crescimento da Autora e teve oportunidade de falar com a mesma sobre a publicação em causa, tendo-lhe a mesma relatado que tinha sido abordada por colegas da faculdade sobre a notícia, passando a ideia de que a Autora não teria gostado da abordagem.
27. Mas também esclareceu que a incentivou a não ligar a essas abordagens e que, na verdade, após este episódio dos colegas da faculdade – único episódio em concreto relatado – não mais existiram episódios, até porque se deu o confinamento (vide minutos 00:27-04:34; 08:10 – 10:18; 10:25 – 13:20).
28. Não se compreende como considerou o Tribunal provado que a Autora teve danos, nomeadamente os que alega, pois, ainda que as fotografias da publicação possam estar descontextualizadas, no sentido em que não têm a ver com eventos políticos, com exceção de uma, da página 53, sendo o texto publicado sobre a atividade política da Autora, a verdade é que esta não conseguiu provar quaisquer danos que tenha tido, relativamente à publicação das mesmas.
29. Nem tão pouco que as mesmas a fizeram perder o anonimato; nada as testemunhas referem sobre isto e, inclusive, como acima se transcreveu, a testemunha Prof. GG afirmou que, desde logo, pelo apelido da Autora era normal que a mesma fosse conhecida.
30. A Recorrente não pode deixar de dizer que não se percebe como as fotografias publicadas eram tão depreciativas da personalidade da Autora e alegadamente lhe criaram sentimentos negativos, se as mesmas estavam no seu instagram, aberto ao público, o que de resto também não é um comportamento habitual em alguém que supostamente é tímido e reservado.
31. A Recorrente até pode admitir que a Autora possa ter ficado incomodada com o facto dos colegas da faculdade terem-na abordado com o tema em causa, mas tudo o que terá sentido não passou de meros incómodos.
32. E apenas foi relatado um único episódio em que a Autora é abordada pelos colegas da faculdade e mesmo neste episódio não se conseguiu apurar que juízos de valor foram dirigidos à Recorrida em concreto; apenas se percebeu que a mesma foi abordada por colegas da faculdade que tinham a revista.
33. A Autora já era tímida, reservada e insegura; não ficou com estas características após a publicação, nem tão pouco com instabilidade emocional.
34. O que as testemunhas relataram, relativamente a comportamentos da Autora foi tudo dentro da normalidade daquilo que é o comportamento de um jovem que se sente meramente incomodado.
35. A testemunha que é psiquiatra e que é próximo da Autora, Prof. GG, disse perentoriamente ao Tribunal que no seu entender a Autora nunca necessitou (nem necessita) de acompanhamento médico (vide minutos 08:10 – 10:18).
36. Se esta situação tivesse tido as proporções e repercussões que a Autora pretende fazer crer - de desrespeito, amargura, desequilíbrio, insegurança, revolta -, certamente teria tido necessidade de ser acompanhada por um psiquiatra/psicólogo e eventualmente até medicada.
37. Não se verificou que tenha sido essa a situação.
38. E a fase da vida em que a Autora se encontrava à data da publicação – jovem adulta – é uma fase em que por si só existe instabilidade emocional, independentemente de qualquer episódio.
39. Ter-se-ia de ter feito a prova de forma cabal, idónea e indesmentível não só dos danos, como do nexo causal dos danos alegados com a publicação das fotografias, e não foi feita tal prova.
40. Foram ouvidas quatro testemunhas e de nenhuma delas se retirou de forma concreta e fundamentada os danos alegadamente sofridos; não indicaram qualquer situação concreta que se pudesse perceber e relacionar com o que é dito na petição inicial.
41. Pelo que, considerando a prova efetivamente produzida nos presentes autos deve ser alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo aos factos constantes dos pontos 24), 27) e 28), passando a ser considerados factos não provados.
42. No que respeita aos factos 18), 26) e 31), a Recorrente entende que se impõe a sua eliminação por completo, uma vez que são meramente conclusivos ou opinativos e, nessa exata medida, não deveriam constar do elenco de factos dados como provados ou não provados.
43. Até que alguma atuação pudesse ser imputada às Rés (que não pode, como veremos), as mesmas atuaram no âmbito da sua liberdade de expressão e imprensa, a qual pode em determinada medida (não ultrapassada) comprimir direitos de personalidade como a reserva da vida privada ou o direito à imagem.
44. O direito à imagem está constitucionalmente e legalmente consagrado, como decorre do estatuído no artigo 26º, nº 1, da CRP, sendo, contudo, imprescindível o recurso ao artigo 79º do CC, para delimitação do seu respetivo âmbito.
45. Estabelece o artigo 79º do CC que: “1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela;(…). 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. 3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada [destaque nosso]”.
46. O próprio CC consagra a possibilidade de não ser necessário o consentimento da pessoa retratada, designadamente, se a reprodução vier enquadrada em factos de interesse público.
47. Caso assim não sucedesse, estaríamos perante uma diminuição e restrição injustificada da própria liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, pilares fundamentais de um Estado de Direito democrático.
48. Conforme resulta da sentença, a notícia em apreço publicada contém um inegável interesse público.
49. Não só a notícia em causa publicada, mas também a inserção na mesma das imagens constituiu um exercício do direito de liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
50. O direito fundamental de liberdade de imprensa, de liberdade de expressão e de liberdade de informação (cfr. artigos 37º e 38º da CRP) decorre, também, do princípio universal e pilar primeiro da dignidade da pessoa humana, bem como do seu direito a um tratamento que não desmereça, também, a sua dignidade (vide artigos 1.º e 10º da CEDH).
51. O direito à imagem, aqui em causa, não tem natureza absoluta, razão pela qual está sujeito às limitações estabelecidas pela lei, com vista, exclusivamente, a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades de terceiros.
52. O Tribunal a quo relevou as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que têm vindo a ser proferidas sobre esta matéria e que têm optado por um caminho inverso ao anteriormente adotado pelos Tribunais Portugueses.
53. A posição de tal Instância Internacional tem como pontos fundamentais:
-A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa;
-As exceções constantes do artigo 10º, nº2, da CEDH devem ser interpretadas de modo restrito;
-Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade.
54. Posto isto, tem-se notado uma inflexão na tendência jurisprudencial portuguesa, no sentido de passar a seguir a orientação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem4.
55. Pelo que não se verifica qualquer comportamento ilícito; bem pelo contrário, é possível aferir que, é por aquelas imagens que a Autora se identifica e se dá a conhecer ao público em geral, já que as tinha no seu instagram de acesso público, mostrando-se assim plenamente justificada a sua utilização em contexto informativo e no âmbito da divulgação de factos de inegável interesse público, ao abrigo do direito à informação e do direito à liberdade de expressão e de informação, constitucionalmente garantidos.
56. Foi, assim, a própria Recorrida que, ao conceder ter fotografias de acesso público no seu instagram, permitiu tal divulgação, pelo que a sua exibição, para além de necessária à coerência e interesse jornalístico da publicação em causa, não configura qualquer ilícito acrescido.
57. Dúvidas não restam, crê-se, de que as imagens foram obtidas licitamente, desde logo pelo facto de estarem acessíveis ao público em geral através da página de Instagram da Autora, sempre com conteúdo público – reitera-se – e isto resultou provado.
58. Constata-se assim o motivo pelo qual não era expectável, não se podendo presumir, que quem fez a edição de imagem do texto em causa soubesse que estava a agir contra a vontade da Autora, uma vez que foi a própria quem, publicamente, divulgou as imagens e que as manteve acessíveis a todas as pessoas, sem restrição ou condicionalismo.
59. Inequivocamente inexistiu qualquer violação civil.
60. Não foram as Rés que escolheram as imagens que acompanharam o texto, assim como, não tiveram qualquer intervenção na obtenção das fotografias, na elaboração, montagem, configuração ou paginação do jornal na edição em causa, como resultou da matéria de facto provada (vide facto 40)).
61. Nenhuma responsabilidade lhes poderá ser assacada pela escolha das imagens e a conjugação destas com o texto do artigo.
62. E ainda que se possa considerar que, tendo sido utilizadas imagens públicas da Autora, não está sequer em causa o seu direito à imagem nos termos consagrados no artigo 79º do CC, mas a utilização destas imagens em termos que causam prejuízo para a honra e reputação da pessoa retratada, isto é da Autora, sendo estes os direitos que o Autora considera violados, por as suas fotografias terem sido utilizadas para ilustrar a publicação que considerou ofensiva dos seus direitos de personalidade, não resultou provado que tal publicação fosse ofensiva, pois não logrou a Autora provar o enquadramento fáctico que procurou fazer, muito menos pôr em causa, em termos juridicamente relevantes, o trabalho jornalístico em que a mesma é visada.
63. No presente caso, tal como o Tribunal refere, o texto não é objetivamente passível de violar direitos de personalidade da Autora e o mesmo se deveria ter considerado quanto às fotografias que o acompanham, até porque dos depoimentos dos amigos do seu pai ouvidos como testemunhas não resultou de forma ostensiva os danos que alega.
64. Tratando-se de danos morais, tipicamente têm de ser danos graves e a Autora tinha de ter provado a sua existência, gravidade e intensidade, nos termos do artigo 496º do CC.
65. A Autora pede o seu quantum indemnizatório alegadamente como forma de desmotivar as Rés “de práticas futuras lesivas dos direitos de personalidade da Autora ou de terceiros” - o que não é admissível, pois, como é sabido, a responsabilidade civil tem no nosso ordenamento jurídico essencialmente uma natureza ressarcitória e não sancionatória, o que quer dizer que a indemnização a arbitrar pelo Tribunal deveria ter por fim o ressarcimento do prejuízo efetivamente sofrido.
66. Também por esta forma da Autora expor o seu pedido se verifica que inexistem quaisquer danos a ressarcir.
67. E ainda que existissem – o que não se concede de todo – os mesmos seriam sempre inferiores a € 5.000, tal como tem sido defendido pela nossa jurisprudência [Cfr. ac. TRL cit.].
68. Não há que indagar acerca da existência de danos não patrimoniais que tenham surgido para a Autora e da sua ressarcibilidade, por ter ficado afastada liminarmente qualquer pretensão ressarcitória por banda da Autora relativamente à 2ª Ré; nem tão pouco se apurou quem em concreto escolheu e tratou das fotografias.
69. Tal circunstância só por si exime de responsabilidade a 1ª Ré, aqui Recorrente, nos termos da Lei da Imprensa (vide artigo 29º da Lei de Imprensa), sendo certo que não se provou qualquer intervenção ou anuência com conhecimento prévio das fotografias do diretor da ... ou seu substituto em concreto.
70. Inexistiu qualquer culpa por parte das Rés, inexistindo qualquer facto dado como provado a este respeito.
71. Gostar ou não gostar do texto publicado e das imagens que o acompanham é matéria que deve ser considerada, e, bem assim, julgada por V. Exas., como insindicável civilmente e assim se absolvendo ambas as Rés dos pedidos formulados nos autos, o que se requer, com todas as consequências legais, devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que decida no sentido aqui indicado.

Contra-alegou a A., opondo-se à procedência do recurso, assim concluindo:
1. Entende a Recorrida que as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente deverão improceder in totum, por falta de sustentação legal e factual que lhes dê causa.
2. Em sede de recurso, não pode a Recorrente sobrepor a sua convicção à do Julgador, não se tratando aqui de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, limitando-se, pois, esta fase processual a suprir eventuais erros e incongruências, que, no caso sub judice, não se verificam.
3. Vem a Recorrente requerer a alteração dos factos 9), 10) e 12) considerados como provados, contudo, não lhe assiste razão.
4. Resulta cabalmente demonstrado que – com a exceção da fotografia da página 53 – as fotografias foram tiradas pela Recorrida na sua esfera pessoal e privada, algumas delas em sua casa (vide depoimento da testemunha HH – diretor da revista ... à data dos factos – prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 7/11/2022 - 00:57:23 a 00:58:57 e depoimento da testemunha FF - 00:17:05 a 00:18:04).
5. Também da própria notícia pode ler-se - página 54 do documento n.º 1 junto à petição inicial - que "AA está no Instagram, onde tem 567 seguidores, mas não costuma partilhar conteúdos políticos nesta rede".
6. Ademais, se a Recorrente não coloca em causa o ponto 13) dos factos provados – o que não faz – não poderá – por falta de cabimento legal – pugnar seja considerado não provado que algumas das fotografias foram tiradas em casa da Autora.
7. Vem ainda a Recorrente colocar em causa a menoridade da Recorrida, parecendo querer olvidar – para além da prova produzida e da evidência das próprias fotografias – que ao retirar tais fotografias da conta de Instagram da A. (facto 18 provado), pôde constatar as datas das publicações. Aliás, uma das fotografias reporta-se ao Euro 2016 (15 anos após o nascimento da A., cf. bem se conclui por confronto ao cartão de cidadão junto aos autos).
8. Também a análise (mesmo presencial), sensibilidade e experiência do Julgador, bem o levou a confirmar pela menoridade da Recorrida, a par dos demais elementos constantes dos autos (vide, a este propósito o depoimento da testemunha Prof. GG - próxima da Autora - 00:09:39 a 00:10:15)
9. Sem prescindir, mesmo que se concluísse que a A. não era menor de idade – o que não se concede – certo é que a decisão do Tribunal a quo se manteria nos seus exatos termos, porquanto, a compensação por danos não patrimoniais fixada tem em consideração outros elementos que, só por si, justificam a bondade da decisão – vide página 28 da sentença -, pelo que o critério da menoridade não se revela conditio sine quo none.
10. Face ao exposto, devem os factos 9), 10) e 12) manterem-se como provados, o que se requer.
11. Quanto aos factos provados 24), 27) e 28) devem manter-se, igualmente, nos seus exatos termos, porquanto, resulta em uníssono dos autos que a Recorrida era uma jovem reservada (vide página 15 das alegações de recurso; notícia junta à p.i. como documento n.º 1 e depoimento prestado pela testemunha Prof. GG - 00:01:30 a 00:01:56 e 00:04:04 a 00:04:30).
12. Aliás, não é crível que o facto de a Recorrida ter redes sociais (Instagram) e ali partilhar algumas fotografias da sua esfera privada – longe do foco político, como resulta da própria publicação – conceda legitimidade a terceiros para serem as mesmas amplamente divulgadas e difundidas nos Media de forma totalmente descontextualizada, abusiva e depreciativa, constituindo, pois, tal ato exposição “na reserva da sua vida privada e pela devassa da sua imagem, de forma intencional e flagrante” pela Ré, aqui Recorrente.
13. Não podemos olvidar, ainda, que resulta demonstrado que a A. sempre primou pelo seu anonimato (vide facto provado 20), b) não colocado em crise pela Recorrente), o que, de igual modo, nos permite concluir pelo impacto negativo que os atos da Recorrente provocaram na Recorrida, o que veio a ser reiterado pela testemunha Prof. GG no seu depoimento - 00:07:19 a 00:08:29 e 00:08:43 a 00:09:26.
14. Sem prescindir, não podemos, igualmente, olvidar que, não tendo a Recorrente colocado em crise o facto 25) considerado como provado [“Após a publicação da ..., colegas da faculdade abordaram a autora, confrontando-a com as fotografias publicadas, dirigindo comentários e apreciações quanto às poses que as mesmas apresentam, como “afinal és assim, de forma para a autora que a desagradou”], resultam diretamente demonstrados os factos 24), 27) e 28) considerados como provados, o que se requer.
15. Vem, por fim, a Recorrente pugnar que não sejam considerados como factos os pontos 18), 26) e 31) considerados como provados – ponto 42 das conclusões de recurso.
16. Sucede que, não deu a Recorrente cumprimento ao ónus da impugnação previsto no artigo 640.º do C.P.C., pelo que não podem os factos18), 26) e 31) – e seu petitório – ser analisado pelo Tribunal ad quem, o que se requer seja reconhecido e declarado.
17. Sem prescindir, mesmo que assim não fosse, sempre teriam tais factos que se manter nos seus exatos termos, porquanto, se por um lado resulta demonstrado que a Recorrida não autorizou ou consentiu a publicação de tais fotografias – nem o contrário é alegado pela Recorrente -, também resulta demonstrado que as fotografias foram retiradas e utilizadas pela Recorrente de forma abusiva. Tal afirmação concretiza o comportamento da Recorrente.
18. Por sua vez, o facto 26 resulta numa análise atenta e coerente da prova produzida (vide depoimento da testemunha Prof. GG - 00:06:41 a 00:07:25 e 00:09:39 00:10:18), tratando-se de matéria factual, o que, igualmente, sucede com o facto 31 que vem confirmado pela testemunha FF (00:09:56 a 00:10:11, 00:14:43 a 00:16:20 e 00:14:43 a 00:16:20) e HH que não conseguiu esclarecer o propósito e relação do texto com a imagem (00:57:52 a 01:00:05).
19. Os factos sob análise – 18), 26) e 31) - quer por se tratarem de matéria factual, quer por se mostrarem cabalmente demonstrados nestes autos, devem ser mantidos nos seus exatos termos, o que expressamente se requer.
20. Face a tudo quanto resulta supra exposto, requer-se a V/ Exas. se dignem julgar improcedente in totum, por não provada, a requerida alteração da matéria de facto, mantendo-se os factos sob análise nos exatos termos elencados na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
21. Também a solução jurídica da causa não merece qualquer mácula ou reparo, porquanto, existe facto ilícito e existe dano suscetível de ser indemnizado.
22. A decisão sob análise delimita, desde logo, os normativos legais aplicáveis (artigos 29.º, 1, da Lei da Imprensa (LI), constante, na versão mais recente, da Lei n.º 78/2015, de 29 de julho, e dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil (CC) (…)”.
23. Analisado o primeiro requisito - ilicitude da conduta da Recorrente – facilmente concluímos que o ato praticado, mormente quanto às publicações das imagens, é ilícito, atendendo-se, pois, ao disposto nos artigos 70.º [“(…) a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (…)” e ainda “(…) O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; (…)”.] e 80.º [“(…) Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem (…)”], ambos do Código Civil.
24. Estamos perante direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos.
25. O direito à imagem, no seio da nossa Jurisprudência, tem uma vertente positiva e uma vertente negativa [Entre outros Acórdãos da Relação de Lisboa 6/07/2021; 5/05/2020] sendo que resultou cabalmente demonstrado que a publicação de fotos pela Recorrente jamais foi autorizada, consentida ou sequer teve o conhecimento prévio da Recorrida, constituindo, assim, a sua publicação uma clara e inequívoca violação do seu direito de imagem, conforme bem decidiu o Tribunal a quo.
26. Resultou igualmente demonstrado que a Recorrente manipulou, de forma intencional e propositada, os registos fotográficos -não colocado em crise nas alegações de recurso.
27. Ora, a atuação (censurável) da Recorrente não encontra respaldo em nenhuma das causas de exclusão de ilicitude como sejam “notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.”
28. Nem se verifica qualquer interesse público nas imagens publicadas, nem o núcleo de freguesia de uma associação juvenil poderá ser caracterizado como cargo público de relevo político.
29. Dúvidas não restam que a utilização das imagens da Recorrida teve como único propósito atacar o seu caráter e a sua pessoa, sendo que a alteração do fundo de um dos registos fotográficos utilizados visava, de forma manifestamente ilícita e descontextualizada, associar a Recorrida ao percurso político de seu Pai, não estando, assim, perante qualquer interesse público que mereça tutela [Vide casos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nomeadamente: Standard Verlags v. Áustria (n.º 2), sobre a mulher do Presidente da República18; Tammer v. Estónia, sobre a mulher do Primeiro-Ministro Karhuvaara v. Finlândia, sobre o marido de uma deputada].
30. O TEDH, bem como o Tribunal a quo, na análise de qualquer caso concreto, opta por fazer uma ponderação entre os direitos conflituantes –o direito de imagem e o direito à liberdade de imprensa – e in casu, na ponderação de tais interesses, resultou cabalmente demonstrado que a violação do direito de imagem da Recorrida não encontrava qualquer justificação no direito à liberdade de imprensa, nem prevaleceria quanto ao mesmo.
31. Não podemos olvidar que a Liberdade de Expressão e Informação e, ainda, a Liberdade de Imprensa e Meios de Comunicação Social (artigos 37.º e 38.º da CRP), não constituem direitos absolutos, encontrando-se, pois, limitados pelos Direitos Fundamentais de Personalidade aí consagrados no artigo 26º, o que bem se encontra delimitado no artigo 2.º da Lei de Imprensa.
32. Só podemos, assim, concluir pela verificação do facto ilícito, como pressuposto primordial da responsabilidade civil, passando para análise dos restantes pressupostos legais.
33. A Recorrente assumiu um comportamento voluntário, ao publicar, sem consentimento ou conhecimento da Recorrida, fotografias sobre a vida e personalidade desta, violando o direito à imagem e à reserva da vida privada (artigos 70.º e ss. do C.C.), sem olvidar a ausência de consentimento para a publicação de qualquer imagem (artigo 79.º do C.C.)
34. In casu, a motivação da Recorrente foi claramente o lucro, o que determinou que, de forma consciente e voluntária violasse direitos constitucionalmente consagrados, o que provocou alterações no comportamento da Recorrida (amplamente demonstrados em sede de audiência de julgamento, cf. resulta supra explanado).
35. O nexo de causalidade ficou igualmente demonstrado atendendo às circunstâncias de tempo em que os danos ocorreram – ou seja, em momento subsequente à publicação efetuada pela Recorrente.
36. Estão, pois, demonstrados os pressupostos de responsabilidade civil, referentes à ilicitude e culpa grave da conduta da Recorrente, por violação do direito de imagem e à reserva da vida privada da Recorrida.
37. Quanto à adequação do quantum indemnizatório fixado na sentença proferida pelo Tribunal a quo também não merece qualquer mácula ou reparo, porquanto aqui se contemplam todos os danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, nos termos do artigo 563.º do CC [Capelo de Sousa in “O Direito Geral de Personalidade”, Coimbra Editora 2011].
38. O Tribunal a quo recorreu a um juízo de equidade, critério esse bem delimitado nos termos dos artigos 494.º e 496.º, ambos do CC [Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-03-2010 disponível em www.dgsi.pt e in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2013 disponível em www.dgsi.pt].
39. Só podemos concluir que a fixação da indemnização não só resultou da aplicação dos critérios legalmente previstos, como se mostra adequada ao desidrato punitivo que resulta do escopo da responsabilidade civil extracontratual.
40. Improcedem, assim, in totum as alegações da Recorrente, não merecendo, a análise do direito e a sua aplicação aos factos, qualquer mácula ou reparo, devendo manter-se, na íntegra, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos seus exatos termos, o que se requer a esse Venerando Tribunal se digne reconhecer e declarar.

Objeto do recurso:
- da impugnação da matéria de facto;
-

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
A recorrente pretende sejam dados como não provados os pontos 9, 10 e 12.
Começa por discordar ter-se considerado que, em algumas das fotografias exibidas na publicação, a A. teria sido fotografada quando ainda era menor de idade.
Quanto a este ponto, o que temos por certo é que, segundo o respetivo cartão de cidadão, a A. nasceu em .../.../2001, pelo que, à data da divulgação das suas imagens na revista ..., contava 19 anos e não os 18 que se lhe imputam na capa da edição.
Ora, conforme se menciona na motivação da decisão de facto, nenhuma prova a A. efetuou da data que contava ao tempo em que cada uma das fotos foi tirada. Esta ausência de prova concreta quanto a tal facto não se justifica, atenta a facilidade de obtenção de documentação relativa à época em que a A. publicou no seu Instragram as fotos originais, ou mesmo, nas que surge acompanhada de outros jovens, colher destes o testemunho respetivo quanto a tal aspeto.
O que não se nos parece sustentável é concluir-se pela menoridade da visada apenas porque exibe uma aparência francamente juvenil e se conhecem, pessoalmente, outros jovens e suas aparências (p. 8 da sentença).
Não existe qualquer rigor nesta perceção subjetiva dos factos, sendo para nós impossível sustentar a idade da A. na época das fotos apenas em função da aparência que parece ter.
Menor era a A., aí sem sombra de dúvida, nas fotografias em que surge acompanhada pelos pais, nos docs. 1 e 2 juntos com a contestação, mas afirmar-se mais do que isso é afoito e não sustentado em prova sindicável.
Diremos ser compreensível o que contra-alega a A. quanto à imagem onde surge, com outros jovens, exibindo a bandeira e cachecol de apoio à seleção nacional de futebol (p. 54 da revista), mas não conseguimos, sem mais, localizar tal facto no tempo mencionado em recurso, o Euro 2016, quando a A. contaria 16 anos. É possível que assim seja, mas para ter por certo este indício haveria de ter-se acompanhado tal alegação de prova concreta que, como dissemos, seria facilmente realizável por simples depoimento de um dos fotografados ou documentação da publicação no Instagram. É parco o depoimento da testemunha GG que, embora referindo ter a A. 16 ou 17 anos, acrescenta “já nem sei quando isso aconteceu”, parecendo estar a referir-se à própria edição jornalística e não à ocasião das fotografias.
Sendo assim, a referência à menoridade da A. deverá ser eliminada da factualidade provada, designadamente do ponto 12 e, a fim de evitar contradições, igualmente do ponto 4 cuja redação equívoca pois não se logra perceber se a menoridade se refere à data da publicação (o que não é verdade, como já tivemos ensejo de ver), ou à data da recolha da imagem (o que, em bom rigor, ignoramos).
Quanto ao que demais que consta em 9 e 10 (o ambiente de fundo deflui da esfera privada, designadamente, da habitação da A.), afigura-se-nos não assistir razão à recorrente. É visível que, em algumas das fotografias, a A. surge acompanhada de pessoas em situação de intimidade, sendo disso exemplo uma das fotografias da p. 54, em que se vê abraçada a outra pessoa do sexo feminino em contexto que não se nos afigura público, sendo também verdade ter a testemunha FF (que conhece a A. desde um ano de idade desta) referido saber (ainda que tenha sido posteriormente) que uma das fotografias foi tirada na varanda da casa (sendo substituída a cor de fundo para laranja) e DD, amigo da família (desde os tempos da universidade do pai da A.), mencionou serem as fotografias colhidas em espaços privados, em contexto de amigos e, porque perguntou na altura, na própria varanda de casa da família, não existindo qualquer fundamento para não aceitar que assim fosse.
Sendo assim, os pontos 9 e 10 mantêm-se e a redação do 12 passa a ser:
12) Em algumas das fotografias da página 54, a autora aparece acompanhada de outros jovens.
Quanto aos factos 24, 27 e 28, é também requerido pela recorrente a sua eliminação.
A imediata leitura de alguns dos segmentos destes números revela-nos, desde logo, matéria conclusiva. Veja-se o ponto 24 - foi exposta na reserva da sua vida privada e pela devassa da sua imagem. Trata-se de uma expressão que, a par de considerações jurídicas que deverão tecer-se mais adiante (em sede de subsunção de direito) perante os factos que importam - designadamente os que resultam da leitura do artigo, em concatenação com o tipo de imagens, e da apreciação destas imagens em sim mesmas, tendo em conta, mormente, o respetivo contexto e a forma como foram obtidas pela recorrente - refere-se ao que haveríamos de concluir, ou seja, sentir-se a A. desrespeitada. Cabe questionar: o que em concreto a fez sentir-se desrespeitada? E, a resposta a esta questão encontra-se na parte final do ponto 27: fazendo-a sentir amargurada, trazendo-lhe desequilíbrio e insegurança. Já a menção ao impacto negativo é também ela conclusiva.
Quanto à prova destes factos (e também quanto ao ponto 28), foi impressivo o testemunho de GG, amigo da família da A. que conhece a demandante desde que nasceu (considera-se uma espécie de avô ou padrinho da jovem, vai a sua casa com frequência, almoça e janta lá, como disse) e a descreveu como reservada e tímida, pouco dada a grandes eventos ou convívios, gostando de preservar o seu recato, e tendo-se sentido, perante a publicação, exposta de uma forma que não corresponde à sua personalidade e forma de estar, facto que motivou a que fosse abordada, designadamente em meio académico, questionando-a os colegas sobre o seu verdadeiro modo de ser; se seria, afinal, desinibida como parece aqui surgir, nomeadamente na fotografia onde se exibe de olhos fechados, lábios juntos e salientes, indumentária deixando a descoberto alguma anatomia e de copo na mão contendo o que parece ser bebida alcoólica.
A pose e o contexto ambiente destas fotos, sobretudo da acabada de descrever, não retratam a pessoa “reservada”, discreta” e “tímida” (descrição contida no texto da publicação) que é a A., desde pequena, o que, na narrativa da testemunha, a deixou ainda mais contida e reservada, sem vontade de se integrar em convívios, situação que, na ótica deste psiquiatra de profissão, não era já a ideal para uma jovem, mas piorou com a divulgação das fotos, levando a A. a ver no confinamento motivado pelo Covid algum conforto perante o impacto da revista. O desequilíbrio e a insegurança estão, assim, explicitados (a necessidade de acompanhamento especializado não ocorreu, o que não significa não ter surtido o impacto descrito) e resultam igualmente do que consta em 25, 26 e 30, pontos não impugnados.
Sendo assim, elimina-se o ponto 24 e, ao ponto 27, imprime-se a seguinte redação:
A publicação do artigo e as fotografias fizeram a A. sentir-se amargurada, trazendo-lhe desequilíbrio e insegurança, designadamente tendo em conta o que consta dos pontos 25, 26 e 30.
Pelas mesmas razões, também está demonstrado o teor do ponto 28 face ao testemunho referido e ao teor dos pontos 25, 26 e 30. Consideramos, neste tocante, em oposição ao alegado pela recorrente, ser evidente o impacto na perda de anonimato quando alguém surge exposto em fotografia numa publicação nacional, se comparado com circunstância de se ter um sobrenome reconhecido mas que não identifica a pessoa quando se cruza com outras que ignoram aquela ligação familiar a alguém de destaque político.
Relativamente aos pontos 18, 26 e 31.
Neste tocante, diz a recorrente que nenhum testemunho ou outro elemento de prova permitem a demonstração positiva do respetivo conteúdo. Quando assim é, não se vê como impor ao recorrente outra alegação, designadamente indicando a prova em que se baseia a não prova, razão pela qual divergimos da posição da recorrida a este respeito quanto à aplicação concreta dos ónus previstos no art. 640.º CPC.
Sendo assim, debruçando-nos sobe o tema, vemos, desde logo ser o teor do ponto 31 (O texto publicado na revista ... sobre a autora, pelo seu conteúdo, extensão, destaque, inclusive com a chamada de capa e publicação das fotografias, e interesse que pode suscitar é despropositado) manifestamente conclusivo. Trata-se de apreciação que caberá, eventualmente, em sede de apreciação dos factos (do texto e das imagens), mas não carrega em si qualquer factualidade, apenas o juízo sobre o facto. Por esta razão, elimina-se o ponto 31.
Relativamente ao ponto 18, consta já do ponto 22 terem as fotografias sido retiradas da conta da A. no Instagram e sido publicadas sem consentimento desta, razão pela qual, com exceção do advérbio abusivamente, que encerra um juízo de valor e não um facto (e fica retirado da factualidade provada), se mantém a parte final do ponto 18. Que a A. não consentiu na publicação é algo que também decorre do próprio teor da contestação e consta provado em 43 e 44, não afirmando as Rés terem recolhido prévia autorização para recolha e publicação das imagens, antes admitindo o oposto.
O facto constante do ponto 26 corresponde, afinal, ao que já anteriormente ficou dito e é uma emanação do provado em 25, razão pela qual se mantém.
A A factualidade provada é, assim, a exposta em primeira instância, com as especificidades que agora foram introduzidas:
1) A autora é uma jovem universitária a frequentar o curso de Direito, pela Universidade ....
2) A ré A..., SA é uma reconhecida empresa de comunicação social, sendo proprietária, entre outras, da publicação semanal sob a designação Revista ....
3) A ré BB é autora do texto publicado na edição ... da revista ... sob o título ”... – O peso de um nome”, junto com a petição inicial como documento n.º 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4) Na sua edição n.º ..., de 6 a 12 de agosto de 2020, a dita revista publicou, em chamada de capa, uma foto da autora, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com a menção em letras maiúsculas e parcialmente a vermelho:
“A FILHA DE CC AA TEM 18 ANOS E JÁ ANDA EM GUERRAS POLÍTICAS NO PARTIDO ONDE MANDA O PAI”.
5) Na mesma capa constavam apenas 3 outros títulos, apenas um com maior destaque.
6) Logo na página 4 da mesma publicação, no sumário, surge uma fotografia da autora em tamanho A4, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e com nova menção, agora dizendo: “A FILHA DE CC, AA, FILIOU-SE NA ... E VIU-SE ENVOLVIDA NA RECENTE GUERRA DE PODER, MAS FICOU DO LADO QUE PERDEU”.
7) Na página 52, nova fotografia da autora, cujo teor aqui se dá por reproduzido, de corpo inteiro, novamente de página completa, com um fundo laranja.
8) Nas páginas seguintes, de 53 a 55, da mesma publicação surge o artigo da autoria da ré BB, mencionado em 3), acompanhada de diversas fotografias da autora, sendo uma na página 53, cinco na página 54 onde a autora surge na companhia de terceiros e ainda uma fotografia de meio corpo, na página 55, com um fundo laranja, tudo conforme termos do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujos teores aqui se dão por reproduzidos.
9) Com exceção da fotografia que consta da página 53, as fotografias publicadas foram tiradas pela autora na sua esfera privada.
10) Algumas das quais em sua casa.
11) Outras com amigos, em momentos de convívio.
12) Em alguma das as fotografias da página 54, a autora aparece acompanhada de outros jovens.
13) As fotografias das páginas 52 e 55, que surgem com um fundo laranja, foram adulteradas, porquanto, na sua versão original, têm o fundo da cor da parede da casa da autora, que é bege.
14) A autora participou em listas como candidata a cargos na ..., para o Núcleo Ocidental do Porto e para o conselho de jurisdição da ....
15) A autora é filha do líder de CC, na altura da publicação presidente do ....
16) Para além das fotografias que publicou na rede social instagram, a autora não expõe ou exibe a sua vida.
17) A autora não procurou ou propiciou que a sua vida ou os seus comportamentos fossem foco de interesse ou de notícia.
18) Nunca a autora autorizou ou consentiu a publicação das ditas fotografias, que foram retiradas da conta da rede social instagram que tem.
19) Além da publicação das suas fotos, a ré BB dedicou à autora acentuado destaque com um texto através do qual pretende desvendar o caráter e personalidade da autora, referindo-se à autora como sendo “aluna mediana”, que “ficou do lado de quem perdeu” ou por ser “pouco ativa”.
20) Sendo que foi opção da ré BB:
a) elaborar um texto que procura trazer algum sensacionalismo
b) descrever a vida da visada, apesar de bem saber se tratar de uma jovem de 18 anos, que vivia com discrição e numa opção de anonimato
21) E foi opção de quem exercia a direção da revista, de acordo com a sua estrutura organizativa:
a) fazer publicar na edição n.º ... da revista ... o texto escrito pela ré BB, acima mencionado, já editado, em quatro páginas, onde descreve a militância partidária da autora, mas onde ainda menciona que a autora “acaba de passar para o segundo ano de Direito na Universidade ...”, “é descrita como muito discreta e reservada”, “não é ativa” (na vida política), “é vista como uma aluna mediana”,
b) fazer dele uma chamada de capa com foto.
c) dedicar uma página, o sumário, a fls. 4, integralmente ocupada com a imagem da autora e com a menção A FILHA DE CC, AA, FILIOU-SE NA ... E VIU-SE ENVOLVIDA NA RECENTE GUERRA PELO PODER. MAS FICOU DO LADO QUE PERDEU.
d) publicar as fotografias da autora AA acima referidas.
22) As fotografias publicadas foram recolhidas na conta da autora na rede social instagram, na altura aberta ao público, tendo duas delas sido alteradas e todas sido publicadas sem o consentimento da autora.
23) A autora não tinha, à data, notoriedade pública própria, estatuto social próprio ou praticava atos cuja natureza preenchesse por si a condição de interesse publico, bem como não exercia cargos de relevo ou importância.
25) Após a publicação da ..., colegas da faculdade abordaram a autora, confrontando-a com as fotografias publicadas, dirigindo comentários e apreciações quanto às poses que as mesmas apresentam, como “afinal és assim, de forma para a autora que a desagradou.
26) Dando as fotografias, essencialmente a da página 4, uma imagem global da autora que não coincide com a sua verdadeira essência.
27) A publicação do artigo e as fotografias fizeram a A. sentir-se amargurada, trazendo-lhe desequilíbrio e insegurança, designadamente tendo em conta o que consta dos pontos 25, 26 e 30.
28) Com a publicação do artigo a autora perdeu anonimato, o que prezava, e passou a ser vista por força das fotografias e essencialmente pela da página 4, por colegas segundo juízos de valor que a rebaixam e diminuem.
29) O que pode colocar a normal afirmação de uma jovem como pessoa e como mulher.
30) A autora sentiu-se revoltada e envergonhada com partes do texto, concretamente quando se refere a si como sendo “aluna mediana” e quando é classificada como tímida.
32) Aparecendo as fotografias, salvo a da página 53, que acompanham o texto descontextualizadas do assunto do próprio artigo, não tendo a menor relação com ele.
33) Ainda hoje uma pesquisa no google com o nome da autora resulta no acesso à dita publicação e às fotografias que a mesma apresenta.
34) A autora a 24 de agosto de 2020 dirigiu uma exposição à Entidade Reguladora para a Comunicação Social a quem solicitou parecer sobre o interesse público do artigo da revista ... publicado sobre si.
35) Tendo a autora, por intermédio de advogado, sido notificada por carta datada de 11 de fevereiro de 2022 das conclusões da Entidade Reguladora para a Comunicação Social de arquivar o processo, nos termos pelos fundamentos que constam do documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
36) A ré promove à publicação da revista ... há diversos anos.
37) Consta da ficha técnica da Revista ... que no mês de janeiro teve uma tiragem de 100.000 exemplares, conforme termos do documento n.º 5, junto com o requerimento eletrónico de 17/06/2022, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
38) A ré A..., SA, tem receitas resultantes da venda da revista ... e publicitárias.
39) As chamadas de capa são habitualmente reservadas para as notícias que incitam o leitor a comprar a revista.
40) O trabalho de seleção e tratamento das imagens é um trabalho editorial e técnico que está concentrado no editor de fotografia e na chefia de redação, não tendo sido a ré BB que as escolheu da conta da autora do instagram.
41) Na semana em que o texto foi paginado e dado à impressão a ré BB estava ausente da redação, em férias,
42) Antes de ir de férias, a ré BB deixou o texto escrito em word e não acompanhou a fase de paginação e escolha de fotografias.
43) A ré BB enviou, pelo menos, uma mensagem escrita à autora, via whatsapp, que foi recebida e lida no dia 31/07/2020, procurando dar-lhe nota do trabalho que estava a fazer sobre si.
44) Adicionalmente, fez várias tentativas para falar com a autora por telefone, sempre sem sucesso.

Fundamentação de direito
O tribunal a quo entendeu - e bem - não revestir o texto da publicação qualquer teor ofensivo ou suscetível de violar direitos de personalidade da A.
Apenas quanto às fotografias considerou ilícita a respetiva publicação porque lesiva do direito à imagem consagrado na lei, designadamente nos arts. 26.º, n.º 1, Const. e 79.º CC.
O art. 26.º da Constituição inscreve, entre os direitos fundamentais, outros direitos pessoais (para além da vida e da integridade física que os antecedem, respetivamente, nos arts. 24. e 25.º) que integram o direito de personalidade e que chegam mesmo, alguns deles, a gozar de proteção penal, constituindo outrossim limites a outros direitos fundamentais, que possam com eles conflituar (por ex., limite à liberdade de informação e de imprensa).
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2007, p. 467), o direito à imagem abrange, primeiro, “o direito de definir a sua própria auto-exposição, ou seja o direito de cada um de não ser fotografado, nem de ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento; e, depois, o direito de não o ver apresentado de forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel («falsificação da personalidade»)”, logo salientando que “não pode gozar do direito à imagem quem ocupe cargo ou desempenhe função em que a publicidade (isto é, o conhecimento e a relação com o público) seja essencial, havendo aí uma espécie de «acordo« ou «consentimento» implícito (…). Porém, “esta dimensão de publicidade de algumas restrições ao direito à imagem não devem transferir-se para a esfera da intimidade”.
Noutro local (anotação ao art. 18.º, nota VI, p. 388), os mesmos autores aludem aos requisitos (cumulativos) necessárias para que a restrição dos direitos, liberdades e garantias se conforme à Constituição:
- que a restrição seja expressamente admitida pela própria Constituição;
- que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido;
- que a restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta para o efeito e se limite à medida necessária para alcançar aquele objetivo;
- que a restrição não aniquile o direito em causa atingindo o conteúdo essencial do respetivo preceito.
A Constituição dispõe ainda de um conjunto de direitos fundamentais concorrentes em matéria de liberdades e direitos de expressão e de informação. Trata-se da chamada constituição da informação (expressão de G. Canotilho e V. Moreira, cit., p. 571) e que compreende os arts. 37.º a 40.º.
No art. 37.º está contemplado o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, mesmo que por meio de imagem, salvaguardando o direito à indemnização pelos danos sofridos pelos visados, e o art. 38.º ocupa-se desses direitos quando exercidos através da imprensa e demais meios de comunicação em massa. A liberdade de expressão “não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos (ibidem, p. 572).
Na perspetiva de conflito entre esta constituição da informação e o catálogo de DLG, o TC considera que a liberdade de expressão e de informação “não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada. Por isso mesmo, a Constituição submeteu as infracções cometidas no exercício desses direitos “aos princípios gerais de direito criminal” (ac. 67/99, de 3.2).
Já o art. 79.º CC, relativo ao direito à imagem, impede que o retrato de uma pessoa seja exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela (n.º 1), apenas se dispensando esse consentimento quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, exigências didáticas ou culturais, quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente (n.º 2). Em todo o caso, o retrato não pode ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se daí resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada (n.º 3).
Deste normativo resulta o direito à autodeterminação da imagem exterior que, na sequência da tutela geral da personalidade acolhida no art. 70.º, concede à pessoa a escolha sobre a forma como se apresenta aos outros, o quando e o como (vestuário que utiliza, adereços, etc…), e o direito a definir os termos e as condições em que o retrato pode ser captado e utilizado por terceiros.
Depende do consentimento do visado a recolha e divulgação do seu próprio retrato que deve ser específica para cada situação de divulgação, de modo que, por exemplo, uma fotografia retirada em contexto escolar e com essa finalidade não pode depois ser usada, por hipótese, numa campanha publicitária.
O consentimento e a autorização – que libertam a imagem da esfera privada - devem ser interpretados no sentido menos gravoso para o disponente, conforme resulta do art. 237.º CC (neste sentido, Menezes Cordeiro, Código Civil Anotado, I- Parte Geral, p. 316, nota 18) e, além disso, como declaração negocial que é, o consentimento está sujeito aos requisitos de validade impostos por lei para as declarações negociais em geral, nomeadamente no que se refere aos limites impostos pela ordem pública (art. 81.º, n.º1 CC) e bons costumes (art. 340.º, n.º2 CC) e à necessidade de resultar de uma vontade livre e esclarecida (cf. Agostinho Guedes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, p. 196).
Ademais, o consentimento não é geral e não há possibilidade de se renunciar à própria imagem (David de Oliveira Festas, Conteúdo Patrimonial do Direito à Imagem, 2009, p. 293). De modo que, para ser válido, o consentimento deve estar delimitado quanto ao seu objeto e conteúdo podendo esta limitação observar-se do ponto de vista temporal, espacial, quanto ao meio de utilização e quanto à sua finalidade.
Também no capítulo do Código Penal relativo aos crimes contra outros bens jurídicos pessoais, o art. 199.º, pune quem, sem consentimento, a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.

Densificando este preceito criminal, Costa Andrade (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 199, ps. 817 e ss. e Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma perspectiva jurídico-criminal, 1996, p. 259-262) explica que, sendo o direito à imagem um bem eminentemente pessoal, é ao próprio que “assiste o poder soberano de decidir quem pode gravar, registar, utilizar ou divulgar a sua imagem”, acrescentando que, também no âmbito penal, deverá ter-se em conta o n.º 2 do art. 79.º onde se apontam circunstâncias que excluem a tipicidade, mormente quando a imagem esteja enquadrada em lugares públicos ou em factos de interesse público que hajam decorrido publicamente, referindo que, neste caso, a imagem da pessoa deve inequivocamente estar integrada na imagem daqueles espaços ou eventos, de tal forma que neles se dissolva. Mas já se o destaque concedido à imagem da pessoa, mesmo que em espaços ou eventos públicos, “resultar em individualização e subtração (não querida) ao anonimato”, não fica excluído o ilícito típico. O mesmo se a fotografia contender com afeto, emotividade ou outros sentimentos ou circunstâncias que defluam da auréola da persona.
A tipicidade está excluída quando estão em causa pessoas da história do tempo (Zeitegeschichte), designadamente da história política, propondo aquele Professor que aqui se considere a “cláusula do interesse público”, excluindo dos delitos de indiscrição, por ex., relações amorosas extraconjugais de um ministro, práticas pedófilas de um dirigente político, ou a gravidez de uma rainha ou consorte real, e dando guarida à ideia de que a tutela jurídica é diferenciada para as situações de relevo público da pessoa ou dos seus atos, tendo em conta sua maior ou menor exposição aos holofotes da publicidade. Exemplos de pessoas do seu tempo, em sentido absoluto, seriam, então, as pessoas que lideram a vida política, económica, social, cultural, científica, tecnológica, desportiva, do mundo do espetáculo, etc…
Seriam também Zeitemenschen, em termos relativos, aqueles que fossem atingidos por um desastre natural, agentes ou vítimas de carga policial, de crime, de uma perseguição de minorias, etc…, embora, neste último caso, se incluem no direito à imagem os retratos tiradas em circunstâncias que não se relacionam com o interesse de uma qualquer história com relevo público (ex. as fotos de alguém que sai do registo civil onde acabou de casar-se e que não se conexionam com eventual crime de burla que tenha cometido).
Todavia – refere o juscriminalista - as pessoas da Zeitegeschichte “não comunicam” a atipicidade ou justificação (nomeadamente por exercício de um direito ou prossecução de um interesse legítimo, como o jornalístico) de condutas que violem o direito à imagem aos seus “dependentes” ou familiares.
Referindo-se aos diversos níveis da proteção da imagem, Menezes Cordeiro (Código Civil, cit., p. 317, nota 9) alude à esfera pública (própria de políticos, atores, desportistas ou outras celebridades), à esfera individual-social (relacionamento social normal estabelecido com amigos colegas e conhecidos, contexto em que a reprodução de imagens só é possível nesse mesmo meio) e as esferas privada, secreta e íntima que nunca são acessíveis sem autorização, pois “nenhuma notoriedade, cargo, exigências de polícia ou justiça ou finalidades científicas, didáticas ou culturais permitiriam tal invasão”.
A estes normativos acrescem os relativos ao Direito de proteção de dados, conforme Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril, Regulamento Geral da Proteção de Dados, em cujo art. 4.º, n.º1, se contém uma definição ampla do que são dados pessoais [informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular], impondo o art. 5.º que estes dados sejam objeto de um tratamento lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados («licitude, lealdade e transparência»)[1] – al. a) – e proibindo que dados recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas sejam tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades – al. b), apenas considerando ser compatível com essas finalidades, o tratamento posterior para fins de arquivo de interesse público, ou para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos – al. c).
Nos termos do art. 80.º desse RGPD, 1. Qualquer pessoa que tenha sofrido danos materiais ou imateriais devido a uma violação do presente regulamento tem direito a receber uma indemnização do responsável pelo tratamento ou do subcontratante pelos danos sofridos.
2. Qualquer responsável pelo tratamento que esteja envolvido no tratamento é responsável pelos danos causados por um tratamento que viole o presente regulamento. O subcontratante é responsável pelos danos causados pelo tratamento apenas se não tiver cumprido as obrigações decorrentes do presente regulamento dirigidas especificamente aos subcontratantes ou se não tiver seguido as instruções lícitas do responsável pelo tratamento.
3. O responsável pelo tratamento ou o subcontratante fica isento de responsabilidade nos termos do n.º 2, se provar que não é de modo algum responsável pelo evento que deu origem aos danos.
(…)

Comentando tal regulamento europeu, diz Menezes Cordeiro que “o impacto da hegemonia do direito à autodeterminação informacional, enquanto direito subjetivo agregador de toda a informação individual relativa a cada sujeito, em face dos direitos de personalidade, manifesta se, igualmente, no âmbito dos direitos fundamentais, com idêntica energia e independentemente da base invocada: Constituição da República Portuguesa (CRP), Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) ou Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) “ e, sendo assim, “será de assumir, numa pers¬petiva abstrata, ou seja, sem considerar as especificidades de cada regime, que o RGPD regula todas as violações dos direitos de personalidade, com exceção do direito à vida e do direito à integridade física – repare se que qualquer notícia, fotografia ou imagem de vídeo relativa a eventuais violações do direito à vida ou do direito à integridade física já é abrangida” (Direitos de personalidade e dados pessoais: o que sobra para o Código Civil? RDC I (2023), 1, 45-63).
Relevante naquele regulamento é o art. 85.º que estipula que os Estados-membros devem conciliar o RGPD com as liberdades de expressão e de imprensa, embora o art. 24.º[2] da Lei n.º 58/2019, de 8.8 (Lei da Proteção de Dados Pessoais) o não faça, acabando por remeter para os direitos de personalidade.
Importa, neste contexto, mencionar também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos em cujo art. 8.º se salvaguarda genericamente o direito ao respeito pela vida privada e familiar[1], podendo definir-se o direito à privacidade como a possibilidade de cada pessoa poder controlar, dentro do possível, as informações a que os outros podem ter acesso sobre si. Deste modo, uma pessoa que decide tornar públicos comportamentos que são protegidos pela reserva de intimidade da vida privada não está a renunciar ao direito, mas a exercê-lo autonomamente (Gomes Canotilho e Jónatas Machado, Reality Shows e Liberdade de Programação, Argumentum 12, 2003, p. 56).
A convenção não deixa igualmente de tutelar a liberdade de expressão, incluindo no art. 10.º, entre outras refrações deste direito, a livre transmissão de informações ou ideias, mas sob a cláusula de salvaguarda da “saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem”.
O TEDH considera que “o conceito de privacidade inclui elementos relacionados com a identidade de uma pessoa, como o seu nome, fotografia, integridade física e moral e que a garantia oferecida pelo artigo 8.° da Convenção se destina, antes de mais, a assegurar o desenvolvimento, sem interferências externas, da personalidade de cada indivíduo nas relações com os seus semelhantes, pelo que a publicação de uma fotografia interfere com a vida privada de uma pessoa, mesmo que se trate de pessoa pública [v. Schüssel c. Áustria (dec.), n.° 42409/98, 21 de fevereiro de 2002, Von Hannover c. Alemanha, n.° 59320/00, §§ 50 e 53, CEDH 2004-VI, Sciacca, § 29, e Petrina c. Roménia, n.° 78060/01, § 27, 14 de outubro de 2008]. Mais considera que a imagem de um indivíduo é um dos principais atributos da sua personalidade, uma vez que expressa a sua originalidade e lhe permite diferenciar-se dos seus pares, o que pressupõe, antes de mais, o controlo que o indivíduo exerce sobre a sua imagem e inclui, nomeadamente, a possibilidade de recusar a sua difusão (v. acórdão Reklos e Davourlis § 40). Uma pessoa, mesmo que seja conhecida do público, pode invocar uma «expectativa legítima» de proteção e de respeito pela sua vida privada (v. acórdão Von Hannover § 51, Leempoel & S.A. ED. Ciné Revue c. Bélgica, n.° 64772/01, § 78, 9 de novembro de 2006, Standard Verlags GmbH c. Áustria (n.° 2), n.° 21277/05, § 48, 4 de junho de 2009, e Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS) c. França, n.° 12268/03, § 53, de 23 de julho de 2009).
Por outro lado, o mesmo tribunal entende [como relata no ac. de 7.2.2012, HANNOVER c. Alemanha, (No 2) (n.ºs 40660/08 e 60641/08] que a liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, uma das condições essenciais para o seu progresso e desenvolvimento de todos, mas estando sujeita a exceções que, no entanto, exigem uma interpretação restritiva, devendo a necessidade de a restringir ser demonstrada de forma convincente [v., entre outros, Handyside c. Reino Unido, 7 de dezembro de 1976, série A, § 49, n.° 24, Editions Plon c. França, n.° 58148/00, § 42, CEDH 2004-IV, e Lindon, Otchakovsky-Laurens e July v. França [GC], n.os 21279/02 e 36448/02, § 45, CEDH 2007-IV]. Este Tribunal recorda que a liberdade de expressão inclui a publicação de fotografias [v. acórdãos Österreichischer Rundfunk c. Áustria (dec.), n.° 57597/00, de 25 de maio de 2004, e Verlagsgruppe News GmbH c. Áustria (n.° 2), n.° 10520/02, de 14 de dezembro de 2006], mas que esta é uma área em que a proteção da reputação e dos direitos de terceiros é de particular importância, uma vez que as fotografias podem conter informações muito pessoais, mesmo íntimas, sobre um indivíduo ou a sua família [Von Hannoven, Hachette Filipacchi Associés c. França, n.º 71111/01, 14.6.2007, e Eerikäinen e outros c. Finlândia, n.º 3514/02, 10.2.2009], acentuando que, nos termos do artigo 10.° da referida Convenção, os Estados contratantes gozam de uma certa margem de discricionariedade para apreciar a necessidade e o alcance de uma ingerência na liberdade de expressão protegida por esta disposição (v. acórdão Tammer c. Estónia, n.° 41205/98, CEDH 2001-I, e Pedersen e Baadsgaard).
Quando é chamado a decidir sobre a colisão entre os dois direitos, Estrasburgo entende merecem ambos, a priori, igual respeito [v. acórdãos Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS), § 41, Timciuc c. Roménia (dec.), n.° 28999/03, de 12 de outubro de 2010, e Mosley c. Reino Unido, n.° 48009/08, § 111, de 10 de maio de 2011]. Por conseguinte, a margem de apreciação deve, em princípio, ser a mesma em ambos os casos, definindo que um primeiro elemento essencial é o contributo que a publicação de fotografias ou artigos na imprensa dá para um debate de interesse geral (v. acórdãos Von Hannover, Leempoel & S.A. ED. Ciné Revue, e Standard Verlags GmbH).
Nessa sequência, chama a atenção para o papel ou função da pessoa em causa e a natureza das atividades que são objeto da fotografia, devendo ser feita uma distinção entre pessoas privadas e pessoas que atuam num contexto público, como figuras políticas ou pessoas públicas. Assim, enquanto um particular desconhecido do público pode invocar uma proteção especial do seu direito à vida privada, o mesmo não acontece com as pessoas públicas [v. acórdãos Minelli c. Suíça (dec.), n.° 14991/02, de 14 de junho de 2005, e Petrenco]. Se, neste último caso, o papel da imprensa corresponde à sua função de "cão de guarda" numa democracia responsável pela comunicação de ideias e informações sobre assuntos de interesse público, este papel parece menos importante no primeiro caso.
A forma como a fotografia ou história é publicada e a forma como a pessoa em causa é retratada na fotografia ou na história também podem ser tidas em conta [Wirtschafts-Trend Zeitschriften-Verlagsgesellschaft m.b.H. c. Aústria (n.º 3), nos 66298/01 e 15653/02, § 47, 13.12.2005, Reklos e Davourlis, e Jokitaipale e outros c. Finlândia, n.º 43349/05, § 68, 6.4.2010]. Do mesmo modo, a medida em que a reportagem e a fotografia são divulgadas também pode ser importante, consoante se trate de um jornal de grande ou pequena circulação nacional ou local (v. Karhuvaara e Iltalehti, e Gurgenidze).
Por último, este Tribunal já declarou que o contexto e as circunstâncias em que as fotografias publicadas foram tiradas não podem ser ignorados. A este respeito, importa examinar se a pessoa em causa deu o seu consentimento para a recolha e publicação das fotografias (Gourguénidzé, e Reklos e Davourlis) ou se foram feitas sem o seu conhecimento ou com a ajuda de manobras fraudulentas [Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS), e Flinkkilä e outros c. Finlândia, n.º 25576/04, § 81, 6.4.2010]. Deve igualmente ter-se em conta a natureza ou a gravidade da intrusão e as repercussões da publicação da fotografia para a pessoa em causa (v. acórdãos Egeland e Hanseid § 61, e Timciuc, § 150). Para um particular desconhecido do público, a publicação de uma fotografia pode constituir uma interferência mais substancial do que uma notícia escrita (v. acórdãos Eerikäinen e outros, § 70, e A. c. Noruega, § 72).
No cenário digital, a disseminação de conteúdos em linha tem aumentado exponencialmente a dificuldade de proteger a imagem de uso não autorizado. No Facebook, uma média de 350 milhões de novas fotos são carregadas diariamente (Cfr. Frederick Mostert e Sheyna Cruz, Image rights in the digital universe, Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2022, Vol. 17, n.º. 7, p. 551 e ss.), assim se diminuindo o grau de proteção deste reduto da personalidade.
Por força disso, em alguns casos, admitiu-se já enveredar pela proteção à imagem no campo dos direitos de autor ou copyright (cfr. Geiger: The Right to the Image of One's Own Property on the Run: Has the Brake Finally Been Pulled on the Privatisation of the Public Domain?[4]) e, também por essa razão, entendem outros que, uma vez divulgada em rede social uma imagem, esta passa a estar no domínio público, sem possibilidade de proteção, como se existisse uma presunção do consentimento à sua difusão em qualquer contexto[5].
É nesta direção que se orienta o recurso da R., argumentando que é por aquelas imagens que a Autora se identifica e se dá a conhecer ao público em geral, já que a A. já tinha as fotos no seu instagram de acesso público, mostrando-se assim plenamente justificada a sua utilização em contexto informativo e no âmbito da divulgação de factos de inegável interesse público, ao abrigo do direito à informação e do direito à liberdade de expressão e de informação, constitucionalmente garantidos.
Não podemos, contudo, concordar com tal ponto de vista, que se mostra dissociado da perspetiva atual do direito relativo às novas tecnologias e à expressão da personalidade em ambiente digital, que a própria Constituição acolheu no art. 35.º, relativo à proteção dos cidadãos perante o tratamento de dados pessoais informatizados, incluindo-se na fórmula tratamento a transmissão, utilização e publicação de toda a informação relativa à pessoa (G. Canotilho e V. Moreira, cit., p. 550), assim se concretizando o chamado direito à autodeterminação informacional que é, afinal, uma nova aplicação jurídica do direito à privacidade e que se não se extingue pelo facto de o indivíduo não fazer uso dele ou mesmo não se esforçar para defendê-lo (Vítor Correia, Da Privacidade: Significado e Valor, 2018, p. 52[6]).
Na chamada sociedade de informação e comunicação revelam-se ténues os limites entre o que é público e o que é privado. Todavia, como referimos anteriormente, citando G. Canotilho e J. Machado, mesmo aquele que se expõe publicamente, por exemplo em reallity shows, exerce seu direito da forma que melhor corresponde aos seus interesses, não podendo falar-se em renúncia ao seu direito à privacidade. Dito de outro modo, a maior exposição da pessoa, nomeadamente da sua imagem, no âmbito digital, corresponde à sua escolha quanto ao local, tempo e forma de divulgação do respetivo retrato e, também aí, é o titular do direito, dentro de sua liberdade de ação e poder soberano, que escolhe o alcance da proteção de sua reserva íntima, pautado pela sua autonomia de vontade, mantendo os direitos de personalidade, nesse ambiente, as notas de inalienabilidade, incondicionalidade e irrenunciabilidade. Assim se compreende o disposto no art. 81.º CC que consagra a revogação unilateral e a todo o tempo de eventual limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade.
De resto, o direito à imagem compreende exatamente o direito de definir a própria auto-exposição, o que inclui a possibilidade de divulgação em redes sociais, não resultando daí autorização tácita (que, ademais, seria equívoca e inaceitável por força do disposto no art. 237.º CC) para divulgação por terceiros em órgãos de comunicação escrita nacional.
De sorte que não pode afirmar-se serem as fotografias em causa nestes autos do domínio público ilimitado, presumindo-se um qualquer consentimento para a sua reprodução posterior, em qualquer meio e por qualquer forma, nomeadamente ilustrando revista de difusão nacional, apenas porque a A., no exercício do seu direito de autodeterminação informativa, as divulgou em determinado momento da sua vida numa rede social. Outro entendimento violaria mesmo o conhecido direito ao esquecimento que o TJUE reconheceu em decisão de 13.5.2014 (Caso Google, Assunto C-11/12).
Por outro lado, não pode a Ré, proprietária da revista, afirmar não ter tido qualquer intervenção no tratamento das fotografias em causa, pois que tal tarefa não deixou de ser efetuada por funcionário seu, respondendo aquela nos termos do art. 500.º CC (responsabilidade do comitente).
Finalmente, assente que está a violação do direito da A. à sua imagem, vejamos se está excluída a ilicitude, ou se está justificada a violação desse direito de personalidade, em confronto com o direito à informação.
Nesta temática, devemos dizer que, em matéria de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa acolhemos liminarmente a perspetiva do TEDH quando está em causa o direito à honra versus a liberdade de expressão e o direito de informação. O direito a ser respeitado não inclui uma pretensão particularmente embotada e sensível que imponha aos outros a obrigação de se calarem sobre aspetos de interesse público ou de pesarem em balança de ourives qualquer palavra que pronunciem sobre terceiros.
Mas, no caso que nos ocupa, a questão não é de ponderar o que seja o bem jurídico fluído que é a honra, porque a imagem e o direito que a protege são objetivos e gráficos.
Vê-se a A. retratada na revista em diversas fotos, diferentes cenários e modos de apresentação, sabendo-se que não autorizou a publicação e que, não sendo figura pública com notoriedade, também as imagens, ou parte delas, não foram captadas em espaços públicos na qual a sua imagem se dissolvesse. Aliás, é visível em algumas das imagens a presença de terceiras pessoas em ambiente de familiaridade e de convívio chegado com a A., o que constitui individualização e subtração (não querida pela A., como resulta provado) ao anonimato.
Sendo assim, o raciocínio que se impõe é o de sopesar os dois direitos em colisão: o direito à imagem e a liberdade de imprensa. E, neste tocante, de acordo com a orientação da nossa Constituição e a jurisprudência do TEDH, verificamos que a compressão da imagem da A., para ilustração da notícia sobre as suas atividades numa organização de juventude partidária, se revela excessiva, considerando a natureza da quase totalidade das imagens.
Com efeito, nem a quantidade de fotografias, nem o seu tamanho, nem o modo como a A. surge retratada nelas correspondem a um imperativo de necessidade para o exercício da função de informar. Pretendendo a A. informar os leitores da revista, a nível nacional, que determinada jovem, filha de líder partidário, se lançava também ela nos meandros político-partidários – o que pode ser considerado tema de interesse público e nacional e por isso legítimo – já não se antolha como adequado à notícia e proporcionado o recurso a fotografias desta, sem o seu consentimento, adulterando-as (por mudança do tom de fundo) e divulgando a figura daquela em poses mais ousadas ou em situações da vida privada. Estaria perfeitamente cumprido o direito de informar e assegurada a liberdade de imprensa pela exibição da fotografia que consta de fls. 53 e que terá sido colhida exatamente no âmbito daquelas atividades. Não há assim um tratamento leal e transparente (expressão contida no RGPD) dos dados físicos em apreço compatível com as finalidades da informação jornalística.
Não é do interesse geral, no seio de uma sociedade democrática para a qual a comunicação social contribui de forma determinante, a publicação de fotografias de uma jovem em poses mais ousadas ou em ambiente de intimidade familiar ou de amizade, apenas por ser parente de uma figura pública ou por manifestar interesse numa determinada filiação partidária. Não é ela própria uma pessoa pública e não são as fotografias em causa (com exceção da já mencionada) adequadas ou necessárias a ilustrar o teor da notícia que a dá como interessada nas lides partidárias juvenis.
Sendo assim, estão perfetibilizados os requisitos da responsabilidade civil que decorrem do art. 483.º CC, incluindo o relativo ao dano posto que demonstrado ter-se a A. sentido exposta, alvo de comentários no meio académico, e insegura, uma vez que tem uma personalidade mais reservada e discreta.
No que toca ao montante indemnizatório diremos que apenas se justificaria a alteração do decidido em primeira instância se se verificasse um flagrante desrespeito pelas regras dos arts. 562.º e 496.º, n.º 1 CC[7], o que não se afigura.
É, pois, de improceder o recurso.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 8.5.2023
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Augusto de Carvalho
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[1] A imagem de uma pessoa, nomeadamente recolhida através de vídeo, tem sido considerada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia como um “dado pessoal” (assim, proc. C-345/17, Buivids).
[2] - A proteção de dados pessoais, nos termos do RGPD e da presente lei, não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa, incluindo o tratamento de dados para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária. 2 - O exercício da liberdade de informação, especialmente quando revele dados pessoais previstos no n.º 1 do artigo 9.º do RGPD e no artigo 17.º da presente lei, deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição da República Portuguesa, bem como os direitos de personalidade nela e na legislação nacional consagrados. 3 - O tratamento para fins jornalísticos deve respeitar a legislação nacional sobre acesso e exercício da profissão. 4 - O exercício da liberdade de expressão não legitima a divulgação de dados pessoais como moradas e contactos, à exceção daqueles que sejam de conhecimento generalizado.
[3] Sobre a noção de vida ou intimidade privada no direito comparado, pode ver-se Ricardo Leite Pinto, Liberdade de Imprensa e Vida Privada, ROA, Ano 1994, p. 27 e ss., disponível em {66a60817-4bb4-4934-b5bf-340abde30115}.pdf (oa.pt)
[4] (16) The right to the image of one's own property on the run: Has the brake finally been pulled on the privatisation of the public domain? | Request PDF (researchgate.net)
[5] Assim, ac. RL, de 8.3.2023, Proc. 2021/18.8T9VFX.L1-3, com declaração de voto que merece a nossa adesão.
[6] No mesmo sentido, em direito comparado, pode ver-se Droit à l'image en matière d'internet et de réseaux sociaux, Martine Barré-Pépin , Droit à l'image en matière d'internet et de réseaux sociaux - Archive ouverte HAL, onde se explicita que o exercício do direito à imagem impõe a exigência de consentimento expresso - limitado a usos específicos, sendo este um direito discricionário, inalienável e imprescritível. E, para ser eficaz e válido, esse consentimento deve ser expresso, não podendo ser tácito, exceto no caso de pessoa que exerça uma atividade pública que faça presumir o consentimento em ser fotografada em manifestações e eventos públicos e na publicação da sua imagem no mesmo contexto de ligação com a atividade profissional pública. O consentimento é especial: a autorização dada nunca é geral ou final, é dada para uma finalidade específica e o seu âmbito é limitado a uma ou mais utilizações especificadas. A utilização da fotografia de uma pessoa para um fim diferente daquele para o qual foi inicialmente consentida pode constituir uma violação de uma publicação autorizada de outro modo. Os meios de comunicação impressos ou eletrónicos não podem reivindicar tolerância ou complacência passada por parte dos visados, mesmo que a atitude da pessoa em causa não seja isenta de consequências.
[7] Veja-se o ac. STJ, de 26.1.2021, Proc. 688/18.6T8PVZ.P1.S1:
O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.