Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0612882
Nº Convencional: JTRP00039641
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
DIREITOS
TRANSFERÊNCIA
JOGADOR PROFISSIONAL
Nº do Documento: RP200610230612882
Data do Acordão: 10/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 88 FLS 101.
Área Temática: .
Sumário: O direito de cedência/transferência de um jogador profissional de futebol é um direito penhorável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Por apenso à execução que B……… moveu a C…….., S.A.D., veio este deduzir oposição à penhora alegando, em suma, que o bem penhorado na execução – o direito ao passe de todos os jogadores de futebol profissional que constituem o plantel de 2004/2005 – inexiste, e por isso, é insusceptível de penhora.
O exequente veio responder concluindo pela improcedência da oposição.
O Mmo. Juiz a quo julgou a oposição improcedente.
O executado veio requerer a aclaração da decisão, pedindo que o Mmo. Juiz a quo esclarecesse se considera os “passes” coisas ou direitos e deste modo susceptíveis de penhora.
Na sequência do requerido o Mmo. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “como bem diz a requerente (item 8º do seu requerimento), atento o sentido da decisão, no sentido da improcedência da oposição, é de presumir que se consideram os aludidos passes bens penhoráveis, podendo acrescentar-se que sendo os “papéis” ou “cartões” que os titulam bens corpóreos, não são esses que interessam e têm valor como bens transaccionáveis, em alguns casos por milhares ou milhões de euros, sendo, por isso, inequivocamente, direitos”.
O executado veio recorrer pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por acórdão que julgue a oposição procedente, formulando as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida não qualifica o bem penhorado, antes fala de “papéis” e “cartões” que titulam bens corpóreos sem se atingir o alcance de tal alusão.
2. A sentença é omissa quanto á fundamentação, quer jurídica quer factual, para a decisão/conclusão, errónea, de que os “aludidos passes são penhoráveis”.
3. O direito de cedência ou de transferência – vulgo “passe” – não é susceptível de penhora.
4. A cedência ou transferência de um jogador profissional de futebol implica uma cessão da posição contratual num contrato de trabalho desportivo.
5. Tal cessão, definitiva ou temporária, depende sempre da concordância do jogador o que, por si só, inibe a entidade patronal de inscrever qualquer eventual direito de crédito decorrente dessa relação jurídica laboral no seu activo – inexistindo tal concordância, a mesma não se concretiza – art.20º nº2 da Lei 28/98 de 26.6.
6. Ora, findo o prazo de contrato de trabalho desportivo, ou operada a rescisão com invocação de justa causa por iniciativa do jogador, este é livre de celebrar novo contrato de trabalho desportivo sem que o novo Clube/SAD – isto é, a sua nova entidade patronal -, tenha que pagar ao anterior qualquer indemnização ou compensação.
7. A cedência de um jogador mais não é do que efectivamente a cessão de um a posição contratual que opera na esfera da actividade desportiva. Essa a razão, aliás, pela qual a F.I.F.A. prescreve regras especificas para regular as denominadas “transferências” através do seu Regulamento relativo ao estatuto e transferências de jogadores que entrou em vigor no dia 1.9.01 divulgado através do Comunicado Oficial da FPF nº78 de 3.9.01.
8. Os direitos desportivos sobre os jogadores apenas podem ser detidos por clubes ou sociedades desportivas de futebol, não sendo os mesmos, por isso, passíveis de penhora ou qualquer forma de ónus jurídico – arts. 4º nº1, 5º nº1 e 32º do Regulamento da FIFA.
9. Só os clubes ou sociedades desportivas podem deter os direitos emergentes do vínculo desportivo de um jogador, não sendo reconhecidos, pela ordem jurídica desportiva, quaisquer direitos por outras pessoas, singulares ou colectivas.
10. O “passe” não é nada de concreto, não existe.
11. A não ser este o entendimento sempre se configuraria o praticante desportivo profissional como uma mercadoria sujeita a um preço de mercado.
12. A sentença recorrida violou a liberdade de trabalho consagrada nos arts.58º e 59º da CRP., inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
13. A penhora de direitos – art.860-A nº1 do CPC – aplica-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à penhora de créditos.
14. A executada não pode desde logo declarar se o crédito existe – art.856º nº2 do CPC..
15. A titularidade de um direito de transferência não constitui um direito de crédito inscrito no activo patrimonial daqueles Clubes/SAD.
16. À data da penhora, e se alguma resposta for legalmente admissível, sempre se dirá que o direito não existe.
17. A recorrente está impossibilitada de dar cumprimento à então requerida penhora.
18. Nem a sentença recorrida o explica, ou suprime as insuficiências do requerimento do solicitador de execução.
19. A penhora além de ilegal é inexequível.
A Exma. Procuradora da República junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso improceder.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
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II
Matéria dada como provada e a ter em conta na decisão do presente recurso.
1. O exequente é parte legítima do acordo para pagamento de dívida assinado pelo executado a 7.6.02.
2. Tal acordo destinou-se a formalizar um plano para pagamento de indemnização inerente à cessação de contrato de trabalho que entre exequente e executado vigorou.
3. Pelo acordo referido o exequente obrigou-se a pagar ao executado uma quantia global de € 359.128,00, que deveria ser paga da seguinte forma: a) 24 prestações mensais e iguais no valor de € 4.572,00 cada, vencendo-se a 1ª no dia 5.8.02 e as restantes em iguais dias dos meses subsequentes; b) a quantia de € 124.700,00 no dia 31.8.02; c) a quantia de € 124.700,00 no dia 31.7.03.
4. Logo na data em que deveria ter pago a 1ªprestação no valor de € 4.572,00 o executado nada pagou, vencendo-se as demais prestações acordadas, tudo no valor de € 359.128,00.
5. O executado já fez os seguintes abatimentos à quantia em dívida nos valores e com as seguintes datas: a) € 4.572,00 a 3.10.02; b) € 4.572,00 a 6.12.02; c) € 9.144,00 a 17.2.03; d) € 2.286,00 a 24.3.03; e) € 6.858,00 a 24.4.03; f) € 4.572,00 a 5.6.03; g) € 9.144,00 a 13.6.03, num total de € 41.148,00.
6. O executado foi citado para os termos da execução em 22.10.03, tendo deduzido oposição que foi julgada improcedente por decisão proferida em 6.1.04, da qual interpôs recurso.
7. Por carta registada com aviso de recepção, emanada pelo solicitador de execução, o ora oponente foi notificado de que, para garantia e pagamento da quantia de € 375.588,55 ficava penhorado à ordem dos autos o “direito ao passe de todos os jogadores de futebol profissional, que constituem o plantel de 2004/20005”.
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III
Questões a apreciar.
1. Da nulidade da sentença.
2. Se o direito de cedência ou transferência – o “passe” – dos jogadores é penhorável.
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IV
Da nulidade da sentença.
O recorrente veio dizer que a sentença é omissa quanto à fundamentação jurídica e factual, não se alcançando a razão porque nela se fala em “papéis” e “cartões”. Que dizer?
Apesar de o não referir expressamente, certo é que o recorrente veio invocar a nulidade da sentença nos termos do art.668º nº1 al. b) do CPC..
Porém, tal invocação é extemporânea na medida em que só ocorreu nas alegações de recurso e não no requerimento de interposição de recurso, conforme determina o art. 77º nº1 do CPT..
Assim, e por extemporânea não se conhece da invoca nulidade.
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V
Se o direito de cedência/transferência dos jogadores é susceptível de penhora.
Na sentença recorrida é referido a tal respeito o seguinte:…” Liminarmente não podemos deixar de sublinhar a estranheza que nos causou a leitura da presente oposição. Na verdade, é a própria oponente que afirma que o passe não é nada de concreto. È algo abstracto ou, se quisermos, não existe. Ora, se como diz a oponente, o bem penhorado não existe. Não se compreende a sua preocupação em deduzir a presente oposição, com as inerentes despesas que tal representa, uma vez que, inexistindo, como diz, o bem penhorado, da penhora, nenhum prejuízo lhe poderá advir. Igualmente, de difícil compreensão se torna a defesa subsidiária que deduz, no sentido de a cedência de qualquer um dos jogadores permitirá um encaixa financeiro igual ou superior à quantia exequenda”(…) “Dada a especificidade da penhora é por demais evidente e notório que a mesma só faz sentido se incidir sobre o plantel, pois, todo e qualquer jogador profissional pode ser num dado momento pretendido e transferível, quiçá por elevado preço e de um momento para o outro deixar de o ser, v.g. por se ter lesionado. Assim sendo e sem necessidade de mais longas, não pode deixar de improceder a oposição à execução deduzida pela executada”.
O recorrente defende que a cedência/transferência de um jogador profissional de futebol implica uma cessão da posição contratual num contrato de trabalho desportivo, e por isso sempre dependente da concordância do jogador. E sem esta concordância não poderá ocorrer a dita transferência, a significar que o “passe” não constitui um direito de crédito inscrito no activo patrimonial do Clube e como tal é insusceptível de penhora. Analisemos então.
Antes do demais se dirá que igualmente não conseguimos alcançar as razões de direito (e não desportivas) que levaram o Mmo. Juiz a quo a considerar penhorável o “passe” dos jogadores profissionais de futebol. De qualquer modo cumpre a este Tribunal tomar posição relativamente ao objecto do presente recurso, o que se fará de seguida.
Ao caso é aplicável o disposto na Lei 28/98 de 26.6 e o CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol publicado no BTE 1ªsérie, nº33, de 8.9.99.
Nos termos do art.19º nº1 da Lei 28/98 de 26.6 “ na vigência do contrato de trabalho desportivo é permitida, havendo acordo das partes, a cedência do praticante desportivo a outra entidade empregadora desportiva”, sendo que do contrato de cedência, que deve ser reduzido a escrito, tem de constar declaração de concordância do trabalhador (arts.19º nº2 e 20º nº2 da referida Lei).
A Lei 28/98 não faz distinção entre cedência temporária ou definitiva. Contudo, e atento o disposto no seu art.21º, temos por certo que a cedência a que se reporta o art.19º é a cedência temporária ou empréstimo (cfr. art.9º do CCT aplicável), e que à cedência definitiva chama o legislador “transferência” (art.21º da Lei 28/98 e art.10º do CCT).
E quer se fale em “cedência” ou em “transferência”, quaisquer destes actos têm de ter a concordância do trabalhador/jogador. E igualmente tal cedência/transferência a que nos referimos é aquela que ocorre na vigência do contrato de trabalho.
Por regra, a cedência/transferência de um jogador tem um valor, a que se costuma chamar “passe”, e que corresponde ao preço de transferência a pagar pelo Clube cessionário ao Clube cedente. Contudo, e conforme já referido, o dito “negócio” só se concretizará se o jogador der o seu acordo, ou seja, se aceitar ser transferido para outro Clube.
Estamos, assim, perante uma cessão da posição contratual, na medida em que no caso se verificam todos os pressupostos exigidos pelo art.424º e segts. do CC., quais sejam a intervenção de “dois contratos distintos: o contrato inicial ou básico, celebrado originariamente entre o cedente e o cedido, de onde resulta o complexo de direitos e deveres que constitui o objecto da cessão (no caso é um contrato de trabalho desportivo); e o contrato através do qual se opera a cessão (negócio causal), que pode consistir numa venda, doação, dação em cumprimento, etc.”- Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição, p.766.
Mas pelo facto de o “negócio” estar dependente da vontade do jogador tal não condiciona a penhora do “passe”. Com efeito, o clube tem pelo menos a expectativa de vir a concretizar o negócio de transferência, a significar que a referida penhora é admissível ao abrigo do art.860º-A nº1 do CPC.. E na data em que o “negócio” se concretizar, então a penhora incidirá sobre o crédito do clube decorrente da referida transferência (nº3 do art.860-A do CPC).
Neste sentido é o acórdão do STJ de 21.11.00 publicado na CJ., acórdãos do STJ., ano 2000, tomo 3, pg.130.
Assim, e por todo o exposto, não merece a sentença qualquer reparo.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a sentença recorrida.
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Custas da apelação a cargo do recorrente.
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Porto, 23 de Outubro de 2006
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais