Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
308/19.1YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DANOS PRÓPRIOS
RISCO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20191021308/19.1YRPRT
Data do Acordão: 10/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Contrato de Seguro é um contrato bilateral ou sinalagmático e aleatório, sendo-o na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto – um sinistro -, a concretizar o risco coberto.
II - Constituindo o risco a possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, tal elemento essencial do contrato de seguro concretiza-se no sinistro (ocorrência concreta do risco coberto).
III - Celebrado entre as partes contrato de seguro de danos próprios e alegado concreto sinistro, ao segurado incumbe o ónus da prova das alegadas ocorrências concretas, em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco do contrato, que determinariam o pagamento da indemnização, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o concreto sinistro alegado e esses danos, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (nº1, do art. 342º, do Código Civil), competindo à seguradora o ónus da alegação e da prova dos factos ou circunstâncias que sejam suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos, conducentes à exclusão da sua responsabilidade (n.º 2 de tal artigo);
IV - Não cumpre aquele ónus o segurado que nada logra demonstrar quanto à alegada ocorrência naturalística de facto em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 308/19.1YRPRT
Processo do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (Porto)

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: B…
Recorrida: C… - Companhia de Seguros, S.A.

B…, demandante, no processo de arbitragem, em que é demandada C… - Companhia de Seguros, S.A. notificado da sentença arbitral dela veio interpor recurso de apelação pugnando pela sua revogação e substituição por outra que, reconhecendo o nexo de causalidade entre o embate e a produção dos danos no filtro de óleo, cárter e no motor, condene a recorrida seguradora no pagamento ao recorrente do montante de € 5.274,42 e juros de mora. Formula, para tanto as seguintes CONCLUSÕES:
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Não foram oferecidas contra alegações.
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No âmbito do referido processo foi proferida a seguinte
Decisão
Em face do exposto, julgo a presente reclamação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a Reclamada no pagamento ao Reclamante da quantia de € 170,41”.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é, apenas, a seguinte:
- Se ocorreu erro de julgamento de direito (da verificação do evento danoso concretizador do risco coberto pelo contrato de seguro celebrado entre Autora e Ré, pressuposto da responsabilidade desta, e da existência de nexo de causalidade entre o facto -concreto embate alegado - e os danos no motor do veículo);
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS
Foram os seguintes os factos considerados provados, com relevância para a decisão:
A. No dia 3 de Novembro de 2016, cerca das 9h40m, na Rua …, em Ovar, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-MV-.., conduzido por B… (seu proprietário), com responsabilidade civil automóvel transferida para a Reclamada, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice ………, sofreu um embate, à saída da garagem da residência do Reclamante, provocando danos no filtro de óleo e no cárter, com consequente fuga de óleo;
B. O custo de reparação destes danos ascende a € 412,41 (sendo esse valor de € 170,41, se descontada a franquia a cargo do Reclamante);
C. Após o embate, o Reclamante percorreu uma distância de cerca de 2,5km, até ao local onde foi rebocada a viatura MV;
D. O veículo MV tem danos internos no motor, cuja reparação ascende a € 5.104,01.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Do erro de julgamento de direito (da verificação do evento danoso concretizador do risco coberto pelo contrato de seguro celebrado entre Autora e Ré, pressuposto da responsabilidade desta, e da existência de nexo de causalidade entre o facto e os danos no motor do veículo)

Com a Reclamação, pretende o Reclamante ser ressarcido, no montante de € 4.862,01, pelos danos de que padece o seu veículo, montante já deduzido da respetiva franquia, ao abrigo do disposto na apólice relativa ao contrato de seguro celebrado com a Reclamada, alegando, para tanto, como causa dos danos, um concreto embate, que especifica, ocorrido no dia 3.11.2016, aceitando a Reclamada a ocorrência, apenas, dos danos que refere como resultantes de colisão nesse dia verificada, no montante de € 412,42, os quais, deduzidos da franquia contratual, de 242,00, importam em €170,41, quantia que colocou à disposição daquele.
Considerou a decisão recorrida que o Reclamante, não só não conseguiu demonstrar que tivesse ocorrido o embate que alega, como não logrou provar nos presentes autos o nexo de causalidade entre o facto (o embate que efetivamente se provou) e os danos internos do motor, tal como lhe competia nos termos do artigo 342.°, do Código Civil.
Dependendo o pedido de alteração do decidido, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não a tendo o apelante sequer impugnado, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida, podendo, aqui, manter-se, na íntegra, a fundamentação de direito desenvolvida. Nenhuma obrigação se pode, pois, impor à Recorrida, com relação ao ressarcimento dos danos no motor por se não ter logrado provar serem os apontados danos no motor do veículo do Autor consequentes dos riscos objeto da cobertura do seguro, bem se tendo decidido o ressarcimento dos restantes, que a recorrida aceitou e, logo, se prontificou a pagar.
Vejamos.
Efetuando a subsunção jurídica, considerou o Tribunal a quo estar-se perante um contrato de seguro, sendo-lhe aplicável o regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, integrando um “seguro de danos”, que consta do Título II do RJCS, compreendendo os artigos 123.º a 174.º do referido diploma legal, sendo que o contrato de seguro em questão teve por objeto um veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-MV-.. – cfr fls 67 e seg. Para além do seguro de responsabilidade civil automóvel, que, como decorre do preceituado no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21 de Agosto, é obrigatório, pode ainda ser contratado o, chamado, seguro de danos próprios, que abrange os prejuízos sofridos pelo veículo seguro, ainda que o seu condutor seja responsável pelo evento e tal seguro pode incluir várias coberturas, de acordo com as opções disponibilizadas pelas entidades seguradoras, e destina-se a ressarcir prejuízos (contratados) que um determinado evento cause no património do segurado, o qual, em regra, está limitado a uma quantia máxima para a cobertura do dano nele previsto, residindo a questão a decidir, desde logo, em saber se ocorreu o facto gerador da responsabilidade civil da Ré seguradora.
Contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado[1].
São, pois, elementos essenciais do contrato de seguro os intervenientes (seguradora, tomador de seguro), as obrigações dos intervenientes (pagamento do prémio pelo tomador do seguro, suportação do risco e realização da prestação pela seguradora) e objeto (risco).
O contrato de seguro é regulado pelas condições gerais, particulares e especiais – v. art.º 32º do citado Decreto-Lei 72/2008, de 16 de abril, abreviadamente designado de RJCS, que passou a vigorar a partir de 1 de janeiro de 2009 para os contratos celebrados após aquela data (cfr. art. 2º e segs).
O referido Decreto-Lei 72/2008, de 16 de abril veio estabelecer o regime jurídico do contrato de seguro harmonizando soluções, adaptando as diversas regras em vigor, procedendo a uma atualização e concatenação de conceitos dispersos em vários diplomas e preencher lacunas. Procedeu, assim, a uma consolidação do direito do contrato de seguro e introduziu diversas soluções inovadoras, mais conformes às necessidades atuais.
O artigo 1º, do RJCS, com a epígrafe Conteúdo típico, estatui “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. Podendo a noção de contrato de seguro acarretar dificuldades de qualificação, não define a lei o contrato de seguro mas indica “as obrigações principais e características que decorrem para as partes deste contrato. Apesar de não se apresentar (formalmente) uma noção do contrato de seguro, do elenco dos deveres típicos enunciados deduz-se a noção da figura”[2].
Assim, “em vez de “segurado” ou de “terceiro”, optou-se por um termo neutro “outrem”, pois, tendo em conta a complexidade da distinção entre pessoa segura e segurado, de molde a abranger os seguros de danos e de pessoas; “outrem” é um termo neutro, que (…) permite maior abrangência.
A obrigação típica do segurador não é a de assumir o risco de outrem, mas sim a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado a tal risco[3].
O seguro configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, por dele emergirem obrigações para ambas as partes, oneroso, por implicar vantagens também para ambas, e de execução continuada.
Em regra, surge como um contrato de adesão, pois a vinculação do segurado faz-se através da subscrição de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais da apólice que são elaboradas sem prévia negociação individual, limitando-se os proponentes ou destinatários a subscrever o contrato, aderindo a elas.
José Vasques, define Contrato de Seguro como sendo “ um contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto”[4].
O contrato de seguro em benefício de terceiro constitui, assim, um verdadeiro contrato a favor de terceiro, definido pelo artigo 443.º do Código Civil, como aquele em que um dos contraentes (o promitente) atribui, por conta e à ordem de outro (o promissário) uma vantagem a um terceiro (o beneficiário) estranho à relação contratual, mas titular definitivo e autónomo do direito de crédito de exigir do promitente o cumprimento da prestação, e não um simples destinatário da prestação[5].
“O Segurado é a pessoa no interesse da qual o contrato é celebrado ou a pessoa (pessoa segura) cuja vida, saúde ou integridade física se segura”[6].
“O Tomador do Seguro é a entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora…”[7].
“O Beneficiário é a pessoa singular ou coletiva a favor de quem reverte a prestação da seguradora decorrente do contrato de seguro ou de uma operação de capitalização”[8].
O contrato de seguro é um contrato bilateral ou sinalagmático, formal e aleatório, sendo-o na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto – um sinistro associado a tal risco. “O sinistro é o “evento aleatório” a que se refere o art. 1º, da LCS, (cf arts. 99º e ss.). O contrato de seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (maxime, pagar uma quantia) relacionada com o risco do tomador do seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura). Com isso, não se nega realidade ou relevância jurídica à cobertura, que consiste na sujeição do segurador, durante certo período, ao possível surgimento da sua obrigação. A cobertura é uma atribuição que se realiza por mero efeito do contrato e, nessa medida, não é obrigação nem conteúdo de uma obrigação, e muito menos se confunde com a obrigação típica do segurador. É com a cobertura que a obrigação de pagar o prémio constitui uma relação sinalagmática ou, noutra terminologia, uma relação de troca (cf. art. 51.º, nº1, na referência à “contrapartida”). O segurador cobre um risco que existe independentemente do contrato (cf. arts. 43º e ss.). A não criação do risco pelo próprio contrato de seguro contribui para a distinção entre o seguro e o jogo ou aposta (cf. arts. 1245º e ss do CC). Contudo, é o contrato de seguro que define exatamente que risco é esse, pois só é sinistro “a ocorrência do evento aleatório previsto no contrato”. Nessa medida, diz-se que é um risco formal aquele que releva para o contrato de seguro. O risco coberto é do tomador ou de outrem. A lei, em vez de “segurado” ou de “terceiro”, optou por um termo neutro, “outrem”, pois, tendo em conta a complexidade da distinção entre pessoa segura e segurado, de molde a abranger os seguros de danos e de pessoas, só um termo neutro como “outrem” não compromete e permite maior abrangência. Ainda que se tenha optado por este termo amplo (outrem), importa distinguir aqueles que podem ter direito a uma pretensão direta contra o segurador (ex. pessoa segura) daqueloutros que só indiretamente poderão beneficiar da prestação (ex. certos beneficiários); ou seja, há que distinguir se foi ou não atribuída ação direta contra o segurador (vd., p. ex., arts 140º e 146º). A questão prende-se ainda com a eventual qualificação do seguro como contrato a favor de terceiro (veja-se Ac. STJ de 20/2/2014 (João Trindade), www.dgsi.pt)”.[9]
Os elementos naturais do contrato de seguro são aqueles que não são essenciais à validade de tal contrato, resultando de normas supletivas – o contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respetiva apólice não proibidas pela lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do DL nº 72/2008, de 16/4.
Para que exista contrato de seguro é necessário, desde logo, que exista uma proposta e que essa proposta seja aceite pela Seguradora destinatária.
A apólice é, assim, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e de onde constam as respetivas condições gerais, especiais e particulares (cfr. fls 67-68).
O contrato de seguro é, também, um contrato de adesão, isto é, um contrato em que um dos contraentes não tem a menor participação na preparação e redação das cláusulas do mesmo, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado[10], a sua celebração, porém, está condicionada à apresentação, pelo potencial tomador do seguro, de uma proposta correspondente ao ramo e modalidade que pretende contratar, proposta essa que se traduz num formulário fornecido pela entidade seguradora.
In casu, consta das cláusulas contratuais do contrato de seguro celebrado entre as partes, cobrir o mesmo danos próprios -“riscos de choque, colisão e capotamento”.
Como bem refere o Tribunal a quo, o acionamento do seguro dependia, assim, da verificação de uma destas situações, sendo que cabia ao Autor alegar e provar o invocado facto gerador da responsabilidade civil da Ré seguradora e, alegando o mesmo factos que integram embate ocorrido – cfr art. 8º e seg.(v. fls 63) -, tal factualidade não resultou apurada, não resultando provado o risco coberto pelo contrato de seguro relativamente ao que o motor do veículo apresenta.
Conclui, pois, o Tribunal a quo pela não verificação do pressuposto de que dependia o acionamento da cobertura do seguro em questão, pois que a prova desta factualidade, constituindo matéria de facto constitutiva do direito invocado pelo autor, incumbia a este, como prevê, o art. 342º, nº 1, do Cód. Civil e que não tendo o mesmo logrado fazer essa prova, improcede a ação, nessa parte, que é a que constitui objeto do presente recurso.
Bem o fez, pois que o acionamento do seguro dependia, da verificação de uma das situações de facto de riscos que, por acordo das partes, ficaram cobertos - os “riscos de choque, colisão, capotamento”- não se tendo provada a alegada situação concreta, descrita pelo autor.
Imputa o Autor à Ré a responsabilidade pelos danos no motor do veículo, por si alegadamente sofridos, a qual decorre da celebração do contrato de seguro, da concretização do risco coberto e do incumprimento, pela Ré, da obrigação decorrente do contrato de seguro celebrado, pois que participado o sinistro, nos termos do art. 100º, do RJCS, a Ré seguradora não cumpriu a sua obrigação decorrente do contrato.
Refira-se que na responsabilidade civil cabe distinguir a:
1- Responsabilidade civil extracontratual, que é a que advém da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem;
2- Responsabilidade civil contratual, que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos.
O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil:
- no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º;
- no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 5620 a 5720;
- e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor – artigos 798º a 812º.
Alicerça o Autor a sua pretensão em responsabilidade civil contratual, pois que está em causa a violação de obrigações assumidas, em sentido técnico, nelas se incluindo os deveres primários de prestação e também os deveres secundários. Esta categoria de responsabilidade civil está tratada pelo Código Civil nos artigos 798.º e ss, embora a repartição não seja estanque (pois que existem normas no sector reservado à responsabilidade delitual que se aplicam, manifestamente, à responsabilidade contratual, como é o caso das referentes à obrigação de indemnizar, que foi objeto de um tratamento unitário pelo legislador nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil).
São, pois, pressupostos da responsabilidade civil:
1- a prática de um facto naturalístico voluntário;
2 – ilicitude de tal facto (que é a infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida);
3 – a verificação de um nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente);
4 - dano (perda que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar);
5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (tendo o facto de constituir a causa do dano).
Na responsabilidade contratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos, com exceção da culpa, que se presume.
In casu, estão em causa os prejuízos sofridos pelo Autor decorrentes do incumprimento, pela Ré, das obrigações por si assumidas no contrato de seguro de danos próprios que celebrou com o Autor, uma vez concretizado o risco coberto, que lhe foi participado.
Ora, assentando a modificabilidade da fundamentação jurídica na verificação do evento danoso que integra a concretização do risco contratado, pressuposto da responsabilidade da ré, e decidido que está não se ter logrado demonstrar a sua verificação, nunca poderá a ação proceder, não incorrendo a Ré em responsabilidade civil quanto ao montante peticionado pelos alegados danos no motor.
Em termos de regras gerais sobre o ónus da prova, opera o preceituado no disposto no artigo 342º, do Código Civil, que estatui no nº1, que àquele que invoca um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo e no nº2 que a prova dos factos extintivos do direito, compete àquele contra quem a invocação é feita.
Celebrado contrato de seguro entre as partes e alegada a verificação de risco coberto, ao Autor cabia a prova da sua verificação, por se tratar de facto constitutivo do direito indemnizatório de que se arroga (nº1, do art. 342º, do CC), competindo à seguradora o ónus da alegação e da prova de factos conducentes à exclusão da sua responsabilidade (n.º 2 do art. 342º do CC). Ao Autor incumbia fazer a prova dos factos constitutivos do direito á prestação por parte da R. – desde logo a prova dos factos que, atentas as cláusulas do contrato celebrado com esta, determinariam o pagamento da indemnização pelos danos próprios, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o sinistro e esses danos. À seguradora/Ré competirá alegar e provar factos ou circunstâncias que constituam as exclusões previstas nas Condições Gerais, por se tratar de factos impeditivos do direito do A. à indemnização[11], excludentes do risco ou aqueles que sejam suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos revelem na sua aparência factual, a título de factos impeditivos nos termos do nº 2 do mesmo artigo (sendo que mesmo em caso de fraude - com o que fica prejudicada a natureza fortuita do próprio evento -, é sobre a seguradora que impende o ónus de provar que a ocorrência de facto integrador de qualquer das situações contratualmente previstas em sede de delimitação do risco foi causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado, o que se traduz num facto impeditivo do efeito jurídico potenciado por aquela ocorrência, nos termos conjugados do art. 46º do RJCS e nº 2 do art. 342º) [12].
Com efeito, como se decidiu no citado Acórdão da Relação de Coimbra de 9/1/2018, “no contrato de seguro, o risco constituiu um elemento essencial, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, nos termos configurados no contrato e que deve existir ainda durante a vigência do mesmo.
O risco relevante para efeitos do contrato, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato de seguro através da delimitação dos riscos cobertos, que tecnicamente é feita através de dois vectores: primeiramente por meio das cláusulas definidoras da “cobertura-base” e subsequentemente pela descrição das cláusulas de delimitação negativa dessa base ou de exclusão da cobertura.
O sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto, devendo reunir os elementos com que é ali configurado.
A definição genérica de sinistro como evento futuro, súbito e imprevisto, dada numa cláusula contratual geral, não se traduz em qualquer característica qualificativa adicional dos factos enunciados na cláusula de base de cobertura do risco.
Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (art. 342º, nº 1, do CC)”.
Aí se escreve “Como sustentado pela jurisprudência que seguimos, «incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações hipotéticas configuradas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos que são do direito de indemnização, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC. Por sua vez, à seguradora cabe provar os factos ou circunstâncias excludentes do risco ou aqueles que sejam suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos revelem na sua aparência factual, a título de factos impeditivos nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC» [13].
Como se lê no acórdão ora citado, «(…)é pois reconhecido que o risco constitui um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, que deve existir quer aquando a celebração do contrato quer durante a sua vigência, o que, de resto, parece decorrer, nomeadamente do disposto nos artigos 1.º, 24.º, 37.º, n.º 2, alínea d), 44.º, n.º 1 e 3 e 110.º do atual regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04 (RJCS).
Relativamente à noção de risco, para tais efeitos, é também correntemente admitido que o mesmo se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato.
Nas palavras de Cunha Gonçalves: «O risco tem um carácter eminentemente potencial e aleatório: é um facto incerto para ambas as partes e futuro, que pode causar um dano ao património ao segurado, ou modificar o evento da vida em que ele tem qualquer interesse.»
E segundo Moitinho de Almeida, o risco “é a possibilidade de um evento futuro e incerto (pelo menos incertus quando) susceptível de determinar a atribuição patrimonial do segurado (excluída a teoria indemnizatória, não se qualifica o evento de danoso).
Por seu lado, Menezes Cordeiro refere que:
«Há risco quando, em termos humanos, a eventualidade (tomada como) desfavorável seja possível e caso, como tal, ela seja levada a um contrato válido. Digamos que há uma dificuldade de princípio, dada a irracionalidade do elemento humano, a qual é ultrapassada pelo juízo de validade que recaia sobre o contrato de seguro.»
De forma mais analítica, Margarida Lima Rego caracteriza a incerteza do risco na base de três variáveis:
i) – a incerteza quanto à ocorrência do resultado contemplado (incertus an);
ii) – a incerteza quanto ao momento da ocorrência desse resultado (incertus quando);
iii) – a incerteza quanto ao valor de tal resultado, ou seja, “a variabilidade da magnitude das consequências do sinistro.”
(…) Segundo o ensinamento de Cunha Gonçalves, em termos jurídicos:
«Sinistro é um caso fortuito ou de força maior de que resultou a parcial ou total realização do risco garantido pelo segurador ou do dano previsto por ambas as partes no respectivo contrato.»
E «[…] caso fortuito ou de força maior é qualquer facto superior às forças humanas e imprevisto, ou previsto, mas inevitável.
Em consequência, é lógica a conclusão de que o segurador não é obrigado a indemnizar ou a considerar como sinistro os danos provenientes de factos que não teem aquela natureza, ou, embora a tenham, não foram dos previstos na apólice ou no contrato de seguro.»
Por seu lado, Margarida Lima Rego escreve que:
«Chamamos “sinistro”, precisamente, à verificação de um desses factos previstos no contrato de seguro, que compõem a chamada cobertura-objeto, e cuja verificação determina a obrigação de prestar por parte do segurador.»
Também Menezes Cordeiro, a este propósito, considera que:
“O sinistro equivale à verificação, total ou parcial, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador (99.º)”»”.
O artigo 99º do RJCS dá o “sinistro” como a realização do evento assegurado, formulação cujo “minimalismo”, “funcionalismo” – prescinde designadamente das ideias, seja de dano, seja de imprevisibilidade ou de subitaneidade[14].
Alinhadamente, o artigo 1º refere-se ao “evento aleatório previsto no contrato”. E o art. 99º tem caráter “minimalista”, neutro. Além de minimalista., a noção é neutra e aberta. É ao contrato, à sua interpretação, que cabe determinar o evento em concreto relevante para o acionamento da cobertura[15].
“Sinistro” é um termo usado nos seguros com um sentido específico relacionado com o evento em razão do qual foi feito o seguro, relacionando-se com a verificação do risco coberto no contrato de seguro[16].
Sendo o sinistro a ocorrência concreta do risco previsto no contrato e sendo que a qualificação de um evento ou facto como sinistro terá de ser feita em função dos contornos tipológicos do risco tal como foram desenhados no clausulado contratual, recai sobre o segurado o ónus de provar tais ocorrências como factos constitutivos que são do direito de indemnização invocado, nos termos do nº 1 do art. 342º do CC.
Nesta linha de entendimento é forçoso concluir pela não verificação do sinistro, pois incumbindo ao Autor a prova da ocorrência do concreto sinistro e não tendo cumprido o ónus probandi que sobre si impendia não pode deixar de sofrer as consequências desvantajosas que estão associadas ao incumprimento de tal ónus – a improcedência da ação, na parte em causa.
Assim, não cumprido que se mostra o ónus a cargo do segurado, de demonstrar a ocorrência do facto naturalístico alegado (o embate afirmado), que integra o risco coberto pelo contrato de seguro celebrado e causa de pedir da ação, tem esta, na parte que agora está em causa, de improceder.
Refira-se, ainda, que, como no Acórdão do S.T.J. de 17.4.2007 – Proc. 07A701 – in www.dgsi.pt, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, se pode ler:
“A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa do dano, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação. Na formulação negativa (mais ampla), o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., págs 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho, “Omissão e Dever de Agir em Direito Civil”, pág. 61; Ac. S.T.J. de 15-1-02, CJ Ac. S.T.J., X, 1º, 36: Ac. S.T.J. de 1-7-03, proferido na revista nº 1902/03, da 6ª secção, também relatado pelo mesmo Relator, entre outros)”.
Porém, como vimos, não ficou o Tribunal com a convicção de que os danos que o motor do veículo apresenta tivessem sido causados pelo embate que se provou. Nada nos permite concluir que os danos no motor ocorreram porque o filtro do óleo e o cárter foram danificados (ficando com fuga de óleo). Não resulta que o facto (embate) provado foi condição necessária do dano no motor, não resultando violado o art. 563.°, do CC, ou qualquer outro preceito. E nenhum outro embate resultou provado, não tendo, pois, rigorosamente, sequer, ficado provado o facto naturalístico alegado pelo Autor.
Deste modo, é de manter a fundamentação de direito e o decidido.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativo invocado pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 21 de outubro de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Almeida Costa, RLJ, ano 129, pág. 20.
[2] Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016, 3ª Edição, Almedina, pág. 38
[3] Ibidem, pág. 38
[4] José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra, 1999, pág. 94
[5] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 251 e 252, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 2ª edição, revista e atualizada, 134; Ac. STJ, de 21-6-97, BMJ nº 468, 384).
[6] José Vasques, idem, pag 102.
[7] Ibidem, pag 102.
[8] Ibidem, pag 98
[9] Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016, 3ª Edição, Almedina, págs 38 e seg.
[10] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 262
[11] Ac RL de 20/9/2018, proc. 1409/16.3T8AMD.L1-2, in dgsi.net
[12] Ac. RC de 9/1/2018, proc. 825/15.2T8LRA.C1, in dgsi.net
[13] cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2016, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt/jstj.
[14] Pedro Romano Martinez e outros, Idem, pág. 354
[15] Ibidem, pág 355
[16] Ibidem, pág 357