Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS QUERIDO | ||
Descritores: | QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA PRESUNÇÃO IUS ET DE IURE PRESUNÇÃO JURIS TANTUM PROVA DO NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202107131067/12.4TYVNG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/13/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A lei institui no artigo 186º, n.º 2, do CIRE, uma presunção juris et de jure, uma vez verificada a factualidade integradora das respetivas alíneas, quer da existência da culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário. II - Já no que concerne ao n.º 3 do artigo 186.º, prevê uma presunção juris tantum de culpa grave do devedor que não seja uma pessoa singular, sempre que os seus administradores, de direito ou de facto, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal e de submetê-las à devida fiscalização e depósito na conservatória do registo comercial. III - Demonstrados tais factos, integradores das previsões legais referidas, o juiz presumirá a culpa do devedor na sua situação de insolvência, excluindo, porém, essa qualificação se for demonstrado que a impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas não se deveu a culpa do devedor. IV - Resulta do artigo 186º, n.º 3, apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da atuação dos administradores da insolvente, de direito ou de facto, mas não uma presunção da causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do artigo 186º, de que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta V - Em suma, nas situações previstas no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, só poderá ser declarada culposa a insolvência, se tiver sido feita prova do nexo de causalidade adequada entre o comportamento do administrador do devedor e a criação ou o agravamento da situação de insolvência. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1067/12.4TYVNG-A.P1 Sumário do acórdão: ................................................................................................................ ........................................................ Acordam no Tribunal da Relação do Porto Em 01.10.2012, a credora C…, Lda., requereu a insolvência da sociedade “B…, Lda.”, no âmbito do processo n.º 1067/12.4TYVNG, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do PortoI. Relatório Por sentença proferida em 4.06.2014, foi decretada a insolvência da requerida, tendo-se prescindido da realização de assembleia de credores. Em 04.11.2014 foi proferido despacho a declarar encerrado o processo por insuficiência da massa. Foram reclamados nos autos créditos no valor total de cerca de €109.807,49, tendo sido reclamado pela credora C…, Lda., o valor de €71.677,50. Em 23.07.2014, veio a credora C…, Lda., requerer a qualificação da insolvência como culposa. Por despacho de 22.10.2014 foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência. Em 9.04.2015, a Administradora da Insolvência apresentou Parecer, no qual conclui que a insolvência deverá ser declarada fortuita. Em 21.12.2015, a Digna Procuradora da República tomou posição através da seguinte promoção: Parecer do Ministério Público para efeitos do artigo 188.º, n.º 3, do CIRE: No seu requerimento de fls. 2 a 16, alegou a requerente “C…, Lda.” que se deverá qualificar a insolvência como culposa com os seguintes fundamentos: - Ocorreu o incumprimento do dever de requerer a insolvência por parte dos administradores da empresa; - A insolvente sempre negou o crédito da requerente, no valor de 68.400,00 €, o qual, no entanto, se encontrava explanado na contabilidade, mas, no entanto, quando a requerente pediu a insolvência, a requerida deduziu oposição, o que apenas fez para ganhar tempo para ocultar/fazer desaparecer todo o sua património, - mais concretamente, permitiu-lhe ocultar os créditos que tinha a receber no âmbito dos processos n.ºs 706/11.9TBGDM, 27617/12.8YIPRT e 221/06.2TBVLP. - aliás, tais processos viriam a terminar tendo havido pagamento dos créditos no valor de 13103,68€, 5000,00€ e 11.679, 97 € e, só depois de os receber, a requerida desistiu da referida oposição. A Ex.mª Administradora da Insolvência, porém, no seu parecer em sede de qualificação da insolvência, conclui pelo carácter fortuito desta, porquanto, segundo a mesma… não é possível afirmar que a violação do dever de a empresa se apresentar à insolvência tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não sendo, portanto, possível estabelecer um nexo de causa e efeito entre esse incumprimento e esta situação.. Mais esclareceu a Srª A. I. que “…a sociedade insolvente entregou à massa insolvente o montante global de 16.000,00 € do Processo n.º 706/11.9TBGDM e que no processo n.º 221/06.2TBVLP ainda se encontram diligências de venda em curso ... Compulsados os elementos constantes dos autos, importará ter em conta, em nosso entender e em resumo, a seguinte factualidade: 1. B…, Ldª foi constituída em 28/7/1998 e foi registada na Conservatória do Registo Comercial com o capital social de €5.000,00, para o exercício da actividade de fabricação e comércio de móveis de madeira; 2. Foram sócios gerentes dessa sociedade, D…, E… e F…, sendo esta a única gerente; 3. Em 1 de Outubro de 2012, a credora C…, Ldª veio requerer a insolvência da requerida; 4. A requerida deduziu oposição em 26 de Outubro de 2012, invocando, entre outros factos, não se encontrar em situação de insolvência e a existência de créditos que peticionava, então, nos Processos n.ºs 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT ; 5. A requerida não aceitou que devesse à requerente o valor de 68.400,00€ alegado pela requerente, invocando uma situação de falsificação de(s) cheque(s) por parte da mesma requerente; 6. Na sequência do que formalizou queixa crime contra a mesma que deu origem ao Inquérito n.º 3647/11.6 TAGDM de Gondomar; e na sequência do qual foi proferido despacho de pronúncia contra C…, Ldª “, G…, H…, I…, J… por 4 crimes de falsificação de documento, p. e p. no art.º 256.º 1 b) e 3 do CP. 7. Realizada perícia à contabilidade da requerida, concluiu-se, entre outras conclusões, que na conta …….. da empresa se encontrava relevado um crédito a favor da requerente no valor de 54.362,82€, que a empresa se encontra inactiva, sem trabalhadores ao serviço e sem quaisquer activos fixos , exibindo uma situação liquida negativa de 28.116,91€ 8. Em 1 de Junho de 2014, a requerida desistiu da oposição; 9. Por sentença proferida em 4/6/2014, foi decretada a insolvência da requerente; 10. Foram reclamados nos autos créditos no valor de cerca de 109.807,49€, do qual, 71.677,50€ foi reclamado pela requerente; 11. Foi apurado um saldo de caixa no valor de 4.611,57 €; 12. O processo foi encerrado por despacho proferido em 4/11/2014 por insuficiência da massa; 13. Foi apreendido o valor de 16.000,00€ proveniente do Processo executivo n.º 706/11.9TBGDM; Como é sabido, o incidente de qualificação da insolvência tem por objecto um juízo sobre os actos de gestão ocorridos nos três anos anteriores à instauração de uma acção de insolvência. Como supra referido, a requerente invoca a situação prevista no art.º 186.º n.º 2 al. a) do CIRE, alegando que a requerida usou de manobras dilatórias para ocultar/fazer desaparecer todo o seu património. Ora, compulsados os autos, dúvidas não restam que a insolvente sempre rejeitou a dívida da requerente no valor de 68.400,00€, o que fez logo com a oposição deduzida em 26 de Outubro de 2012, invocando, no entanto, que tal se deve à circunstância da posse ilegítima, por parte da requerente, de cheque abusivamente alterado pela mesma. Acontece que tal situação acabaria por ser alvo do citado processo crime e no qual os responsáveis da requerente foram pronunciados pelos crimes de falsificação. E, se não podemos, aqui, tirar qualquer conclusão relativamente ao que efectivamente aconteceu com a emissão e uso de tal cheque, também não podemos ignorar que esse processo existe e, por isso, dá alguma força à posição assumida pela insolvente no processo relativamente à dívida à requerente. Por outro lado, não obstante a requerente invocar que a insolvente tentou ocultar/dissipar património, tal não é o que decorre dos autos. Efectivamente, na oposição deduzida, concretamente nos art.ºs 52.º e segs, a requerida desde logo referenciou os créditos de que seria titular, designadamente, os processos identificados pela Srª A. I., assim como alegou que só após a venda dos bens penhorados no processo 3506/11.2TBGDM é que poderíamos concluir pela insuficiência de bens… Daí decorre que as situações invocadas pela requerente relativamente à ocultação de créditos não se confirmaram, sendo certo que a mesma também não concretiza que outro património teria a insolvente feito desaparecer … Por outro lado, de acordo com a Srª A. I., não é possível afirmar que a violação do dever de a empresa se apresentar à insolvência tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não sendo, portanto, possível estabelecer um nexo de causa e efeito entre esse incumprimento e esta situação. Efectivamente, os autos não fornecem elementos concretos que nos permitam concluir pela verificação da alínea a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE desde logo pela necessidade de prova de tal nexo de causalidade. Assim, tudo ponderado, não obstante a questão de não ser assumida a dívida da requerente por parte da insolvente, cumpre-nos concluir pela inexistência de elementos concretos para se afirmar que os administradores tenham, com o seu comportamento, criado/agravado a situação de insolvência da empresa. Não possuindo o Ministério Público outros elementos que, com objectividade, levem a concluir de outra maneira, acompanhamos a posição da Srª A. I. e, de igual foram, somos de parecer de que a presente insolvência deve ser considerada fortuita. * De todo o modo, caso o Tribunal entenda prosseguir com o incidente face à posição da credora requerente, deverá ser citada a gerente acima identificada.* Em 24.06.2018 foi proferido o seguinte despacho:«Não obstante os pareceres da A.I. e da Sra. Procuradora e o disposto no artº 188º, 5 do CIRE, prossigam os autos. Notifique a credora de fls. 3 para em 10 dias indicar quem deve ser afectado pela qualificação da insolvência.». Em 31.10.2016, veio F…, sócia gerente da empresa B…, Unipessoal, Lda., sociedade comercial insolvente, deduzir oposição ao incidente de qualificação da insolvência, invocando o seu caráter fortuito. Realizou-se a audiência de julgamento em várias sessões, tendo sido a primeira em 9.01.2017 e a última em 19.02.2021, após o que, em 3.03.2021 foi proferida sentença que qualificou a insolvência como fortuita. Não se conformou a credora/ requerente C…, Lda., e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões[1]: …………………………………………………….. …………………………………………………….. …………………………………………………….. Termos em que deve revogar-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo e, em sua substituição ser proferido douto Acórdão que condene a Recorrida nos termos peticionados, o que se requer, tudo nos termos supra expostos, assim se fazendo inteira JUSTIÇA! F… respondeu às alegações de recurso, pugnando pela sua total improcedência e concluindo: ……………………………….. ……………………………….. ……………………………….. Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos, tendo sido feita a devida e correcta interpretação da lei. V. Exas. farão a costumada Justiça. II. Do mérito do recurso O objeto dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:1. Definição do objeto do recurso i) apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto; ii) apreciação do mérito jurídico do recurso, com base na factualidade definitivamente fixada. 2. Impugnação da decisão da matéria de facto Nas conclusões de recurso, a recorrente restringe o objeto da sua divergência, relativamente à decisão da matéria de facto:2.2. Definição do objeto da impugnação - aos seguintes itens da factualidade provada: 4), 6), 16), 17), 18) e 20); - aos seguintes itens da factualidade não provada: a) e b); - à pretensão de aditamento dos seguintes factos: 1. Em data anterior a 2/05/2013, a ora Recorrida recebeu a quantia de € 13.103,68, no âmbito do Proc. executivo nº 706/11.9TBGDM, o qual foi extinto por pagamento integral, conforme documento recebido eletronicamente em 2/05/2013, tendo a Administradora de Insolvência tido conhecimento de tal recebimento por força do requerimento do incidente de qualificação de insolvência; 2. Em data anterior a 11/01/2013, a ora Recorrida recebeu a quantia de € 5.000,00 no âmbito da transação efetuada no Proc. nº 27 617/12.3YIPRT, do extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar, através da qual foi reduzido o pedido a € 5 000, a qual foi homologada por sentença em 16/01/2013, tendo a Administradora de Insolvência tido conhecimento de tal recebimento por força do requerimento do incidente de qualificação de insolvência; 3. Em 15/09/2011 transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do Proc. nº 221/06.2TBVLP, que correu termos na secção única do Tribunal Judicial de Valpaços e que julgou totalmente procedente a ação de impugnação pauliana instaurada pela ora Recorrida, e por via disso, declarou a ineficácia em relação à A., ora Recorrida, da doação realizada em 20/05/2004, ordenando a execução do prédio em causa e respetivo recheio, para satisfação do crédito da Recorrida, cujo capital e juros de mora ascendiam em 18/07/2006 a € 11 679,97. 4. Com fundamento na sentença supra referida em 3., o Proc. executivo nº 376/05.3TBULP, que corre termos no Juízo de Execução de Chaves do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real prosseguiu, sendo que, em janeiro de 2014 foi celebrado um acordo para pagamento, do valor de €13.000, em prestações, pela ora Recorrida, na qualidade de Exequente, com os Executados, tendo a Administradora de Insolvência apenas conhecimento deste crédito e deste acordo para pagamento em prestações, em 15/12/2014. 2.2. Fundamentação do Tribunal «O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica das provas oferecidas e das demais obtidas nos presentes autos, passando-se, agora, a especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.Transcreve-se a motivação do Tribunal: A factualidade sob os nºs 1 e 2 encontra-se provada com base na certidão da CRC, os n.ºs 3 a 11 e 13, resultam do processo principal, o n.º 12 do apenso C, o n.º 14 do apenso B e n.º 15 do teor das reclamações de credito; o nº 17 resulta do doc. junto em 24.11.2020 e o n.º 18 e 20, das declarações da A.I.. A Sra. Administradora da Insolvência referiu que no inicio quando foi nomeada, não teve conhecimento de quaisquer quantias nem processos, mas após a abertura do incidente e do parecer da C…, mas antes de parecer da A.I., a requerida veio repor a situação e entregou o dinheiro que recebeu à MI, não sabendo quando aquela recebeu tais montantes, mas foram depositados na conta da MI em 10.12.2014; o saldo de caixa foi logo entregue à A.I. na sequencia dos contactos que fez; a empresa não tinha imoveis e tudo o que tinha foi entregue, não tendo havido prejuízo para os credores. A sociedade cessou para efeitos de IVA em 11.03.2011. Mais referiu que teve toda a colaboração por parte da empresa e fornecida toda a informação disponível. A testemunha K…, referiu que o marido L… (actualmente divorciada) comprava móveis, nomeadamente à insolvente. Em 2003 emitiu letras à insolvente no valor de €10.000,00 e por causa disso foi instaurada acçao executiva com penhora. A testemunha L…, comerciante de móveis em Valpaços, comprou móveis à insolvente, tendo ficado com uma divida a esta, que pagou em parte no julgamento e o resto no autocarro, pelo que, nada deve àquela, mas não tem comprovativo, pagou em dinheiro. Tem um processo executivo contra ele e a ex-mulher e penhorada a casa em Valpaços. O requerimento junto em 24.11.2020 pela requerida/afectada e de 10.12.2020, contendo os comprovativos dos pagamentos efetuados pelos executados no âmbito dos processos 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT, nomeadamente a transação e homologação do processo 27617/12.8YIPRT e extinção da instancia pelo pagamento no processo 706/11.9TBGDM, montantes recebidos e integralmente entregues à massa insolvente dos B…, Unipessoal, Lda. Os docs. de 11 e 19.01.2017 e 19.04.2017. De acordo com o teor do relatório pericial junto em 03.12.2013 nos autos principais, elaborado com base nos elementos da contabilidade da sociedade insolvente, o Sr. Perito concluiu, entre outras conclusões, que na conta ……… da empresa se encontrava relevado um crédito a favor da requerente no valor de 54.362,82€; os activos da empresa para fazer face ao passivo (de €84.647,81 em 31.10.2013) são um saldo de caixa no valor de €4.611,57, bem como créditos sobre clientes de €56.815,07; que a empresa se encontra inactiva, sem trabalhadores ao serviço e sem quaisquer activos fixos, exibindo uma situação liquida negativa de 28.116,91€. O relatório da A.I do artº 155º do CIRE, junto em 18.07.2014, concluiu que existe um saldo de caixa no montante de €4.611,57, não foram encontrados veículos automóveis nem património predial associados à insolvente, pelo que, propôs o encerramento do processo por insuficiência da MI destinando-se o saldo de caixa a pagamento das custas do processo e restantes dividas da massa. Sopesando todos estes elementos probatórios, julgou-se provada a factualidade sob os nºs 1 a 20 e julgaram-se não provados os factos sob as als. a) e b). Os factos não provados foram assim julgados, por não ter sido produzida qualquer prova ou prova cabal quanto aos mesmos.». 2.3. Reponderação e análise crítica A recorrente funda a sua divergência, em vários documentos que refere e num depoimento que se nos afigura crucial: o da Exma. Senhora Administradora da Insolvência, Dra. M….2.3.1. Apreciação do depoimento da Administradora da Insolvência Ouvimos na íntegra o referido depoimento, relativamente ao qual se elabora uma breve síntese. Antes de mais, convém referir um pormenor particularmente relevante, suscitado pela Digna Magistrada do MP durante a inquirição da testemunha, a partir do minuto 39:35, com intervenção posterior da Mª Juíza. Começou a Administradora da Insolvência por referir que não estabeleceu qualquer contacto com a gerente da sociedade insolvente: “não foi preciso enviar qualquer carta… entrei em contacto com o ilustre mandatário” (39:35). Perante esta afirmação, a Digna Magistrada do MP manifestou a maior estranheza, considerando que a responsabilidade por qualquer colaboração é sempre do gerente e não do mandatário, e intimando a testemunha a adotar uma conduta processual diferente no futuro, dado que, discutindo-se responsabilidade e culpa, nomeadamente quanto à conduta dos gerentes, a mesma tem natureza pessoal, podendo, sem tal responsabilidade, eventualmente, por desconhecimento dos factos, o mandatário prestar informações incorretas, pelas quais não pode ser o gerente responsabilizado, nomeadamente em sede de incidente de qualificação da insolvência. As reservas da Digna Magistrada do MP afiguram-se-nos óbvias, sendo o aludido procedimento da AI suscetível de afastar a possibilidade de qualificação da insolvência como culposa, considerando que, com tal procedimento nunca se poderá falar, por exemplo, de falta de cooperação, porque a mesma nunca é solicitada a quem devia, com as cominações e responsabilidades legais daí resultantes. Não o entendeu assim a Administradora da Insolvência, que com alguma acrimónia la foi dizendo que, tanto ela como os colegas se sentem muitas vezes “a ser julgados”, nas audiências no âmbito dos incidentes de qualificação das insolvências. A acesa troca de palavras entre a Administradora da Insolvência e a Digna Magistrada do MP levou a Mª Juíza a intervir, explicando à AI as óbvias razões que justificam a sua mudança de procedimento para o futuro, devendo “obrigatoriamente” contactar com os gerentes e não com os seus mandatários judiciais, sob pena de ‘desresponsabilização´ dos gerentes – já que os mandatários não respondem por insolvência culposa. A recorrente não poupa nas palavras, referindo a “incompetência e irresponsabilidade” da Administradora da Insolvência [conclusão 74.ª], reafirmando, na conclusão 83.ª, que “a Administradora de Insolvência desempenhou as suas funções em gritante incompetência, irresponsabilidade e incúria”. Regista-se a latere, que não corresponde à verdade a afirmação feita na conclusão 78.ª, de que a gerente da insolvente “decidiu a Insolvente entregar à massa insolvente, em dezembro de 2014, a quantia de €16.000”, após “contacto estabelecido pela A.I. com esse singular objetivo”. Com efeito, tal como expressamente foi admitido pela Administradora da Insolvência, nunca esta estabeleceu qualquer contacto com a gerente da sociedade insolvente. Como adiante se desenvolverá, esta ausência de contacto [a AI não enviou qualquer correspondência nem contactou pessoalmente a gerente] é suscetível de condicionar o juízo de culpa (censura ético social) referente à qualificação da insolvência. Regressando à síntese do depoimento: Afirmou a Administradora de Insolvência que “houve ocultação de uns créditos, no entanto a insolvente veio repor a situação” (01:47) e que “quando confrontada [contacto com o mandatário] propôs-se logo a repor essa situação com entrega do dinheiro que era devido à Massa Insolvente (02:08). Mais esclareceu a Administradora de Insolvência, que se tratou de mera omissão: “durante o processo, ou até essa fase do processo [incidente de qualificação] nada falámos dessa situação (04:26). Concluiu assertivamente: “todos esses credores, onde havia dinheiro, reverteram para a Massa Insolvente… depois de confrontada com a existência desses créditos, a insolvente prontificou-se a entrega-los à Massa Insolvente” – 06:22 e 06:48. Após consultar os documentos que trazia consigo, a depoente precisou os valores recebidos e os processos nos quais foram cobrados: “processo n.º 706/11 e 2767/12, foram-me entregues €13.103,68” (07:03); “foram entregues antes de elaborar o parecer” (07:55); “foram entregues €16.000,00”, no total, depositados na conta da Massa Insolvente em 10.12.2014 (09:30). No que respeita ao procedimento, declarou: “tive conhecimento através da abertura do incidente, da existência desses processos, falei com o ilustre mandatário da insolvente, depositaram-me esse valor na conta da Massa Insolvente” (11:22). No que respeita à cessação da atividade da insolvente: “cessou a atividade para efeitos de IVA… em 11.03.2011” (13:33). No que respeita aos créditos depositados: “os créditos surgiram com referência a essa data” (14:48); “foi feita peritagem que detetou a existência de um saldo de caixa de quatro mil e tal euros, que também foi entregue pela insolvente à Massa Insolvente” (15:08). Esclareceu que foi notificada da sua nomeação em 11.06.2014 (16:15), que só após a abertura do incidente foi mencionada a existência de créditos (17:06), tendo sido o saldo de caixa logo entregue (17:55) e os €16.000,00 só após a abertura do incidente (18:12). Afirmou não ter tido conhecimento da existência de qualquer bem penhorado (19:40) e que a empresa sempre revelou “grande disponibilidade” para colaborar: “tudo o que pedi, facultou” (20:21); “a insolvente deu toda a informação de que dispunha” (22:07). No que respeita a um terceiro processo, no qual existe “um crédito de €11.679,97… houve um acordo… incumpriram… estava na fase de venda de um imóvel…” (25:30). Na versão da testemunha, “em termos de património, a empresa insolvente tinha apenas o saldo de caixa” (26:09); “aquilo que existia foi entregue, com exceção daquele processo que ainda corre termos” (26:56). Inquirida sobre se a insolvente prejudicou os credores com a sua conduta, referiu: “penso que não prejudicou os credores, uma vez que entregou tudo à Massa Insolvente” (27:29). Afirmou que, relativamente ao terceiro processo executivo, a informação de que dispõe é de que os executados incumpriram o acordo celebrado, apenas tendo entregue €850,00 (31:31). Durante o seu depoimento, a Administradora de Insolvência reiterou que não considera reunidos os pressupostos da insolvência culposa, mantendo assertivamente a sua posição relativamente à insolvência fortuita (30:15). 2.3.2. Aferição do mérito da impugnação, tendo em conta todos os elementos probatórios Diverge a recorrente relativamente aos itens 4), 6), 16), 17), 18) e 20) dos factos considerados provados e a) e b) dos factos considerados não provados.Factos considerados provados 4) Citada, a sociedade requerida veio deduzir oposição em 26.10.2012, invocando, entre outros factos, não se encontrar em situação de insolvência e a existência de créditos que peticionava, então, nos Processos n.ºs 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT. 6) Em 03.12.2013 foi junto o relatório do perito, onde se concluiu, entre outras conclusões, que na conta …….. da empresa se encontrava relevado um crédito a favor da requerente no valor de 54.362,82€, que a empresa se encontra inactiva, sem trabalhadores ao serviço e sem quaisquer activos fixos, exibindo uma situação liquida negativa de 28.116,91€ . 16) Em 15.12.2014, conhecimento do proc. executivo n.º 376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, da qual estes só pagaram €850,00. 17) Após a abertura do presente incidente e do parecer da C…, mas antes da junção do parecer da A.I., a insolvente entregou à MI o dinheiro que recebeu, depositados na conta da MI em 10.12.2014; o saldo de caixa foi logo entregue à A.I. na sequencia dos contactos que fez. 18) A empresa não tinha imoveis e tudo o que tinha foi entregue. 20) A sociedade cessou para efeitos de IVA em 11.03.2011. Factos considerados não provados a) Ao atuar como descrito em 17) e 19), a Requerida pretendeu prejudicar os credores ou ocultar/dissipar património b) ou que tenha feito seus os montantes recebidos. Reponderação dos factos considerados provados Pugna a recorrente pela seguinte formulação do facto provado n.º 4: «Citada, a sociedade requerida veio deduzir oposição em 26.10.2012, invocando, entre outros factos, a inexistência de qualquer crédito da C… em relação à Requerida, não se encontrar a empresa em situação de insolvência e a existência de créditos que peticionava, então, nos Processos n.ºs 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT, bem como a existência de bens que se encontravam penhorados, pela Requerente, no âmbito do processo executivo instaurado sob o nº 3506/11.2TBGDM, do extinto 1.º Juízo Cível de Gondomar, do Tribunal Judicial de Gondomar, em que era exequente a Requerente, invocando a litigância de má fé da Requerente.». Com o devido respeito, ocorre questionar: o que é que o aditamento em causa acrescenta à questão do mérito do incidente? O que se discute nestes autos é apenas a qualificação da insolvência, com a consequente averiguação sobre a culpa da gerente da sociedade insolvente. É isso que está em causa. Conforme decorre da previsão legal do n.º 1 do artigo 186.º do DL n.º 53/2004, de 18.03 - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [doravante designado por CIRE]: A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Tal como decidiu a Relação de Coimbra, em acórdão de 7.02.2012 [processo n.º 2273/10.1TBLRA-B.C1], a qualificação da insolvência como culposa reclama uma conduta ilícita e culposa do devedor ou dos seus administradores; decorre a culpa do devedor ou dos seus administradores, de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura; a censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que atuaram, podiam ter conformado a sua conduta de forma a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente; a censurabilidade do comportamento da conduta do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados. Assim se define e sintetiza o thema decidendum dos autos. Revela-se pacífico o entendimento de que a impugnação da decisão da matéria de facto tem natureza instrumental, só se justificando o seu conhecimento quando do provimento da pretensão do recorrente possa também resultar alguma alteração ao nível dos fundamentos de direito. A ponderação do acerto da decisão em causa é destituída de qualquer interesse, sempre que, seja qual for a decisão que o tribunal venha a assumir sobre essa matéria, a mesma não tenha quaisquer reflexos sobre a solução jurídica do pleito. Como refere Abrantes Geraldes[2], o juiz deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados. Reiterando sempre o devido respeito, não se vislumbra qualquer utilidade na formulação proposta pela recorrente, improcedendo a impugnação neste segmento. Pugna a recorrente pela seguinte formulação do facto provado n.º 6: «Em 03.12.2013 foi junto o relatório do perito, onde se concluiu, entre outras conclusões, que, no ano de 2012, na conta …….. da empresa se encontrava relevado um crédito a favor da requerente no valor de 54.362,82€, que a empresa se encontrava inactiva, sem trabalhadores ao serviço, sem estabelecimento, sem faturação e sem quaisquer activos fixos, exibindo uma situação liquida negativa de €28.116,91, debaixo da alçada do art. 35º do Código das Sociedades Comerciais, sendo que aliás já em 2011 foi obtido um prejuízo de €15.569,14 e a situação líquida da empresa já se apresentava negativa, num valor de €23.885,84.». O Tribunal considerou provado: «6) Em 03.12.2013 foi junto o relatório do perito, onde se concluiu, entre outras conclusões, que na conta …….. da empresa se encontrava relevado um crédito a favor da requerente no valor de 54.362,82€, que a empresa se encontra inactiva, sem trabalhadores ao serviço e sem quaisquer activos fixos, exibindo uma situação liquida negativa de 28.116,91€.». Face ao teor do relatório em apreço [páginas 1761 e 1785 do PE], deverá ser aditada a formulação proposta pela recorrente, salvo na parte conclusiva, concetual e meramente jurídica “debaixo da alçada do art. 35º do Código das Sociedades Comerciais”. Procede assim a impugnação neste segmento. Pugna a recorrente pela seguinte formulação do facto provado n.º 16: «Em 15.12.2014, a Insolvente deu conhecimento à A.I. do proc. executivo n.º 376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado, em 21 de fevereiro de 2014, um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, do qual estes só pagaram €850,00, sendo que esta quantia recebida pela Insolvente não foi entregue à A.I.». O Tribunal considerou provado: «16) Em 15.12.2014, conhecimento do proc. executivo n.º 376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, da qual estes só pagaram €850,00.». A questão fulcral resume-se a saber se a quantia de €850,00 correspondente à única fração da prestação cumprida pelos executados foi ou não entregue à AI. Curiosamente, a questão não lhe foi colocada durante a inquirição, tendo a AI declarado quais os valores que recebeu, sem alusão direta ao facto de neles se integrar ou não a quantia em causa. Diz a recorrente: «Tendo por referência o item 12) dos factos provados de onde resulta que: «Em 09.10.2014 a A.I. veio juntar auto de apreensão das verbas 1 (saldo de conta no N… no valor de €3,21) e verba 2 (saldo de caixa de €4.611,57); e em 15.12.2014 da verba 3 (deposito de €16.000,00, proveniente do Processo executivo n.º 706/11.9TBGDM e proc. n.º 27617/12.8YTPRT), cfr. apenso C.», isso significa que a prestação de €850, supra referida, e quiçá outras quantias, recebidas pela Insolvente, não foi entregue pela Insolvente à A.I.». Em suma, é este o percurso lógico da recorrente: tendo a AI juntado os autos de apreensão de verba 1, 2 e 3, deles não constando a referência à quantia de €850,00, haverá que concluir que tal quantia não lhe foi entregue. O raciocínio tem lógica e não será descabido convocar a presunção judicial ou natural, que se traduz num raciocínio lógico-dedutivo a ter em consideração no julgamento da matéria de facto[3], sujeita à livre apreciação do julgador, nos termos dos artigos 349º e 351º do Código Civil. O ponto de partida da presunção judicial são os chamados factos indiciários ou instrumentais, que ao juiz é permitido, mesmo oficiosamente, tomar em consideração (artigo 5º, n.º 2, final, CPC). No essencial, as presunções judiciais permitem inferências seguras, suscetíveis de suportar a convicção do julgador, inspiradas “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.[4] No entanto, em muitas situações não bastará a lógica, sendo necessário corroborar o facto com outro qualquer elemento probatório. É o que se passa com o facto negativo. A afirmação de que a insolvente não entregou à Massa a prestação de €850,00 “e quiçá outras quantias, recebidas pela Insolvente” teria de ser suportada, não só na omissão de qualquer referência nos autos de apreensão, mas também no depoimento da AI. Ora, como já se disse, ninguém questionou diretamente a AI sobre se recebeu ou não tal quantia, e a recorrente, sobre quem recai o ónus probatório, teve oportunidade de o fazer durante os 45 minutos do depoimento. Afirmou a AI que recebeu €13.103,68 do processo n.º 706/11.9TBGDM (07:03), tendo recebido no total €16.000,00 “esses treze mil mais cinco mil de outro processo [n.º 27617/12.8YIPRT], deduzidas as custas e despesas”, “foram-me entregues… entregou tudo o que tinha a entregar à Massa Insolvente” (08:00), acrescentando que na execução n.º 376/05.3TBVLP [que corre termos no Juízo de Execução de Chaves do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real e que se encontra na fase de venda judicial do imóvel já penhorado], foi celebrado um acordo para pagamento em prestações da quantia em dívida, tendo sido paga apenas uma prestação – de €850,00, concluindo que tal execução “aguarda a venda do imóvel para o valor ser depositado na conta da Massa Insolvente” (30:06). Admitimos como provável que não tenham sido entregues outras quantias, mas não estamos seguros da prova desse facto negativo, porque a questão não foi diretamente colocada à AI, e porque persiste alguma nebulosa na definição dos valores integrantes da quantia global de €16.000,00 que a AI diz ter recebido, e que nos parece demasiado “redonda”. De acordo com a jurisprudência há muito firmada, a resposta negativa a um quesito não significa a prova do contrário, significando apenas não se ter provado o facto controvertido, tudo se passando como se o facto em causa não tivesse sido alegado[5]. Relativamente a este facto, apenas podemos chegar com segurança – convicção profunda – à afirmação de que nos autos de apreensão de verba 1, 2 e 3 não consta qualquer menção expressa à quantia de €850,00 recebida pela insolvente no âmbito do processo de execução n.º 376/05.3TBVLP. Procede assim parcialmente a impugnação neste segmento, passando o item factual 16 a ter a seguinte redação: «Em 15.12.2014, a Insolvente deu conhecimento à A.I. do proc. executivo n.º 376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado, em 21 de fevereiro de 2014, um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, do qual estes só pagaram €850,00, sendo que nos autos de apreensão de verba 1, 2 e 3 não consta qualquer menção expressa à referida quantia de €850,00.». Pugna a recorrente pela seguinte formulação do facto provado n.º 17: «Após a abertura do presente incidente e do parecer da C…, mas antes da junção do parecer da A.I., a insolvente entregou à MI parte do dinheiro que recebeu do Proc. executivo nº 706/11.9TBGDM e do Proc. declarativo nº 27617/12.8YIPRT, no valor global de €18.103,68, depositando na conta da MI em 10.12.2014, após contacto estabelecido pela A.I., apenas, o valor de € 16 000, não tendo depositado a quantia de €850, recebida no âmbito do Proc. executivo nº 376/05.3TBULP; o saldo de caixa de €4.611,57 foi logo entregue à A.I. na sequência dos contactos que fez.». O Tribunal considerou provado: «17) Após a abertura do presente incidente e do parecer da C…, mas antes da junção do parecer da A.I., a insolvente entregou à MI o dinheiro que recebeu, depositados na conta da MI em 10.12.2014; o saldo de caixa foi logo entregue à A.I. na sequência dos contactos que fez.». Face à argumentação anteriormente expendida, atendendo, particularmente, ao depoimento prestado pela Administradora da Insolvência, o Tribunal não poderá ir além da seguinte formulação: «17) Após a abertura do presente incidente e do parecer da C…, mas antes da junção do parecer da A.I., a insolvente entregou à Massa Insolvente o valor de €16.000,00 recebido no âmbito dos processos n.ºs 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT, o qual foi depositado na conta da Massa Insolvente em 10.12.2014, tendo sido anteriormente entregue o saldo de caixa na sequência do contacto da Administradora da Insolvência com o mandatário da insolvente». Procede parcialmente a impugnação neste segmento. Pugna a recorrente pela seguinte formulação do facto provado n.º 18: «A empresa não tinha imóveis e entregou apenas parte do que tinha.» O Tribunal considerou provado: «18) A empresa não tinha imoveis e tudo o que tinha foi entregue.». A questão ficou prejudicada pelas considerações tecidas supra, relevando, particularmente, as declarações da Administradora da Insolvência, que se transcreveram em síntese, face à assertividade com que foram proferidas, nomeadamente a afirmação «entregou tudo o que tinha a entregar à Massa Insolvente” (08:00). Improcede a impugnação neste segmento. Pugna a recorrente pela seguinte formulação do facto provado n.º 20: O Tribunal considerou provado: «20) A sociedade cessou para efeitos de IVA em 11.03.2011.». Propõe a recorrente a seguinte formulação: «A sociedade cessou para efeitos de IVA em 11/03/2011, com o motivo do art. 34º, n.º 1, al. b) do CIVA, isto é, considerava-se verificada a cessação da actividade no momento em que se esgotou o ativo da empresa.». Com o devido respeito, não cabem no elenco factual referências normativas, revelando-se, obviamente improcedente a impugnação neste segmento. Reponderação dos factos considerados provados O Tribunal considerou não provado:a) Ao atuar como descrito em 17) e 19), a Requerida pretendeu prejudicar os credores ou ocultar/dissipar património b) ou que tenha feito seus os montantes recebidos. Pretende a recorrente que se considerem provados os factos em apreço. Na motivação da sua tese, alega a recorrente, nomeadamente: que a insolvente continuou a funcionar “apenas e tão só, em proveito próprio e exclusivo, e jamais em benefício dos credores, uma vez que tudo o que recebeu, até ao encerramento do processo de insolvência, ocultou, deliberada e dolosamente, da Massa Insolvente e da A.I., apenas aceitando depositar uma parte do que recebeu, isto é, € 16 000, em 10/12/2014, após ter sido deduzido o incidente de qualificação de insolvência” (conclusão 47.ª); e que a insolvente avançou, ainda, com uma participação criminal contra as representantes legais da recorrente, que vieram a ser absolvidos (conclusões 52.ª e 53.ª). Com o devido respeito, o recurso não é sede processual adequada para repetir argumentos já esgrimidos nos articulados. Como se refere no acórdão do STJ, de 22.10.2015 (processo n.º 212/06.3TBSBG.C2.S1, acessível no site da DGSI), a impugnação da decisão da matéria de facto não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida, incumbindo ao recorrente a indicação de meios probatórios com base nos quais, e com a imprescindível análise crítica, seja possível ao Tribunal de recurso concluir pela verificação do invocado “erro de julgamento”. Ora, a recorrente invoca como meio probatório fulcral o depoimento da Administradora da Insolvência, que ouvimos na íntegra e transcrevemos em síntese, o qual contradiz frontalmente a tese da recorrente, alegando, nomeadamente (vide síntese) que nunca estabeleceu qualquer contracto com a gerente da insolvente e que na sequência dos contactos que manteve com o mandatário judicial da insolvente, tudo lhe foi entregue - “foram-me entregues… entregou tudo o que tinha a entregar à Massa Insolvente” (08:00). Do exposto não decorre que a recorrente não possa ter razão, a conclusão é diferente: não a demonstrou nos autos. Improcede a impugnação neste segmento. 1. Em data anterior a 2/05/2013, a ora Recorrida recebeu a quantia de €13.103,68, no âmbito do Proc. executivo nº 706/11.9TBGDM, o qual foi extinto por pagamento integral, conforme documento recebido eletronicamente em 2/05/2013, tendo a Administradora de Insolvência tido conhecimento de tal recebimento por força do requerimento do incidente de qualificação de insolvência; 2. Em data anterior a 11/01/2013, a ora Recorrida recebeu a quantia de €5000, no âmbito da transação efetuada no Proc. nº 27.617/12.3YIPRT, do extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar, através da qual foi reduzido o pedido a €5.000, a qual foi homologada por sentença em 16/01/2013, tendo a Administradora de Insolvência tido conhecimento de tal recebimento por força do requerimento do incidente de qualificação de insolvência; 3. Em 15/09/2011 transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do Proc. nº 221/06.2TBVLP, que correu termos na secção única do Tribunal Judicial de Valpaços e que julgou totalmente procedente a ação de impugnação pauliana instaurada pela ora Recorrida, e por via disso, declarou a ineficácia em relação à A., ora Recorrida, da doação realizada em 20/05/2004, ordenando a execução do prédio em causa e respetivo recheio, para satisfação do crédito da Recorrida, cujo capital e juros de mora ascendiam em 18/07/2006 a €11.679,97. 4. Com fundamento na sentença supra referida em 3., o Proc. executivo nº 376/05.3TBULP, que corre termos no Juízo de Execução de Chaves do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real prosseguiu, sendo que, em janeiro de 2014 foi celebrado um acordo para pagamento, do valor de €13.000, em prestações, pela ora Recorrida, na qualidade de Exequente, com os Executados, tendo a Administradora de Insolvência apenas conhecimento deste crédito e deste acordo para pagamento em prestações, em 15/12/2014. Quanto aos pretendidos aditamentos factuais: Salvo o devido respeito, ocorre uma manifesta repetição de argumentos, daí resultando uma prolixidade que tivemos oportunidade de assinalar negativamente.Dispõe o já citado n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.» In casu, verifica-se o incumprimento por parte da Apelante, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, sem qualquer esforço de síntese ao invés do que, imperativamente, a lei exige. Tendo em conta tudo o que já foi dito, particularmente o depoimento da Administradora da Insolvência, evitando repetições inúteis, haverá apenas que acrescentar um item factual [n.º 21], com o seguinte teor: «A insolvente recebeu a quantia de €16.000,00, no âmbito dos processos nº 706/11.9TBGDM, e nº 27 617/12.3YIPRT, tendo procedido à entrega de tal quantia à Administradora de Insolvência, que apenas teve conhecimento de tais recebimentos na sequência do requerimento do incidente de qualificação de insolvência.». No que respeita à inserção do aditamento 4, não faz qualquer sentido, face ao facto provado n.º 16[6]. No que respeita ao aditamento factual n.º 3, ressalvando sempre o devido respeito, é absolutamente irrelevante face ao thema decidendum que definimos supra. Procede parcialmente a impugnação neste segmento. 3. Fundamentos de facto Face à decisão que antecede, é a seguinte factualidade relevante provada:1) “B…, Lda.”, NIPC ………, com sede na Rua …, …, Gondomar, foi constituida em 28.07.1998, tendo por objecto social a fabricação e comércio de móveis em madeira. 2. Foram sócios gerentes dessa sociedade, D…, E… e F…, sendo esta a única gerente. 3) Em 01.10.2012, a credora C…, Lda., veio requerer a insolvência da sociedade “B…, Lda.”. 4) Citada, a sociedade requerida veio deduzir oposição em 26.10.2012, invocando, entre outros factos, não se encontrar em situação de insolvência e a existência de créditos que peticionava, então, nos Processos n.ºs 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT. 5) Foi realizada uma audição de partes em 12.06.2013 e ordenada a realização de uma perícia à contabilidade da devedora e nomeado perito para o efeito. 6) Em 03.12.2013 foi junto o relatório do perito, onde se concluiu, entre outras conclusões, que, no ano de 2012, na conta …….. da empresa se encontrava relevado um crédito a favor da requerente no valor de 54.362,82€, que a empresa se encontrava inativa, sem trabalhadores ao serviço, sem estabelecimento, sem faturação e sem quaisquer ativos fixos, exibindo uma situação liquida negativa de €28.116,91, sendo que aliás já em 2011 foi obtido um prejuízo de €15.569,14 e a situação líquida da empresa já se apresentava negativa, num valor de €23.885,84 7) Foi designado julgamento para o dia 19.06.2014, por despacho proferido em 27.05.2014. 8) Em 1 de Junho de 2014, a requerida desistiu da oposição. 9) Por sentença proferida em 4/6/2014, foi decretada a insolvência da requerida, tendo-se prescindido da realização de assembleia de credores. 10) Em 18.07.2014 foi junto o relatório do artº 155º do CIRE. 11) Em 04.11.2014 foi proferido despacho a declarar encerrado o processo por insuficiência da massa. 12) Em 09.10.2014 a A.I. veio juntar auto de apreensão das verbas 1 (saldo de conta no N… no valor de €3,21) e verba 2 (saldo de caixa de €4.611,57); e em 15.12.2014 da verba 3 (depósito de €16.000,00, proveniente do Processo executivo n.º 706/11.9TBGDM e proc. n.º 27617/12.8YTPRT), cfr. apenso C. 13) Em 15.12.2014 a A.I veio requerer o prosseguimento da liquidação, tendo sido proferido o despacho de 09.11.2015. 14) Foram reclamados nos autos créditos no valor de cerca de 109.807,49€, do qual, 71.677,50€ foi reclamado pela requerente, não tendo sido reclamados créditos por trabalhadores, cfr. apenso B. 15) Os créditos reclamados remontam a 10.09.2011 (da requerente); de 2008 (O…, Lda.); e de 2009 (do ISS). 16) Em 15.12.2014, a Insolvente deu conhecimento à A.I. do proc. executivo n.º 376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado, em 21 de fevereiro de 2014, um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, do qual estes só pagaram €850,00, sendo que nos autos de apreensão de verba 1, 2 e 3 não consta qualquer menção expressa à referida quantia de € 850,00. 17) Após a abertura do presente incidente e do parecer da C…, mas antes da junção do parecer da A.I., a insolvente entregou à Massa Insolvente o valor de €16.000,00 recebido no âmbito dos processos n.ºs 706/11.9TBGDM e 27617/12.8YIPRT, o qual foi depositado na conta da Massa Insolvente em 10.12.2014, tendo sido anteriormente entregue o saldo de caixa na sequência do contacto da Administradora da Insolvência com o mandatário da insolvente. 18) A empresa não tinha imoveis e tudo o que tinha foi entregue. 19) Entre a data da PI – 01.10.2012 - e a declaração de insolvência em 04.06.2020, a sociedade continuou a existir e a receber dinheiros e intervir nos processos pendentes. 20) A sociedade cessou para efeitos de IVA em 11.03.2011. 21) A insolvente recebeu a quantia de € 16.000,00, no âmbito dos processos nº 706/11.9TBGDM, e nº 27 617/12.3YIPRT, tendo procedido à entrega de tal quantia à Administradora de Insolvência, que apenas teve conhecimento de tais recebimentos na sequência do requerimento do incidente de qualificação de insolvência. Factos não provados Com relevância para a decisão da presente causa, não resultou provado que : a) Ao atuar como descrito em 17) e 19), a Requerida pretendeu prejudicar os credores ou ocultar/dissipar património b) ou que tenha feito seus os montantes recebidos. 4. Fundamentos de direito A recorrente define a sua pretensão no incidente e no recurso, deste modo:116. Os fundamentos alegados no Requerimento Inicial do Incidente de Qualificação da Insolvência apresentado pela Requerente enquadram-se: 1) na alínea a) do nº 2 do art. 186.º do CIRE: quando os administradores de direito ou de facto tenham destruído, ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; 2) na alínea i) do nº 2 do art. 186.º do CIRE: quando os administradores de direito ou de facto tenham incumprido, de forma reiterada, os deveres de apresentação e colaboração até à data de elaboração do parecer pelo Administrador da Insolvência; 3) na alínea a) do nº 3 do art. 186.º do CIRE: quando os administradores de direito ou de facto violam o dever de requerer a declaração de insolvência. 117. Os dois primeiros fundamentos constituem presunções inilidíveis de culpa, considerando-se sempre culposa a insolvência da devedora, concluindo que agiu a gerente da devedora com culpa grave. Dispõe o artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: 1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. 2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) […]; c) […]; d) […]; e) […]; f) […]; g) […]; h) […];; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º. 3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) […]. 4 - […]. 5 - […]. Consta da fundamentação jurídica da sentença recorrida: «Da qualificação da insolvência O artigo 185.º do CIRE preceitua que a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita. O artigo 186.º, nº1, do CIRE estabelece que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Este normativo consagra uma noção geral de insolvência culposa, limitando a relevância da actuação do devedor ou dos seus administradores nos termos aí descritos, para efeito dessa qualificação (como culposa), a determinado período de tempo, qual seja o triénio anterior ao início do processo de insolvência. Por seu lado, o nº2 do mesmo normativo, enuncia, nas suas alíneas a) a i), as situações em que se presume sempre (iuris et de iure) culposa a insolvência do devedor que seja uma pessoa colectiva. O nº2 do artigo 186.º do CIRE, mais do que uma presunção legal, estabelece, a partir da verificação de qualquer das situações enumeradas nas suas várias alíneas, uma “ficção legal” que se traduz numa remissão implícita, irrefutável e absoluta, para a verificação da situação jurídica de insolvência culposa prevista no nº1 do mesmo normativo (cf. Ac. da Rel. do Porto, de 2.07.2009, proc. nº95/06.3TYVNG-E.P1, in www.dgsi.pt). O nº2 do artigo 186.º do CIRE “não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência do nexo de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência” – cf., entre outros, os Acs. da Rel. Do Porto, de 18.06.2007, proc. nº0731779 (citado), de 1.06.2017, proc. nº35/16.1T8AMTA.P1, e de 29.06.2017, proc. nº2603/15.0T8STS-A.P1, todos in www.dgsi.pt. Como já se explicitou, “para que a insolvência possa ser qualificada como culposa é necessário que a actuação do devedor tenha sido causa da situação de insolvência ou do seu agravamento, uma vez que o devedor pode ter actuado dolosamente mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência. Porém, verificada uma das situações do n.º2 do art. 186.º do CIRE presume-se iuris et de iure a verificação desses requisitos e a insolvência não pode deixar de ser qualificada como culposa” – cf. Ac. da Rel. do Porto, de 18.09.2017, proc. nº7353/15.4T8VNG-A.P1, in www.dgsi.pt. Apesar de o citado nº2 não estabelecer, em nenhuma das suas alíneas, um limite temporal para a relevância dos factos nelas previstos, a sua articulação com o nº1 conduz a que deva atender-se, para o efeito, ao prazo neste estatuído (cf., neste sentido, Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado (reimpressão), Vol. II, Lisboa, 2006, p. 15). Por último, o nº3 do referido artigo 186.º, nas suas alíneas a) e b), define quais as circunstâncias em que se presume (iuris tantum) a existência de culpa grave na situação de insolvência, também por parte do devedor que seja uma pessoa colectiva. Tal significa que “se apenas estiver verificada uma das situações previstas no nº3, para a insolvência ser declarada culposa é necessário que se demonstre que a actuação com culpa grave criou ou agravou a situação de insolvência, presumindo-se a culpa grave, mas facultando-se ao insolvente a faculdade de ilidir essa presunção iuris tantum” – cf. Ac. da Rel. do Porto, de 7.12.2016, proc. nº262/15.9T8AMT-D.P1, in www.dgsi.pt. Salvo melhor entendimento, não foram apurados factos que permitam concluir pela verificação, no caso concreto, de qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a) e i) (esta invocada pela requerente credora apenas nas suas alegações finais) do nº2 e al. a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE. Se não vejamos. De acordo com o artigo 186.º, nº2, als. a) e i), do CIRE, a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular considera-se sempre culposa quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor/ Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º. O artigo 64.º do CSC estabelece: “1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como trabalhadores, clientes e credores. 2. (…)”. No caso decidendo, não se logrou provar que a gerente, aqui Requerida ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor/Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer, designadamente para prejudicar os credores. Com efeito, não obstante a requerente invocar que a insolvente tentou ocultar/dissipar património, entendemos que tal não decorre dos autos nem resultou da audiência de julgamento. Efectivamente, na oposição apresentada em 26.10.2012 no processo principal, a requerida/afectada desde logo referenciou os créditos de que seria titular, designadamente, nos processos identificados, assim como alegou que só após a venda dos bens penhorados no processo 3506/11.2TBGDM é que se poderia concluir pela insuficiência de bens. Daqui decorre, que as situações invocadas pela requerente relativamente à ocultação de créditos não se confirmaram, sendo certo que a mesma também não concretiza que outro património teria a insolvente feito desaparecer. Para além disso, não se demonstrou que a requerida tenha feitos seus, os montantes recebidos dos processos identificados nos factos 12 e 16. É certo que, provado ficou que foram recebidas quantias depois da propositura da acção, porém, entre a propositura da acção em 01.10.2012 e a declaração de insolvência em 04.06.2014, a empresa continuou a existir e a receber dinheiros, nomeadamente, porque tinha processos pendentes por si instaurados, pelo que, não podia deixar “morrer” as acções e de receber as quantias ali fixadas. Quanto às quantias recebidas, cuja data se desconhece, se as mesmas foram utilizadas pela empresa ou não ou qual o destino que lhes foi dado ou se a gerente ficou com o dinheiro, tal não foi apurado. O certo é que, após a abertura do incidente de qualificação, a requerida veio repor toda a situação, entregando à A.I. todas as quantias recebidas nos processos. Mais é certo que, também não foi apurado que os montantes tenham sido utilizados pela sociedade/gerente em seu beneficio e em prejuízo dos credores. Para que a tal conclusão se tivesse chegado, teriam de ter sido alegados mais factos, realizado mais diligencias, nomeadamente, analisar o giro da empresa, análise dos movimentos bancários. As testemunhas inquiridas – K… e L… – apenas tinham conhecimento da situação decorrente do seu processo pendente em Valpaços, não tendo qualquer conhecimento da situação da insolvente. Por conseguinte, tem-se por não verificadas as hipóteses previstas nas als. a) e i) do nº2 do artigo 186.º do CIRE. Quanto à al. a) do n.º 3 do artº 186º do CIRE, presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência. O artigo 18.º, nº1, do CIRE esclarece que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”. Por seu turno, o artigo 3.º, nº1, do CIRE estatui: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. A alínea a) do nº3 do artigo 186.º do CIRE “consagra uma mera presunção «júris tantum» de existência de culpa grave, não estabelecendo qualquer presunção quanto à verificação dos demais pressupostos fixados no nº1 do mesmo preceito para que a insolvência possa ser qualificada como culposa”, sendo que “esta só poderá ser declarada se tiver sido feita prova desses outros pressupostos, particularmente do nexo de causalidade adequada entre o comportamento do administrador do devedor integrador daquela alínea e a criação ou o agravamento da situação de insolvência” – cf. Ac. da Rel. do Porto, de 5.06.2012, proc. nº 363/10.0TYVNG-A.P1, in www.dgsi.pt. Com efeito, a presunção prevista no nº3 do artigo 186.º do CIRE é ilidível, a articular, à luz do nº3 do artigo 9.º do Código Civil, com o nº1 do citado artigo, impondo-se exigir, para qualificar a insolvência como culposa, a prova de que a situação de insolvência foi criada ou agravada por essa conduta dos administradores da insolvente, porquanto da diferenciação entre o nº2 e o nº3 do artigo 186.º do CIRE “resulta que o legislador não quis consagrar, neste último caso (no n.º3), uma concepção complementar, a acrescer à noção geral de insolvência culposa definida no n.º1, em termos de dispensar a demonstração do nexo causal entre o comportamento verificado e o agravamento ou o surgimento da situação de insolvência do devedor” – cf. Ac. da Rel. de Lisboa, de 22.01.2008, proc. nº10141/2007-7; no mesmo sentido, o Ac. da Rel. do Porto, de 13.09.2007, proc. nº 0731516, ambos in www.dgsi.pt. No caso sub judice, é certo que a sociedade “B…, Unipessoal, Lda.”, antes foi requerida pela credora C… que a requereu em 01.10.2012 (cf. facto provado sob o n.º 3). De todo o modo, cumpriria demonstrar o nexo de causalidade entre a omissão do dever legal consagrado no artigo 18.º, nº1, do CIRE e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, o que, não resultou demonstrado. Com efeito, do que resulta dos autos e do que resultou da audiência de julgamento, não é possível afirmar que a violação do dever de a empresa se apresentar à insolvência tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não sendo, portanto, possível estabelecer um nexo de causa e efeito entre esse incumprimento e esta situação. Efectivamente, se tivermos em atenção que as dividas constantes dos autos remontam, a da requerente a 2011, a de O…, Lda. a 2008 e a do ISS a 2009, e depois destes anos não foram constituídas novas dividas, não se pode concluir que tenha havido agravamento da situação de insolvência da sociedade. Assim, tudo ponderado, cumpre concluir pela inexistência de elementos concretos para se afirmar que a gerente tenha, com o seu comportamento, criado/agravado a situação de insolvência da empresa. Por conseguinte, tem-se por não verificada a hipótese prevista na al. a) do nº3 do artigo 186.º do CIRE. Por todo o exposto, conclui-se pela não verificação, no caso concreto, de qualquer das hipóteses previstas no artigo 186.º, nºs 1 a 3, do CIRE, pelo que a insolvência deve qualificar-se como fortuita.». Vejamos. Seguindo de perto o acórdão desta Relação, de 13.04.2021 [processo n.º 252/20.0T8AMT-A.P1, acessível no site da DGSI, subscrito pelo ora relator como adjunto], o artigo 186.º do CIRE, após definir no seu n.º 1, em termos de cláusula geral, a insolvência culposa, prevê dois conjuntos de presunções, nos seus nºs 2 e 3, para auxiliar o intérprete. O n.º 2 do artigo 186.º contém “uma presunção juris et de jure de insolvência culposa, considerando-a como tal sempre que os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja pessoa singular tenham praticado atos destinados a empobrecer o património do devedor ou incumprido determinadas obrigações legais[7]. Uma vez verificado qualquer dos factos descritos na enunciação do n.º 2 do artigo 186.º, impõe a lei ao juiz a prolação de uma decisão necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa. A lei institui no art. 186º, nº 2, uma presunção juris et de jure, quer da existência da culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário[8]. Já no que concerne ao n.º 3 do artigo 186.º, prevê uma presunção juris tantum de culpa grave do devedor que não seja uma pessoa singular, sempre que os seus administradores, de direito ou de facto, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal e de submetê-las à devida fiscalização e depósito na conservatória do registo comercial. Demonstrados tais factos, integradores das previsões legais referidas, o juiz presumirá a culpa do devedor na sua situação de insolvência, excluindo, porém, essa qualificação se for demonstrado que a impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas não se deveu a culpa do devedor. Com efeito, o que resulta do artigo 186º, n.º 3, é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da atuação dos seus administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção da causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do artigo 186º, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta[9]. O entendimento descrito é partilhado por Carvalho Fernandes e João Labareda[10] que referem, quanto ao artigo 186.º, n.º 2, que neste preceito se consagra uma presunção juris et de jure de insolvência culposa, que não admite prova em contrário (art.º 350º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil), e quanto ao seu n.º 3, que a presunção aí prevista é juris tantum, podendo assim ser ilidida nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 350.º do Cód. Civil. É também este o entendimento que tem sido seguido pela grande maioria da nossa jurisprudência conforme se alcança, por exemplo, dos seguintes acórdãos: da Relação do Porto, de 18.6.2007 [processo n.º 0730992] de 27.11.2007 [processo n.º 0723926], de 3.03.2009 [processo n.º 0827686], de 27.2.2014 [processo n.º 1595/10.6TBAMT-A.P2], de 28.9.2015 [processo n.º 1826/12.8TBOAZ-C.P1] e de 1.6.2017 [processo n.º 35/16.1T8AMT-A.P1]; da Relação de Coimbra, de 19.1.2010 [processo n.º 132/08.7TBOFR-E.C1], da Relação de Guimarães, de 29.6.2010 [processo n.º 1965/07.7TBFAF-A.G1]; e da Relação de Lisboa, de 10.5.2011 [processo n.º 1166/08.7TYLSB.B.L1-7], todos disponíveis in www.dgsi.pt. Sintetizando, a título meramente exemplificativo transcreve-se o sumário do acórdão desta Relação, de 5.06.2012 [processo n.º 363/10.0TYVNG-A.P1]: «I - A al. a) do n° 3 do art. 186° do CIRE consagra uma mera presunção «juris tantum» de existência de culpa grave, não estabelecendo qualquer presunção quanto à verificação dos demais pressupostos fixados no n° l do mesmo preceito para que a insolvência possa ser qualificada como culposa. II - Esta só poderá ser declarada se tiver sido feita prova desses outros pressupostos, particularmente do nexo de causalidade adequada entre o comportamento do administrador do devedor integrador daquela alínea e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.». Revertendo à situação em debate nos autos, concluímos que não se provou a factualidade integradora da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, ou seja, que a gerente da insolvente tivesse «[d]estruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor», factualidade essa que, a demonstrar-se, imporia o funcionamento da presunção juris et de jure de insolvência culposa. Com efeito, tal concussão decorre, desde logo, das declarações da Exma. Administradora da Insolvência, que afirmou assertiva e reiteradamente: que nunca contactou a gerente da insolvente, limitando-se aos contactos com o mandatário judicial; e que toda a colaboração que pediu lhe foi concedida, tendo sido depositados os valores cobrados no âmbito dos processo referidos no elenco factual provado. É certo que só após o requerimento de abertura do incidente, a Administradora da Insolvência teve conhecimento da existência dos aludidos créditos, mas também é verdade que: os valores foram, de imediato, depositados na conta da Massa Insolvente; e que, como já se disse e repetiu, utilizando um procedimento manifestamente incorreto, a Administradora da Insolvência nunca contactou a gerente da insolvente, nunca a notificou para qualquer entrega ou outra colaboração[11]. Em suma, não há “ocultação” para efeitos de preenchimento da previsão legal, considerando que, para além de os valores terem sido de imediato depositados na conta da Massa Insolvente, após contacto da Exma. Administradora Judicial com o mandatário da insolvente, nunca a gerente foi intimada a fazer o que quer que fosse. Também não se provou a factualidade integradora da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, ou seja, que a gerente da insolvente tivesse «[i]ncumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º.», considerando o que atrás se referiu: não se provou esse incumprimento e não foi, sequer, alguma vez intimada para prestar qualquer colaboração. No que respeita à factualidade integradora da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE – incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência -, ainda que se verifique tal omissão, valem aqui as considerações tecidas supra, relativamente á exigência de prova do nexo de causalidade adequada entre o comportamento da gerente da sociedade insolvente, integrador da referida alínea, e a criação ou o agravamento da situação de insolvência. Não se provou, minimamente, nem o resultado, nem o nexo. Decorre do exposto, a improcedência da pretensão recursória, que não poderá deixar de naufragar. III. Dispositivo Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a sentença recorrida.* Custas do recurso pela massa insolvente (art.º 304.º do CIRE).* Porto, 13.07.2021Carlos Querido José Igreja Matos Rui Moreira _____________ [1] Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.» O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte da recorrente, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada. No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar a recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso. [2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2.ª edição, pág. 298. [3] Neste sentido veja-se, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume (2ª ed. revista e ampliada), Almedina 1999, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 232 a 235. [4] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, página 312. [5] Nesse sentido, vide António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 236, acórdão da Relação do Porto de 20.3.2001, proferido no proc. n.º 0120037, acessível em http://www.dgsi.pte, e acórdão do STJ, de 4.03.1997, CJ, Ac. STJ, 1997, T. 1, pág. 127. [6] Com o seguinte teor: 16) Em 15.12.2014, a Insolvente deu conhecimento à A.I. do proc. executivo n.º 376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado, em 21 de fevereiro de 2014, um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, do qual estes só pagaram €850,00, sendo que nos autos de apreensão de verba 1, 2 e 3 não consta qualquer menção expressa à referida quantia de € 850,00.376/05.3TBULP, sendo exequente a ora insolvente e executados L… e K…, onde foi celebrado, em 21 de fevereiro de 2014, um acordo de pagamento em prestações da quantia de €13.000,00, do qual estes só pagaram €850,00, sendo que nos autos de apreensão de verba 1, 2 e 3 não consta qualquer menção expressa à referida quantia de €850,00. [7] Menezes Leitão “Direito da Insolvência”, 8ª ed., págs. 284/5. [8] Menezes Leitão, ob. e loc. cit. [9] Menezes Leitão, ob. e loc. cit. [10] Código da Insolvência Anotado, 2ª ed., págs. 719/720. [11] Tivemos oportunidade de referir atrás – ponto 2.3.1. – que se trata de um procedimento incorreto, como bem referiram a Digna Procuradora e a Mª Juíza, durante o depoimento, suscetível de levar à desresponsabilização dos gerentes, na medida em que os mandatários não podem incorrer nas consequências danosas da insolvência culposa. |