Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO DIOGO RODRIGUES | ||
Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL REMUNERAÇÃO VARIÁVEL | ||
Nº do Documento: | RP202407106210/20.7T8VNG-H.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | No âmbito do processo de insolvência, em caso de liquidação da massa insolvente, o valor da majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo legalmente previsto (5%) à percentagem global dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação direta desses 5% sobre montante dos créditos satisfeitos. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 6210/20.7T8VNG-H.P1 * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Adjuntos: Fernando Vilares Ferreira (vencido, conforme declaração anexa); Alexandra Pelayo.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto,
I- Relatório 1- No processo de insolvência em que figuram como devedores, AA e BB, veio o Administrador de Insolvência, CC, apresentar o cálculo da remuneração variável que entende ser-lhe devida, no montante global de 25.787,01€ (acrescido de IVA); ou seja, 13.366,01€, como resultado da multiplicação de 5% sobre o resultado da liquidação, e 12.421,00€, a título de majoração obtida pela multiplicação de 5% sobre o montante dos créditos a satisfazer. 2- Posteriormente, a Secretaria elaborou também o cálculo da dita remuneração, obtendo um total de 21.944,98€ de remuneração variável, sendo 13.366,01€, como resultado da multiplicação de 5% sobre o resultado da liquidação (267.320,22 €), 4.475,44€, a título de majoração sobre a percentagem (36,03%) dos créditos satisfeitos, e 4.103,53€, a título de IVA. 3- O Ministério Público manifestou-se concordante com este último cálculo e divergente do anterior. 4- Seguidamente, no dia 14/03/2024, foi proferido despacho que indeferiu a pretensão do referido Administrador da Insolvência e fixou a sua remuneração nos termos calculados pela Secretaria. 5- Inconformado com este despacho, dele recorre o mesmo Administrador de Insolvência, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões: “A. Dando aqui por reproduzido tudo quanto anteriormente se disse, ao abrigo do princípio da economia processual, cumpre-nos balizar o presente recurso. B. Pretende o Recorrente ver esclarecida por este Venerando Tribunal as questões suscitadas pelo despacho proferido pelo tribunal a quo, a saber: 84. Andou bem o tribunal a quo na interpretação e aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, isto é, ao determinar que a majoração dos 5% deverá ser calculada sobre a percentagem dos créditos satisfeitos e não sobre o montante dos créditos satisfeitos? 85. O quociente entre o resultado da liquidação e o total dos créditos admitidos corresponde ao grau de satisfação dos credores ou ao grau médio de satisfação dos credores? Caso este Tribunal ad quem entenda que a majoração dos 5% deverá ser calculada sobre a percentagem dos créditos satisfeitos e não sobre o montante dos créditos satisfeitos: 86. Andou bem o Tribunal a quo no cálculo que realizou, isto é, ao bastar-se em calcular a majoração dos 5% sobre a percentagem média de créditos satisfeitos e não sobre a percentagem real ? 87. Qual o método de cálculo mais preciso e que se deve adotar no cálculo da majoração de 5% da remuneração variável: calcular 5% sobre a percentagem média dos créditos satisfeitos ou fazer o cálculo da majoração dos 5% sobre a percentagem real de grau de satisfação credor a credor? Posto isto, C. Parece-nos de suma importância que este Tribunal clarifique o correto cálculo da majoração da remuneração variável do administrador de insolvência, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, de acordo com a sua nova redação conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro. D. Porquanto, desde a entrada em vigor da Lei n.º 9/2022 que o Recorrente tem sido notificado de despachos sobre a proposta de cálculo da remuneração variável distintos, isto é, despachos que aplicam diferentes formas de cálculo – uns calculam 5% de majoração sobre o montante dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos, já outros, como é o caso sub judice, calculam 5% sobre a percentagem dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos. E. Ou seja, decisões díspares, com valores totalmente distintos, que o Recorrente tem sido notificado. Vivendo na incerteza quanto ao valor da remuneração variável que auferirá em cada processo. F. O que, sem prejuízo de causar frustração da expectativa do Recorrente, no plano abstrato e geral provoca grave incerteza jurídica no que concerne à remuneração do administrador judicial no ordenamento jurídico português, daí a importância do douto esclarecimento que se almeja com o presente recurso. G. Resultando assim que a única inovação na norma foi “(…) em 5 % do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.” H. Ou seja, a inovação na norma nada refere que o cálculo tenha de ser efetuado sobre a percentagem de créditos satisfeitos, o que diz, ipsis verbis, é que a majoração é de 5% do montante dos créditos satisfeitos. I. Pelo que, se recorrermos à interpretação literal da norma, advogamos que o que a letra da lei nos diz é que a majoração dos 5% deverá ser calculada sobre o montante dos créditos satisfeitos – a interpretação do Recorrente. J. E, não sobre a percentagem dos créditos satisfeitos – interpretação do tribunal a quo. K. Através da função negativa, de exclusão, é colocada de parte a interpretação do tribunal a quo que determina o cálculo da majoração de 5% sobre a percentagem dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos. L. Uma vez que, a letra da lei refere “5% do montante dos créditos satisfeitos”. M. E, caso o legislador quisesse dizer 5% da percentagem dos créditos satisfeitos, certamente o teria escrito, não sendo esse o caso. N. Posto isto, não pode o Recorrente defender uma posição, ou, no caso, conformar-se com uma interpretação que não tem base de apoio na letra da lei. O. Por outro lado, se atendermos à função positiva do elemento literal na interpretação, entendemos que o legislador ao escrever “5% do montante dos créditos satisfeitos” referia-se, tão somente, a montantes, isto é, valores, importância, ou quantia a distribuir pelos credores, nunca a percentagem a distribuir pelos credores. P. Sendo certo que, a palavra montante, na linguagem corrente, ou, ainda, na linguagem jurídica, não é utilizada como sinónimo de percentagem. Q. A lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro transpõe a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, e, consequentemente, altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Código das Sociedades Comerciais, o Código do Registo Comercial e legislação conexa, tal como o Estatuto dos Administradores Judiciais. R. E, se há expressão que podemos usar no que se refere a esta Diretiva é a prossecução da eficácia nos processos de recuperação ou de insolvência. S. Razão pela qual, a Diretiva impõe aos Estados-membros que exija aos profissionais no domínio da restruturação, isto é, administradores judiciais, formação e conhecimentos técnicos específicos. Assim como, imponha a fiscalização à atividade daqueles, tudo isto conforme se retira dos considerandos 87 e 89 e, ainda, dos artigos 26.º e 27.º daquela Diretiva. T. No entanto, a Diretiva vinca que os serviços prestados pelos administradores judiciais deverão sê-lo “(…) de modo imparcial e independente.” U. Acrescentando no n.º 4 do artigo 27.º que: “Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.” (…) V. Ou seja, o espírito da Diretiva não é piorar as condições de remuneração dos administradores judicias, pessoas das quais, em bom rigor, a eficiência do processo depende. W. Assim como, depende dos seus conhecimentos técnicos. X. Pelo que, não se concebe que alteração da lei venha degradar as condições de remuneração dos administradores judiciais, quando o que a Diretiva pretende é criar maior incentivo à gestão eficaz do processo por parte daqueles intervenientes e a sua atuação isenta e imparcial. Y. Relembrando que, os administradores judiciais gerem o património das massas insolventes durante anos, o que facilmente poderá alcançar as largas centenas de milhares de euros ao ano. Z. Portanto, quer-nos parecer que o espírito da lei deverá ser a criação de fiscalização rigorosa e, de mão dadas, o aumento da remuneração variável como um incentivo à eficiência, diligência e seriedade dos administradores judiciais. AA. A este propósito é interessante a abordagem do Sr. Dr. Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo, Juiz de Direito da Comarca de Aveiro do 1.º Juízo do Comércio de Anadia, in “A Remuneração do Administrador Judicial e a sua Página 16 de 21 Apreciação depois de 2022”, publicado pela Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais que salienta a dignificação do exercício defunções dos administradores judiciais como um dos critérios aos quais se deve recorrer para interpretar as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022: “(…) tem de salientar-se, negativamente, que a remuneração fixa prevista para o administrador da insolvência, no valor de €2.000,00 por processo, introduzido pela Portaria 51/2005, de 20-1, está já em vigor desde que, em 2004, teve início a aplicação no tempo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, CIRE). Ou seja, durante cerca de vinte anos, o valor da remuneração fixa não foi objecto de qualquer aumento ou actualização. Mais, a situação agravou-se tendo em conta o valor tabelar das despesas do administrador, que em 2004 era de €500,00 (art. 26.º/6 da Lei 32/2004, de 22-7 e art. 29.º/8 do EAJ com a redação original), e diminuiu para apenas 2 UC com as modificações introduzidas pelo DL 52/2019, de 17-4, no art. 29.º/8 do EAJ, não sofrendo qualquer alteração com a Lei nº9/2022, de 11-1. No entanto, com o aparente propósito de compensar tal estagnação, para nós injustificada, o legislador optou agora por aumentar significativamente a componente variável da remuneração do AJ, o que, portanto, decidiu fazer à custa das massas insolventes, dos credores e, nos processos de recuperação, revitalização e para acordo de pagamentos, dos devedores.” (pg. 4-5) BB. Na mesma publicação, o Autor interpreta o cálculo a que o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ faz alusão, dizendo: “A nosso ver, a sua aplicação requer as seguintes operações: I) Apuramento do resultado da liquidação (nº6), nos termos tradicionais, i. é, o valor das receitas obtidas, deduzido das despesas e dívidas da massa insolvente e das custas resultantes de processos instaurados após a insolvência, mas, como se disse, sem considerar a remuneração fixa. II) Aplicação da percentagem de 5% sobre esse resultado; e III) Majoração de mais 5% sobre o valor pronto para distribuição. A respeito deste último momento da operação, o nº7 do preceito legal refere “5% do montante dos créditos satisfeitos”, mas parece evidente que usou a expressão sem qualquer rigor, porque se aumenta o valor da remuneração variável, à custa das disponibilidades da massa insolvente, já não estamos, obviamente, nessa mesma medida, na presença de “créditos satisfeitos”. Assim sendo, o que a lei parece pretender referir, para a majoração da remuneração variável em caso de liquidação, é a aplicação de novo factor de 5% sobre o valor pronto para distribuição, “limpo”, totalmente líquido, que seria destinado ao pagamento dos créditos, mas que vai ser retirado desse destino para majorar a remuneração do AI, quase como se este fosse um credor. E assim se compreende que o nº 7 determine, na verdade de forma perfeitamente desnecessária, face à precipuidade das dívidas da massa, que o respectivo valor é “pago previamente à satisfação” dos credores. Em suma, pensamos que estes 5% da majoração vão incidir sobre o produto da liquidação já deduzido de todas as despesas da massa, incluindo a remuneração fixa e variável (esta, naturalmente ainda sem a majoração). Crendo-se que esta majoração não constitui outros 5% sobre o valor da liquidação, primeiro porque a forma de apuramento é distinta, nos termos do nº7, e igualmente porque de outro modo não se compreenderia que o legislador não tivesse logo estabelecido o valor de 10% sobre o resultado da liquidação. Por outro lado, daqui resulta, em conjugação com o disposto no art. 30.º do EAJ, que a remuneração fixa e a remuneração variável do AJ em processo de liquidação estão sempre garantidas; ao invés, como se disse, no PER e no PEAP nenhuma das duas está verdadeiramente assegurada ao AJ. Finalmente, a nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao contrário do que a letra do nº7 parece sugerir, implica a total irrelevância que o grau (ou percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos.” (pg. 32-33) CC. Assim como, o que já foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão datado de 20.09.2022, processo n.º 9849/14.6T8LSB-E.L1 no sentido dos 5% da remuneração variável ser calculado sobre a quantia efetiva de créditos satisfeitos e não sobre a percentagem de créditos satisfeitos. Mais! DD. Estamos diante de um valor de liquidação do ativo de €274.105,54 (duzentos e setenta e quatro mil cento e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) e ao interpretar o artigo 23.º, n.º 7 do EAJ como o tribunal a quo fez resulta que o administrador judicial receberá menos que a percentagem que os vendedores imobiliários cobram por, apenas, a venda de um imóvel. EE. Apesar de, os deveres e responsabilidades do administrador judicial serem imensuravelmente superiores aos dos vendedores de imóveis. Ademais, FF. Com a interpretação que o tribunal a quo faz parece pretender imputar o ónus ao administrador judicial da quantidade de créditos existentes sobre cada massa insolvente. Repare-se: GG. Dois processos de insolvência (A e B) em tudo similares quanto ao objeto e valor da liquidação (por exemplo: dois imóveis) de que resultou o montante de €100.000,00 em cada um; HH. No processo A, porém, o valor dos créditos aprovados é de € 200.000,00 (por exemplo: crédito hipotecário), logo o grau de satisfação de 50%; II. No processo B, o valor dos créditos aprovados é de € 400.000,00 (por exemplo: crédito hipotecário em todo similar ao do outro processo, mas em que existam outros créditos), logo o grau de satisfação de 25%; JJ. No processo A, a segunda parte da remuneração variável seria de cerca de € 2.500,00; KK. No processo B, a segunda parte da remuneração variável seria de cerca de € 1.250,00; LL. Ou seja, o resultado das diligências do administrador de insolvência seria remunerado de forma substancialmente diversa, apesar do trabalho desenvolvido e do resultado obtido serem exatamente os mesmos, e isso pela simples circunstância de existirem créditos aprovados diferentes, claramente, não parece que seja esse o objetivo do legislador. MM. Acaso pode o AJ controlar o passivo dos devedores que são declarados insolventes ? NN. Pelo que, também por estes motivos, não se pode aceitar a interpretação do tribunal a quo da norma em crise. OO. Porquanto, a interpretação do tribunal a quo não só não dignifica as funções de administrador judicial como não promove ou incentiva o exercício exímio daquelas funções, com empenho máximo – o que é contraproducente, como, cremos, que facilmente se alcança. PP. Por fim, o quociente entre o resultado da liquidação e o total dos créditos admitidos não corresponde ao grau de satisfação dos credores, mas sim ao “grau médio de satisfação dos credores”. QQ. Ou seja, podem coabitar credores com a satisfação integral dos seus créditos com credores sem qualquer satisfação dos seus créditos. RR. O que suscita a questão de saber se a expressão “dos credores” se refere a todos ou somente àqueles que serão ressarcidos (total ou parcialmente). SS. Logo, parece-nos claro que a melhor e mais adequada medida do “grau de satisfação dos credores” corresponde ao montante absoluto em valor que será distribuído pelos credores (grosso modo o produto da liquidação). TT. Com efeito, somente o numerador daquele quociente pode ser, eventualmente, potenciado pelo empenho e diligência do AJ. O denominador não depende, em circunstância alguma, da intervenção do AJ. UU. Ora, querer associar, por via do tal grau médio de satisfação dos credores, à medida do desempenho do AJ não faz qualquer sentido. VV. O produto da liquidação será pois, na falta de melhor indicador, aquele que melhor se poderá associar à medida do desempenho do AJ. WW. Finalmente uma breve referência à circunstância das custas judiciais serem apuradas exatamente por referência ao produto da liquidação sem quaisquer preocupações com a satisfação ou não dos credores. XX. Posto isto, está em causa o princípio da segurança e certeza jurídicas quanto à remuneração variável dos administradores judiciais, bem como, da dignidade das funções de administrador judicial, tal como tem vindo a ser defendido por este Tribunal da Relação, designadamente nos Acórdãos supra referenciados dos processos n.ºs 3454/20.5T8STS-K.P1 e 1024/10.5TYVNG-N.P1. Por fim, E sem conceber e conceder que o cálculo da majoração se realize sobre a percentagem dos créditos satisfeitos, mas por mera cautela de dever de patrocínio também se dirá que o cálculo realizado pela Secretaria do tribunal a quo está errado, vejamos, YY. Importa que este Tribunal de recurso determine a correta forma de cálculo da percentagem da majoração dos 5 % da remuneração variável. ZZ. Isto é, se o cálculo deverá ser realizado como a Secretaria do tribunal a quo fez, limitando-se a calcular 5% sobre a percentagem média dos créditos satisfeitos, ou AAA. Se o cálculo da majoração dos 5% deverá ser aplicado individualmente, credor a credor, e somado o valor final de cada um? BBB. Entenda-se: a Secretaria chegou ao valor líquido de créditos a satisfazer de € 248 420,03 (duzentos e quarenta e oito mil quatrocentos e vinte euros e três cêntimos), apurando que este valor corresponde a 36,03% e ao aplicar 5% à percentagem de grau de satisfação alcançou o valor de majoração de € 4.475,44 (quatro mil quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos). DDD. Estamos perante uma diferença considerável, de € 2.408,42 (dois mil quatrocentos e oito euros e quarenta e dois cêntimos), que não pode ser ignorada. EEE. Assim, defendemos que caso este Tribunal ad quem considere que o cálculo da majoração deve ser realizado sobre a percentagem do grau de satisfação dos credores que esse cálculo seja feito individualmente, credor a credor, e não sobre a percentagem global, porquanto, no último caso estamos a falar de uma média e não do apuramento real. FFF. Se o cálculo da majoração for aplicado sobre a percentagem global, isto é sobre a média, uma vez mais, estamos a prejudicar a remuneração do administrador de insolvência, o que em nada contribui para a dignificação das suas funções”. Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso, se revogue o despacho recorrido e que se determine que o método de cálculo da remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ é de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos e não de 5% sobre a percentagem dos créditos satisfeitos. Caso assim não entenda, que se determine que o cálculo da majoração de 5% da remuneração variável seja realizado sobre a percentagem real de créditos a satisfazer credor a credor e no final somada, ao invés de se calcular 5% sobre a percentagem média do grau de satisfação de credores. 6- O Ministério Público respondeu, pugnando pela confirmação do julgado. 7- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la. * II- Mérito do recurso A- Inexistindo, no caso presente, questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” artigo 17.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)], cinge-se a saber se: a) O método de cálculo da remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 7 do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ) é de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos e não de 5% sobre a percentagem dos créditos satisfeitos; e, b) Adotando-se o segundo método, a indicada percentagem deve ser a real em relação a cada credor e, no final, somada, ou, ao invés, calculada sobre a percentagem média do grau de satisfação de todos os credores. * B- Tendo em consideração os factos supra descritos – que são os únicos relevantes – vejamos então, como solucionar estas questões: Quanto à primeira, a resposta maioritária da jurisprudência vai claramente no sentido da solução seguida no despacho recorrido. O ora Relator, de resto, desde cedo a adotou[1]. E, assim, coerentemente, o que se impõe aqui reiterar é essa posição, partindo da letra do já citado artigo 23.º, n.º 7, do EAJ, na redação atual, como manda o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil. Vejamos, então: Estabelece o referido artigo 23.º, na parte com interesse para este recurso, o seguinte: “1- O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro). (…) 4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) (…). b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. (…) 6- Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7- O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. (…)”. Antes desta alteração (introduzida pela Lei n.º 9/22), o mesmo artigo 23.º, dispunha o seguinte sobre idêntica matéria: “1- O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia. 2- O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior. 3- (…). 4- Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 5- O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1. (…)”. Se atentarmos na diferença de redação entre este n.º 5, que acabamos de transcrever, e o n.º 7, antes indicado, facilmente verificamos que há um segmento comum, que foi mantido, e que diz respeito à majoração da remuneração variável “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, e outro segmento que foi alterado; antes, dispunha-se que o valor da majoração era alcançado (em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos), “pela aplicação dos fatores constantes da portaria” referida na norma em análise, e, agora, prevê-se que o mesmo valor é obtido, ainda em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, mas, “em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos”. Surge, por isso, a questão de saber se, tal como antes, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do fator legalmente previsto (5%) à percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita[2], ou se, pelo contrário, esse elemento de cálculo deve ser aplicado apenas e diretamente sobre “montante dos créditos satisfeitos”. Na decisão recorrida seguiu-se a primeira orientação. Mas, o Apelante continua a bater-se para que seja aplicado o segundo critério. Pois bem, se recuarmos ao tempo da Proposta de Lei n.º 112/IX, que veio a dar origem ao Estatuto do Administrador da Insolvência aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22/07[3], verificamos que o regime de remuneração mista então instituído (constituído por uma parte fixa e outra variável), teve em vista “garantir uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objetivos, assim com incentivos ao bom exercício da atividade”. Leia-se, no que diz respeito à liquidação da massa insolvente, a maximização do valor dos bens vendidos. E continuou a ser esse o objetivo prosseguido no domínio do atual estatuto (aprovado, como vimos, pela Lei n.º 22/2013), no qual, embora tivessem sido propostas outras alterações[4], nada foi modificado nesse domínio. Portanto, a parte variável da remuneração do Administrador de Insolvência, quando é caso de liquidação da massa insolvente, continua a visar “estimular a sua diligência no sentido de obter para os bens da massa insolvente o valor mais alto possível”[5]. Este objetivo, ninguém o contesta. O que se pretende saber é se a base de cálculo para a majoração que pode incidir sobre essa remuneração deve partir da aplicação do elemento agora previsto (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos, tal como antes sucedia (embora com outro fator aplicável), ou se, simplesmente, se deve calcular essa remuneração apenas em função dos mesmos 5% sobre o “montante dos créditos satisfeitos”. Ora, do nosso ponto de vista, a primeira é a opção correta. Por uma razão simples: a adoção apenas do último critério referido, ou seja, 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, desprezaria por completo a menção à determinação legal de que o cálculo da remuneração variável seja feito “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”. Obliterar essa menção ou dar-lhe um outro significado que não aquele que já resultava do anterior regime, é proceder a uma radical alteração de critério que, do nosso ponto de vista, nem tem apoio na letra da lei, nem em qualquer outro elemento interpretativo, de entre os normativamente previstos. Efetivamente, se é verdade que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, “mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não deixa de ser igualmente certo que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”- artigo 9.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil. Ora, tomando por base estas regras, não pode deixar de se considerar que se o legislador tivesse querido afastar definitivamente a referência de cálculo “ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, tê-lo-ia feito. E, não fez. Obter, portanto, o mesmo resultado por via interpretativa, é violar um dos limites dessa atividade, que é, justamente, a letra da lei (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil)[6]. Não ignoramos, com isto, que há quem sustente a tese contrária[7]. Mas, como já adiantámos, a jurisprudência claramente maioritária tem-se inclinado para a solução que também defendemos[8]. Solução que é sintetizada deste modo no recente Acórdão do STJ, de 16/01/2024 ([9]): “I- A majoração prevista no artigo 7º do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial (5%) é calculada sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o montante disponível para a satisfação dos créditos, não incidindo sobre o seu montante, o que significa que incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. II- Com efeito, na interpretação do nº 7 do artigo 23º do Estatuto de Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, não é possível desconsiderar o segmento “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, sem o que tal disposição não poderia ter qualquer sentido útil normativo. III- Após a entrada em vigor da Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, o legislador não quis abandonar o critério normativo correspondente à expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, que já vinha aliás da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho. IV- O legislador pretendeu fazer depender uma maior remuneração do administrador da insolvência de um maior grau de empenho na satisfação dos interesses dos credores. V- Tal desiderato encontra-se em linha com a Directiva nº 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 20 de Junho de 2019 (que a Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, transpôs) ao enfatizar o apelo ao “propósito de eficiência”. VI - Esta mesma interpretação do artigo 23º, nº 7, do Estatuto do Administrador Judicial, é essencialmente a que favorece os interesses dos créditos em harmonia com o que é estabelecido no artigo 1º do CIRE. Como tal, mantendo o mesmo critério, a decisão recorrida, porque o seguiu, só pode ser confirmada. Mas também deve ser confirmada porque, ao contrário do defendido pelo Apelante, a majoração já indicada, deve incidir sobre a percentagem global dos créditos verificados que venham a ser satisfeitos (neste caso, 36,03%) e não sobre a percentagem de cada um dos créditos individualmente considerado. Com efeito, a lei, como vimos, não refere que a majoração é determinada em função dos graus de satisfação de cada um dos créditos reclamados e admitidos. Prescreve, sim, que essa majoração é alcançada “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, o que induz, claramente, a ideia de que só esse grau conta e não os parcelares, relativos a cada credor. Daí que, em resumo, porque foi também este o método seguido no despacho recorrido e no cálculo que o mesmo sancionou, deve este recurso ser julgado improcedente e confirmado aquele despacho. * III– Dispositivo Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso e confirmar a decisão recorrida. * - Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas pelo Apelante- artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. * João Diogo Rodrigues Fernando Vilares Ferreira [vencido, conforme declaração anexa: "VENCIDO, conforme linha argumentativa seguida noutros acórdãos por mim relatados e subscritos, entre os quais o citado pelo Apelante nas suas alegações de recurso".] Alexandra Pelayo ___________________ [1] Ac. RP, de 11/10/2022, Processo n.º 2631/20.3T8OAZ-E.P1, consultável em www.dgsi.pt. [2] cfr. tabela II, anexa à Portaria n.º 51/2005, de 20 de janeiro, que ainda se reporta ao anterior Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22 de julho. [3] Proposta que pode ser consultada em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/09/02/043/2004-03-11/2087?pgs=2086-2089&org=PLC&plcdf=true [4] No sentido de conferir “remuneração variável para os administradores judiciais provisórios e para os administradores da insolvência que almejem a aprovação de plano de recuperação” – Proposta de Lei n.º 107/XII, consultável em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37337. [5] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, Quid Juris, pág.365. [6] Neste sentido, de que o elemento gramatical é o ponto de partida e, em simultâneo, o limite da interpretação, pronuncia-se Tatiana Guerra de Almeida, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, ICP, pág. 50. [7] Neste sentido, por exemplo, mas não só, o Ac. RP de 10/01/2022, Processo n.º 3454/20.5T8STS-K.P1, consultável em www.dgsi.pt. [8] Neste sentido, por exemplo, Ac. STJ, de 18/04/2023, Processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, Ac. STJ, de 16/05/2023, Processo n.º 453/11.1TBCDN-M.C1.S1, Ac. STJ, de 02/11/2023, Processo n.º 476/12.3TYLSB-K.L1.S1, Ac. RC de 28/09/2022, Processo n.º 2495/20.7T8ACB.C1, Ac. RE de 29/09/2022, Processo n.º 260/14.0TBTVR.E1, Ac. RC de 11/10/2022, Processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1, Ac. RC de 25/10/2022, Processo n.º 318/12.0TBCNT-V.C1, consultáveis em www.dgsi.pt. [9] Processo n.º 345/17.0T8OLH-F.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt. |