Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2588/23.9T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: DIREITO A ALIMENTOS
PAGAMENTO DE DESPESAS A FILHO MAIOR
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA E PROCESSUAL DO PROGENITOR
Nº do Documento: RP20501132588/23.9T8GDM.P1
Data do Acordão: 01/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dever de alimentos, uma vez definido, mantém-se (ope legis) para além do termo da menoridade (cfr. arts. 1880º e nº2, do art. 1905º, do Código Civil), existindo, assim, um direito substantivo a alimentos do jovem que atingiu a maioridade, direito esse a poder ser atuado pelo progenitor que, a título principal, assumiu o encargo de pagar as despesas do referido filho.
III - E sendo tal progenitor dotado de legitimidade ativa para exigir do outro progenitor importâncias em dívida quanto a prestações alimentícias ao filho menor, a legitimidade mantém-se na maioridade do filho, podendo o progenitor que assumiu a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior exigir ao outro progenitor o pagamento da contribuição deste para o sustento e educação do referido filho, tendo o mesmo nisso um interesse direto e sendo dotado de legitimidade substantiva e processual para tal (v. nº3, do art. 989º, do CPC).
IV - Este preceito consagra uma “espécie de direito de regresso” do progenitor que assumiu a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior sobre o outro progenitor, quanto a despesas pagas a filhos maiores sem possibilidade de se sustentarem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2588/23.9T8GDM.P1

Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores ... - Juiz 1



Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Fátima Andrade
2º Adjunto: Des. Carlos Gil



Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto



Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: BB

BB, Requerente do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais de seu filho AA, veio, ao abrigo do disposto no artigo 41º RGPTC, deduzir INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS, contra AA, pedindo o prosseguimento do mesmo para pagamento coercivo das quantias devidas pelo Requerido, a título de pensão de alimentos, ao seu referido filho, ordenando-se o pagamento das prestações vencidas, através do desconto no seu salário.

Alega, para tanto, que por acordo homologado nos presentes autos, a 12-07-2015, alterado a 05-12-2005, ficou o Requerido obrigado a contribuir para o sustento do filho com uma pensão de alimentos no montante mensal de 125,00 €, a pagar até ao dia 5 do mês a que respeita – cfr. ata de conferência de pais -, que desde o mês de setembro de 2015 que o Requerido, não mais pagou a prestação de alimentos devida ao filho (tendo o último pagamento sido efetuado a 12-08-2015) e que, pese embora o CC tenha atingido a maioridade em novembro de 2017, o mesmo apenas concluiu a sua formação profissional em março de 2019, pelo que, nos termos dos artigos 1879º e 1880º do Código Civil, a obrigação do Requerido contribuir com pagamento de prestação de alimentos a favor do seu filho, apenas cessou naquele mês de 2019, devendo o Requerido a quantia total de 5.375,00 € (das pensões de alimentos de setembro de 2015 a março de 2019). Mais alega as suas dificuldades económicas para custear o sustento do filho, as necessidades do mesmo e as possibilidades do progenitor de pagar os alimentos fixados a favor do seu filho.

Foi o requerido citado para alegar o que tiver por conveniente, ao abrigo do disposto no artigo 41º, n.º 3, do RGPTC (Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro) e o mesmo apresentou-se a referir encontrar-se doente, desempregado e sem qualquer fonte de rendimentos que lhe permita pagar.

Designada conferência nos termos do disposto no artigo 41.º, do RGPTC, realizou-se a mesma e, tendo o requerido dito não ter meios financeiros para proceder à liquidação dos montantes peticionados e em dívida, foi ordenada a notificação do mesmo para alegar nos termos do nº4, do artigo 39.º, do referido diploma legal.

Nada tendo o requerido dito, foi proferida a
seguinte decisão:
“O jovem AA nasceu no dia ../../1999, pelo que, conta, actualmente, com 24 anos de idade.
O mesmo atingiu a maioridade, completando 18 anos de idade, em 11-11-2017.
Todavia, a requerente alega que o jovem AA se manteve a estudar até Março de 2019, pelo que, lhe são devidos alimentos até essa data.
Juntou cópia de Acta de conferência de pais que teve lugar no dia 05-12-2005, no âmbito do processo de Regulação do Poder Paternal n.º ..., do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, onde consta acordo homologado, no sentido do valor da pensão de alimentos ser de €125,00 mensais (não estando prevista cláusula de atualização).
Resulta da petição inicial da requerente que o progenitor não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos devida ao filho desde Setembro de 2015 (inclusive).
Notificado, o requerido não contestou tal data.
Assim sendo, julgo verificado o incumprimento, por parte do requerido, no pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho AA, no valor mensal de €125,00 mensais, devida desde Março de 2015 (inclusive) até Março de 2019, totalizando €4.500,00.
Custas do incidente pelo requerido (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C.), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C. (art 7.º, n.º 4 do R.C.P.)”.

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Apresentou o requerido recurso de apelação, pugnando por que o mesmo seja julgado procedente e, consequentemente, se julgue verificada a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, determinando a anulação da sentença proferida pelo tribunal a quo e ordenando a remessa dos autos à 1ª instância para ser proferida nova decisão a conhecer de tal questão ou, em alternativa, estando aptos a decidir da questão, se substitua a sentença proferida por outra a conhecer da ilegitimidade ativa da recorrida e absolva o recorrente da instância, ou, caso assim não se entenda, se julgue verificada a arguida exceção dilatória de ilegitimidade ativa da recorrida e, consequentemente, se revogue a sentença proferida e se substitua por outra a absolver o recorrente da instância, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
“1) O presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais foi proposto pela Recorrida, na qualidade de progenitora do jovem AA, filho do Recorrente e Recorrida;
2) À data da propositura do incidente de incumprimento (01/08/2023), já havia cessado ao direito a alimentos do jovem AA, uma vez que o mesmo conclui o seu processo formativo em março de 2019, encontrando-se a trabalhar como mecânico (vide art. 4º do requerimento inicial e gravação da conferência de pais de 16/01/2024, mais precisamente as passagens que se encontram entre os minutos 1m10 a 2m10 e 4m20 a 6m04);
3) De acordo com a Requerente, o seu agregado familiar é composto por 4 pessoas, a Requerente, a mãe desta, o seu cônjuge e o jovem AA (vide gravação da conferência de pais de 16/01/2024, mais precisamente as passagens que se encontram entre os minutos 1m10 a 2m10 e 4m20 a 6m04),
4) mas de acordo com o despacho que deferiu o apoio judiciário à Requerente, o agregado familiar da mesma é composto por 3 pessoas, o que dá, inclusive, a entender, que o jovem AA até poderá nem sequer fazer parte do respetivo agregado familiar,
5) atendendo que a Requerente confessou que residia com a sua mãe e padrasto, que o total de rendimentos do agregado familiar são 4 522,00 € e que trabalhando o jovem AA, é altamente improvável que o mesmo aufira apenas 4 522,00 € anuais, quando a retribuição mínima mensal garantida em 2023 era de 765,00 €;
6) Na sentença proferida pelo tribunal a quo este não apreciou quaisquer outras questões processuais, para além da mera verificação do incumprimento da obrigação alimentícia por parte do ora Recorrente;
7) No entanto, na conferência de pais de 16/01/2024, a Meritíssima Juíza de Direito titular do processo aventou de forma clara, expressa e inequívoca que a Requerente não teria legitimidade para deduzir o presente incidente (vide gravação da conferência de pais de 16/01/2024, mais precisamente as passagens que se encontram entre os minutos 3m35 a 4m00 e 4m20 a 6m04);
8) O Recorrente entende que a Recorrente não tinha legitimidade para deduzir o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais;
9) Apesar da doutrina e jurisprudência que entenderem que, em face das alterações introduzidas pela Lei 122/2015, mormente o disposto nos artigos 1880º e 1905º nº 2 do Código Civil e art. 989º nº 3 do CPC, se verifica uma extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos, sem prejuízo das respetiva causas de cessação antecipada, e que essa extensão determina igualmente uma extensão da legitimidade ativa do progenitor convivente e que suporta as despesas para desencadear os procedimentos legais necessários à cobrança coerciva da prestação e alimentos fixada na menoridade, essa extensão de legitimidade apenas se verifica enquanto se mantenha a obrigação de pagamento daquela pensão, ou seja, até que o jovem maior atinja os 25 anos ou se verifique, antes dessa idade, uma qualquer causa que determine a cessação da obrigação alimentícia;
10) Neste mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/11/2020, proferido no processo 1188/03.4TBBCL-C.G1, onde, abordando-se a questão da extensão da legitimidade ativa a favor do progenitor convivente, refere claramente que esta extensão ser verifica enquanto se mantiver a obrigação alimentícia: “Parece-nos, pois, que a extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos mantém inalterada a legitimidade ativa que era reconhecida ao progenitor convivente durante a menoridade do filho, estendendo-a durante o período em que se mantenha a obrigação de pagamento daquela pensão”;
11) Pelo exposto, somos forçados a concluir que se verificada uma exceção dilatória de ilegitimidade ativa, a qual não carece de ser expressamente suscitada no processo pelas partes, sendo do conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do disposto nos artigos 278º nº 1 alínea d), 577º alínea c) e 578º do CPC;
12) De acordo com o disposto no art. 608º nº 1 do CPC, “a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”, sendo que, de acordo o nº 2 do mesmo artigo, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”;
13) Verificando-se a referida exceção dilatória de ilegitimidade ativa, o tribunal a quo deveria ter conhecido dela na sentença, pelo que, não o tendo feito, a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 alínea d) do CPC, por omissão de pronuncia, uma vez que não conheceu de questão que devia apreciar, tanto mais que sabia da sua existência, visto que a suscitou em conferência de pais, nulidade essa que desde já se argui e a qual, sendo julgada procedente, deverá determinar a anulação da sentença proferida pelo tribunal a quo e, consequentemente, ordenar a remessa dos autos para o tribunal a quo de forma que este profira nova decisão conhecendo da questão omitida ou, alternativamente, estando aptos a decidir da questão, substituam a sentença proferida por outra que conhece da arguida exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Recorrida e absolva o Recorrente da instância;
Caso V.Exªs. entendam que não se verifica a arguida nulidade da sentença, o que apenas por mera hipótese se coloca,
14) entendemos que a sentença ora objeto de impugnação, ao não conhecer da arguida exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Recorrida violou o disposto nos artigos 278º nº 1 alínea d), 577º alínea c), 578º e 608º nº 1 e 2 do CPC, para além do disposto nos artigos 1880º e 1905º nº 2 do Código Civil e art. 989º nº 3 do CPC, por admitir a atribuição de legitimidade ativa ao progenitor supostamente convivente para deduzir incidente de incumprimento de responsabilidade parentais, quando a obrigação de alimentos já havia cessado em momento anterior à dedução do incidente;
15) Assim sendo, deverão V.Exªs, conhecer, em sede de recurso, da arguida exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Recorrida, e, consequentemente, revogar a sentença proferida e substitui-la por outra que absolva o Recorrente da instância”.
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Respondeu a progenitora pugnando por que seja negado provimento ao recuso, mantendo-se a decisão recorrida, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:

“1. O recurso do Requerido vem da decisão da Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, que julgou verificado o incumprimento, por parte do Requerido, no pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho AA, no valor mensal de € 125,00 mensais, devida desde março de 2015 (inclusive) até março de 2019, totalizando €4.500,00.

2. Todavia, deve ser negado provimento ao recurso ora interposto. Vejamos,

3. A Recorrida apresentou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, na qualidade de progenitora do jovem CC, requerendo o pagamento das quantias devidas pelo progenitor ao filho a título de pensão de alimentos desde setembro de 2015 a março de 2019. Atingiu o jovem a maioridade em novembro de 2017, mas apenas concluiu a sua formação profissional em março de 2019.

4. Entende o Recorrente que a Recorrida não tem legitimidade para deduzir o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.

5. Porém, salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao Recorrente.

Porquanto,

6. Conforme o próprio Recorrente refere, a extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos determina igualmente a extensão da legitimidade ativa do progenitor convivente e que suporta as despesas para desencadear os procedimentos legais necessários à cobrança coerciva da prestação de alimentos fixada na menoridade.

Extensão essa da legitimidade, que se verifica enquanto se mantenha a obrigação de pagamento daquela pensão.

7. E, a realidade é que a Recorrida apenas reclamou pensões de alimentos devidas em momento que subsiste a obrigação de pagamento das mesmas e não qualquer outro. Razão pela qual, veio o aludido incidente de incumprimento a ser verificado pelo Tribunal a quo.

8. Nesse sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-01-2021, proferido no Proc. 516/16.9T8TVD-A.L1-7, segundo o qual “o progenitor que suporta inteiramente as despesas relativas a filho maior de 18 anos e menor de 25 que se mantém a estudar tem legitimidade para exigir judicialmente o cumprimento da obrigação de alimentos.”

9. Desde logo, no caso de o requerido não cumprir o dever de contribuir para o sustento do filho, será forçoso concluir pela presunção de que foi a requerente quem custeou, na totalidade, as despesas suportadas com o sustento do filho, cabendo-lhe a ela receber as quantias em dívida.

10. E, ainda que se posa considerar e dar como provado que o jovem esteja já, de momento, no mercado de trabalho, a realidade é que as quantias ora reclamadas pela Recorrida sempre serão em seu benefício, na medida em que suportou a progenitora todas as despesas necessárias para o seu sustento no período a que respeita o presente incumprimento.

11. Com efeito, não se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade ativa arguida pelo Recorrente.

12. Pelo que, bem andou a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo ao decidir verificar o incumprimentos nos moldes em que o fez!”.

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O Ministério Público apresentou resposta a concluir pela legitimidade ativa da requerente/progenitora e por dever ser negado provimento ao recurso apresentado e mantida a decisão proferida.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da legitimidade ativa da progenitora para a cobrança de prestações vencidas de alimentos a filho maior.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos (inclusive da data de nascimento do filho, dado mostrar-se junta a respetiva certidão de nascimento), e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário.

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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da legitimidade ativa da progenitora.

Apresentou-se o apelante a arguir, nas alegações de recurso, a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e por a mesma não ter sido conhecida na sentença, sendo de conhecimento oficioso, entende ser esta nula, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, por omissão de pronúncia, uma vez que não foi apreciada questão que devia ter sido conhecida.
A apelada sustenta não se verificar a arguida nulidade, bem tendo o Tribunal a quo decidido, dado a requerente ser dotada de legitimidade para propor a ação.
Conhecendo do objeto do recurso, não podemos, por se entender ser, efetivamente, a requerente dotada de legitimidade ativa, deixar de considerar que bem decidiu o Tribunal a quo, não havendo omissão de pronúncia nem erro na decisão, antes, por se considerar que nada obstava à apreciação de mérito, se entrou em tal apreciação.
Vejamos.
Invoca o apelante a falta de legitimidade ativa da progenitora, que se apresentou, após o filho ter começado a trabalhar e ter cessado a obrigação de alimentos ao filho maior, a deduzir o presente incidente, pedindo prestações vencidas antes de o filho, maior, ter cessado a sua formação.
Pacífica sendo a existência da dívida de alimentos, apenas é objeto do recurso a questão, adjetiva, agora suscitada, e de conhecimento oficioso, da ilegitimidade ativa da progenitora.
Ora, como se decidiu no Ac. desta Relação de 19/12/2023, proc. nº 2157/11.6TMPRT-B.P1, em que a agora relatora também o foi, o dever de alimentos, dever esse dotado de elevada intensidade e que, uma vez definido, se estende, se prolonga, não cessa, antes se mantém (ope legis) para além do termo da menoridade (cfr. arts. 1880º e nº2, do art. 1905º, do Código Civil), bem resulta existir, antes do início da vida laboral do filho, o direito substantivo a alimentos do jovem que atingiu a maioridade. E aí se considerou ser o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior dotado de legitimidade substantiva e processual, nos termos do nº3, do art. 989º, do CPC, sendo dotado de legitimidade ativa para exigir do outro progenitor importâncias em dívida de prestações alimentícias vencidas na menoridade do filho e mantendo a legitimidade, designadamente, para instaurar a execução, a par do próprio filho já maior. Considerou-se “O regime emergente da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças é sempre estabelecido em benefício do superior interesse destas, vinculando cada um dos progenitores ao estabelecido, não enquanto credores ou devedores de qualquer obrigação contratual entre si (art. 397º, do C. Civil), mas antes enquanto responsáveis pelo exercício das responsabilidades parentais relativas às mesmas crianças (art. 1878º, n.º 1, do C. Civil)”[1], estipulando este artigo que compete aos pais, no interesse dos filhos, além do mais, prover ao seu sustento, ficando, contudo desobrigados de prover a tal sustento na medida em que estes estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, tais encargos (v. artº 1879º) e mantendo-se a obrigação dos pais de prover ao sustento dos filhos, se, no momento em que atingirem a maioridade, não houverem completado a sua formação profissional (artº 1880º), na medida em que seja razoável exigir-lhes o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Consagra o artº 1905º, nº 2 (na redação conferida pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro), que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, se entende que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se…”.
Existindo um direito substantivo a alimentos dos jovens que atingiram a maioridade, o artº 989º, do CPC, com a epígrafe “Alimentos a filhos maiores ou emancipados” regula, adjetivamente o exercício daquele direito nos seguintes termos:
1- Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.” (negrito nosso).
Deste modo, e em “termos de tramitação processual, são configuráveis várias situações consoante a tramitação processual precedente. Assim, tendo sido fixados alimentos durante a menoridade, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, a sentença que fixou tais alimentos mantém a sua exequibilidade contra o progenitor depois de o filho atingir a maioridade, podendo este instaurar execução contra o progenitor faltoso (STJ 17-4-18, 109/09 e RL de 14-6-16, 6954/16; cf. anot. art. 933º); a maioridade ou emancipação que ocorra posteriormente a tal fixação não impede que os incidentes subsequentes, quer de alteração, quer de cessação de alimentos, corram por apenso àquele processo de regulação”[2].
Como o próprio apelante sustenta verifica-se “uma extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos, sem prejuízo das … causas de cessação antecipada, e … essa extensão determina igualmente uma extensão da legitimidade ativa do progenitor convivente e que suporta as despesas para desencadear os procedimentos legais necessários à cobrança coerciva da prestação de alimentos fixada na menoridade, essa extensão de legitimidade apenas se verifica enquanto se mantenha a obrigação de pagamento daquela pensão, ou seja, até que o jovem maior atinja os 25 anos ou se verifique, antes dessa idade, uma qualquer causa que determine a cessação da obrigação alimentícia”. Ora, determinando a extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos uma extensão da legitimidade ativa do progenitor que a título principal suporta os encargos, essa extensão verifica-se para toda a obrigação de pagamento daquela pensão. E o progenitor requerente não age enquanto representante do filho, não estando a suprir a incapacidade deste, mas, a atuar um interesse seu, que o afeta pessoalmente, visto que a sua pretensão é tendente a ver reduzidas as despesas que teve de suportar[3].
Bem considera, pois, o Ministério Público na resposta que apresentou, citando a lei e a interpretação que dela é efetuada pela jurisprudência, ter o progenitor, a cujo cargo está o filho maior nas referidas circunstâncias, “um interesse próprio na tutela processual de um direito alheio” e “essa legitimidade permite-lhe não só prosseguir, no confronto com o outro progenitor, na ação destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade, como intentar outra ação com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efetivação do direito anteriormente reconhecido sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, não havendo “razões para qualquer distinção; que, de resto, a lei também não faz. Como dela resulta (artigo 989.º, n.º 3, do CPC), o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, “nos termos dos números anteriores”. Isto é, segundo o regime previsto para os menores, o que pode traduzir-se no estabelecimento de uma nova prestação alimental, na alteração da prestação já fixada ou na cobrança coerciva de qualquer delas. Em qualquer das hipóteses, assiste-lhe legitimidade para o efeito…”.
“O nº3, do art. 989º, do CPC, institui uma norma de direito substantivo, consagrando uma espécie de direito de regresso de um progenitor sobre o outro, quanto a despesas pagas a filhos maiores que não possam sustentar-se a si próprios. Em termos processuais, esse direito de regresso será exercido por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais mesmo que este já esteja findo (nº2 e parte final do nº3; cf. art. 282º, nº1)”[4].
Sendo a progenitora dotada de legitimidade ativa para exigir do progenitor importâncias em dívida quanto a prestações alimentícias vencidas na menoridade dos filhos mantem-se a legitimidade para instaurar a execução, a par do próprio filho já maior[5][6], por todas as prestações de alimentos que se tiverem vencido e não tiverem sido pagas, mesmo que no momento em que a ação tenha sido proposta se mostre, já, iniciada a atividade profissional do filho maior e tenha cessado a obrigação de alimentos.
Neste conspecto, não se verificando a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, sendo a progenitora dotada legitimidade, improcedem as conclusões da apelação e é de manter a decisão recorrida.
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As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, sendo a progenitora dotada legitimidade ativa, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante.







Porto, 13 de janeiro de 2025

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores


Eugénia Cunha
Fátima Andrade
Carlos Gil



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[1] Ac. RG de 28/6/2018, proc. n.º 3507/16.4T8BRG-F.G1
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 441.
[3] Cfr. Ac. da RL de 22/2/2022, proc. 8174/19.0T8LSB-D.L1-7, in dgsi.pt, com o sumário:
 “1.–O n.º 2 aditado ao art. 1905.º CC pela Lei n.º 122/2015, de 01.09, dispensa o filho maior de alegar e provar, até que complete 25 anos de idade:
- não ter ainda completado a sua formação profissional;
- estarem reunidos os demais pressupostos do art. 1880.º CC,
competindo ao progenitor não convivente, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática.
2.–É, pois, ao progenitor obrigado que cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar.
3.–Por sua vez, o n.º 3 aditado pela mesma Lei ao art. 989.º CPC, introduziu a possibilidade de o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas de sustento e educação de filho maior exigir do outro progenitor a comparticipação daquelas despesas.
4.–Ou seja, perante a inércia do filho depois de perfazer 18 anos, é agora reconhecida legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas do filho maior, concitando à repartição dessas mesmas despesas pelo outro progenitor, legitimidade essa que apenas pode ser exercida no âmbito da ação prevista no n.º 3 do art. 989.º CPC:
- por apenso a processo de regulação das responsabilidades parentais mesmo que este já esteja findo; ou, não existindo esse processo,
- através de ação autónoma a instaurar no competente juízo de família e menores (arts. 6.º, al. d) e 8.º do RGPTC; e art. 123.º, n.º 1, al. e), da LOSJ).
5.–Concretizando, tal preceito reconhece legitimidade ao progenitor com quem o filho menor coabita, quando se torne necessário providenciar judicialmente:
- quer para prosseguir ação destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade;
- quer para, depois desta, intentar ação com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efetivação do direito anteriormente afirmado.
6.–Nesse caso, o progenitor requerente não age enquanto representante do filho, pois não é necessário suprir a incapacidade deste, mas, antes, num interesse fundamental que o afeta pessoalmente, visto que aquilo que o progenitor convivente pretende é a redução das suas próprias despesas, assim se evitando o constrangimento ou receio do filho em instaurar ação contra o progenitor não convivente”.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 442.
[5] Ibidem, pág.s 441 e seg. e Ac. RL 16-10-18, proc. 4189/17, aí citado.
[6] Cfr. também Ac. RP de 11/5/2021, proc. 108/17.3T8VCD-G.P2, in dgsi.pt, onde se decidiu: “O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, tem legitimidade para exigir judicialmente ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação desses filhos, nos mesmos termos em que o podia fazer para os filhos menores. Isto é, exigindo-lhe o pagamento de uma nova prestação alimentar, a alteração da prestação já fixada ou a cobrança coerciva de qualquer delas. E isso, nos dois primeiros casos, quer a título cautelar, quer definitivo”.