Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1754/20.3T8GDM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
REMOÇÃO DO CARGO DE ACOMPANHANTE
Nº do Documento: RP202401161754/20.3T8GDM-B.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do acompanhamento de maiores, o acompanhante deve, no exercício das suas funções, privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada. Isto é, deve exercer essas funções com o sentido de diligência de uma pessoa prudente, em função das circunstâncias concretas do caso, em ordem à consecução dos referidos objetivos.
II - Se o não fizer e, entre outros aspetos, faltar, de modo significativo, ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revelar inaptidão para o exercício do mesmo, deve ser dele removido.
III - Não é esse o caso quando a acompanhante muda a residência habitual da acompanhada, sua mãe, por força dos confrontos existentes entre os seus irmãos, numa situação em que aquela, sendo pessoa já idosa, padece de um quadro demencial que a afeta e não se provou ter decorrido da aludida alteração de residência nenhum agravamento desse quadro.
IV - Por outro lado, também não se justifica a remoção do cargo de acompanhante quando não fica demonstrada qualquer gestão incorreta da sua parte, em relação ao património da acompanhada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1754/20.3T8GDM-B.P1
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Sumário
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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos:
Rodrigues Pires;
Anabela Andrade Miranda.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I- Relatório
1- AA e BB, deduziram, no dia 14/12/2021, incidente tendente à remoção e substituição do cargo de acompanhante principal da beneficiária, CC, contra DD, sustentando, em breve resumo, que esta última, enquanto acompanhante da mãe de todas elas, não tem cumprido, pelas razões que descrevem, os deveres inerentes ao cargo em que se encontra investida.
Pedem, por isso, que:
a) Se fixe a residência na beneficiária, CC, na Rua ..., ..., ..., Gondomar, com efeitos imediatos;
b) Se remova do cargo de acompanhante principal a requerida, DD;
c) Se nomeie a requerente, AA, para o cargo de acompanhante principal;
d) Se declarem nulas as deliberações dos Conselhos de Família realizados em 28/05/2021 e 01/10/2021;
e) Seja ordenada, face a suspeitas de movimentações de contas bancárias da beneficiária, a prestação de contas por parte da acompanhante.
2- Contra a procedência destes pedidos manifestaram-se a Requerida, DD, e os seus irmãos, EE, FF e GG (estes, apesar de não terem sido demandados) considerando que são infundadas as razões esgrimidas pelas Requerentes.
3- Estas últimas responderam, arguindo a ilegitimidade passiva dos contestantes, EE, FF e GG, e, em simultâneo, impugnando a versão da Requerida, concluindo como na petição inicial.
4- Posteriormente, no dia 22/02/2022, as Requerentes, pediram a prestação de contas pela acompanhante principal.
5- No desenvolvimento do incidente, foi convocado o Conselho de Família, realizado relatório social e perícia médico-legal.
6- Teve lugar, depois, a audiência final, a que se seguiu sentença na qual começou por se jugar haver erro na forma de processo quanto ao pedido de prestação de contas e procedente a ilegitimidade passiva de EE, FF e GG.
Quanto ao mais, julgou-se o presente incidente totalmente improcedente, por não provado, dele se absolvendo a Requerida.
7- Inconformada com esta decisão, dela recorre a Requerente, AA, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“I. Através do presente recurso pretende a Recorrente impugnar determinados segmentos da decisão da matéria de facto, através da reapreciação da prova gravada e de documentos juntos aos autos que considera mal apreciados pela Meritíssima Juiz a quo, constituindo esta impugnação a primeira parte do recurso, pretendendo ainda ver reapreciada a decisão de mérito por considerar ter sido feita má aplicação do Direito à matéria de facto provada, constituindo a segunda parte do recurso. Assim,
II. Considerando a Recorrente que foi incorretamente julgado os factos constantes da sentença de que se recorre, sob a epigrafe factos não provados e, consequentemente, os factos considerados provados, pretende ver reapreciada a matéria de facto, fazendo-se uma analise critica a toda a documentação junta aos autos, coadjuvada com a prova testemunhal e esclarecimento prestados pela Sra. Perita, efectuadas em Audiência de Julgamento.
Quanto ao Facto não provado no ponto 36. A decisão de alterar a residência da beneficiária afectou de forma grave a saúde e bem estar da beneficiária.
III. Depoimento da Sra. Perita HH, que afirmou que a perícia durou cerca de 1 hora (minuto 1:06 a 1:15); que elaborou o relatório com base nas peças processuais e as filhas (EE e DD) que estavam presentes apresentaram um relatório mencionado no relatório pericial (minuto 04:06 a 05:14); que era um relatório medico da consulta de neurologia (minuto 05:35 a 5:48); não confirmou se a beneficiária estava num centro de dia e fez menção no relatório pericial com base no relato que obteve das filhas (minuto 09:36 a 09:47); que não teve acesso a nenhum documento comprovativo das actividades ocorridas no centro de dia e mencionadas no relatório pericial, foi pelo que lhe foi descrito pelas filhas (minuto 15:26 a 16:23); que quanto a retirar uma doente com alzheimer da sua habitação, se isso trouxer stress e se isso trouxer alterações de comportamento, se for claramente nocivo poderá numa primeira fase ser difícil, no entanto, nunca ninguém conseguiu provar se isso está ou não relacionado com a progressão da doença e daí a manutenção das rotinas, se a mudança da residência pode ser um factor de agravamento nunca ninguém conseguiu provar, que da observação de uma hora, com contacto pontual, o que viu foi uma senhora calma e tranquila, sem alteração de comportamento e do que lhe foi descrito com boa adaptação às novas rotinas (minuto 24:45 a 25:54).
O depoimento da Sra. Perita HH foi prestado por whastapp gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 01-06-2023, contagem de 00:01 a 33:03, no seguinte ficheiro: (20230601143553_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 01-06-2023 a fls. …
IV. Veja-se relatório pericial de fls..., elaborada pela Sra. Perita, junto aos autos em 12/04/2023 com a referência citius 35342172, referindo que todas as informação foram prestadas pela Requerida e pela irmã EE, e que Não obstante o agravamento do estado da acompanhada, não é possível afirmar de forma inequívoca, que a alteração da residência e a obsticulização dos contactos (caso venham a ser demonstrados) tenham contribuído para tal agravamento apesar de tal não se poder categoricamente excluir.
V. Do depoimento da testemunha II, psicóloga, que afirmou ter acompanhado a D. CC em consultas de psicologia desde o início de 2020 (minuto 00:43 a 01:07), que tais consultas eram por norma quinzenais (minuto 02:28 a 02:35), que comparativamente com o inicio de 2020 e 2022 houve um decréscimo na capacidade verbal da D. CC, ou seja, ela cada vez menos verbaliza mas conseguia manter um diálogo com ela (minuto 05:19 a 06:09); o decréscimo na capacidade de verbalização da D. CC é normal neste quadro clinico, no entanto considera que houve uma aceleração bastante acentuada da situação no ultimo ano (minuto 06:10 a 06:55); que quanto ao sentimento da D. CC em relação à mudança da casa, disse ter notado maior degradação principalmente na capacidade da fala, e a capacidade de discurso da D. CC era cada vez mais diminuta, mas conseguiu percepcionar que esta sentia um grande sentimento de saudade da sua casa (minuto 09:45 a 11:10); que a retirada da D. CC da casa dela, associada às questões das memorias, acelerou esse processo da doença degenerativa (minuto 20:50 a 21:33); pois que há uma serie de condições, nomeadamente, a questão da parte emocional que foi retirada à D. CC da casa, local onde ela se sentia segura, pode levar ao aumento dos níveis de ansiedade e aceleração do processo demencial (minuto 22:41 a 23:05).
O depoimento da testemunha II foi gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 01-06-2023, contagem de 00:01 a 39:54, no seguinte ficheiro: (20230601151253_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 01-06-2023 a fls. …
VI. Depoimento de certa forma, corroborado pela testemunha JJ, médico de medicina geral e familiar, que consultou a D. CC em 22 Agosto de 2022 (04:13 a 04:20); notou um agravar exponencial da doença, a nível cognitivo era brutal, o exame neurológico era normal mas a capacidade de entender o significado das palavras, e tinha perturbações gravíssimas (minuto 12:52 a 13:29); que confirmou que a D. CC tomava rivastigmina (minuto 16:14 a 16:24), que retirar uma pessoa ao ambiente que se sente confortável e às referencias a que está habituada, tira-a da zona de conforto e propicia o embutamento, a pessoa defende-se do desconhecido, encapsulando-se, ensimesmando-se (minuto 15:31 a 16:07); a AA não está com a mãe na ordem dos 3 meses (minuto 20:19 a 20:25); que os factores externos que podem potenciar o agravamento da doença, um que é consensual e faz parte do senso comum é o afastamento do ambiente familiar, no sentido do ambiente onde a pessoa conhece bem os cantos à casa (minuto 31:25 a 32:26).
O depoimento da testemunha JJ foi gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 06-07-2023, contagem de 00:01 a 33:55, no seguinte ficheiro: (20230706151356_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 06-07-2023 a fls. …
VII. Veja-se, relatórios de avaliação psicológica da beneficiária CC, elaborados pela testemunha II, psicologa que acompanhou a D. CC durante dois anos em consultas de psicologia em Doc. 5 e 6 juntos com a P.I. a fls… e Doc. 5 junto com a Contestação a fls…).
VIII. Face à prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, dos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita HH, do depoimento das testemunhas II e KK, em conjugação com o relatório pericial e relatórios de avaliação psicológica, deverá ser valorada favoravelmente, no sentido de ser eliminado da matéria de facto dada como não provada o facto 36, aditando-se à matéria de facto dada como provada, cuja redação de seguida se sugere:
36. A decisão de alterar a residência da beneficiária afectou de forma grave a saúde e bem-estar da beneficiária.
Quanto ao facto 37. dos factos não provados: A requerida proíbe visitas e contactos entre a beneficiária e as requerentes dificultando uma simples comunicação telefónica.
IX. Do depoimento prestado pela testemunha LL, resultou que, presenciou varias tentativas de contacto entre as requerentes e a beneficiária, chegou a ir várias vezes a casa da EE porque não atendiam o telefone, tentavam varias vezes, quer do telefone da AA, da BB e até mesmo do dela, não atendiam o telefone, chegou a ir com a AA a casa da EE porque não atendiam o telefone e não conseguia ver a mãe, da varias vezes que tentaram não conseguiam ver a mãe, a AA teve que chamar a GNR (minuto 03:07 a 04:14); Em Outubro ou Novembro de 2021 não conseguiam ver a mãe, entretanto começaram a conseguir e agora já não consegue outra vez há algum tempo, desde a Páscoa (minuto 04:29 04:40); foi com a AA ao Centro no inicio de Abril, viu a D. CC na porta do Centro porque impossibilitaram a AA de entrar (minuto 08:20 a 09:13); foram à porta da EE e a AA disse que queria ver a mãe, quando lá chegaram a EE veio à janela e disse à irmã (Recorrente/Requerente AA) que ela não podia entrar e muito menos ver a mãe, a AA teve que chamar (minuto 16:24h a 16:48), quando não consegue saber da mãe ou ver a mãe a AA chama a policia (minuto 17:04h a 17:18); assistiu várias ocasiões que a AA tentou ver a mãe e não conseguiu, quer tentativas telefónicas quer tentativas presenciais (minuto 20:14 a 20:27), a D. CC sempre lhe verbalizou que queria estar em casa dela (minuto 21:10 a 21:22); a D. CC queria ver as filhas todas e queria voltar para casa (minuto 22:47 a 23:06).
O depoimento da testemunha LL foi gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 06-07-2023, contagem de 00:01 a 28:48, no seguinte ficheiro: (20230706160547_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 06-07-2023 a fls. …
X. Do depoimento da testemunha MM resultou que a AA não conseguia contactar com a mãe, o que é habitual, não têm informação da mãe, quando tentam ligar para os telemóveis das irmãs não atendem e quando atendem deixam o telemóvel ligado, mas ninguém atende, (minuto 10:40 11:19); a AA só consegue estar com a mãe quando vai à porta do Centro (minuto 11:20 a 11:50), ela (a D. CC) já não está com as filhas há três meses (minuto 16:45 a 17:02).
O depoimento da testemunha MM foi gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 06-07-2023, contagem de 00:01 a 28:0, no seguinte ficheiro: (20230706163526_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 06-07-2023 a fls. …
XI. Do depoimento da testemunha arrolada pela Requerida, NN, resultou que: desde que ela (a beneficiária) está com a EE, era um fim de semana em casa da DD e outro fim de semana em casa do Zé, (minuto 15:05 a 15:30); a última vez que viu a D. CC foi a seguir ao Natal (minuto 16:59 a 17:06); que sabe que a AA e a BB não veem a mãe há algum tempo (minuto 30:19 a 30:26); de momento não é permitido à AA e à BB passarem um fim de semana com a mãe (minuto 30:40 a 30:49); sabe que a AA e a BB tentaram ver a mãe em casa da EE e viram a mãe da janela minuto 38:48 a 39:05).
O depoimento da testemunha NN, foi gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 10-07-2023, contagem de 00:01 a 39:12, no seguinte ficheiro: (20230710103529_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 10-07-2023 a fls. …
XII. Resultando do depoimento da testemunha indicada pela Requerida/Recorrida, BB que, esteve 10 meses em casa da EE a tomar conta da D. CC (minuto 04:11 a 04:18), a D. CC chegou a uma altura que já náo tinha capacidade de estar ali com o telemóvel mas às vezes o filho GG ligava para o telemóvel da irmã e faziam vídeo chamada (minuto 10:50 a 11:33), a D. CC ficou em casa da EE e depois a DD é que ficou responsável, que quem decidiu que a EE ia tomar conta da mãe foi a EE; Foi a EE que decidiu que a mãe ia morar com ela (minuto 21:27 a 22:05); A AA chamou a GNR porque segundo estes a AA e a BB não conseguiam falar com a mãe. O telemóvel muitas vezes não estava à beira e era difícil, além que ouve mal e a D, CC muitas das vezes já não tinha aquele cuidado de estar ali com o telemóvel e era ela que desligava ou tirava o telemóvel do ouvido (minuto 23:10 a 23:56); Quando falava com os outros filhos, quando os filhos ligavam já tinha vindo embora ( minuto 23:57 a 24:11); Foi a EE que arranjou o Centro de Dia para a D. CC e falou com a responsável do Centro, porque sabia perfeitamente que as irmãs iam querer ver a mãe (minuto 28:17 a 29:30); Não era permitida a entrada da BB e da AA na casa da EE (minuto 29:42 a 29:53); As decisões da EE eram tomadas em conjunto com a DD (aqui Recorrida), a DD estava a par de tudo (minuto 29:55 a 30:40); que tinha instruções da D. EE para a BB e a AA só podiam ver a mãe quando estivesse alguém em casa, mas não pode garantir, porque ao fim de semana não estava lá e elas iam ao fim de semana (minuto 35:22 a 35:46.
O depoimento da testemunha BB, foi gravado pelo sistema de gravação digital integrado existente no tribunal, no dia 10-07-2023, contagem de 00:01 a 36:58, no seguinte ficheiro: (2023071011170,_16089322_2871511) – cf. vertido em acta de audiência de julgamento do dia 10-07-2023 a fls. …
XIII. Da conjugação dos depoimentos supra referidos, resultou cristalino que a Requerente/Recorrente que está impedida de estar com a sua mãe, sendo certo que a Requerida tinha conhecimento de toda a situação e com ela era conivente.
XIV. De resto, são inúmeros os ofícios remetidos aos autos pela autoridade policial e pelo Ministério Publico e, bem assim, do conhecimento da MM. Juiz a quo por constarem da tramitação electrónica dos autos, encontrando-se todos eles devidamente identificados no corpo das alegações, os quais foram absolutamente desvalorizados pelo Tribunal de 1ª instância, impedindo uma correcta valoração dos factos.
XV. Neste seguimento, considerando-se a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, o depoimento da testemunha KK, LL, MM, NN e BB, em conjugação com o Doc. 9 junto com a P.I. a fls…, com as demais informações remetidas aos autos pela autoridade policial já supra identificadas, e com os ofícios do Ministério Publico de 19/04/2023, deve ser favoravelmente valorada, no sentido de ser eliminado da matéria de facto dada como não provada o facto 37, aditando-se à matéria de facto dada como provada, cuja redação de seguida se sugere:
37. A requerida proíbe visitas e contactos entre a beneficiária e as requerentes dificultando uma simples comunicação telefónica
Por último, quanto ao facto 38. dado como não provado: O que faz contra a vontade da própria mãe.
XVI. Tal facto não foi correctamente valorado pelo Tribunal a quo, desde logo, considerando o teor e conteúdo do Doc. 5 junto com o requerimento apresentado em 10/02/2023, com a referência 41293615, em conjugação com a sentença que decretou as medidas do acompanhamento e com a matéria vertida nos factos 2.3 e 4. dos factos provados, o resultado terá forçosamente que ser afirmativo.
XVII. Assim, deve ser eliminado o facto 38. do rol de factos considerados não provados, aditando-se à matéria de facto provada o facto cujo o texto a seguir se deixa escrito:
38 - O que faz contra a vontade da própria mãe.
XVIII. Pela decisão a quo foi violado o princípio geral da livre apreciação da prova, ferindo a mesma de ilegalidade, que se invoca para os devidos e legais efeitos.
XIX. O tribunal recorrido, ao ter dado como não provado os factos 36., 37. e 38., com o devido respeito, incorreu num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior atento ao facto de a prova produzida em audiência de julgamento, à prova pericial e documental junta aos autos, impor decisão diversa.
XX. A matéria de facto deve, assim, ser alterada no sentido de eliminar-se dos factos considerados não provados os pontos 36., 37 e 38, e em consequência, deve ser alterada a matéria de facto considerada provada, aditando-se factos 36., 37 e 38.
XXI. Sem prejuízo do que vem exposto, não se conforma a Recorrente com a aplicação do Direito feita pelo Tribunal a quo, o qual incorre em erro.
XXII. O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos (…)” (art. 140º do Código Civil), sendo pacifico que tal orientação deve presidir não só à instauração da medida, mas deve também pautar a sua execução, limitando-se o acompanhamento ao estritamente necessário.
XXIII. O direito de fixar domicílio e residência é um direito pessoal (cf. disposto no artigo 145º do Código Civil).
XXIV. A Acompanhante que “falte ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revele inaptidão para o seu exercício”, podendo e devendo ser removida do cargo, ao abrigo das disposições conjugados dos art.ºs 1948º e 1949º, ex vi do art.º 152º, todos do Código Civil.
XXV. Conforme consta nas diversas alíneas do facto vertido no ponto 1. da matéria de facto considerada provada, em conjugação com factos provados no Ponto 2. e 3., a beneficiária residia na Rua ..., em ..., com as suas filhas, as Requerentes.
XXVI. A decisão de retirar a beneficiária da sua casa, foi tomada pela Requerida, conforme se retira dos factos provados sob os pontos 6, 7, 15, 17 e 19, assim desrespeitando a esfera de exercício dos direitos pessoais da beneficiária, excedendo as suas competências de intervenção.
XXVII. A sentença que decretou o acompanhamento instituiu a medida de representação geral, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 145.º do C.C., - cf. facto provado em 1 alínea b).
XXVIII. A Requerida não tinha poderes de administração total ou parcial de bens e, ainda assim, conforme resulta da matéria de facto provada designadamente nos pontos 16, 20, 21, 22, 23 e 32 a 34, levou a cabo actos de administração de bens, para os quais não tinha legitimidade, em clara e evidente violação do disposto no art. 150 nº 1 do C.C.
XXIX. Neste seguimento, os factos vertidos na matéria de facto dada como provada, extravasam o âmbito dos poderes que conferidos à Requerida na sentença que decretou o acompanhamento, revelando que a mesma não tem aptidão para o exercício do cargo, justificando-se a sua remoção nos termos da segunda parte do artigo 1948.º, al. a), do C.C.
XXX. Assim, pela decisão ora impugnada foi violado o Princípio da livre apreciação de prova, fazendo, concomitantemente, uma errónea subsunção legal, em manifesta violação do disposto nos artigos 140 nº 1, 147º nº 2, 145 e 1948º alínea a), todos do Código Civil.
XXXI. Com o devido respeito, o Tribunal a quo incorre num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior (cfr. artigo 640.º, n.º 1 e 662, n.º 1 do Código de Processo Civil), atento à prova produzida, pericial e documental junto aos autos, testemunhal e documental impor decisão diversa”.
Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e que se decida em conformidade com aquilo que por si é defendido.
8- A Requerida, DD, respondeu, pugnando pela confirmação do julgado.
9- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objeto
O objeto dos recursos é delimitado, em regra e salvo, designadamente, as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, tendo presente este critério, o objeto do recurso em apreço cinge-se, no essencial, a saber se:
a) Deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto;
b) A Requerida deve ser removida das funções de acompanhante da Beneficiária e nomeada para o mesmo cargo a Apelante, bem como, em simultâneo, alterada a residência da Acompanhada.
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B- Fundamentação
a) Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
Da sentença proferida nos autos principais:
1. Por decisão transitada em julgado proferida em 11/03/2021[1], nos autos principais, foi decidido: “a.- instituir o regime de acompanhamento a favor da Beneficiária CC; b.- o regime de acompanhamento instituído é concretizado na decretação da medida de representação geral, prevista no artigo 145.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil e; c. - na restrição do direito de testar, ao abrigo do disposto no artigo 147.º do Código Civil, ficando a Beneficiária impedida de exercer este direito pessoal; d.- fixa-se a data de janeiro de 2020, a partir da qual a medida ora decretada se tornou conveniente; e.- nomeio como Acompanhante/Representante da Beneficiária a Exma. Sra. DD, filha da Beneficiária, residente na rua ..., ... ...; f - nomeio como Acompanhante substituta da Beneficiária a Exma. Sra. AA, filha da Beneficiária, residente na rua ..., ... ...; g.- a Acompanhante nomeada à Beneficiária deve visitar a Beneficiária com uma periodicidade mínima trisemanal, artigo 146.º, n.º 2 do Código Civil; h. para constituição do conselho de família nomeio como 1.ª vogal a Exma. Sra. BB, filha da Beneficiária, residente na rua ..., ... ... e; como 2.º vogal o Exmo. Sr. FF, filho da Beneficiária, com domicílio na rua ..., ..., ... Maia; artigo 145.º, n.º 4 do Código Civil; i.- inexiste testamento vital ou procuração outorgada para cuidados de saúde da Beneficiária; j. - a medida ora decretada será revista no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 155.º, n.º 1 do Código Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 904.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.”
Da petição inicial do presente incidente:
2. A beneficiária CC tinha residência naquela que sempre foi a sua casa de morada de família, sita na Rua ..., em ..., Gondomar.
3. Com a beneficiária moravam as suas filhas, aqui requerentes, sendo que, a requerente AA há já mais de 20 anos e a requerente BB há cerca de 3 anos de forma permanente.
4. A beneficiária vivia feliz, muito bem cuidada e tratada pelas filhas aqui requerentes e pelo seu neto, na sua casa de morada de família.
5. No dia 11/07/2021, através de email, a requerida abordou os irmãos para informar datas disponíveis para férias com a mãe, tendo as requerentes escolhido a primeira quinzena do mês de Agosto, a segunda quinzena de Agosto seria com a filha EE, seguido, de uma quinzena com o filho FF – cfr. melhor consta dos emails juntos com a petição inicial como documentos 1, 2, e 3 que aqui se consideram integralmente reproduzidos.
6. Sucede que, no dia 07/09/2021, a requerida decidiu que a beneficiária ia prolongar as férias com a filha EE e que com ela continuaria por tempo indeterminado – cfr. documento 4 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
7. A requerida entendeu e decidiu retirar a mãe da casa onde viveu durante toda a sua vida, alterando a residência da beneficiária.
8. Alterando também toda a rotina da beneficiária.
9. Passou, assim, a beneficiária a residir com a filha EE.
10. As requerentes viveram com a Beneficiária durante 20 anos, eram elas que cuidavam da mãe, faziam as suas refeições, levavam a consultas médicas, ministravam a medicação recomendada, acarinhavam, enfim, tudo faziam para que o seu estado clínico não piorasse.
11. A beneficiária, enquanto viveu com as requerentes, tinha um plano de atividades recomendado pela psicóloga que a acompanhava, e executado pela requerente AA, nomeadamente, de leitura, escrita, raciocínio lógico matemático através de jogos, musicoterapia, gnosias, motricidade e pintura, que produziam efeitos terapêuticos muito positivos na beneficiária do acompanhamento – cfr. relatório clínico elaborado em 14/05/2021 pela Exma. Senhora Doutora II junto como documento 5 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
12. Além daquelas atividades, a beneficiária tinha ainda aulas de piano em casa com professora de música e massagens terapêuticas de relaxamento com terapeuta.
13. Elaborado relatório de avaliação psicológica, em 24/09/2021, pela mesma psicóloga que, quinzenalmente, acompanhava a Beneficiária ali se conclui que – cfr. documento 6 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido: “A avaliação realizada após o relatório, datado de 22/09/2021, demonstra uma evolução mais acentuada do diagnóstico demencial. As funções cognitivas superiores encontram-se menos preservadas, nomeadamente o pensamento e linguagem. (…) A capacidade de evocação encontra-se diminuída bem como a memória a curto prazo. O raciocínio abstrato encontra-se mais afectado. (...)” “Considero importante a manutenção das rotinas implementadas na residência da paciente, nomeadamente, exercícios de motricidade, cálculo, leitura, pintura e musica, bem como, a manutenção dos respectivos horários. O facto de serem desenvolvidos na sua habitação, promovo na paciente maior conforto emocional pelo reconhecimento das memórias associadas e pela vontade expressa pela mesma de forma pouco verbalizada no entanto indicativa ao dizer “na minha casa” e “na minha cama” aquando de exercícios de nomeação de objectos usados no quotidiano.” (…) “Revela-se importante o contacto com os seus significativos, mantendo-se os horários e rotinas da mesma sempre que possível de forma a promover maior tranquilidade na paciente através da previsibilidade e para manutenção dos estímulos quotidianos.”
14. Em 28/05/2021, não obstante não ter ocorrido o transito em julgado da sentença referida em 1º deste requerimento, decidiu a requerida realizar uma reunião do que apelidou de “Conselho de Família”, em que estiveram presentes a própria requerida, a requerente BB como 1ª Vogal e FF como 2º Vogal. – cfr. documento 7 junto com a petição inicial e cujo teor aqui e considera integralmente reproduzido.
15. Nessa mesma reunião, a requerida, proferiu as suas decisões, nomeadamente e cfr. resulta da Acta nº 1 – Doc. 8 em anexo:
a.- A retirada imediata da chave da porta de entrada (casa da Beneficiária) que bloqueia a entrada a todos os filhos sendo permitida a sua colocação a partir das 21h até às 8h.
b.- A admissão de cuidadoras para o período diurno e nocturno, durante 24h, deixando os filhos de ter essa responsabilidade.
c.- Aos fins de semana a mãe fica com cada um dos filhos, se não for possível, contrata-se cuidadoras.
d.- As cuidadoras seguem orientações, exclusivamente, da DD.
e.- Em qualquer uma das situações, a mãe deve ficar somente aos cuidados das cuidadoras e sob vigilância e coordenação da DD, relativamente a todos os aspetos de vida diários.
f. - A AA e BB têm que deixar a casa da mãe, devendo informar no prazo de 1 semana, quantos dias necessitam.
16. Foram ainda tomadas decisões quanto ao património da beneficiária, designadamente e cfr consta do aludido Doc. 8:
a.- Desbloqueio de valores monetários no Banco 1... no montante de 48.000,00€; e certificados de aforro dos A..., no valor de 37.147,00€, para ser partilhado.
b. - Transferências de todos os valores monetários da beneficiária para uma conta do Banco 2... cuja responsabilidade será da DD.
17. Em 01/10/2021, já depois da Beneficiária ter sido retirada da sua habitação, foi realizada nova reunião apelidada de “Conselho de Família” – cfr. documento 9 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido – tendo estando presente apenas a requerida e o 2º Vogal, FF.
18. A 1ª Vogal não compareceu no dia e hora agendado, no entanto, decidiu a requerida que a reunião do “conselho de família” iria ocorrer naquele dia.
19. Decidiram o 2º Vogal e a requerida, nomeadamente, que: a. - A mãe continua a permanecer em casa da EE. b.- Quem visitar a mãe tem que informar a DD, devendo esta ser informada da hora de saída e entrada, o horário tem que ser cumprido rigorosamente. c. - No caso da BB e AA, admite-se que possam sair com a mãe para fora da casa da EE, mas apenas se a BB assumir sob compromisso de honra que entrega a mãe em casa da EE à hora combinada. d. - Quanto à pintura, os irmãos podem levar e trazer a mãe mas se se tratar da BB ou AA, deve igualmente ser assinado, sob compromisso de honra, termo de entrega de mãe. e.- Foi contratada uma cuidadora, BB, para estar com a mãe entre as 9h e as 18h.
20. A Beneficiária sempre teve conta bancária na Banco 3... com o n.º .......
21. Há cerca de 4 anos foi aberta uma conta do Banco 2... pelo 1º Vogal FF, tendo também como titular a beneficiária, sendo ele quem a movimenta e transaciona.
22. Conforme se extrai dos extratos bancários que se anexa em Doc. 10, foram efetuadas as seguintes transferências bancárias:
a.- Em 30/03/2021, a quantia de 20.000,00€; b.- Em 17/06/2021, a quantia de 2.500,00€; c.- Em 05/07/2021, a quantia de 2.400,00€; d.- Em 28/08/2021, a quantia de 2.000,00€.
23. A requerida, sem informar as requerentes, cancelou todos os débitos diretos que se encontravam alocadas naquelas contas à ordem, nomeadamente:
a.- Pagamento de impostos à Autoridade Tributária -Doc. 11; b.- Pagamento de Águas de Gondomar; c.- Pagamento de Endesa (Eletricidade); d. - Pagamento da prestação referente ao aparelho auditivo da Beneficiária.
Da contestação:
24. Tendo sido solicitadas informações por e-mail, a 1ª vogal respondeu via email a informando da necessidade de se contactar o advogado das requerentes para qualquer informação que se pretendesse.
25. A requerente AA, apresentou-se várias vezes acompanhada da GNR na casa da irmã EE, onde a beneficiária se encontrava.
26. As ocorrências foram tantas, que a própria GNR decidiu abrir um processo específico para este caso (NEO ..., Agente OO e Agente PP).
27. Elaborado relatório de psicologia em 22/07/2021 pela psicóloga clínica Dr.ª II, ali se refere que “(...) Maior declínio das funções cognitivas superiores, como o pensamento, orientação, compreensão, cálculo e linguagem.” - cfr. documento 4 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
28. E que a beneficiária demonstra uma “maior deterioração no controlo emocional, interferindo com as atividades de vida diária (como por exemplo da Recusa) e um aumento do quadro de confusão caracterizado por alterações nível de consciência”; bem como que a beneficiaria demonstra “(...) apatia, inibição psico-motora, bem como menor capacidade de evocação.” - cfr. documento 4 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
29. A mesma psicóloga, vem produzir um novo relatório em 21/01/2022, agora com a beneficiaria a residir na casa da filha mais velha EE, desde Agosto de 2021, onde refere que se mantem “um decréscimo na capacidade de escrita, bem como na capacidade de evocação, nesta segunda, demonstrando melhorias significativas, aquando de exercícios que envolvam contacto com fotos do passado relativos aos seus significativos, locais e hábitos familiares” e que a beneficiária “(...) revela grande afetividade por todos os filhos e netos, revelando-se bastante satisfeita principalmente através da sua postura corporal, aquando da exploração de memorias familiares (...).” – cfr. documento 5 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
30. A acompanhante decidiu alterar a residência da beneficiária por força dos confrontos existentes entre as requerentes e os seus irmãos.
31. A acompanhante concentrar todos os créditos e contas correntes numa só.
Do requerimento de 22/02/2022 das requerentes AA e BB:
32. Corre termos neste tribunal sob o n.º de processo 2395/21.3T8GDM (Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 1), em que são Réus AA, BB (aqui Requerentes), DD (aqui Requerida), FF, GG, EE e QQ (acompanhada), na acção de processo comum que lhes move RR e Clínica Dentaria B..., Ldª.
33. No âmbito do processo referido, foi celebrada transação extrajudicial com vista a pôr termo ao litígio existente, tendo as partes, autores e réus, acordado na redução do pedido para a quantia de 3.000,00€, a qual seria paga pelos réus na proporção 428,57€- cfr. transação junta como documento 1 com o requerimento de 22/02/2022 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
34. Entendeu a atual acompanhante principal DD juntamente com o vogal FF que o valor acordado naqueles autos seria pago através da conta bancária da mãe, a beneficiária do acompanhamento QQ, o que fizeram, tendo o segundo vogal FF efetuado transferência de 3.000,00€ para pagamento do acordo celebrado naqueles autos, através da conta bancária da acompanhada CC.
Do relatório de perícia médico-legal:
35. Realizada perícia médico-legal à beneficiária, resulta do respetivo relatório pericial de 12/04/2023 que:
“Relativamente ao estado de saúde atual da acompanhada, ficou patente durante o exame pericial um agravamento do quadro demencial desde a realização do exame pericial de Maior Acompanhada em 1 de outubro de 2020, sendo de destacar uma afasia de evolução progressiva, ou seja, a perda da capacidade de expressar ou compreender a linguagem falada ou escrita. Neste caso específico, a capacidade de compreensão parece permanecer intacta mas há uma perda quase total na capacidade de expressão da linguagem. De acrescentar progressiva maior dependência nas actividades da vida diária (incluindo tarefas instrumentais como comer de faca e garfo).
Não obstante o agravamento do estado da Acompanhada, não é possível afirmar de forma inequívoca, que a alteração da residência e a obstaculização dos contactos (estes últimos caso venham a ser demonstrados) tenham contribuído para tal agravamento apesar de tal não se poder categoricamente excluir.
No entanto, a observação psiquiátrica associada à descrição de uma rotina estruturada e securizante com aparente excelente adaptação da Acompanhada e tendo ainda em conta o conhecimento científico atual deste tipo de quadros relativamente à sua evolução (como acima descrito “inevitavelmente crónica” progredindo para uma “deterioração cognitiva e incapacitante”), tal agravamento poderá ser melhor explicado pela progressão natural e expectável dos quadros de demência de Alzheimer.”
*
b) Na mesma decisão não se julgaram provados os factos seguintes:
Da petição inicial:
36. A decisão de alterar a residência da beneficiária afetou de forma grave a saúde e bem-estar da beneficiária.
37. A requerida proíbe visitas e contactos entre a beneficiária e as requerentes, dificultando uma simples comunicação telefónica.
38. O que faz contra a vontade da própria mãe, beneficiária.
39. Após ter sido retirada de sua casa, a beneficiária deixou de ter tais atividades, o que agravou o seu estado de saúde.
40. A requerida dificulta qualquer tipo de contacto da beneficiária com as filhas aqui requerentes e com o seu neto.
Da contestação:
41. As requerentes AA e BB dificultavam o acesso a informações da sua mãe, controlando-as e escondendo-as dos demais irmãos, tais como, planeamento de consultas, compromissos assumidos em seu nome, atividades desenvolvidas e medicação em curso.
42. Todos os irmãos sempre tiveram acesso a casa de família, sita na Rua ... e a permanência sem restrições desta para convívio familiar.
43. Todos os filhos sempre tiveram chave de acesso para o efeito entregue pela aqui acompanhada, CC, desde a sua compra, tendo sido sempre essa a sua vontade expressa para convívio da família como a do falecido marido e pai, FF;
44. Após o falecimento do marido da beneficiaria, as duas filhas aqui requerentes bloquearam a porta de entrada aos irmãos e procederam à mudança de fechaduras de portas.
45. Assumindo como justificação que a casa da beneficiária é também delas, e por isso, terem direito a autorizar ou negar a frequência nesta dos restantes irmãos.
46. As requerentes efetuavam movimentos e pagamentos das suas despesas pessoais com o cartão debito da beneficiária.
*
C- Análise dos fundamentos do recurso
Pretende a Apelante, em primeiro lugar, que se modifique a matéria de facto fixada na sentença recorrida. Mais concretamente, pretende que se altere o destino probatório das afirmações contidas nos pontos 36, 37 e 38, integrando-as, ainda que numa formulação nem sempre coincidente com a daquela sentença, no capítulo dos Factos Provados[2].
Vejamos se lhe assiste razão.
No dito ponto 36, refere-se o seguinte: “A decisão de alterar a residência da beneficiária afetou de forma grave a saúde e bem-estar da beneficiária”.
Pretende a Apelante que se julgue esta afirmação demonstrada.
Mas, a nosso ver, tal não pode suceder.
Efetivamente, aquela afirmação não corresponde a nenhum facto naturalístico que seja passível de demonstração direta por meio probatório. Corresponde, antes, a um juízo conclusivo que há-de assentar, esse sim, em factos comprovados, dos quais resulte a referida consequência, isto é, a afetação “de forma grave a saúde e bem-estar da beneficiária”.
É certo que, nalguma medida, todos os termos linguísticos correspondem a sínteses representativas da realidade observável ou daquela cujos sintomas são apreensíveis pelos sentidos. Mas, no caso, não é só disso que se trata. É da própria qualificação das alegadas consequências danosas de um facto (a alteração da residência da beneficiária), que não pode deixar de ser obtida por via valorativa e não probatória.
Por conseguinte, neste contexto, é de julgar improcedente a referida pretensão.
Pugna, seguidamente, a Apelante para que se altere o destino probatório das afirmações constantes dos pontos 37 e 38, pretendendo, no fundo, que o sentido dessas afirmações seja julgado demonstrado. Isto é, que seja julgado demonstrado que “a requerida proíbe visitas e contactos entre a beneficiária e as requerentes dificultando uma simples comunicação telefónica”, “o que faz contra a vontade da própria mãe”.
Esta pretensão, no entanto, também não pode ser acolhida.
E não pode ser acolhida sobretudo porque, sendo embora certo que há um clima de grande conflitualidade entre as Requerentes e a Requerida, designadamente, após a Beneficiária ter ido morar para a residência da filha desta (e irmã de todas aquelas), EE, a verdade é que não está demonstrado que haja uma proibição daquelas visitas e contactos, por parte da Requerida.
O que se passa, segundo é possível observar pela prova produzida e indicada pela Apelante, é que em resultado da dita conflitualidade (que é bem ilustrado, entre o mais, pelas mensagens de correio eletrónico juntas aos autos e pelo expediente elaborado pela autoridade policial), nem sempre as Requerentes tiveram acesso direto e imediato à sua mãe, em todas as alturas em que a procuraram para estar com ela. Mas isso, repetimos, não significa, necessariamente, que a Requerida tenha proibido esses contactos. O máximo que se pode afirmar é que, tendo sido estabelecida uma escala de visitas, nem sempre as Requerentes têm acesso à sua mãe fora desse condicionalismo, o qual era do seu conhecimento. Mas, repetimos, daí não se pode retirar que a Requerida tenha proibido as visitas das Requerentes à mãe de todas elas ou mesmo o contacto com ela. Nem sequer dos depoimentos das testemunhas indicadas pelas Requerentes se pode retirar essa conclusão, em termos tão perentórios. Por exemplo, a testemunha, LL (que foi massagista da Beneficiária e assumiu ser amiga da Apelante), referiu, de facto, que houve alturas em que esta última não conseguiu visitar a mãe. Mas também acrescentou que houve outras alturas em que sucedeu o contrário. Inclusive, segundo esclareceu na instância a que foi sujeita, chegou a pernoitar em casa dela (que era a anterior residência da Beneficiária). O que também se deduz do depoimento da testemunha, MM (professora de piano), quando mencionou ter ido com ela (Beneficiária) para a casa de saúde em virtude duma infeção urinária pela mesma contraída e detetada quando estava em casa da Apelante, o que pressupõe o contacto e visitas entre ambas. De resto, as testemunhas, NN (prima das Requerentes e Requerida) e BB (que disse ser amiga da família da Beneficiária há já quase 40 anos) referiram, ainda que por outras palavras, nunca se terem apercebido de qualquer proibição de visitas entre as Requerentes e a sua mãe. O que há, como esclareceu a primeira testemunha indicada, é uma escala de visitas, sendo que a Beneficiária, como esclareceu, chegou a ficar na casa de outros irmãos, o que também foi confirmado pela última testemunha citada, quando disse ter conhecimento de que as Requerentes ficaram com a mãe aos fins de semana, em casa delas, ou melhor, na casa onde residem atualmente, pois que essa casa era a anterior residência da Beneficiária.
Evidentemente que se admite, como já adiantámos, que num quadro de grande conflitualidade como aquele que foi possível percecionar pelos depoimentos das ditas testemunhas e pela análise da documentação junta aos autos, nem sempre as coisas corram bem; que haja desencontros e mesmo desavenças, designadamente, entre as Requerentes e Requerida, sobre os momentos em que se devem processar os encontros e contactos daquelas com a mãe de todas elas. Mas isso não significa, necessariamente, que haja, como já dissemos, uma absoluta proibição de contactos e visitas. Nem sequer uma proibição de contactos e visitas nos momentos estipulados, pois que pelas Requerentes nada foi circunstanciado no tempo, nesse sentido, de forma a saber, por exemplo, em que dias e horas concretas lhes foi vedado o acesso à sua mãe e onde.
E não se podendo julgar comprovada essa proibição, fica igualmente por demonstrar que a mesma seja contra a vontade da Beneficiária.
Donde, em síntese, entendemos, tal como se entendeu na sentença recorrida, que não há prova segura no sentido julgar comprovadas as afirmações contantes dos pontos 37 e 38 dos Factos Provados e que, nesse âmbito, haja qualquer erro de julgamento. Daí que não se altere o seu destino probatório
Esclarecido este aspeto, vejamos, agora, se há razões para a Requerida ser removida do cargo de acompanhante da Beneficiária e nomeada para as mesmas funções a Apelante.
O pedido para a dita remoção é baseado essencialmente em dois factos distintos: na alteração de residência da Beneficiária e na alegada administração ilegítima dos seus bens.
Quanto ao primeiro facto, o mesmo está demonstrado. Provou-se, efetivamente, que a Beneficiária residia naquela que foi sempre a sua casa de morada de família, isto é, na Rua ..., em ..., Gondomar e hoje já assim não sucede. Desde setembro de 2021, por decisão da Requerida, a Beneficiária passou a residir com a sua filha, EE, numa outra morada.
Poderia, assim, ser-se tentado a defender, como defende a Apelante, que sendo o direito de fixar residência um direito pessoal da Beneficiária (artigo 147.º, n.º 2, do Código Civil), que não lhe foi judicialmente retirado ou limitado, e vivendo a mesma naquela que foi sempre a sua casa de morada de família, com as suas duas filhas - Requerentes deste incidente -, que dela cuidavam e tratavam em todos os aspetos, a Requerida teria excedido os seus poderes, enquanto acompanhante, ao retirá-la daquela residência.
Mas, como veremos, não é assim.
Na verdade, a dita alteração de residência teve uma justificação que se deve ter por razoável. Como se provou, a Requerida decidiu alterar a residência da Beneficiária, sua mãe, “por força dos confrontos existentes entre as requerentes e os seus irmãos”. Não se tratou, assim, de uma atitude arbitrária e, menos ainda, injustificada. Pelo contrário, se tivermos em consideração tudo o já antes referido a propósito de tal conflitualidade, a idade da Beneficiária (nasceu no dia .../.../1940), o quadro demencial que a afeta e já afetava à data em que foi decidida a medida de acompanhamento a que está sujeita (cfr. sentença proferida no processo principal, no dia 11/03/2021) e ainda que não se provou ter decorrido da aludida alteração de residência nenhum agravamento desse quadro, só podemos concluir que a medida adotada pela Requerida não representa nenhuma infração aos deveres a que a mesma está sujeita.
Recorde-se, para melhor compreensão, que, nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do Código Civil, o acompanhante deve, no exercício das suas funções, privilegiar “o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada”. Isto é, deve exercer essas funções “com o sentido de diligência de uma pessoa prudente”[3], em função das circunstâncias concretas de cada caso. Isto, em ordem à consecução dos referidos objetivos.
Não pode, por isso, desviar-se desse padrão de comportamento. E se o fizer, ou seja, se, entre outros aspetos, faltar ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revelar inaptidão para o seu exercício, deve ser removido desse cargo (artigo 1948.º, al. a), “ex vi” artigo 152.º do Código Civil). Isto, bem entendido, pressupondo que o incumprimento daqueles deveres é significativo em razão dos objetivos a que os aludidos deveres se encontram subordinados; ou seja, a dignidade e o bem-estar do maior acompanhado[4], bem como, dentro dos possíveis, a sua recuperação para o pleno exercício de todos os seus deveres e o cumprimento dos seus deveres, no quadro normativo e real a que está sujeito. É o que se retira do prescrito no artigo 140.º, do Código Civil.
Ora, tendo presente este enquadramento e contexto factual apurado, cremos, como já adiantámos, que não se pode justificar a remoção da Requerida do cargo de acompanhante da Beneficiária, com a alteração de residência desta última. Por um lado, porque teve uma motivação pertinente, tendente à salvaguarda do bem-estar da Beneficiária, poupando-a aos efeitos nefastos dos confrontos entre alguns dos seus filhos. E, por outro lado, porque desta modificação, em si mesma, não se provou ter resultado algum agravamento do seu estado de saúde. Esse agravamento, de facto existiu, mas como se refere no relatório médico-legal datado de 12/04/2023, “poderá ser melhor explicado pela progressão natural e expectável dos quadros de demência de Alzheimer”.
Logo, não se pode apoiar nesta alteração a dita remoção, nem o regresso, para já, à anterior residência.
Resta a alegada administração ilegítima dos bens da Beneficiária. E ilegítima porque a Apelante considera que a Requerida/Acompanhante não tinha poderes para a Administração dos bens da Beneficiária, nos termos descritos nos pontos 16, 20, 21, 22, 23 e 32 a 34. Ou seja, no fundo, para gerir as contas bancárias e os pagamentos através delas realizados nos termos aí explicitados, bem como para celebrar e cumprir a transação judicial aí referenciada.
Será assim?
Vejamos:
Nos termos do artigo 145.º, n.º 4, do Código Civil, em caso de representação legal, como sucedeu no caso presente, deve seguir-se o regime da tutela, com as necessárias adaptações. Isto é, com exceção de algumas restrições e modificações legalmente contempladas, o acompanhante, tal como o tutor, tem os mesmos direitos e obrigações dos pais em relação aos seus filhos menores (artigo 1935.º, do Código Civil). Ou, dito por outras palavras, os poderes do acompanhante, tal como os do tutor, “tomam como modelo os poderes representativos associados a responsabilidades parentais (artigo 1935º), com reduções de âmbito (artigos 1936º e 1937º) e ampliação do elenco dos atos dependentes de autorização judicial (artigo 1938º)”[5]. Significa isto que, salvo disposição da lei em contrário, o acompanhante tem poderes de mera administração ordinária dos bens do acompanhado[6], com ressalva naturalmente, para os atos de gestão da vida corrente que, tal como o menor, o acompanhado também preserva, a menos que disso tenha sido judicialmente inibido (artigos 127.º, n.º 1, al. b), e 147.º, n.º 1, do Código Civil).
Ora, tendo isso presente e sabendo nós que, por regra, os atos de mera administração ordinária, são aqueles “que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património do administrado”[7], o que verificamos, na situação em análise, é que não está demonstrada a prática pela Requerida de atos que possam desencadear esses resultados na esfera jurídica e patrimonial da Beneficiária.
Na verdade, se é certo que a Requerida tomou algumas decisões em termos de gestão da atividade bancária dos interesses da Beneficiária, já não há qualquer indício de que as operações concretamente realizadas possam molestar gravemente esses interesses. Seja porque, por exemplo, se ignora qual o destino dado ao produto obtido com algumas das transferências realizadas - que não pode presumir-se de ilícito e, ao invés, pode até ter sido benéfico para aqueles interesses (basta pensar no resgate ou numa transferência bancária para aplicação num produto de maior valia) -, seja porque, por outro lado, o cancelamento de débitos diretos antes ordenados também não representa, em si mesmo, nenhum prejuízo para os mesmos interesses. Isto, naturalmente, sem prejuízo de ulteriormente se vir a demonstrar o contrário ou de ser exigida a prestação de contas, no sentido de conferir a regularidade de todos estes atos. Mas, tal como nos aparecem nos factos provados, repetimos, não é possível configurar, a partir deles, nenhum indicador no sentido de os situar fora dos poderes de administração da Requerida.
E o mesmo se diga do acordo celebrado no âmbito da ação judicial mencionada no ponto 32. Tal acordo, com efeito, como nos dá conta o ponto seguinte (33), foi subscrito por todas as partes nessa ação, sendo certo que nela eram demandados não só a Beneficiária e a Requerida, como, entre outros, as próprias Requerentes deste incidente. Assim, essa celebração, em si mesma, não traduz, necessariamente, nenhum prejuízo para a Beneficiária. Tal como não o traduz apenas a forma como foi assumido o pagamento da dívida aí indicada. Basta pensar na hipótese de se tratar de uma dívida da inteira responsabilidade da Beneficiária para que se conclua que não é possível formular esse juízo. Ou seja, em síntese, sem outros dados, também neste caso não é possível concluir que a atuação da Requerida se situou à margem dos seus poderes representativos e de gestão da esfera patrimonial da Acompanhada. Donde, a sentença recorrida só pode ser confirmada, já que improcedem as razões esgrimidas neste recurso.
*
III- Dispositivo
Assim, pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente este recurso e confirmar a sentença recorrida.
*
- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pela Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porto, 16/1/2023
João Diogo Rodrigues
Rodrigues Pires
Anabela Miranda
_______________
[1] Na sentença recorrida consta 11/03/2023, mas, como resulta do processo principal, trata-se de manifesto lapso de escrita, quanto ao ano.
[2] Na motivação do recurso, a Apelante insurge-se ainda contra o facto de na sentença não se ter levado em consideração a informação prestada pela Requerida, no sentido de que alegadamente suprimiu a toma de rivastigmina que a Beneficiária estaria a tomar (facto que confessa não ter alegado, oportunamente), mas não retira daquela pretensa omissão nenhuma consequência processual, designadamente, peticionando (nas conclusões) a integração de qualquer outra afirmação no quadro dos factos provados. Como tal, não se mostrando sequer cumprido o disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC, não se analisará essa temática, nesta sede.
[3] Carlos Ferreira de Almeida, Capacidade e incapacidades contratuais dos maiores acompanhados, Revista de Direito Comercial, de 02/05/2020, pág. 1071, consultável em www.revistadedireitocomercial.com.
No mesmo sentido, Mafalda Miranda Barbosa, Maiores Acompanhados, Gestlegal, pág. 61.
[4] Neste sentido, Ac. STJ de 11/02/2021, Processo n.º 76/15.6T8ALJ.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Carlos Ferreira de Almeida, ob cit., pág. 1068.
[6] Não confundir com a administração de bens prevista no artigo 145.º, n.º 2, al. c), do Código Civil, que se aplica apenas quando essa medida tenha sido expressamente adotada, sendo que, nesse caso, se aplica, com as necessárias adaptações, o regime da administração de bens dos menores, previsto nos artigos 1967.º e segts do Código Civil, como o determina o n.º 5, daquele artigo 145.º.
O regime de administração de bens de menores, por sua vez, é instituído nas situações previstas no artigo 1922.º, do Código Civil.
[7] Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Coimbra, 1987, pág. 61.