Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
264/12.7TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
CONSTRUÇÃO CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
MORA DO CREDOR
Nº do Documento: RP20140527264/12.7TBVLG.P1
Data do Acordão: 05/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.
II - A actividade de construção civil não tem na maior parte das situações carácter perigoso.
III - Deve, porém, ser havida como actividade perigosa para os efeitos do art. 493º, nº 2 do Cód. Civil a obra de reparação de um edifício com a utilização de um andaime que se encontrava colocado no passeio, não estando o mesmo sinalizado com indicação de obras, nem vedado o respectivo espaço, o que origina para os transeuntes e para os veículos que estejam estacionados ou circulem junto ao local uma maior probabilidade de sofrerem danos, decorrentes, por exemplo, da eventual queda da sua estrutura ou da queda, também eventual, de materiais ou instrumentos de trabalho usados pelos respectivos trabalhadores.
IV - Nesta situação, o lesante só poderá exonerar-se da sua responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar os danos.
V - Se a ré seguradora não oferece na totalidade a prestação relativa à reparação da viatura, a que estava obrigada em virtude do contrato de seguro, o que não é aceite pelo autor, não ocorre mora do credor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 264/12.7 TBVLG.P1
Tribunal Judicial de Valongo – 1º Juízo
Apelação
Recorrente: B…
Recorridas: “C…, S.A.”; “D…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor B…, residente na …, n.º …, …, Valongo, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra os réus “D…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º .. a .., … e Companhia de Seguros C…, com sede na …, n.º .., Lisboa, pedindo a condenação solidária das réus: i) no pagamento da quantia de 8436,54€ pela privação do uso do veículo SC, que o autor terá de pagar à empresa E… pelo aluguer de uma viatura, referente ao período de 4.9.2009 a 4.12.2009; ii) no pagamento das quantias que se apurarem ser devidas à empresa E…, pelo processo que esta lhe moveu para cobrança de aluguer, a relegar para execução de sentença; iii) no pagamento da quantia de 9678,87€, referente ao período de 5.12.2009 a 6.04.2010, correspondente a 123 dias de privação do uso da sua viatura; iv) e a quantia de 1000,00€ a título de incómodos e transtornos sofridos.
Funda a sua pretensão alegando, em suma, que no dia 3.9.2009, cerca das 16h30m, o veículo de matrícula ..-..-SC, de que é proprietário, se encontrava estacionado na Rua …, na cidade de Valongo, sendo que, durante uma intervenção que a 1ª ré estava a realizar em obra, um andaime deslizou e caiu, juntamente com um trabalhador seu, atingindo a dita viatura, provocando-lhe diversos estragos na pintura, chapa, pára-brisas entre outros.
Imputa, assim, a responsabilidade pelo sinistro em causa à 1ª ré, que, assumindo o sinistro, informou que havia transferido para a 2ª ré a responsabilidade pelos danos decorrentes da sua actividade.
Mais alega que a 2ª ré apenas assumiu a responsabilidade pelo pagamento dos danos sofridos na viatura, importando o custo total em 1606,63€, tendo a 2ª ré exigido que o autor pagasse a totalidade da reparação, após lhe reembolsando o valor.
Uma vez que não dispunha de capacidade financeira para o efeito, solicitou à 2ª ré que procedesse ao pagamento junto da oficina, o que esta recusou, acabando o autor por ter que pedir o valor em causa emprestado, o que só conseguiu em Abril de 2010.
Alertou então as rés para o facto de não pode ficar privado da viatura, tendo sido obrigado a alugar uma em sua substituição. Ficou assim privado do seu veículo pelo período de 215 dias, não tendo conseguido pagar o valor em causa à empresa de aluguer, que, em consequência lhe moveu processo judicial tendo em vista a cobrança de tal valor.
Sofreu incómodos e transtornos, que lhe provocaram danos não patrimoniais que pretende ver igualmente ressarcidos.
Citadas, as rés contestaram.
A Companhia de Seguros, desde logo, invocando o pagamento dos danos emergentes do sinistro, aduzindo que o pagamento de 1088,03€ apenas ocorreu em 16.04.2010 por inércia do próprio autor, que apenas nessa data o solicitou.
Mais alega a exclusão da sua responsabilidade pela paralisação e desvalorização do veículo, conforme cláusula expressa do contrato de seguro nesse sentido, mais impugnando a versão trazida à petição inicial.
A 1ª ré, por sua vez, impugnando a matéria fáctica constante da petição inicial, alega que o veículo do autor se encontrava, à data do sinistro, estacionado em cima do passeio e em frente à referida obra, não tendo, para além disso, o autor comunicado à mesma qualquer necessidade de se locomover em viatura própria, tendo em conta que o contrato de seguro aqui em causa é um contrato de responsabilidade civil de exploração e não um contrato do ramo automóvel.
Dispensou-se a elaboração do despacho saneador, tendo-se verificado a validade e regularidade da instância.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais e foi fixada a matéria de facto por despacho de 27.5.2013.
Foi depois proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as rés dos pedidos formulados.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. A recorrente viu ser-lhe negada a indemnização pelos danos sofridos e provocados pela actuação das recorridas.
II. A decisão em causa não analisou nem os documentos, nem a prova testemunhal, em termos adequados e não os conjugou com a prova produzida possuindo deficiências ao nível da matéria de facto dada como provada e não provada.
III. Pretende-se, assim, a modificabilidade da decisão de facto, nos termos do artigo 662 do C.P.Civil, devendo a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, bem como a decisão de fundo, serem alteradas.
IV. Assim, considera-se incorrectamente provados os seguintes pontos:
- XIII) “Em 22/09/2009, a 2ª ré emitiu e disponibilizou ao autor o montante relativo ao IVA, no valor de €267,60, valor esse que o autor levantou em 4/10/2010.”
- XV) “O autor procedeu ao aluguer de uma viatura na empresa E…, em Valongo, em 4/09/2009, até 19/10/2009, de marca Renault, modelo .., cujo valor de diária importou em 78.69 euros, incluindo IVA, valor esse que a empresa de aluguer imputou ao autor.”
- XVIII) “Entre 19/10/2009 e 6/04/2010, o autor deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.”
- “O veículo do autor encontrava-se à data aludida em 2 e nas circunstâncias descritas, estacionado em cima do passeio e em frente à referida obra.”
V. Que estes pontos devem ser alterados para a seguinte redacção:
- XIII) “Em 22/09/2010, a 2ª ré emitiu e disponibilizou ao autor o montante relativo ao IVA, no valor de €267,60, valor esse que o autor levantou em 4/10/2010.”
- XV) “O autor procedeu ao aluguer de uma viatura na empresa E…, em Valongo, em 4/09/2009, até 04/12/2009, de marca Renault, modelo …, cujo valor de diária importou em 78.69 euros, incluindo IVA, valor esse que a empresa de aluguer imputou ao autor.”
- XVIII) “Entre 04/12/2009 e 6/04/2010, o autor deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.”
- VI) “O veículo do autor encontrava-se, à data aludida em 2 e nas circunstâncias descritas, estacionado no lugar de estacionamento existente em frente à referida obra.”
V. O tribunal a quo assentou a sua decisão de facto no facto de que a viatura do recorrente estava estacionada em cima do passeio e em frente à referida obra.
VI. Afastando por isso a responsabilidade da recorrida D… e por sua vez da seguradora.
VII. Bem como afasta a responsabilidade da seguradora porquanto as condições de seguro não cobrem a paralisação da viatura.
VIII. Ora, o recorrente não deve nem tem que pagar pelas falhas das recorridas, pois foram estas com os seus atrasos na resolução do sinistro quem causaram todo o problema, que não se teria verificado se desde o início tivessem pago à oficina ou disponibilizado uma viatura de substituição.
IX. O tribunal a quo credibilizou o depoimento da testemunha G…, quando todo o suporte documental o descredibiliza.
X. Relativamente à testemunha F…, o mesmo referiu que o valor da reparação poderia ser pago directamente à oficina, como o sempre pediu o recorrente e as boas práticas da actividade seguradora o permitem.
XI. Houve uma desvalorização da prova documental quanto à descrição do acidente.
XII. Os depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrente mostraram-se coerentes, coincidentes e credíveis, tendo todos declarado os danos sofridos com os atrasos na reparação da viatura e privação da mesma, danos esses causados pelas recorridas.
XIII. Pretende-se, assim, a modificabilidade da decisão de facto, nos termos do artigo 662 do C.P.Civil, e da decisão de fundo.
XIV. Bem como da matéria de direito, porquanto a recorrida D… não adoptou todas as providências ao seu alcance para evitar o acidente, devendo a mesma ser condenada por esse facto.
XVI. Devem as recorridas serem condenadas ao pagamento dos danos sofridos pelo recorrente.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene as recorridas no pagamento dos valores correspondentes aos prejuízos sofridos pelo recorrente.
A ré “C…, S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Uma vez que estamos perante decisão proferida em 23.9.2013 em processo que foi instaurado depois de 1.1.2008, é aplicável ao presente recurso o regime previsto no Novo Cód. do Proc. Civil.
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O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
IApurar se há que alterar a redacção dos nºs 6, 13, 15 e 18 da matéria de facto;
IIApurar se há que alterar a solução jurídica do pleito.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância:
1. O autor é dono do veículo de marca Opel … com a matrícula ..-..-SC.
2. No dia 3 de Setembro de 2009, cerca das 16h30m, o referido veículo encontrava-se estacionado na Rua …, em Valongo.
3. A 1ª ré encontrava-se a realizar obras de construção civil (restauração de edifícios) num prédio sito na Rua …, em Valongo, perto do local onde se encontrava estacionada a viatura do autor.
4. O local onde decorria a reparação do edifício não se encontrava sinalizado com indicação de obras, nem estava vedado.
5. Durante a intervenção que a 1ª ré estava a realizar, no âmbito da obra descrita em 3., o andaime que estava a ser utilizado por esta deslizou e caiu juntamente com um seu trabalhador, atingindo a viatura do autor, provocando-lhe danos na pintura, chapa, para brisas e outros, danos esses que importavam o custo de €1606.63, com IVA incluído, para reparação.
6. O veículo do autor encontrava-se à data aludida em 2 e nas circunstâncias descritas, estacionado em cima do passeio e em frente à referida obra.
7. A 1ª ré havia celebrado com a 2ª ré um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil de exploração, com o plano de coberturas Construção Civil, com início em 10.12.2007, titulado pela apólice nº .. …….., nos termos da qual a 2ª ré assegurava a responsabilidade civil extracontratual da segurada decorrente do exercício da actividade expressa de construção e reparação de edifícios, “por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros por acidentes ocorridos exclusivamente no local indicado nas condições particulares como zona de obras e directamente relacionados com a actividade de construção e reparação de edifícios.
8. O capital seguro contratado foi de €250.000,00 por sinistro com uma franquia aplicável de 10% no mínimo de €250,00 por sinistro.
9. No contrato de seguro aludido consta sob a epígrafe Exclusões, que ficam excluídos para além do disposto nas Condições Gerais, os danos: al. c) Resultantes da paralisação e/ou desvalorização de veículos.
10. Em 4/09/2009, a 1ª ré participou à 2ª ré o sinistro descrito.
11. O autor apresentou à 2ª ré um orçamento para reparação da viatura, no valor de €1606.63, tendo sido realizada a peritagem em 16/09/2009, tendo a 2ª ré disponibilizado ao autor a quantia de €1088.03, correspondente ao valor de orçamento sem IVA, em 15/10/2009.
12. O autor procedeu ao levantamento junto da 2ª ré da quantia aludida em 11 em 29/04/2010.
13. Em 22/09/2009, a 2ª ré emitiu e disponibilizou ao autor o montante relativo ao IVA, no valor de €267,60, valor esse que o autor levantou em 4/10/2010.
14. A 1ª ré liquidou à ré [sic] o valor de €250,00 correspondente ao valor da franquia.
15. O autor procedeu ao aluguer de uma viatura na empresa E…, em Valongo, em 4/09/2009, até 19/10/2009, de marca Renault, modelo …, cujo valor de diária importou em 78.69 euros, incluindo IVA, valor esse que a empresa de aluguer imputou ao autor.
16. Não tendo o autor procedido ao pagamento do valor aludido em 15, a sociedade E… intentou contra o autor acção judicial exigindo o valor global de €8436.54, em 18/12/2010, incluindo juros e custas.
17. O autor[1] recebeu o seu veículo em 6/04/2010.
18. Entre 19/10/2009 e 6/04/2010, o autor deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.
19. O veículo Opel … do autor era um veículo em bom estado geral, sem qualquer sinistro anteriormente averbado e estimado pelo autor.
20. A 2ª ré procedeu ao pagamento aludido em 13 na data em causa após ter recebido a factura remetida pelo autor.
21. O autor alertou as RR. para o facto de necessitar da sua viatura para se deslocar para o seu local de trabalho e que tal era o seu único meio de transporte, designadamente para a vida diária.
22. As RR. recusaram entregar ao autor uma viatura de substituição.
23. O autor recusou efectuar o pagamento directo à oficina reparadora, uma vez que não dispunha de meios económicos para o efeito.
24. O autor sentiu transtornos e incómodos em virtude de não ter o seu veículo disponível.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – O autor/recorrente no seu recurso insurge-se contra a forma como foi fixada a matéria de facto pela 1ª Instância, discordando dos seus nºs 6, 13, 15 e 18, cuja redacção é a seguinte:
“6. O veículo do autor encontrava-se à data aludida em 2 e nas circunstâncias descritas, estacionado em cima do passeio e em frente à referida obra.
13. Em 22/09/2009, a 2ª ré emitiu e disponibilizou ao autor o montante relativo ao IVA, no valor de €267,60, valor esse que o autor levantou em 4/10/2010.
15. O autor procedeu ao aluguer de uma viatura na empresa E…, em Valongo, em 4/09/2009, até 19/10/2009, de marca Renault, modelo …, cujo valor de diária importou em 78.69 euros, incluindo IVA, valor esse que a empresa de aluguer imputou ao autor.
18. Entre 19/10/2009 e 6/04/2010, o autor deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.”
Em sua substituição propõe para estes números as seguintes redacções:
6. O veículo do autor encontrava-se, à data aludida em 2 e nas circunstâncias descritas, estacionado no lugar de estacionamento existente em frente à referida obra.
13. Em 22/09/2010, a 2ª ré emitiu e disponibilizou ao autor o montante relativo ao IVA, no valor de €267,60, valor esse que o autor levantou em 4/10/2010.
15. O autor procedeu ao aluguer de uma viatura na empresa E…, em Valongo, em 4/09/2009, até 04/12/2009, de marca Renault, modelo …, cujo valor de diária importou em 78.69 euros, incluindo IVA, valor esse que a empresa de aluguer imputou ao autor.
18. Entre 04/12/2009 e 6/04/2010, o autor deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.
Os meios probatórios que indica nesse sentido são os seguintes:
- Depoimento da testemunha G… (nº 6);
- Relatório da peritagem efectuada para a Companhia de Seguros C…, S.A. junto a fls. 140 e segs. e do qual constam diversas fotografias do local – fls. 157/8 (nº 6);
- Participação da ocorrência à PSP junta a fls. 14/5 (nº 6);
- Recibo de indemnização de fls. 21/22 (nº 13);
- Documentos de fls. 36 e 37 (nºs 15 e 18);
- Depoimento da testemunha H… (nºs 15 e 18).
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a) Relativamente ao nº 6 da matéria de facto procedemos à audição do depoimento que foi prestado pela testemunha G…, trolha, que trabalhava aquando dos factos para a “D…, Lda.”.
Disse que o acidente se deu depois de almoço e que estava no andaime quando ele caiu, tendo adiantado a seguir que o andaime se encontrava em cima do passeio, tinha 2 metros de altura e era daqueles que andam de um lado para o outro. O andaime caiu por cima de um carro que também estava no passeio. Acrescentou que é um passeio normal com 2 metros e que tem um avançado para a frente com mais 2 ou 3 metros. O passeio no sítio onde estava o carro devia ter aí 5 metros e era só esse carro que lá estava estacionado. Confrontado com as fotografias que se encontram juntas a fls. 157/8 reafirmou, sem dúvida nenhuma, que o carro estava estacionado em cima do passeio e não nos locais destinados ao estacionamento de veículos. Referiu também que se o carro estivesse nesses locais de estacionamento não teria sido afectado pela queda do andaime. Esclareceu que andava a trabalhar sozinho.
Esta testemunha, tal como salientou a Mmª Juíza “a quo”, foi coerente e credível, designadamente ao ser confrontada com as fotografias juntas aos autos, mostrando-se peremptória ao afirmar que o veículo sinistrado estava estacionado não num dos lugares de estacionamento aí existentes, mas sim em cima do passeio.
A autora/recorrente, pugnando pela alteração deste ponto factual no sentido de que o veículo estava devidamente estacionado em lugar aí existente para o efeito, aludiu ao relatório de peritagem efectuado para a seguradora e à participação da ocorrência à PSP.
Destes dois documentos, o que se alcança é que nenhum deles é preciso quanto ao local onde o veículo sinistrado estava estacionado. Na participação à PSP refere-se tão somente que “(…) um andaime caiu em cima da viatura de matrícula ..-..-SC (…), que ali se encontrava estacionada (…)”, sendo que o local era a Rua …. No relatório de peritagem escreve-se que “o presente (…) analisa a participação de danos num veículo automóvel que estava estacionado numa artéria do município de Valongo, mais propriamente na Rua …, gaveto com a Rua …, frente à I….”
Porém, nenhum desses dois documentos esclarece se o SC se encontrava estacionado em local devidamente assinalado para o efeito ou se, pelo contrário, estava em cima do passeio.
É, neste contexto, que o depoimento da testemunha G..., que se achava no local a trabalhar no andaime que caiu, se mostrou decisivo ao afirmar, de forma esclarecedora e firme, que o veículo estava estacionado em cima do passeio.
Ao que acresce a circunstância de que para alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto não basta uma simples divergência relativamente ao decidido, tornando-se imprescindível que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que se verificou um erro na apreciação do seu valor probatório.
Ora, como face ao exposto, não se mostra que tal erro de apreciação tenha ocorrido, há que manter o decidido pela 1ª Instância no nº 6 da matéria de facto no sentido de que o veículo estava estacionado em cima do passeio e em frente à obra.
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b) No que toca ao nº 13 da matéria de facto a pretensão da autora/recorrente será acolhida, uma vez que do recibo de indemnização passado pela ré “C…, S.A.”, no montante de 267,60€, junto a fls. 22, consta como data de emissão 22.9.2010.
Como tal, a sua redacção passará a ser a seguinte:
13. Em 22/09/2010, a 2ª ré emitiu e disponibilizou ao autor o montante relativo ao IVA, no valor de €267,60, valor esse que o autor levantou em 4/10/2010.”
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c) Quanto aos nºs 15 e 18 da matéria de facto resulta da factura constante de fls. 36, emitida por “E…, Lda.”, que a viatura aí referida esteve alugada pelo autor no período compreendido entre 4.9.2009 e 4.12.2009.
Por outro lado, a testemunha H…, cunhado do autor, cujo depoimento ouvimos, afirmou que este andou com um carro de aluguer à volta de três meses. Depois, emprestou-lhe um carro seu, em Dezembro, perto do Natal do ano de 2009, com o qual andou até Abril.
Deste modo, há que alterar os nºs 15 e 18 da matéria de facto no sentido pretendido pelo autor, passando a sua redacção a ser a seguinte:
15. O autor procedeu ao aluguer de uma viatura na empresa E…, em Valongo, em 4/09/2009, até 04/12/2009, de marca Renault, modelo …, cujo valor de diária importou em 78.69 euros, incluindo IVA, valor esse que a empresa de aluguer imputou ao autor.”
18. Entre 04/12/2009 e 6/04/2010, o autor deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.”
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II a). Na parte da fundamentação jurídica, a Mmª Juíza “a quo”, na sentença recorrida, escreveu o seguinte:
“Tendo em conta a matéria alegada pelas partes e bem assim a forma como a autora configura a relação material que constitui a causa de pedir nestes autos, poderia estar em causa a violação de normas de segurança da 1ª ré, que tinha sob a sua alçada o encargo de vigilância da obra que levava a cabo no imóvel descrito.
Nesta sede, preceitua o art. 493º/1 do Código Civil que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
Concluiu, pois, que sobre a 1ª ré recaía uma presunção de culpa, vindo, porém, a entender que esta presunção ficou afastada em virtude de o veículo do autor se encontrar estacionado em cima do passeio, em contravenção ao que lhe era imposto.
Da matéria fáctica dada como provada decorre que a 1ª ré “D…, Lda.” se encontrava a realizar obras de construção civil (restauração de edifícios) num prédio sito na Rua …, em Valongo, perto do local onde se encontrava estacionada a viatura do autor, utilizando para o efeito um andaime (cfr. nºs 3 e 5).
O local onde decorria a reparação do edifício não se encontrava sinalizado com indicação de obras, nem estava vedado (cfr. nº 4).
Preceitua o seguinte o art. 493º do Cód. Civil, que tem a epígrafe “danos causados por coisas, animais ou actividades”:
«1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»
No que tange ao nº 2, não se diz na lei o que se deve entender por actividade perigosa, tratando-se assim de matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias.[2]
Almeida Costa (in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., págs. 585/6) defende que a actividade perigosa deve tratar-se de actividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.
Por seu turno, Vaz Serra (in BMJ, nº 85, pág. 378) define actividades perigosas como as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades”.
O que determinará, assim, a qualificação de uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
Há assim que regressar ao caso concreto e, embora se admita que na maior parte das situações a actividade de construção civil não tem carácter perigoso[3], não é, a nosso ver, o que se verifica na presente situação.
Com efeito, a ré “C…, Lda.” estava a efectuar uma obra de reparação de um edifício na Rua …, em Valongo, utilizando para o efeito um andaime que se encontrava colocado no passeio, não estando o mesmo sinalizado com indicação de obras, nem vedado o respectivo espaço.
Ora, tal situação sempre origina para os transeuntes e para os veículos que estejam estacionados ou circulem junto ao local uma maior probabilidade de sofrerem danos, decorrentes, por exemplo, da eventual queda da sua estrutura ou da queda, também eventual, de materiais ou instrumentos de trabalho usados pelos respectivos trabalhadores.[4]
Deve, por isso, neste caso específico ser havida como actividade perigosa, pelo que, diversamente da 1ª Instância, consideramos ser aqui aplicável a disciplina do nº 2 – e não do nº 1 – do art. 493º do Cód. Civil.
Consagra-se neste preceito, tal como no seu nº 1 e também nos dois artigos anteriores, a inversão do ónus da prova ou seja a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa.
Assim, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar os danos. Afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.[5]
Acontece que da matéria fáctica dada como assente não resulta que a ré “C…, Lda.” tenha provado que tomou todas as precauções que eram exigidas pelas circunstâncias para evitar os danos. Aliás, bem diferentemente, o que dele flui é que o local onde decorria a reparação do edifício não se encontrava sinalizado com indicação de obras, nem estava vedado.
Neste contexto, ao invés do que foi entendido pela 1ª Instância, não se pode ter por afastada a presunção de culpa que incidia sobre a ré “C…, Lda.”. O ter-se provado que o veículo pertencente ao autor se encontrava estacionado em cima do passeio e em frente à obra, desrespeitando o disposto no art. 49º, nº 1, al. f) do Cód. da Estrada, não tem o efeito que lhe foi atribuído na sentença recorrida no sentido de elidir a referida presunção de culpa.
Para que tal se verificasse, e como já se referiu, era necessário que o lesante tivesse provado que tomou as precauções e os cuidados exigidos para obstar à verificação dos danos, o que não foi feito.
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b) Deste modo, assente que não foi afastada a presunção de culpa prevista no art. 493º, nº 2 do Cód. Civil, haverá então que indagar se se deve – ou não – atribuir a indemnização que é peticionada pelo autor.
A responsabilidade da ré “C…, S.A.” funda-se no contrato de seguro do ramo responsabilidade civil de exploração que celebrou com a ré “D…, Lda.”.
O contrato de seguro é aquele em que uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a segunda a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro).[6]
Não depende este contrato da observância de forma especial, mas tem que ser formalizado num instrumento escrito que se designa por apólice de seguro (arts. 32º e 37º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec. Lei nº 72/2008, de 16.4).
É assim regulado pelas condições gerais, especiais e particulares constantes da apólice e no que elas sejam omissas pelo disposto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro ou na, falta de previsão deste último, pela lei geral (cfr. arts. 11º e 4º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
O contrato de seguro celebrado entre a “D…, Lda.” e a “C…, S.A.” assegurava a responsabilidade civil extracontratual da segurada decorrente do exercício da actividade expressa de construção e reparação de edifícios, “por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros por acidentes ocorridos exclusivamente no local indicado nas condições particulares como zona de obras e directamente relacionados com a actividade de construção e reparação de edifícios.” (cfr. nº 7).
Com base nele, a ré “C…, S.A.” disponibilizou ao autor no dia 15.10.2009 a quantia correspondente ao valor do orçamento para a reparação da viatura, com dedução da franquia, mas nela não incluiu o IVA. O autor, contudo, só viria a proceder ao levantamento deste valor em 29.4.2010 (cfr. nºs 11, 12 e 14).
Sucede que as quantias cuja atribuição é reclamada nestes autos pelo autor estão todas elas relacionadas com a paralisação da viatura e, neste segmento, terá que se atentar no que resulta das condições particulares da apólice, onde sob a epígrafe “Exclusões”, no seu nº 1, al. c), consta que ficam excluídos, para além do disposto nas Condições Gerais, os danos “resultantes da paralisação e/ou desvalorização de veículos”.
Como tal, face ao teor desta cláusula, não poderemos responsabilizar a ré “C…, S.A.” pelos danos decorrentes da paralisação do veículo sinistrado, com fundamento no contrato de seguro celebrado com a ré “D…, Lda.”
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c) Porém, o que decorre da matéria fáctica dada como provada é que a seguradora, após a apresentação do orçamento por parte do autor e da realização da peritagem, disponibilizou ao autor, em 15.10.2009, o valor do orçamento, mas nele, algo surpreendentemente, não englobou o IVA, o qual sempre deverá ser considerado como parte integrante do preço do serviço.
Ou seja, a seguradora não ofereceu na totalidade a prestação a que estava obrigada em virtude do contrato de seguro, o que levou o autor a não proceder desde logo à reparação da sua viatura, até porque não dispunha de meios económicos para o efeito (cfr. nº 23)
Não ocorre, por isso, uma situação de mora do credor.
Sobre esta matéria dispõe o art. 813º do Cód. Civil que «o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.»
Resulta deste preceito que são necessários vários requisitos para que se verifique mora do credor por falta de aceitação da prestação.
Em primeiro lugar, é necessário que o credor não tenha motivo justificado para a não aceitar. Os motivos que justificam o não recebimento da prestação podem dizer respeito ao seu objecto ou à forma por que o devedor pretende cumprir a obrigação. Se o devedor, por exemplo, oferece uma parte da prestação, com violação do disposto no art. 763º do Cód. Civil [neste preceito estabelece-se que «a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos»]; se oferece a prestação no seu domicílio, quando a devia oferecer no domicílio do credor; se a oferece antes do vencimento e o prazo foi estabelecido em benefício do credor; se tratando-se de uma obrigação não fungível, o oferecimento é feito por terceiro, etc.
Em segundo lugar, a prestação deve ter sido oferecida ao credor nos termos legais.
Por fim, independentemente da oferta, o credor constitui-se em mora se não praticar os actos necessários ao cumprimento da obrigação. Esta modalidade não pode ter lugar em relação às obrigações de conteúdo negativo, porque nelas não é exigida a cooperação do credor, mas quanto às obrigações de conteúdo positivo, o credor sempre tem que cooperar, quando mais não seja para receber ou aceitar a prestação.[7]
Regressando ao caso concreto, o que se verifica é que o valor que foi oferecido pela ré “C…, S.A.”, face à não inclusão do IVA, não corresponde à totalidade do valor da reparação da viatura sinistrada.
Não se tratando de prestação que devesse ser realizada por partes, constata-se pois que o devedor não a ofereceu na íntegra ao credor, pelo que, não sendo possível concluir que a atitude assumida pelo autor não se tenha fundado em motivo justificado, não ocorre mora por parte deste.
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d) Já inversamente, a partir de 15.10.2009 – data em que a seguradora, concluindo o seu processo interno, disponibiliza ao autor apenas parte do valor correspondente à reparação da viatura sinistrada e não a sua totalidade - há mora por parte da ré “C…, S.A.”.
Neste domínio, terá então que se atentar no art. 806º do Cód. Civil, onde se estatui o seguinte:
«1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.»
Ora, há que aplicar ao caso “sub judice” a disciplina decorrente do nº 3 do art. 806º, uma vez que o autor, no período compreendido entre 15.10.2009 e a data em que recebeu o seu veículo – 6.4.2010 – recorreu até 4.12.2009 a uma viatura que alugou à firma “E…” e depois desta data deslocou-se em carros emprestados, em transportes públicos e a pé.
Assim, não por força do contrato de seguro, mas sim em virtude da situação de mora em que incorreu, a ré seguradora deverá indemnizar o autor.
Pretende o autor que essa indemnização, durante todo o período em que esteve privado do uso da sua viatura, seja fixada com referência ao valor de 78,69€ por dia, que corresponde ao preço diário do veículo de marca Renault … que alugou à empresa “E…” entre 4.9.2009 e 4.12.2009 – cfr. nº 15.
Entendemos, porém, que este valor diário se afigura excessivo, uma vez que o autor, que necessitava do veículo essencialmente para se deslocar para o seu local de trabalho (cfr. nº 21), poderia ter recorrido ao aluguer de um veículo de gama mais baixa, o que implicaria naturalmente um valor diário também mais reduzido.
As partes devem pautar sempre as suas condutas pela boa fé, de tal forma que se são excedidos os limites que por ela são impostos se poderá cair numa situação de exercício abusivo do direito (cfr. art. 334º do Cód. Civil).
O comportamento eticamente mais correcto levaria a que o autor, neste caso, tivesse procurado alugar um veículo automóvel, que satisfazendo as suas necessidades – as quais não são diferentes das comuns -, implicasse um dispêndio não tão elevado, o que, a nosso ver, não lhe teria sido difícil conseguir por uma importância na ordem dos 30,00€ diários.
Será pois esta a quantia que, em substituição dos 78,69€, tomaremos como referência para a fixação da indemnização a suportar pela ré “C…, S.A.” no que respeita ao período compreendido entre 15.10.2009 e 6.4.2010.
Ascenderá assim esta indemnização, que se reporta ao período compreendido entre 15.10.2009 e 6.4.2010, ao montante global de 5.220,00€ (174 dias x 30,00€ = 5.220,00€).[8]
Já no que toca ao período compreendido entre 4.9.2009 e 15.10.2009, relativamente ao qual não ocorre mora por parte da seguradora e esta beneficia da acima referida cláusula de exclusão, será a ré “D…, Lda.”que terá de suportar a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido pelo autor em virtude da não disponibilidade do seu veículo, situação que, como já se referiu, o levou a recorrer a uma viatura alugada.
Indemnização que, face ao que atrás se expendeu, ascenderá à quantia de 1.230,00€ [41 dias x 30,00€ = 1.230,00€].
Quanto à indemnização por danos não patrimoniais também reclamada pela autora, a mesma não será atribuída, uma vez que apenas se demonstrou que o autor sentiu transtornos e incómodos em virtude de não ter o seu veículo disponível (cfr. nº 24).
Ora, face ao que se preceitua no art. 496º, nº 1 do Cód. Civil, os simples incómodos e transtornos não são indemnizáveis, por se tratarem de danos que carecem de suficiente gravidade para merecerem a tutela do direito.[9]
Deste modo, assinalando-se ainda que nenhum fundamento se vislumbra para relegar para ulterior liquidação qualquer segmento indemnizatório, merecerá o recurso interposto pelo autor parcial procedência, sendo as rés “D…, Lda.” e “C…, S.A.” condenados no pagamento das importâncias, respectivamente, de 1.230,00€ e 5.220,00€, acrescidas de juros legais desde a citação e até integral pagamento.
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Sintetizando:
- O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.
- A actividade de construção civil não tem na maior parte das situações carácter perigoso.
- Deve, porém, ser havida como actividade perigosa para os efeitos do art. 493º, nº 2 do Cód. Civil a obra de reparação de um edifício com a utilização de um andaime que se encontrava colocado no passeio, não estando o mesmo sinalizado com indicação de obras, nem vedado o respectivo espaço, o que origina para os transeuntes e para os veículos que estejam estacionados ou circulem junto ao local uma maior probabilidade de sofrerem danos, decorrentes, por exemplo, da eventual queda da sua estrutura ou da queda, também eventual, de materiais ou instrumentos de trabalho usados pelos respectivos trabalhadores.
- Nesta situação, o lesante só poderá exonerar-se da sua responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar os danos.
- Se a ré seguradora não oferece na totalidade a prestação relativa à reparação da viatura, a que estava obrigada em virtude do contrato de seguro, o que não é aceite pelo autor, não ocorre mora do credor.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo autor B… e, em consequência:
a) Condena-se a ré “D…, Lda.” a pagar ao autor a importância de 1.230,00€ (mil duzentos e trinta euros), acrescida de juros contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
b) Condena-se a ré “C…, S.A.” a pagar ao autor a importância de 5.220,00€ (cinco mil duzentos e vinte euros), acrescida de juros contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Custas a cargo do autor e das rés, na proporção do decaimento.

Porto, 27.5.2014
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
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[1] Corrigiu-se aqui manifesto lapso cometido na sentença recorrida, substituindo-se a palavra “veículo” pela palavra “autor”.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol, I, 4ª ed., pág. 495.
[3] Cfr. Ac. STJ de 27.1.2004, p. 03A3883, Ac. STJ de 12.5.2005, p. 05A830, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Cfr., por ex., o Ac. Rel. Lisboa de 2.7.1998, CJ, ano XXIII, tomo IV, pág. 88, onde se considerou que as obras de construção civil que interfiram com o tráfego rodoviário constituem uma actividade perigosa, sendo de aplicar a regra do art. 493º, nº 2 do Cód. Civil.
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 496.
[6] Cfr. José Engrácia Antunes, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2009, págs. 683/4.
[7] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 86/7.
[8] Relativamente a esta indemnização, não haverá lugar à dedução de qualquer franquia – 10% no mínimo de 250,00€ por sinistro –, para além da já aplicada quanto à verba relativa à reparação do veículo, uma vez que a mesma é atribuída não com fundamento na cobertura resultante do contrato de seguro, mas sim com base na mora da seguradora.
[9] Cfr., por ex., Ac. Rel. Coimbra de 7.12.1999, BMJ, nº 492, pág. 494 e Ac. Rel. Porto de 8.7.2002, CJ, ano XXVII, tomo IV, pág. 168.