Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
169/23.6T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
VENDA JUDICIAL
TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RP20250128169/23.6T8PRD.P1
Data do Acordão: 01/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O agente de execução está sujeito a um estatuto deontológico e disciplinar próprio (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro) e a sua eventual responsabilidade civil decorrente do exercício das suas funções no âmbito da venda em processo de execução é uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos definidos pelos artigos 483º e ss do Código Civil.
II - Não é ilícita, mas justificada, quer em face do princípio da instrumentalidade da venda judicial, quer dos direitos conflituantes que se apresentam, a conduta da agente de execução que, em face da informação que lhe é prestada pelo executado de ter sido paga a quantia exequenda, não emite de imediato o título de transmissão de propriedade do imóvel na venda em leilão eletrónico, apesar de se encontrar já depositado o preço da venda, permitindo dessa forma a formalização no processo executivo das desistências dos credores e a consequente extinção da execução, disso informando o proponente.
III - Havendo colisão de direitos entre o direito ao lucro da sociedade adquirente e o direito constitucional à habitação do executado, o primeiro deverá ceder nos termos do art. 335º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 169/23.6T8PRD.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 2

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Artur Dionísio Oliveira

Ramos Lopes

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

A autora “A..., Ldª.”, pessoa coletiva nº ...54, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., veio propor acção declarativa de condenação com a forma de processo comum contra a ré AA, agente de execução, portadora da cédula profissional nº ...52, com domicílio profissional na Rua ..., ... ... – Lousada, pedindo que seja a presente acção julgada procedente, por provada, e consequentemente a ré condenada:

a). a pagar à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 6.254,70, acrescida do valor de € 1,62, referente à diferença entre o que foi depositado pela Autora, à ordem da A.E., a título de pagamento do preço de aquisição da fração referida em 4.º da petição inicial e o que lhe foi efetivamente devolvido pela Ré em face da decisão de extinção da instância executiva por desistência dos credores.

b). Ser a Ré condenada em custas e demais encargos com o processo.

Porquanto, a Autora é uma sociedade imobiliária que tem por objeto social a compra e venda de imóveis e, por sua vez, a Ré exerce a atividade de Agente de Execução e, nessa qualidade, foi nomeada no processo executivo nº. ..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Lousada – Juízo de Execução – Juiz 2, onde, para além do mais, foi penhorada aos executados, BB e CC, a fração autónoma de tipologia T4, destinada à habitação, designada por fração “A”, sita no rés-do-chão direito, com arrumo na cave designado por “arrumo 1”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Rua ..., ..., na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ...67/20041216-A… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...61, com o valor patrimonial de € 86.145,29 euros.

Sequencialmente à referida penhora, foi ordenada no processo a venda da referida fração autónoma penhorada, tendo a mesma sido colocada à venda em leilão eletrónico, onde a Autora viria a apresentar, em 15.03.2022 uma proposta de compra daquela pelo valor de € 125.093,95, a qual, por ter sido a proposta de valor mais elevado, foi por aquela adquirida, tendo sido emitida pela Ré à Autora, em 11 de maio de 2022, a respetiva certidão para efeito de pagamento de impostos.

E no dia seguinte, em 12.05.2022, as guias para pagamento pela Autora do valor da aquisição, conforme cópia da referida certidão e guias para pagamento do preço que, ora, se juntam e consideram por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. Docs. 1, 2 e 3.

Em 13.05.2022, a Autora procedeu ao pagamento integral do preço da aquisição da fração, bem como, à respetiva liquidação dos impostos, conforme as guias e respetivos comprovativos de pagamento juntos e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais – docs. nºs 4 a 10. Facto de que deu conhecimento à Ré, através de e-mail, mais solicitando a emissão do título (original) e que lhe fossem entregues as chaves do imóvel, conforme documento nº 11 junto e que se considera por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Todavia, a Ré, não só, não emitiu o solicitado título de adjudicação em nome da Autora, como também, em 23 de junho de 2022, mais de um mês sobre a data do depósito integral do preço, notificou a Autora para proceder em 10 dias à indicação do IBAN para que lhe fosse efetuada a devolução da quantia referente ao referido depósito do preço com o fundamento que a execução iria ser extinta pela desistência do pedido dos credores, conforme doc. nº 12, que, ora se junta e considera por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Ora, a Autora que já havia pago o preço em 13.05.2022, assim como, os impostos relativos à compra que fez em Leilão da identificada fração autónoma, encontrando-se apenas a aguardar o cumprimento pela Ré do disposto no artigo 827.º do C.P.C., por isso, ficou estupefacta com o teor da notificação e não a aceitando, pediu ao seu mandatário que enviasse à Ré, o e-mail datado de 1 de julho de 2022, junto e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, Doc. 13.

Alega a autora que a Ré ao não ter emitido o título de adjudicação, nos 10 dias, subsequentes ao depósito do preço, optando antes por aguardar pela desistência da execução de todos os credores dos executados, não foi diligente e prudente no exercício das suas funções de Agente de Execução, tendo com tal conduta provocado prejuízos sérios para a autora, concluindo pela inexistência de qualquer justificação para a omissão verificada na emissão do título de adjudicação à Autora, sustenta que a conduta da Ré foi negligente e violadora do disposto no artigo 827º do Código de Processo Civil e lhe trouxe prejuízos graves para a Autora, nomeadamente, os decorrentes da frustração da expectativa de negócio; os resultantes da privação do capital relativo ao preço da aquisição que pagou e do pagamento dos impostos suportados e prejuízos decorrentes dos incómodos e transtornos que a situação relatada nos presentes autos lhe causou, mormente, os relativos às deslocações e ao tempo perdido junto de solicitadores e repartição de finanças no sentido de solicitar a devolução das quantias pagas a titulo de impostos.

A conduta da Ré levou a que, a Autora visse frustradas as suas expectativas de realização de negócio futuro sobre a fração que pensava ter adquirido legitimamente em leilão eletrónico, e que previa revender num curto período de tempo com um lucro nunca inferior a 10% sobre o valor do preço de aquisição.

Assim como, privou a Autora no período de tempo, de 13.05.2022 a 10.12.2022, de investir o referido montante de €125.095,57 noutros negócios e/ou de receber dividendos e juros bancários desse capital.

Além de que, a falta de adjudicação da fração à Autora, também lhe provocou prejuízos decorrentes do atraso na devolução dos impostos que teve de suportar em virtude da aquisição que fez da fração.

Haverá pois, a Autora ter de ser indemnizada pela Ré dos prejuízos sofridos, indemnização essa que, deverá ser quantificada e atribuída nos termos previstos pelo artigo 843º., nº. 2 do CPC, aplicável aos casos de remissão e extensível aos preferentes no caso de depósito da totalidade do preço da venda, o qual, haverá de ser também extensível ao caso em apreço por analogia.

A Ré regularmente citada deduziu contestação, tendo, no essencial, impugnado o alegado pela autora designadamente que a sua conduta tivesse sido negligente na tramitação do processo executivo, quando não emitiu em prazo razoável o título de adjudicação e o alegado prejuízo que daí adveio pelo período decorrido entre o pagamento do preço e a sua devolução.

Porquanto, entende que quanto à emissão do título, a lei não determina o prazo para a emissão do título, alegando ser este um conceito subjetivo, que deverá ser atendido em conformidade com o caso concreto. E, por outro lado, entende que a autora também não fundamenta porque entende que a emissão do título deve ocorrer no prazo razoável de 10 dias.

Por outro lado, quanto à alegada conduta negligente, a ré discorda, referindo que tramitou o processo com celeridade cumprindo todos os prazos e aguardando o contraditório dos demais sujeitos processuais. Sustentando que a ré, na qualidade de agente de execução, não podia emitir um título sobre pressão, com a informação prestada pelo executado e da qual deu conhecimento à autora, e sem que os prazos em curso estivessem cumpridos para satisfazer os interesses da autora.

Quanto às chaves manteve que não podia entregar aquilo que não tinha na sua posse.

Conclui, pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé designadamente por alegar que a ré teve uma conduta negligente na tramitação do processo executivo e que a mesma não emitiu o título em prazo razoável, bem como teve prejuízo no período que mediou o depósito do preço e a devolução do mesmo. Defendendo que a autora está a litigar de má-fé, uma vez que está a alterar a verdade dos factos, omitindo factos e, tentando obter um lucro, que bem sabe não lhe é devido, nem legítimo.

E, por isso, requer a condenação da autora como litigante de má-fé no pagamento de uma multa e numa indemnização a pagar à ré a qual deverá consistir no reembolso das despesas que a má-fé do litigante o tenha obrigado a despender, incluindo os honorários do seu mandatário, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação da autora como litigante de má-fé, nos termos que aqui se dão por reproduzidos.

Feito o saneamento do processo e realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Em conformidade com o acima exposto, julgo totalmente procedente, por provada a presente acção e, por consequência, condeno a ré AA, na qualidade de agente de execução, a pagar à autora, a quantia de € 6.254,70, por corresponder à compensação de 5% da totalidade do valor do preço da proposta depositada pela aquisição do imóvel penhorado no âmbito da execução comum nº. ..., nos termos do previsto no artigo 843º., nº.2 do CPC, acrescido do valor € 1,62, resultante da diferença do valor depositado para o valor restituído.

Custas a cargo da Ré, (artigo 527º., nºs. 1 e 2 do CPC).”

Inconformada a Ré AA, veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“I-A decisão não corresponde, em sede de matéria de facto, ao resultado de uma análise criteriosa, da prova produzida pelo que, a recorrente nos termos do artigo 640º nº 1 e 2 impugna a matéria de facto, cujas contradições entre factos provados e não provados e decisão, impõe que seja decretada a nulidade de sentença, na medida em que a sentença seguiu um caminho diverso daquele que apontavam os resultados da prova.

II. O facto dado como provado em 5, de acordo com o facto também dado como provado em 25, e de acordo com a prova produzida, a testemunha DD, ouvida na audiência de 17/02/2024, das 00:04:31 às 00:05:05:09 constante do ficheiro de Diligência_169-23.6T8PRD_2024-02-27_14-03-55, e de acordo com as declarações da Ré AA, ouvida na audiência do dia 27/02/2024, das 00:21:15 às 00:21:57 constante no ficheiro de Diligência _169-23.6T8PRD_2024-02-27_14-52-22, impõe que o facto 5, deva ter a seguinte redação:

5.Em 13/05/2022, a Autora ordenou o pagamento integral do preço de aquisição da fração bem como a respetiva liquidação dos impostos, tendo, porém, tal quantia entrado no sistema GPESE a 16/05/2022, ficando a aguardar a emissão do titulo de adjudicação.

E o facto 25 eliminado.

III. O facto dado como provado em 13, e de acordo com o prescrito na Portaria 282/2013 de 29.08, artigo 52º nº 5, assim como dos documentos 2, 3 e 4 da petição inicial e os documentos 12 e 13 da contestação, prova documental não tida em conta pelo tribunal “a quo”.

Assim, o facto dado como provado em 13 deveria ter a seguinte redação:

13. A Devolução pelo valor global de € 125.093,95 veio a ser efetuada pela Ré em 10.10.2022, tendo a Autora recebido a menos 1,2€ de forma justificada, pelos encargos bancários com as transações.

IV. O facto dado como provado em 14, e de acordo com o facto dado como provado em 9, constata-se a mesma factualidade, lapso de tempo entre a disponibilidade da quantia paga e o pedido de desistência do credor ISS, IP, pelo que o facto 14 deverá ser alterado e ter a seguinte redação:

14. “No e-mail de 12 de julho de 2022, a Ré informou a Autora que o primeiro requerimento de desistência do pedido foi efetuado pelo credor “ISS IP” em 01 de junho de 2022, decorridos 15 dias após o pagamento do preço pela Autora”.

V. O facto dado como provado em 16, e considerando também os factos provados em 25, 7, 12, 35, 36, 37, sintetizando os mesmos, ficou provado que, o depósito do preço foi considerado em 16/05/2022, ficou provado que, em 23/06/2022 a Ré notificou a Autora para indicar o IBAN em 10 dias, ficou provado que, em 20/09/2022 a Autora indicou à Ré o IBAN, ficou provado que, a funcionária da Ré no dia 27/09/2022 solicitou ao tribunal que inserisse o IBAN, ficou provado que, no dia 07/10/2022, a funcionária da Ré informou o mandatário da proponente que o IBAN já estava inserido, porém não estava a ser possível criar os IUPS tendo reportado a situação ao tribunal, que informou que estavam a existir vários constrangimentos, ficou provado que em 10.10.2022 foi possível a devolução.

VI. A Autora ficou privada do uso do montante no período de tempo de 16/05/2022 a 10/10/2022, porém nada mais ficou provado, nomeadamente que deixou de receber dividendos e juros bancários desse capital, ou de investir em outros negócios, vejamos as declarações do representante legal da Autora, EE, ouvido na audiência do dia 16/01/2024, das 00:27:57 às 00:58:25 constante no ficheiro de Diligência _169-23.6T8PRD_2024-01-16_10-08-02.

O mesmo nas suas declarações, não logrou provar em que imóveis deixou de investir, e que prejuízos teve.

A Ré, quando no dia 15/05/2022, recebe telefonicamente uma informação por parte do executado, a informar que já tem na sua posse as certidões de não dívida, e que não existe qualquer divida, é seu dever apurar a veracidade de tal informação.

No caso em concreto a Ré comunicou ao Autor tal facto, onde informou que a ser verdade, não poderia emitir o título de transmissão, pois estava em causa a casa de morada dos executados e dois filhos menores.

A Ré não poderia emitir apressadamente o título em dez dias (10) conforme defendido, aliás tal prazo nem está legalmente previsto.

A Ré quando foi avisada pelo executado, que não existia dívida, o que efetivamente se veio a confirmar, por parte do credor Segurança Social, IP, ao desistir do processo.

Convém frisar que o período de tempo que mediou entre a confirmação do depósito do preço (16/05/2022) e a desistência do processo por parte do credor Segurança Social IP, através de requerimento remetido aos autos de execução (01/06/2022) decorreram 15 dias.

Por todo o exposto, e pelas declarações prestadas pelo representante da Autora, quer ao seu mandatário quer ao tribunal, só podemos concluir que não existe dolo ou negligência por parte da Ré.

E a mesma não deu causa a eventuais prejuízos.

Nem a Autora provou qualquer prejuízo, nem reclamou qualquer prejuízo junto da Ré

O facto 16 não deveria ter sido dado como provado.

Assim deveria ter a seguinte redação:

16. A Autora no período de tempo de 16/05/2022 a 10/10/2022 ficou privada de movimentar o valor de 125.095,57€.

VII. O facto provado em 17, diz o seguinte: “A falta de adjudicação da fração á autora também lhe provocou prejuízos decorrentes do atraso na devolução de impostos que teve de suportar em virtude da aquisição que fez da fração”.

Vejamos as declarações do representante legal da Autora, EE, ouvido na audiência do dia 16/01/2024, das 00:41:03 às 00:42:11 constante no ficheiro de Diligência _169-23.6T8PRD_2024-01-16_10-08-02.

O valor pago a título de impostos foram 1.000,75€ (mil euros e setenta e cinco cêntimos), tal valor no ano de 2022 não teria gerado qualquer montante a título de juros, pois em 2022 a taxa de juro era de 0 (zero euros).

Nem o representante legal da autora, declarou qual o período de tempo que ficou privado da devolução, que investimento teria feito com este valor e, qual o prejuízo causado.

Logo o facto 17 não deveria ter sido dado como provado.

O facto 17, deve ser eliminado dos factos dados como provados.

VIII. O facto 17 foi dado como não provado.

Vejamos novamente as declarações do representante legal da Autora, EE, ouvido na audiência do dia 16/01/2024, das 00:56:05 às 00:58:25 constante no ficheiro de Diligência _169-23.6T8PRD_2024-01-16_10-08-02.

Face às declarações do representante legal da autora o mesmo, não concretiza em que negócios deixou de investir, qual o imóvel que deixou de licitar e, qual o prejuízo.

O facto 17 deveria ter a seguinte redação:

17. A autora não concretizou em que negócios, deixou de investir, qual o imóvel que não pode licitar e qual o prejuízo.

IX. O facto 29 foi dado como não provado.

De acordo com as declarações da Ré, AA, ouvida na audiência do dia 27/02/2024, das 00:.16:00 até 00:16.41 constante no ficheiro de Diligência _169-23.6T8PRD_2024-02-27_14-52-22.

E de acordo com o facto 24 dado como provado, o facto 29 da contestação dado como não provado está em contradição direta com o facto 24, dos factos dados como provados, para uniformização da resposta à matéria de facto deve ser dado como provado com a seguinte redação:

29. Perante a informação prestada pelo executado, no dia 15.05.2022, a Ré teve o cuidado de informar a Autora, que a divida estaria paga, então o Autor, já conformado que o imóvel não lhe poderia ser adjudicado, perguntou se seria possível receber os 5% do valor do depósito.

X. O facto 48 da contestação foi dado como não provado.

Não se entende que o Tribunal “a quo” não considerasse provado este facto.

A sua prova decorre dos factos provados nºs, 7, 9, 12, 14, 18, 23, 24, 29, 31, 32, 33, e 35.

De tudo quanto ficou provado no presente processo, não existe dúvida que a Ré agiu de forma expedita, diligente e defensora dos direitos de cada interveniente processual, a Ré teve o cuidado de manter os sujeitos processuais informados, dando-lhes conta do estado do processo.

Em nenhum momento, pode ser imputada à Ré, qualquer facto que indicie mera negligência.

Pelo que, o facto 48 deveria ser dado integralmente como provado.

Porquanto, face aos esclarecimentos e argumentos aduzidos, bem como à prova produzida, cuja apreciação foi feita de forma uniforme e criteriosa deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada nos moldes supra expostos.

DO DIREITO

XI. Em sede de direito a solução imposta pela primeira instância, de modo algum corresponde à boa aplicação do direito.

Agente de execução é um interveniente processual que tem como funções o plasmado no artigo 719º do CPC, assim cabe ao Agente de Execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de base de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos

A figura do Agente de execução surge com a reforma de 2003, sendo este um profissional liberal independente sujeito a um regime específico, incompatibilidades e impedimentos, que em sede de processo executivo é chamado a colaborar com o tribunal na realização de todos os atos do mesmo que não sejam da atribuição do juiz do processo ou da secretaria (artigo 719 e 720º do CPC) como resulta amplamente enunciado em vários normativos legais, como por exemplo o artigo 816 do CPC.

Logo, apesar das alterações processuais que têm sido introduzidas que tem acentuado o processo de desjudicialização da ação executiva, no essencial, a atuação do agente de execução no âmbito do processo executivo fica submetido ao regime geral da responsabilidade civil extra contratual, regulada nos artigos 483 e seguintes do CC, desde que se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos legais, sem prejuízo dos pressupostos materiais ou substanciais dessa responsabilidade serem função do especifico contexto do próprio processo executivo, nomeadamente por se tratar de uma atividade regida pelas regras do contrato de prestação de serviços, ainda na respetiva execução devam ser observados maioritariamente regras de natureza pública (…)

Assim, ao nível da sua intervenção na ação executiva são atribuídas competências para a prática da generalidade dos atos executivos, prevendo-se a sua destituição, por decisão judicial, apenas e, tão só, nos casos de atuação doloso ou negligente para situações que configurassem violação grave de deveres estatutários (artigo 720 nº 4 do CPC) sem prejuízo de as consequências disciplinares serem do foro da respetiva câmara dos solicitadores.

Compete ao agente de execução a prática de quase a totalidade dos atos de execução com exceção dos materialmente jurisdicionais especificamente daqueles cuja competência é legalmente defira ao Juiz.

Daqui podemos concluir que o agente de execução coopera na administração da justiça cível, mantendo um grão de autonomia relativamente ao juiz, pese embora em simultâneo esteja na dependência do exequente porquanto, na maior parte das diligências para as quais dispõe de autonomia praticamente total - penhora, venda, arrecadação de dinheiro, pagamentos, notificações, etc.- inclusivamente fora dos limites da secretaria judicial nos respetivos domicílios profissionais.

XII. Prevê o artigo 843º do CPC que nos casos de vendas em proposta em carta fechada e, do proponente vencedor ter já depositado o preço global, se houver exercício do direito de remição, tem o remidor que depositar o preço, acrescido de 5% como compensação ao proponente.

XIII. Não estando prevista norma especifica para as outras modalidades de venda nas situações em que haja um remidor e um proponente deve ser feita interpretação extensiva da norma do artigo 843 do CPC, aplicando-se a todas as modalidades de venda.

XIV. Esta teoria baseia-se no elemento teleológico da interpretação, entendendo que o legislador não pretendeu extinguir estas situações nas diversas modalidades de venda.

XV. Na situação em apreciação não temos proponente e remidor.

XVI. Houve desistência do credor ISS, IP.

XVII. Está em causa o apuramento da responsabilidade da Agente de Execução, no exercício da sua função privatística.

XVIII. Não existe qualquer lacuna relativamente à responsabilização do Agente de Execução.

XIX. O Instituto da responsabilidade civil extracontratual é diretamente aplicável à situação em apreço.

XX. Pelo que, não há necessidade de integração de lacunas e criação de normas ah doc, violando diretamente o artigo 9º, 10º, e 11, do Código Civil.

XXI. A responsabilidade Civil Extracontratual prevista no artigo 483º do Código Civil exige a verificação de 5 requisitos cumulativos, Facto, Ilicitude, Culpa, dano e nexo de causalidade.

XXII. A atuação ou omissão da Agente de Execução na emissão de título translativo, além de não estar provada, não provocou qualquer dano concretizável ao proponente.

XXIII. A mera especulação sobre expetativa de negócio é insuficiente para prova do prejuízo.

XXIV .Não estando reunidos os cinco requisitos da responsabilidade civil extracontratual, por não se verificar, nenhum deles, nenhuma responsabilidade poderá ser atribuída à Agente de execução.

XXV. Razões pelas quais deve ser revogada a sentença proferida por estar em violação direta com os artigos 8º, 9º, 10º, 11º e artigo 483º todos do Código Civil e, violou ainda o disposto nos artigos 607º nº 4 e 5, 615 nº 1 al.c), 719º, 827º, 842º, 846º, 849º todos do Código de Processo Civil.

Substituindo-se por decisão que absolva a Ré.

XXVI. Decidindo de modo diferente o Tribunal “a quo”, violou o disposto nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º e artigo 483º todos do Código Civil e, violou o disposto nos artigos 607º nº 4 e 5, 615 nº 1 al.c), 719º, 827º, 842º, 846º, 849º todos do Código de Processo Civil.

Decidindo desta forma farão V. Exas. a costumada e ansiada justiça.”

A..., LDA. veio responder ao recurso, juntando contra-alegações, concluindo pela sua improcedência, desta forma:

“1. Vem o recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que julgou procedente a ação, fundamentado na nulidade da sentença, por contradição entre a decisão e os seus fundamentos!

2. Requer a recorrida a revogação da sentença a quo e sua substituição “… por decisão que absolva a Ré..”

3. Não se concebe da pertinência ou razoabilidade do presente recurso! É manifestação de um inconformismo infundado, que não encontra sustentação na prova produzida nos autos e é negado pela fundamentação fáctica e de Direito na sentença a quo!

4. De facto, a sentença sub judicie não merece qualquer reparo! É bem fundamentada e justa, pelo que a apelada/recorrida não só adere à sua fundamentação, como, com a devida vénia, a subscreve!

- DA NULIDADE DA SENTENÇA – (art. 615º, nº 1, al. c) do CPC)

5. É thema decidendum no presente recurso a apreciação da questão da nulidade da sentença a quo sob invocação de que “ Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ….” (artigo 615.º, nº 1, al. c) do CPCivil), porquanto os factos dados como provados e não provados “…colidem com a fundamentação da decisão.” Ora,

6. a impugnação da decisão proferida na resposta dada em 5, 10, 13, 14, 16 e 17, dos factos provados na sentença a quo e em 17, 29, 30 e 48 dos factos não provados no mesmo iudicatum, constitui fundamento de erro de julgamento – que in casu não se verifica - mas não da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil da sentença! Ademais,

7. Andou bem a Mma. Juiz a quo na fundamentação da sentença proferida, porque fruto de um raciocínio lógico, consistente, conforme aos fundamentos de facto e de Direito!

8. Nega-se a invocada contradição, entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, aliás, na senda do Ac. do STJ de 14-04-2021in www.dgsi.pt!

9. Impõe-se pela improcedência da arguida nulidade, pelo que, deve manter-se, a sentença a quo, nos precisos termos em que vem proferida!

10. Como também não padece a sentença a quo de erro de decisão sobre a matéria de facto e de Direito;

- DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO -

11. A matéria dada por provada e não provada, a qual não merece censura, conduziu e conduz, inelutavelmente, à decisão plasmada na sentença a quo, pelo que, nega-se perentoriamente, quer a alteração das respostas dadas, quer a conclusão pretendida pela apelante;

12. Os depoimentos transcritos não têm a virtualidade de servir à alteração da matéria de facto dada por provada e não provada nos autos, em nada abalam a resposta dada à matéria de facto, antes a confirmam.

13. Os trechos de qualquer dos depoimentos transcritos relevo algum trazem, ou são suscetíveis de produzir efeitos quanto ao dispositivo e fundamentação da sentença a quo! Não influem na decisão de fundo!

14. Nenhum dos trechos transcritos na apelação sub resposta nega a conclusão plasmada na sentença a quo de que a A., aqui apelada, “ … apresentou uma proposta uma proposta quanto ao bem imóvel penhorado no âmbito do processo de execução que correu termos como Proc. ..., que correu termos no Tribunal Judicial de Lousada, Juízo de Execução, J-2, tendo sido a proposta mais elevada e, por isso, foi aceite. E apesar de ter depositado o preço correspondente à aquisição, em 13.05.2022, na sequência da notificação que lhe foi feita pela agente de execução assim como os correspondentes impostos, nunca a A.E. emitiu o título de transmissão da adjudicação do aludido imóvel, tendo inclusivamente comunicado a extinção da execução, solicitando a indicação do IBAN para restituição do valor depositado do preço que finalmente e após as vicissitudes demonstradas veio a ocorrer em Outubro…” Logrou, a A., aqui apelada, “… demonstrar que no âmbito da sua regular atividade, a simples circunstância de ter ficado com o dinheiro empatado entre Maio a Outubro de 2022…” lhe causou “… o prejuízo evidente e objetivo decorrente da falta de disponibilidade dessa quantia.”

15. Nenhum dos trechos transcritos na apelação sub resposta nega a conclusão plasmada na sentença a quo de que a Ré aqui apelante, “ … não logrou afastar, nem justificar a obrigação que sobre si impendia que tinha que, por um lado, junto do processo o IBAN da autora para que a quantia depositada lhe fosse restituída, nem por outro lado, sendo a autora interveniente lhe fosse imputável um conduta diversa, tendo em conta a troca de e-mails verificada entre ambas desde a data da aceitação da proposta e a consequente emissão da certidão para pagamento dos impostos conforme ocorrido.

16. A recorrente não circunscreve, não aponta matéria de facto concreta, até porque não há, que sustente a tese que pretende vingar no recurso sub resposta e, por tal facto, nunca o mesmo poderá proceder! Outrossim,

17. não se vislumbra em que sentido a resposta dada à matéria de facto contradiz a fundamentação da sentença a quo ou como poderá servir à alteração do seu dispositivo!

18. Os factos dados por provados na sentença a quo sustentam a fundamentação e decisão, aí plasmadas!

19. Adere-se à fundamentação e conclusão factual da sentença a quo, porquanto sustentada e justificada na prova produzida!

20. Não merece a sentença em crise qualquer censura que abale o juízo de facto proferido e como bem se lê na sentença em crise: “A convicção do Tribunal quanto aos factos acima dados como provados e não provados resultou fundamentalmente da análise crítica da prova produzida conforme as regras da experiência comum e os juízos de normalidade quer dos documentos juntos maioritariamente proveniente do processo de execução comum nº. ... que correu termos no competente Juízo Central do Tribunal Judicial da Comarca de Porto-Este; a correspondência trocada entre as partes, por e-mail e por carta. Os factos elencados nos pontos 1 a 4 foram aceites pela ré. Os demais factos provados de 5 a 39 resultaram da articulação da referida prova documental com a demais prova produzida, designadamente, a prova por confissão, na modalidade de declarações de parte quer do legal representante da autora, quer da ré, na qualidade de Agente de Execução do supracitado processo executivo que foram complementados pelos depoimentos das testemunhas apresentadas, no caso concreto, ambas funcionárias das partes.”

21. Impõe-se, assim, manter a resposta dada à matéria de facto, nos seus precisos termos!

22. A sentença a quo fez uma correta interpretação da prova produzida nos autos e, ainda, dos factos dados por provados e não provados para concluir pela procedência da ação e, bem assim, aplicou o Direito, como nela se expressa e à qual, na íntegra se adere!

- DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO –

23. Impõe-se, por justiça e em nome da verdade, material, a confirmação da sentença em recurso, porque de vício algum padece!

24. O agente de execução enquanto agente da administração da justiça está como os demais agentes vinculado às regras do processo, mormente ao cumprimento de prazos.

25. O regime da ação executiva, mormente, a adjudicação, em tal sede, é regida pelo disposto no artigo 827º, do Código do Processo Civil, o qual, dispõe:“1 - Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.”

26. Provado nos autos o pagamento e satisfeitas as obrigações fiscais, mais não restava à apelante que emitir de imediato o título de transmissão/adjudicação, e, no limite máximo dentro do prazo supletivo dias previsto nas várias disposições do Código do Processo Civil, v.g. art. 49º (partes), 156º (magistrados), 162º e 171º (secretaria), artigo 8º nº 10 do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça (agentes de execução).

27. Diga- se ainda, que, defende-se no Ac. RE de 06/12/2018 in www.dgsi.pt que por efeito do nº. 1, do artº. 827º, do Cód. de Processo Civil, “a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional [arts. 408º, nº 1, 874º, e 879º, al. a), e 578º nº 1 todos do CC], mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução no caso de venda por propostas em carta fechada/venda em leilão eletrónico (no caso da venda por negociação particular com a outorga do instrumento da venda), para o que se torna necessário que se verifique mostrar-se paga a totalidade do preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão”.

28. Defende, ainda, Rui Pinto, in A Ação Executiva, AAFDL, 2019, pág. 927 que «A adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º nº 10 do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça.

Esse regime é o que se acha no artigo 827º e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário.

Deve, a este propósito, ser notado que o mesmo nº 10 estabelece um prazo de dez dias, contados da notificação da conclusão do leilão, para o agente de execução titular do processo dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente».(sublinhado nosso) Ora,

29. ocorrendo a adjudicação com a emissão do título de transmissão cabia à apelante a emissão do título de transmissão, no prazo, máximo de 10 (dez) dias, a contar do depósito do preço e cumprimento das obrigações fiscais! O que não ocorreu!

30. Frustrou-se a venda, por culpa única, exclusiva e imputável à apelante, pelo que bem andou a sentença a quo na atribuição da indemnização por recurso ao regime legal da venda em leilão eletrónico do art. 8, nº 10 do Despacho nº 10 do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça e artigo 827º do Código do Processo Civil e pela aplicação do regime previsto no art. 843º, nº 2 do Código do Processo Civil, no que concerne à indemnização arbitrada em sentença.

31. Adere a apelada, também, e no que a este aspeto concerne à sentença a quo e Ac. da RL de 26.10.2021 e demais jurisprudência nela mencionada, dando por reproduzida a fundamentação nela plasmada!

32. É míster, pois, concluir que recorrente impugna, assim, a sentença sub judicie de forma manifestamente infundada, pois que a mesma não padece do vício de nulidade e/ou de e erro na apreciação da prova e na aplicação direito – visando tão só o protelamento do trânsito em julgado, “dando, assim, azo a um desnecessário acréscimo de complexidade do recurso com o consequente desperdício dos meios alocados ao tribunal”.

33. Não merece a sentença em crise qualquer censura que abale o juízo de facto e de Direito proferido, pois que não abala qualquer dos preceitos legais invocados pela recorrente!

34. Impõe-se, por justiça e em nome da verdade, material, a confirmação da sentença em recurso, nos preciso termos em que vem proferida!

NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V.Exas., doutamente, suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado e, em consequência ser mantida a sentença sub recurso, nos precisos termos em que vem proferida.”

Admitido o recurso e colhidos os vistos, importa decidir.

II - OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões de recurso, são as seguintes:

- modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação.

- erro na aplicação do direito, por falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;

- (in)aplicabilidade do nº 3 do art. 843º do CPC.

III - IV-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO POR REAPRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA:

Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.

Tal como explica Abrantes Geraldes[1], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade

Mas se o Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPC, há porém que não olvidar os princípios da oralidade e da imediação.

Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa,[2] o que está em causa não é determinar se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, “sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se matéria considerada como um facto provado reflete, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.

Nos termos do preceituado no art. 607º n.º 5, do CPC, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Não obstante, a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão.

A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e percetibilidade e tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.

Daí que a jurisprudência[3] acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”.

Importará, por isso, aquilatar se as conclusões que foram retiradas a partir da prova que foi produzida e credibilizada pelo tribunal, não contende com as regras da experiência comum e da lógica.

Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela Apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza, como dissemos da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

Há ainda que atentar que, tal como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência, não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, nº 1, 137.º e 138.º, todos do C.P.C.).

Finalmente ainda, tendo em consideração os ónus decorrentes para aquele que impugna a matéria de facto do disposto no art. 640º do CPC, entendemos que a Apelantes cumpriu tal ónus, pelo que nada impede a reapreciação da matéria de facto.

Diremos desde já que, ouvida a prova gravada concatenada com a prova documental junta aos autos, maioritariamente proveniente do processo de execução comum nº. ... que correu termos no Juízo Central do Tribunal Judicial da Comarca de Porto-Este e a correspondência trocada entre as partes, por e-mail e por carta, entendemos que o juízo probatório que fazemos, em nada diverge do que se apresenta como essencial à convicção alcançada pela 1.ª instância, que consideramos solidamente motivada e que essencialmente assentou naquela prova documental.

Com efeito, nas declarações de parte do legal representante da autora EE o mesmo descreveu a forma como realizou a aquisição do imóvel penhorado, na plataforma de leilões (leilão eletrónico realizado no âmbito da execução comum nº. ..., em 15.03.2022, pelo valor proposto de € 125.093,95, e as diligências que a que procedeu tendo em vista o pagamento do preço após a notificação feita pela A.E, em 11.05.2022.

Quanto aos prejuízos que sofreu com a frustração do negócio disse apenas que teve que suportar custos que não estavam previstos, e que, com o capital empatado perderam outros negócios, sem concretizar quais.

Por sua vez a Ré AA, agente de execução que interveio nessa qualidade na identificada execução, relatou ao Tribunal a sua intervenção no processo executivo e na venda, enquanto agente de execução, dizendo que foi a sua funcionária DD quem maioritariamente tramitou o processo executivo

No depoimento que prestou, por sua vez, a testemunha DD, identificou o processo, a fase processual em que se encontrava e a forma como foram informadas que pelo executado que a dívida estava prescrita, tendo solicitado a paragem do processo de execução e informando o adquirente.

Referiu que o imóvel voltou novamente à venda judicial porque as custas do processo não haviam sido liquidadas.

A prova documental a que fizemos referencia (extraída da execução comum nº. ... e a correspondência trocada entre as partes relativa à venda), apresenta-se como a prova relevante para os factos essenciais em discussão nesta ação (quer os demonstrativos do direito da autora, quer os impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito), sendo que a prova testemunhal e bem assim os depoimentos das partes, limitaram-se a situar e a circunscrever os mesmos, inexistindo até divergências de relevo a apontar nos depoimentos prestados.

Dito isto, não colhe a impugnação que a Apelante faz neste recurso quanto à prova dos factos 5 (este suportado na prova documental constituída pelos documentos 4 a 10 da p.i, como aliás do mesmo consta) e do facto 25, assim como do facto 13 (facto assente nos docs. 18, 19 e 20 da p.i, como aliás do mesmo consta), uma vez que os mesmos decorrem dos documentos que os suportam.

A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes à reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sendo que a ora Apelante não procede a uma verdadeira impugnação dos factos que identifica, limitando-se a propor uma redação que entende mais conveniente, ou próxima da interpretação pessoal que dos mesmos faz.

Quanto aos factos relacionados com os prejuízos invocados pela A, - facto 16 e 17, o facto 16, considerando que a Autora é uma sociedade imobiliária que tem como objeto social a compra e venda de imóveis, recorrendo-se à regras da experiência e normalidade, deverá manter-se o decidido, visto que a indisponibilidade da quantia entregue para pagamento do imóvel, no período de 13.5.2022 a 10.10.2022, em que a mesma lhe foi devolvida, impediu-a de utilizar tal capital, no âmbito do seu negócio, o mesmo se dizendo quanto ao facto 17, reportado este às quantias que despendeu na aquisição referentes a pagamento de impostos.

Desta forma improcede a impugnação.

Defende ainda a Apelante que o facto 48 da contestação foi dado como não provado, ocorrendo erro, uma vez que a sua prova decorre da prova dos factos provados nºs, 7, 9, 12, 14, 18, 23, 24, 29, 31, 32, 33, e 35.

Ora, o artigo 48º da contestação não contem a alegação dum facto, mas duma mera conclusão da Ré, já que ali se diz que “Pelo supra exposto, não corresponde à verdade que a Ré tenha tido uma conduta negligente”, ficando pelo exposto prejudicada a sua pretensão.

O que se espera ver vertido no elenco dos factos relevantes são apenas factos concretos, e não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (art. 607.º, n.º 4, do CPCivil), pelo que, sem necessidade de outras considerações, não é de atender esta pretensão da Ré.

Finalmente na impugnação da matéria de facto que faz, a Apelante invoca ainda a existência de uma contradição direta entre os factos 29 da contestação que foi julgado não provado e o facto 24 dos factos provados, defendendo que “para uniformização da resposta à matéria de facto deve ser dado como provado aquele facto 29, com a seguinte redação: “Perante a informação prestada pelo executado, no dia 15.05.2022, a Ré teve o cuidado de informar a Autora, que a divida estaria paga, então o Autor, já conformado que o imóvel não lhe poderia ser adjudicado, perguntou se seria possível receber os 5% do valor do depósito.”

Inexiste qualquer contradição, sendo que no facto 29 é alegado mais do que aquilo que foi considerado provado pelo tribunal no facto 24, pelo que se indefere a impugnação.

A impugnação da matéria de facto feita pela Apelante terá assim que ser julgada improcedente.

Apenas se impõe a seguinte alteração no elenco dos factos provados, por se ter constatado, considerando a impugnação feita ao facto 14, que aquele reproduz a factualidade já constante do facto 9.

O facto 9 reproduz o teor do e.mail de 12 de Julho de 2022, estando conforme ao documento 14 da p.i. O facto 14, por sua vez, para além de repetir o qua já constava do facto 9, contem até uma imprecisão, já que diz “decorridos 19 dias após o pagamento do preço pela Autora”, quando no e-mail o seu subscritor refere que “decorreram apenas 15 dias”.

Desta forma, determina-se a eliminação do facto 14 dos factos provados, mantendo-se no demais a factualidade provada e não provada constante da sentença.

IV - FUNDAMENTAÇÃO:

Com interesse para a decisão foram provados os seguintes factos:

1). A Autora é uma sociedade imobiliária tendo por objeto social a compra e venda de imóveis.

2). A Ré, por sua vez, exerce a atividade de Agente de Execução e, nessa qualidade, foi nomeada no processo executivo nº. ..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Lousada – Juízo de Execução – Juiz 2, onde, para além do mais, foi penhorada aos executados, BB e CC, a fração autónoma de tipologia T4, destinada à habitação, designada por fração “A”, sita no rés-do-chão direito, com arrumo na cave designado por “arrumo 1”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Rua ..., ..., na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ...67/20041216-A ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...61, com o valor patrimonial de € 86.145,29.

3). Após, a penhora, foi ordenada no processo a venda da fração autónoma descrita em 2)., tendo a mesma sido colocada à venda em leilão eletrónico, onde a Autora viria a apresentar, em 15.03.2022 uma proposta de compra da fração pelo valor de € 125.093,95, a qual, após o encerramento do Leilão veio a verificar-se ser a de valor mais elevado.

4). Em 11 de maio de 2022, a Ré emitiu e remeteu à Autora a respetiva certidão para efeito de pagamento de impostos, e no dia seguinte, em 12.05.2022, as guias para pagamento pela Autora do valor da aquisição, conforme cópia da referida certidão e guias para pagamento do preço juntas e que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, Docs. 1, 2 e 3.

5). Em 13.05.2022, a Autora procedeu ao pagamento integral do preço da aquisição da fração, bem como, à respetiva liquidação dos impostos, ficando a aguardar a emissão do título de adjudicação, conforme guias e respetivos comprovativos de pagamento, que, ora, se juntam e consideram por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais – docs. nºs 4 a 10.

6). Tendo desse facto, dado conhecimento à Ré, através de e-mail, nessa mesma data, onde a Autora também solicitava à Ré a emissão do título (original) e que lhe fossem entregues as chaves do imóvel, conforme documento nº 11, que, ora, se junta e considera por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7). Em 23 de junho de 2022, a Ré notificou a Autora para proceder em 10 dias à indicação do IBAN para que lhe fosse efetuada a devolução da quantia referente ao referido depósito do preço com o fundamento que a execução iria ser extinta pela desistência do pedido dos credores, conforme doc. nº 12, que, ora se junta e considera por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

8). Na sequência do referido em 7), a pedido da autora o seu mandatário enviou à Ré, o e-mail datado de 1 de julho de 2022, solicitando que a Ré desse sem efeito a notificação de 23.06.2022 e mais uma vez, (insistia) na emissão do título de adjudicação da fração a seu favor, conforme documento nº. 13 junto e que se dá por integralmente reproduzido.

9). Em resposta, a Ré respondeu por e-mail enviado ao mandatário da Autora, datado de 12 de julho de 2022, cujo teor abaixo parcialmente se reproduz “Na sequência da Vossa notificação, cumpre-me informar o seguinte:

- O depósito do preço deu entrada no dia 16.05.2022;

- O credor “ISS, IP, requereu a desistência do pedido em 01-06-2022;

- O credor Ministério Publico, em 07-06-2022 requereu também a desistência da instância;

- Notificado o credor com garantia real “Banco 1..., SA,” em 07.06.2022, veio este em 23-06-2022 informar que não tinha interesse no prosseguimento da execução.

Só após esta última comunicação poderia a AE notificar o proponente das comunicações/decisões tomadas pelos credores.

Não pode a AE efetuar qualquer ato a partir do momento em que o exequente desiste da acção.

Relativamente ao lapso de tempo desde 16-05-2022 (depósito do preço) e 01-06-2022 (desistência do pedido), decorreram apenas 15 dias.

Pelo exposto reitero a notificação enviada, solicitado o envio do iban para a devolução da quantia depositadas

Com os melhores cumprimentos A Agente de Execução”, conforme doc. nº 14 junto e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10). Sem se conformar com as justificações dadas pela Ré no supra referido e-mail, a Autora, através do seu mandatário enviou-lhe no mesmo dia, transmitindo que as informações dadas mormente quanto à data do depósito do preço não eram rigorosas e não aceitaria a decisão, pois, a ré enquanto A.E. não tinha procedido à adjudicação da fração em tempo razoável e que isso lhe estava a provocar graves e sérios prejuízos, conforme o e-mail junto como documento nº. 15 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11). Após insistência do mandatário da Autora, a Ré veio em 19.09.2022, a dar resposta ao sobredito e-mail e informar que mantinha a decisão constante do seu e-mail datado de 12.07.2022.

12). Em 20.09.2022, a Autora indicou à Ré o IBAN, a fim de lhe ser devolvida por transferência bancária o valor do preço que havia depositado a solicitação da A.E., conforme decorre do documento nº. 17 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.

13). A devolução pelo valor global de € 125.093,95 veio a ser efetuada pela Ré, em 10-10-2022, tendo a Autora recebido a menos, de forma totalmente injustificada, o valor de € 1,62, conforme resulta do teor dos docs. 18, 19 e 20, que juntam e consideram por integralmente reproduzidos.

14) eliminado.

15) não existe

16). A Autora no período de tempo, de 13.05.2022 a 10.10.2022, ficou privada de investir o referido montante de € 125.095,57 noutros negócios e/ou de receber dividendos e juros bancários desse capital.

17). A falta de adjudicação da fração à Autora, também lhe provocou prejuízos decorrentes do atraso na devolução dos impostos que teve de suportar em virtude da aquisição que fez da fração.

18). A penhora incidiu sobre a casa de morada de família do executado e dos dois filhos menores de idade.

19). A Ré no exercício das suas funções de agente de execução em 03.05.2022, notificou as partes do processo de execução, da aceitação da proposta, sendo que o último prazo para apresentação das reclamações dos notificados terminava a 23.05.2022, conforme teor do documento nº. 3 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

20). Por e-mail, mesmo antes de receber a decisão da aceitação da proposta, a Autora solicitou à Ré que enviasse as guias para proceder aos pagamentos dos impostos e do valor da proposta, conforme teor do doc. 4 que se junta e se considera reproduzido.

21). Foi enviada toda a documentação no dia 12.05.2022, conforme docs 1, 2, 3, 4 e 6 juntos pela Autora com a petição inicial.

22). No dia 15 de maio de 2022, o executado ligou à Ré, a informar que a dívida à Segurança Social estava resolvida, aguardava somente a confirmação do advogado da segurança social.

23). A Ré informou o executado que só poderia suspender o processo quando os credores informassem do pagamento, informação que chegou no dia 30 via mail, conforme resulta do teor do doc.1 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.

24). No dia 15.05.2022 a Ré, informou Autora via telemóvel, que o Executado tinha ligado para o escritório a informar que já possuía em seu poder as certidões negativas de não dívida e, pediu para suspender o processo.

25). O depósito referido em 5) foi considerado a 16.05.2022, data que entrou no sistema GPESE.

26). No dia 30.05.2022, o executado informou a Ré via e-mail que a Segurança Social por despacho de 30.05.2022 declarou o processo prescrito, conforme teor do doc. 1 que se junta e se dá aqui por integralmente por reproduzido.

27). No dia 30.05.2022, chegou a confirmação por escrito, via e-mail, que a Segurança Social, dá como prescrita as dívidas do Executado, conforme resulta do teor do doc. 1 junto e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.

28). A informação da prescrição da dívida, foi confirmada pelo Instituto da Segurança Social. I.P, no dia 01.06.2022 ao requerer a extinção do processo de execução, conforme teor do doc. 2 e 4 que se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

29). No dia 03.06.2022, a Ré notificou via telemática e via e-mail o Ministério Púbico, a solicitar que informasse se era válido o requerimento apresentado aos autos pelo mandatário do executado, a informar que a dívida à Fazenda Nacional estava liquidada, conforme teor do doc. 5 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

30). No dia 07.06.2022, o Ministério Público veio informar que desistia do prosseguimento da execução e da cobrança., (doc. 6 que se junta e se considera reproduzido).

31). E, no mesmo dia, a Ré notificou o Credor Reclamante “Banco 1..., S.A.”, o qual tinha uma garantia real, se tinha interesse no prosseguimento da execução e que só veio informar os autos no dia 23.06.2022, que o crédito reclamado estava a ser cumprido e que não tinha interesse no prosseguimento da execução, conforme teor dos docs. nºs. 7 e 8 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

32). Neste mesmo dia 23.06.2022, a Ré notificou a Autora, que a execução iria ser extinta pela desistência dos credores e que deveria no prazo de 10 dias proceder à indicação do IBAN, para a devolução da quantia referente ao depósito do preço, conforme teor do doc. 12 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

33). No mesmo dia 23.06.2022 a Ré notificou o mandatário da Autora, a dar conhecimento dos autos, solicitando uma vez mais que enviasse o IBAN do seu cliente ao processo, uma vez que seria necessário a inserção no programa para que a Ré na qualidade de Agente de Execução, pudesse efetuar a devolução do preço depositado, conforme teor do doc. 14 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

34). O Mandatário da Autora, veio no dia 20.09.2022 enviar o IBAN por e-mail à Ré, conforme teor do doc. 17 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

35). No dia 27.09.2022, a funcionária da Ré, solicitou ao Tribunal que inserisse o IBAN do proponente no sistema para assim a Ré poder que efetuar a devolução do preço, conforme teor do doc. 9 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

36). No dia 07.10.2022 a funcionária da Ré, informou por e-mail o Mandatário do Proponente que o IBAN já estava inserido na plataforma, mas estava com dificuldades em criar os IPUS, tendo junto do Tribunal reportado tal situação, ao que lhe informaram, que estavam a existir vários constrangimentos, conforme teor do doc. 10 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

37). No dia 10.10.2022, foi possível efetuar as devoluções dos montantes depositados pela Autora, conforme teor dos docs. nºs. 18 e 19 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

38). No dia 11.10.2022, a funcionária da Ré enviou os comprovativos ao mandatário da Autora.

E foram julgados não provados os seguintes factos:

Todos os demais factos que se mostrem conclusivos, contrários aos supracitados, nomeadamente:

Da petição inicial: 32; 34; 35; 38;

33). Pelo que, em face da conduta negligente da R. na tramitação do processo executivo referido em 3.º supra, que não emitiu, como devia, em prazo razoável, o título de adjudicação da fração autónoma à A., após a liquidação por esta dos impostos e do pagamento integral do preço de aquisição, o que foi causa de prejuízos para a A., deverá a mesma ser condenada por analogia com o disposto no artigo 843.º nº 2 do C.P.C., a pagar-lhe a titulo de danos patrimoniais, a quantia correspondente a 5% do valor do deposito do preço.

Da contestação Ré: 4, 13; 15; 16; 17; 18; 19; 20; 21; 22; 23; 29; 30; 48 conclusivo; 49; 50; 52; 53; 54; 55; 56.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

A Autora, sociedade que tem por objeto social a compra e venda de imóveis, pretende através desta ação ser ressarcida dos danos que alega ter sofrido em consequência da atuação da Ré, a qual, na qualidade de agente de execução nomeada no processo executivo, nº. ..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Lousada – Juízo de Execução – Juiz 2, promoveu a venda, mediante leilão eletrónico, da fração autónoma de tipologia T4, destinada à habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Rua ..., ..., na freguesia e concelho ..., a qual foi penhorada aos executados, BB e CC e que constituía a casa de morada de família do executado e dos dois filhos menores de idade.

A Autora, tendo apresentado uma proposta de compra daquele imóvel, em 15.03.2022, pelo valor de € 125.093,95, viu tal proposta ser aceite, por ter sido a proposta de valor mais elevado.

Antes mesmo da proposta ter sido apresentada, a Autora pedira já à senhora agente de execução, certidão para liquidação dos impostos, pelo que, a Autora procedeu ao pagamento integral do preço da fração em 13.05.2022, procedido ao pagamento integral do preço da fração, bem como, à respetiva liquidação dos impostos devidos.

Alega a Autora que foi-lhe negado pela Ré a passagem do respetivo titulo de aquisição, frustrando dessa forma a compra e venda do imóvel, relativamente ao qual esperava obter lucros na ordem dos 10% sobre aquele valor.

Apesar da Ré ter procedido à devolução daquelas quantias, sofreu danos, que contabiliza em € 6.254,70, por tal indemnização dever ser quantificada e atribuída nos termos previstos pelo artigo 843º nº 2 do CPC, aplicável aos casos de remissão e extensível aos preferentes no caso de depósito da totalidade do preço da venda, o qual, haverá de ser também extensível ao caso em apreço por analogia.

Acresce o valor de € 1,62, que peticiona, referente à diferença entre o que foi depositado pela Autora, à ordem da A.E., a título de pagamento do preço de aquisição da fração e o que lhe foi efetivamente devolvido pela Ré em face da decisão de extinção da instância executiva por desistência dos credores.

Imputa a responsabilidade do ocorrido à Ré, em virtude daquela ter atuado com negligência, ultrapassando o prazo de 10 dias que dispunha para emitir o titulo de transmissão da venda do aludido imóvel, após ter sido demonstrado o pagamento.

Esta pretensão da Autora foi acolhida na sentença, a qual, julgou a ação totalmente procedente, tendo, em consequência condenado a ré, “na qualidade de agente de execução, a pagar à autora, a quantia de € 6.254,70, por corresponder à compensação de 5% da totalidade do valor do preço da proposta depositada pela aquisição do imóvel penhorado no âmbito da execução comum nº. ..., nos termos do previsto no artigo 843º., nº.2 do CPC, acrescido do valor € 1,62, resultante da diferença do valor depositado para o valor restituído.”

Discorda a Apelante desta decisão, alegando em suma que o Agente de execução é um interveniente processual que tem como funções o plasmado no artigo 719º do CPC, cabendo-lhe efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de base de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos, como resulta amplamente enunciado em vários normativos legais, como por exemplo o artigo 816 do CPC.

Se é certo que a sua atuação no âmbito do processo executivo fica submetido ao regime geral da responsabilidade civil extracontratual, regulada nos artigos 483º e seguintes do CC, na situação em apreço, afirma a apelante, não se mostram verificados os pressupostos de tal responsabilidade, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser atribuída à Agente de execução, na situação em apreço.

Defende ainda que o artigo 843º do CPC previsto para os casos de vendas em proposta em carta fechada e, do proponente vencedor ter já depositado o preço global, se houver exercício do direito de remição, tem o remidor que depositar o preço, acrescido de 5% como compensação ao proponente ser aplicável apenas nessa situação, por não estarem previstas normas especificas para as outras modalidades de venda nas situações em que haja um remidor e um proponente deve ser feita interpretação extensiva da norma do artigo 843 do CPC.

Vejamos se assim é.

Na sentença recorrida, foi imputada à Ré, na qualidade de agente de execução, uma atuação culposa, na forma de negligência, por não ter atuado com a diligencia devida na venda da fração autónoma de tipologia T4, destinada à habitação, designada por fração “A”, sita no rés-do-chão direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Rua ..., ..., na freguesia e concelho ..., no âmbito do leilão eletrónico que teve lugar no âmbito do processo executivo nº. ..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Lousada – Juízo de Execução – Juiz 2, por não ter emitido o título de transmissão do imóvel, apesar de ter sido depositada a totalidade do preço e comprovada a liquidação dos impostos devidos, pelo adquirente, cuja proposta fora por si aceite, o que lhe causou danos, que na sentença foram contabilizados em 5% do valor da venda, por aplicação analógica do artigo 843ºnº 2 do CPC (que prevê que o remidor pague ao proponente que vê frustrada a venda em consequência do exercício do direito de remição, uma indemnização correspondente a 5% do valor da venda).

Resulta do disposto no artigo 719º nº 1 CPC que “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.

Como referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo de Sousa,[4] com o nº 1 do art. 719º do CPC, ao estabelecer a repartição de competências entre o juiz, o agente de execução a secretaria, o legislador pretendeu afirmar de forma inequívoca que o principal órgão da execução é o agente de execução e que todos os outros intervenientes apenas dispõem das competências expressamente previstas na lei.

Cabe assim ao agente de execução, no âmbito das funções que lhe são cometidas no processo executivo, a prática duma multiplicidade de atos, cujo incumprimento o poderá fazer incorrer em responsabilidade, sendo que o próprio Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução exige aos agentes de execução, tendo em conta a natureza e o âmbito dos riscos inerentes a tal atividade, que os mesmos celebrem e mantenham um seguro de responsabilidade civil profissional (cfr. artigo 123.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução).

Daqui podemos concluir que o agente de execução coopera na administração da Justiça Cível, mantendo um grau de autonomia relativamente ao juiz, pese embora, em simultâneo esteja na dependência do exequente porquanto, na maior parte das diligências para as quais dispõe de autonomia praticamente total – penhora, venda, arrecadação de dinheiros, pagamentos, notificações, etc. – inclusivamente fora dos limites da secretaria judicial, nos respetivos domicílios profissionais.

O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar, devendo ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres estatutários, legais, regulamentares e que os usos, costumes e tradições profissionais lhe imponham, estando obrigado a pugnar pela boa aplicação do direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão (cfr. artigos 121.º 124.º e 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro).

Resulta ainda do disposto no artigo 119º do mesmo Estatuto, que os agentes de execução, “no exercício das suas funções, mantêm sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livres de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos seus colegas, ao tribunal, a exequentes, a executados, aos seus mandatários ou a terceiros”.

Desta forma, o agente de execução, caso atue dolosa ou negligentemente causando danos, incorrerá em responsabilidade civil, nos termos gerais, quando se encontrem preenchidos todos os requisitos do artigo 483.º do CC, cabendo ao lesado o ónus da aprova dos respetivos pressupostos, nos termos do art. 342º nº 1 do C.Civil.[5]

A responsabilidade que é imputada à Ré enquanto agente de execução, decorre das funções que exerceu no âmbito do leilão eletrónico que teve lugar no identificado processo executivo, pelo que mostra-se necessário revisitar as normas que regem tal venda.

Esta modalidade de venda judicial tem a sua disciplina jurídica repartida pelo artigo 837.º do CPC, pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis e pelo Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça que define a entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico e as regras de funcionamento da respetiva plataforma.

As regras gerais da venda em leilão eletrónico são definidas no art. 21º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.

A venda em leilão eletrónico está definida como uma modalidade de venda de bens penhorado realizada através da plataforma eletrónica acessível pela internet, tendo sido concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, conforme o previsto na Portaria 282/2013 e pelas regras que regulam a entidade gestora da plataforma (artigo 20º), caracterizada como sendo uma modalidade de venda regida por regras de transparência, segurança e de publicidade, por ser realizada numa plataforma gerida pela Câmara dos Solicitadores e sob a tutela do Ministério da Justiça.

O artigo 24º refere que, “o resultado do leilão é disponibilizado no sítio da Internet de acesso ao público a que se refere o n.º 1 do art. 21º”, e o art. 25º determina que, “à falta de pagamento do preço no prazo legal é aplicável o disposto no art. 825º do CPC, devendo as condições de pagamento ser definidas nas regras do sistema”.

Finalmente, no art. 26º da supracitada Portaria estipula competir “ao agente de execução a decisão de adjudicação dos bens” (n.º 1) e que “os direitos ou deveres legalmente previstos podem ser exercidos até ao momento da adjudicação” (n.º 2).

Uma vez terminado o leilão eletrónico e tendo sido apresentada licitação superior a 85% do valor base, o agente de execução deverá realizar, de imediato, as diligências necessárias a concretizar a adjudicação do bem ao melhor proponente.

O encerramento do leilão é validado eletronicamente pelo agente de execução que a ele presidiu, indicando o número da proposta de valor mais elevado e o respetivo valor (art. 8.º, n.º 8, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro) e o resultado do leilão eletrónico é disponibilizado no sítio da Internet de acesso público: www.e-leiloes.pt (art. 24.º, da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto).

Deverá então ser notificado o licitante da proposta mais elevada para depositar o preço oferecido, seguindo-se os termos previstos para a venda por proposta em carta fechada (art. 8 º n.º 10, do Despacho n.º 12624/15).

Estabelece esta norma, com o titulo “conclusão do leilão”, o seguinte:

- No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada.

O prazo de 10 dias, para a conclusão da venda, em leilão eletrónico, é um prazo meramente indicativo, através do qual se pretende conferir a necessária celeridade à conclusão do processo de venda em leilão eletrónico, atendendo aos interesses em jogo, o interesse particular do proponente de ver concretizado o negócio, o interesse público dos credores em processo executivo verem satisfeitos os seus créditos.

Isto posto, analisemos agora se pode a Ré ser responsabilizada pela não conclusão da venda, que prejudicou os interesses particulares do propoente, ao não emitir de forma imediata o título translativo da propriedade do imóvel vendido no leilão eletrónico, em face do depósito do preço da coisa vendida e da liquidação dos impostos devidos pela transmissão.

No domínio da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos são pressupostos, cumulativos, dessa responsabilidade, que impõe ao lesante a obrigação de indemnizar, a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, cabendo ao lesado o ónus da prova dos mesmos.

Não há dúvida que em face do pagamento do preço e da liquidação dos impostos o passo seguinte a praticar pela Ré, e que era da sua exclusiva competência, consistia na emissão do título de transmissão.

E não será demais salientar a relevância da prática deste ato, desde logo porque, na venda em execução, o efeito translativo do direito de propriedade só ocorre com a emissão pelo agente de execução do documento de transmissão do imóvel (art. 827º n.º 1 do CPC).

A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artº 879º als. a) a c) do Código Civil.

Mas, ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, ou seja, não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço, diferentemente sucede na venda executiva, porquanto nela os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão.[6]

A propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional (artºs 408º, nº 1, 874º, e 879º, al. a), e 578º nº 1 todos do Código Civil), mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução no caso de venda por propostas em carta fechada (no caso da venda por negociação particular com a outorga do instrumento da venda), para o que se torna necessário que se verifique mostrar-se paga a totalidade do preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão.[7]

Também Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo, afirmam a este propósito o seguinte[8]: “sendo a venda constituída por um conjunto encadeado de atos, um verdadeiro ato complexo de formação sucessiva (composto por atos preparatórios, como a avaliação dos bens penhorados, a publicitação da venda, o acesso aos bens penhorados por parte dos interessados na venda, entre outros; atos de transmissão propriamente ditos, como a abertura de propostas, a deliberação sobre as propostas apresentadas e aceitação da proposta vencedora; e, finalmente, atos de conclusão do procedimento em que a venda se traduz, como, por exemplo, o cumprimento de obrigações tributárias a que a transmissão dá lugar, emissão do título de transmissão e cancelamento dos registos dos direitos que caducam com a venda executiva), parece-nos defensável a solução de que a mesma só ocorre definitivamente quando se dá a emissão do título de transmissão”.

Haverá porém que salientar, que por se tratar de uma venda judicial, que apresenta particularidades em comparação com a venda voluntária de imóvel, o proponente que se apresenta a adquirir no âmbito da mesma, não pode ignorar tal circunstância, nomeadamente que o processo executivo prossegue interesses públicos e que a sua finalidade é a cobrança coerciva de um ou mais direitos do crédito, à custa da execução do património do devedor, extravasando assim o domínio da liberdade negocial, razão pela qual, venda judicial se encontra sujeita a apertados critérios legais (pretendendo a salvaguarda de direitos, como o direito de preferência - ver art. 823º do CPC e mecanismos de proteção dos direitos do executado, como o direito de remição, que permite que o património do executado se conserve na esfera patrimonial dos familiares – art. 843º do CPC, pelo que, ao contrário da compra e venda privada, que depende unicamente da vontade dos intervenientes no negócio, na venda executiva existe sempre um risco acrescido da venda poder não se vir a concretizar, por questões relacionadas com o processo judicial onde a mesma decorre.

Acresce a consagração expressa no âmbito do processo executivo do Princípio da Instrumentalidade da Venda no artigo 813º do CPC, que dispõe no seu nº1 que a requerimento do executado, a venda dos bens penhorados susta-se logo que o produto dos bens já vendidos seja suficiente para pagamento das despesas de execução, do crédito do exequente e dos credores com garantia real sobre os bens vendidos.

Tudo ponderado, analisemos a situação concreta em apreço.

Quiçá ciente do risco que acabamos de referir, a proponente, aqui apelada, imprimiu ela própria celeridade à venda, uma vez que se constata que procedeu ao depósito do preço do imóvel, em 13.5.2022, (tendo solicitado a documentação necessária para tanto à ré, que prontamente lha forneceu), antes mesmos da sua proposta ter sido aceite, o que ocorreu a 15.5.2022.

Se a apelada pode agir de acordo com os seus legítimos interesses particulares, acelerando a concretização da compra, não pode é, a nosso ver pressionar o agente de execução a atuar em idêntico ritmo, uma vez que, como já vimos, aquele, por força do seu Estatuto profissional está obrigado a, no exercício das suas funções, manter sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar a quem quer que seja, tal como decorre do art. 119º do seu Estatuto.

Em primeiro lugar há que atentar que a venda se frustrou, não porque a agente de execução se tenha recusado injustificadamente a emitir o título de transmissão, mas porque, uma vez depositado o preço, o processo ainda não reunia as necessárias condições para tal, o que se confirmou umas semanas mais tarde, pois a execução veio entretanto a ser julgada extinta por desistência dos credores, que entretanto foram pagos das respetivas quantias em execução.

A causa direta da não concretização da venda foi a extinção da execução – pelo pagamento da quantia exequenda entretanto ocorrido - e não qualquer ato ou omissão da ré.

Haverá não obstante que analisar se poderá ser imputada alguma atuação ilícita culposa ou negligente, à agente de execução, no período que decorreu entre o depósito do preço do imóvel, que ficou disponível no dia 16.5.2023 e a data da extinção da execução.

A nosso ver, a resposta é claramente negativa, encontrando-se a atuação da senhora agente de execução justificada em face das circunstâncias com que se deparou, naquele ínterim, as quais justificavam especiais cautelas impeditivas dum “apressada” emissão do título pretendida pelo proponente, até porque estava em causa a venda da casa de morada de família do executado.

Com efeito, provou-se que a ré notificou as partes na execução da aceitação da proposta apresentada pelo adquirente e ficou a aguardar o prazo de eventuais reclamações, o qual terminava a 23.5.2022.

No dia 15 de maio de 2022, (antes de se encontrar disponibilizada no sistema o preço depositado pela apelada) o executado ligou à Ré, a informar que a dívida à Segurança Social estava resolvida, aguardava somente a confirmação do advogado da segurança social.

A ré não podia ignorar que o imóvel que estava à venda constituía a casa de morada de família do executado, o que lhe impunha desde logo especiais cautelas.

A Ré informou o executado que só poderia suspender o processo quando os credores informassem do pagamento, informação que chegou no dia 30 via mail.

No dia 15.05.2022 a Ré, informou Autora via telemóvel, que o Executado tinha ligado para o escritório a informar que já possuía em seu poder as certidões negativas de não dívida e, pediu para suspender o processo, alertando-o dessa forma para a possibilidade da venda se não vir a concretizar.

E no dia 30.05.2022, o executado informou a Ré via e-mail que a Segurança Social por despacho de 30.05.2022 declarou o processo prescrito, conforme teor do doc. 1 que se junta e se dá aqui por integralmente por reproduzido.

No dia 30.05.2022, chegou a confirmação por escrito, via e-mail, que a Segurança Social, dá como prescrita as dívidas do Executado.

A informação da prescrição da dívida, foi confirmada pelo Instituto da Segurança Social. I.P, no dia 01.06.2022 ao requerer a extinção do processo de execução.

Repare-se que da data em que a quantia depositada ficou disponível – 16.5.2022 (cfr. facto supra 25) - até à data em que é apresentado o requerimento no processo a requerer a extinção da execução – 1.6.2022 - decorreram apenas 15 dias.

No dia 03.06.2022, a Ré notificou via telemática e via e-mail o Ministério Púbico, a solicitar que informasse se era válido o requerimento apresentado aos autos pelo mandatário do executado, a informar que a dívida à Fazenda Nacional estava liquidada, conforme teor do doc. 5 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

No dia 07.06.2022, o Ministério Público veio informar que desistia do prosseguimento da execução e da cobrança., (doc. 6 que se junta e se considera reproduzido).

E, no mesmo dia, a Ré notificou o Credor Reclamante “Banco 1..., S.A.”, o qual tinha uma garantia real, se tinha interesse no prosseguimento da execução e que só veio informar os autos no dia 23.06.2022, que o crédito reclamado estava a ser cumprido e que não tinha interesse no prosseguimento da execução.

Neste mesmo dia 23.06.2022, a Ré notificou a Autora, que a execução iria ser extinta pela desistência dos credores e que deveria no prazo de 10 dias proceder à indicação do IBAN, para a devolução da quantia referente ao depósito do preço, conforme teor do doc. 12 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

No mesmo dia 23.06.2022 a Ré notificou o mandatário da Autora, a dar conhecimento dos autos, solicitando uma vez mais que enviasse o IBAN do seu cliente ao processo, uma vez que seria necessário a inserção no programa para que a Ré na qualidade de Agente de Execução, pudesse efetuar a devolução do preço depositado, conforme teor do doc. 14 junto e que se dá por integralmente por reproduzido.

Todos os credores – Segurança Social, Ministério Público e Banco 1..., vieram ao processo comunicar que as respetivas dívidas estavam liquidadas.

O ultimo credor fê-lo em 23.6.2022, tendo nesse mesmo dia a Ré notificado a Autora que a execução iria ser extinta por desistência dos credores.

O retardamento da emissão do título de transmissão da propriedade, face à informação prestada ao agente de execução pelo executado, que se concretizou passados 15 dias, considerando-se ainda que estava em causa a venda da casa de morada de família do executado, mostra-se a nosso ver cabalmente justificado, quer em face do carater instrumental da venda (cfr. art. 813º do CPC), quer em face dos direitos que se apresentavam em colisão – direito ao lucro da autora e direito à habitação do executado, direito este com garantia constitucional – art. 65º da CRP, que por isso deveria prevalecer, nos termos do disposto no art. 335º do C.Civil, caso deixasse de (a breve trecho) subsistir a dívida exequenda.

Da factualidade ora reproduzida resulta a nosso ver que inexistiu qualquer negligência na atuação da senhora agente de execução, nem qualquer ilicitude, sendo que a não emissão imediata do título de transmissão, mostra-se justificada em face das aludidas circunstâncias.

A Ré, a nosso ver atuou de acordo com a situação processual que surgiu e foi de molde a evitar um mal maior que se adivinhava, que era a perda da casa de morada de família, quando nenhuma dívida exequenda o justificava já.

Acresce que a senhora agente de execução diligentemente foi informando o adquirente da situação.

Não se descortina assim qualquer atuação ilícita por parte da ré, impondo-se por isso a sua absolvição do pedido.

Também não se descortina qualquer falta de diligência da Apelante na devolução da quantia depositada, porque resulta da factualidade provada que apesar da devolução só ter ocorrido em 10.10.2022, tal não ocorreu por culpa da ré, que foi solicita e diligente, tenho solicitado o NIB da Autora para o efeito, logo no dia 23.6.2022 para proceder à devolução daquela quantia, sendo que a apelada só procedeu a tal indicação três meses depois, no dia 20.9.2022, sendo que o tempo decorrido até à concreta devolução, considerando o valor elevado da quantia e demora usual dos bancos neste tipo de transação, não se mostra excessivo.

Apenas terá que manter-se a condenação da ré no pagamento da quantia de 1,62€, por se ter provado que na devolução ao adquirente da quantia depositada relativa ao preço do imóvel, ficou por restituir tal valor.

Concluindo, por um lado a Apelada não podia desconhecer as especificidades de que reveste a venda judicial e o eventual risco da sua não concretização, por outro lado, a senhora agente de execução atuou em conformidade com a deontologia profissional e das normas processuais, em face das circunstâncias concretas com que se deparou, pelo que não reconhecemos qualquer ilicitude na atuação da mesma, impondo-se a sua absolvição.

A frustração da venda não se deveu à atuação da apelante, mas à extinção da execução.

Ficam desta forma prejudicado o conhecimento das demais questões recursivas suscitadas.

VI - DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso procedente, absolvendo-se a ré do pedido contra si peticionado, mantendo-se apenas a sentença quanto à obrigação de restituição da quantia de 1, 62 euros (um euro e sessenta e dois cêntimos).

Custas pela Apelada.

Porto, 28 de janeiro de 2025.

Alexandra Pelayo

Artur Dionísio Oliveira

João Ramos Lopes

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[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277.
[2] In “Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, pág. 312)
[3] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por Henriques Gaspar no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt
[4] In A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 3ª Edição, pg. 216.
[5] A propósito da natureza da responsabilidade do agente de execução, ver entre outros, os Acórdãos do STJ de 11.4.2013 e Ac. Rel. de Lisboa, de 16.11.2017, ambos disponíveis  in www.dgsi.pt
[6] Vera acórdão desta Relação de 20.11.2014, proferido no P 810/09.3TBBGC-B.P1 e disponível no sítio citado.
[7] Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª ed., pág. 371
[8] In A Ação Executiva, anotada e comentada”, ob cit, pg. 541..