Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00031341 | ||
| Relator: | BAIÃO PAPÃO | ||
| Descritores: | INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO CONTUMÁCIA SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA EFICÁCIA ALTERAÇÃO FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200101240010845 | ||
| Data do Acordão: | 01/24/2001 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Tribunal Recorrido: | 1 J CR STA MARIA FEIRA | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 154/91-2S | ||
| Data Dec. Recorrida: | 04/04/2000 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL. DIR PROC PENAL. | ||
| Legislação Nacional: | CPP87 ART336. CPP98 ART445 N3. CP82 ART119 N1. L 43/86 DE 1986/09/26 ART1 ART2 N59 N62. | ||
| Jurisprudência Nacional: | AC STJ N10/00 IN DR IS-A 2000/11/10. | ||
| Sumário: | I - No domínio da vigência do Código Penal de 1982 (versão originária) a declaração de contumácia que veio a ser formulada no Código de Processo Penal de 1987 não constitui causa de interrupção ou suspensão do procedimento criminal. II - Não é de acolher a jurisprudência do Acórdão n.10/00, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da Republica I Série-A de 10 de Novembro de 2000, por ter resultado de uma interpretação que imprime ao artigo 336 do Código de Processo Penal de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei de Autorização Legislativa n.43/86, de 26 de Setembro. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Relação do Porto: Nos autos de processo comum nº .../96 do 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Santa Maria da Feira, estando o arguido José... acusado de autoria material de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo art. 24 nºs 1 e 2, al.c) do Dec. 13004 de 12/1/27, na redacção introduzida pelo art. 5 do Dec-Lei 400/82 de 23/9, acusação que foi recebida – tendo sido designada data para o julgamento -, e tendo sido o arguido declarado contumaz por despacho de 20/9/91, o M.º Juiz de Direito, em 4/4/2000, julgou extinto, por prescrição o procedimento criminal, nos termos do art. 117 nº 1, al.b) do C.Penal de 1982, isto porque o cheque foi emitido e entregue em 28/2/90, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos e não ocorreu qualquer causa de interrupção ou de suspensão desse prazo à luz do regime penal coetâneo da conduta. Desta decisão interpôs o Ministério Público o recurso em presença, em cuja motivação formulou as seguintes conclusões:- 1. O art. 119 nº 1 do Código Penal/82 prevê que além das causas de suspensão da prescrição aí indicadas, podem existir outras especialmente previstas na lei, não referindo a declaração de contumácia porquanto à data da sua elaboração esse instituto ainda não existia; 2. O C.P.Penal de 1987 veio consagrar no art. 336 nº 1 que a declaração de contumácia suspende os ulteriores do processo, o que se trata de um impedimento legal ao exercício do procedimento criminal; 3. Ou seja, o Cod.Proc.Penal de 1987 aditou uma causa de suspensão da prescrição às já referidas no C.Penal de 1982; 4. A revisão do Código Penal de 1995 veio consagrar a declaração de contumácia como causa suspensiva da prescrição, não porque isso já não sucedesse por força do exposto nas anteriores conclusões, mas sim porque aquela declaração passou também a ser consagrada como causa interruptiva e era necessário rebater a corrente jurisprudencial que se vinha formando em sentido oposto e que de outro modo sairia reforçada; 5. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre a introdução pela revisão de 95 do Código Penal de uma nova causa de suspensão da prescrição se aplicaria de imediato às situações anteriores, desde que ainda não tenha decorrido o prazo prescricional fixado na lei antiga; 6. Tal sucede porque, determinando a lei antiga que no prazo da prescrição se desconta a totalidade do tempo de suspensão, a lei nova mais não faz do que indicar mais uma causa de suspensão; 7. A declaração de contumácia não pode deixar de suspender o prazo de prescrição, mesmo no âmbito do Código Penal/82, porquanto doutro modo estar-se-ia a premiar os arguidos mais expeditos na fuga à justiça, o que não foi certamente intenção do legislador; 8. Atendendo a que o prazo prescricional começou a correr em 28.02.90 e que a contumácia foi declarada a 20 de Setº de 1991, e que o prazo prescricional é de 10 anos, o procedimento criminal pelo crime em causa nos autos não se encontra ainda prescrito; 9. Decidindo em contrário do concluído, violaram-se as normas legais constantes dos artºs 119 nº 1 do CP/82, 336 nº 1 do Cód.Proc.Penal e 120 nº 1 al.c) do CP/95. Respondeu o arguido pugnando pelo improvimento do recurso. Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer, entende que o recurso merece provimento. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. xxxxx A tese defendida pelo recorrente para sustentar a pretensão de ver revogado o despacho impugnado veio entretanto a obter consagração no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sob o nº 10/2000, foi publicado na I Série-A do Diário da República de 10/11/2000. Trata-se de um acórdão proferido em recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos do art. 437 nºs 1 e 2 do C.Proc.Penal, e que foi tirado nos seguintes termos: “No domínio da vigência do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.” De harmonia com esta jurisprudência, pois que o cheque foi emitido, no domínio da plena vigência do Cód.Penal de 1982, com data de 28/2/90, e o prazo prescricional fixado na al.b) do nº 1 do seu art. 117 é o de 10 anos, ter-se-ia verificado a suspensão do decurso desse prazo a partir da declaração de contumácia do arguido José..., em face do que, ao invés do decidido na 1ª instância, a extinção do procedimento criminal por via de prescrição não teria chegado a ocorrer. Sucede, porém, que se nos afigura que o acórdão do S.T.J nº 10/2000 fixou a referida jurisprudência através de uma interpretação do art. 336 do Código de Processo Penal de 1987 (“A declaração de contumácia... implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido...” e “...caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido...”), na sua relação se sentido com a parte introdutória do n.1 do artigo 119 do Cód.Penal de 1982 (“A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos previstos na lei...”), que temos por não conforme à Constituição. Ora, sobre a eficácia da decisão proferida pelo Supremo em sede de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, em relação a casos não dependentes directamente da prolacção dessa decisão, dispõe o nº 3 do art. 445 do C.P.P (redacção da lei nº 59/98, de 25/8) que esta não constitui jurisprudência obrigatória para os Tribunais judiciais, mas que estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada. É dessa fundamentação que passamos a ocupar-nos. xxxxx Olhando à argumentação explanada no acórdão 10/2000, temos que este assenta na consideração de que a declaração de contumácia, ao abrigo do disposto no C.P.P de 1987, tem efeitos suspensivos no procedimento criminal, pois se trata de «um dos casos especialmente previstos na lei» a que se refere o art. 119, nº 1 do C.P. de 1982, consideração que é alcançada no quadro da seguinte elaboração hermenêutica:- “Dizendo o artigo 336 do Código de Processo Penal que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide com o previsto no artigo 119, nº 3: desde o momento de declaração de contumácia até àquele em que caduca – nº 3 do artigo 336 – a prescrição não corre. De outra maneira, acabava-se por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugiria à alçada da justiça. Não nos parece que o elemento histórico, nas suas vertentes, justifique o ponto de vista defendido no acórdão fundamento. O facto de ser desconhecido, à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982, o instituto da contumácia não justifica a afirmação de que o nº 1 do artigo 119 não se podia referir ao mesmo. A expressão usada, «casos especialmente previstos na lei», não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver soluções idênticas.” Acontece que, como tem sido jurisprudência reiteradamente afirmada no Tribunal Constitucional (v.g. o recente acórdão 122/2000 in DR, II série, de 6/6/2000, pp. 9712 e 9713), a normação da matéria que se prende com a prescrição do procedimento criminal e das penas, incluindo o estabelecimento de causas de suspensão e de interrupção, insere-se no objecto de reserva relativamente à definição de crimes e penas (art. 165 nº 1, al. c) da CRP na versão de 1997, como ocorria no art. 168 da versão de 1989 e da versão de 1982), reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que pode haver lugar a autorização ao Governo para legislar sobre tais matérias, como aliás, identicamente sucede no respeitante à regulação do processo criminal. Precisamente, o art. 336 de onde o acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça extrai o estabelecimento de uma causa de suspensão do procedimento criminal, inscreve-se no Cód. Proc. Penal de 1987, aprovado por diploma governamental – o Dec-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro -, no uso da autorização conferida pela Lei nº 43/86, de 26 de Setembro. Esta Lei nº 43/86 define no seu art. 1 qual o objecto da autorização: -“aprovar num novo Código de Processo Penal e revogar a legislação vigente sobre essa matéria”. E, no nº 2 do seu art. 2, ao longo de oitenta e uma alíneas, procede à definição do sentido e extensão da autorização, constatando-se que as únicas referências, expressas ou implícitas, ao instituto da contumácia se colhem nas alíneas 59 e 62, nos seguintes termos: “59) Impossibilidade, em princípio da realização de julgamento na ausência do arguido, sem prejuízo da possibilidade de ele ser mandado retirar da sala por razões graves de indisciplina e previsão das medidas adequadas, pessoais e patrimoniais, de constrangimento do arguido à presença no julgamento. ........................................... 62) Reforço das medidas preventivas aplicáveis em caso de contumácia do réu, nomeadamente pela anulabilidade dos negócios jurídicos por aquele celebrados e pela definição de outras restrições à liberdade negocial, como o arresto preventivo, amplamente desmotivadoras da sua ausência;”. Nenhuma referência ou alusão, pois, a autorização para a instituição, no âmbito da contumácia e como decorrência da respectiva declaração, de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, a menos que se configurasse uma tal causa de suspensão como “medida preventiva”, o que se não compagina com a dimensão de direito material ou substantivo que assiste ao instituto da prescrição, nem com o patamar mínimo de exigência de definição, previsibilidade e transparência relativamente às leis de autorização legislativa (v.Gomes Canotilho in “Direito Constitucional”, ed. de 1998 – p. 670 – e 5ª edição – p. 861 -, e António Vitorino in “As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa”, vol. II, p. 240). De resto, se olharmos ao nº 9 – parte final do relatório preambular do Dec-Lei nº 78/87, detecta-se aí que o legislador, na perspectiva da desincentivação da ausência do arguido a julgamento concebeu um conjunto articulado de medidas – que apodou de “drásticas” – de compressão da capacidade patrimonial e negocial do contumaz, na expectativa de que iriam ser “suficientes e eficazes”, o que deixa perceber que à concepção do instituto da contumácia – enquanto alternativa ao processo especial de ausentes do CPP de 1929 – presidiu uma visão optimista que olhava a contumácia como uma situação processual tendencialmente transitória e resolúvel através de um sistema de medidas dinamizadas a partir do próprio processo. Esta perspectiva dinâmica do instituto veio na prática a receber uma generalizada resposta de imobilização das instâncias processuais – para além da suspensão dos termos do processo -, principalmente devido à falta de mecanismos de articulação com os vários serviços da Administração Pública, o que a breve trecho se traduziu num imparável avolumar do número de processos com contumazes sem resolução, contexto este em que, só então, instalado o cepticismo quanto às virtualidades do instituto, se começou a problematizar a imperiosidade de obstar a que tais processos viessem a alcançar arquivamento no prazo normal da prescrição. Ou seja, não só se não detecta que haja na Lei de Autorização Legislativa nº 43/86 um suporte mínimo para que seja lícito – constitucionalmente lícito – extrair do art. 336 do Cód. de Proc. Penal de 1987 a instituição de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, como tal instituição não era reclamada à luz da perspectiva de suficiência e eficácia que inicialmente suportou a estruturação do sistema da contumácia. Ora, não sofre dúvidas que os decretos-leis publicados no uso de autorizações legislativas se devam subordinar às correspondentes leis, consoante se encontra expressamente determinado no art. 112 nº 2 da CRP - como ocorreria no art. 115, nº 2 da versão de 1982, vigente em 1987 -, sendo que a desconformidade com a lei de autorização implica directamente uma ofensa à competência da A.R. e, logo, uma inconstitucionalidade orgânica, pois que se não respeitarem a lei de autorização, elas deixam de ter habilitação constitucional (cfr. O acórdão do T.C. nº 213/92 in D.R., II série de 18/9/92, p. 8791, e doutrina aí citada). E o acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça consagrou a referida decisão de fixação de jurisprudência por via de uma interpretação que imprime ao art. 336 do CPP de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei de Autorização Legislativa nº 43/86, de 26 de Setembro, lei que, aliás, não chegou a ser convocada naquele acórdão nº 10/2000. In “Direito Constitucional” de Gomes Canotilho, 5ª ed., p. 235, a propósito dos princípios da interpretação constitucional, deixou-se clarificado que o princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é “fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma; daí a formulação básica para este princípio: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”. É o que ocorre na interpretação plasmada no despacho recorrido ao Ter confinado o âmbito normativo do art. 336 do CPP de 1987 a uma dimensão exclusivamente adjectiva não repercutível na previsão do art. 119 do CP/82, e por isso inteiramente abrangida pelo art. 1 e pelas alíneas 59) e 62) do nº 2 do art. 2 da Lei nº 43/86. Por isso se não acolhe a jurisprudência do acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, nem a tese coincidente defendida na motivação do recurso. E tendo presente que do nº 4 do art. 2 do Código Penal decorre que a sucessão de leis no tempo deve ser resolvida no confronto de regimes penais e nunca pela criação de regimes híbridos, a decisão impugnada deve lograr confirmação. xxxxx Na conformidade de tudo o exposto, os juizes desta Relação acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida. Sem custas. Porto, 24 de Janeiro de 2001 José Manuel Baião Papão Joaquim Manuel Esteves Marques (Na linha do acórdão proferido no Pº 1238/00 desta Secção em 00.11.29, que subscrevi como adjunto, por força do Assento 10/2000 publicado no DR I Série-A de 10/11/2000, entendo que a prescrição se suspendeu em 20 de Setembro de 1991, e, como tal, o procedimento criminal nos presentes autos não se encontra prescrito). António Manuel Clemente Lima |