Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
102/16.1TRPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME DE CORRUPÇÃO
PROMESSA
ELEMENTOS DO TIPO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RP20210414102/16.1TRPRT.P1
Data do Acordão: 04/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AUDIÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 373º do C. Penal, “o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”.
II - O preceito prevê a chamada corrupção passiva própria ou corrupção passiva para ato ilícito que, como a própria designação deixa transparecer, é marcada pelo caráter ilícito da conduta do funcionário.
III - “Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”, caso em que se fala de corrupção passiva imprópria ou corrupção passiva para ato lícito.
III - A lei penal portuguesa constrói, pois, dois tipos legais de corrupção autónomos.
IV - A corrupção é um crime de «participação necessária» (bilateral ou de encontro), em que o preenchimento do respetivo tipo legal exige sempre — quer para a consumação quer para a simples tentativa — a intervenção cumulativa do corruptor e do funcionário corrupto, o que conduz a que a oferta de suborno não aceite pelo funcionário não seja punida como corrupção ou tentativa de corrupção (ativa), mas antes como «instigação à corrupção».
V - A criminalização da corrupção é exigida pela proteção dos valores indispensáveis à realização livre da pessoa, elevando-se à categoria de bem jurídico-penal a própria esfera da autoridade pública, tutelando a autonomia intencional do Estado enquanto momento imprescindível na preservação de quaisquer expectativas de convivência social.
VI - O bem jurídico protegido com a incriminação é a autonomia intencional do Estado e o núcleo da corrupção reside, justamente, na manipulação ou violação dessa autonomia.
VII - Estando o Estado (entendido num sentido amplo, incluindo o poder político, judicial, executivo e administrativo), incumbido da prossecução de interesses considerados essenciais ao bem-estar das pessoas, a sua realização mostra-se ameaçada se aqueles que estão adstritos de os fazer prosseguir ― os funcionários, na sua aceção ampla que resulta do artigo 386.º ― derem primazia a interesses particulares seus, ao invés de privilegiar o interesse público pautando a sua conduta por critérios de legalidade, imparcialidade, objetividade e independência.
VIII - Trata-se de crimes de dano e não de perigo.
IX - Ao transacionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se «sub-roga» ou «substitui» ao Estado, invadindo a respetiva esfera de atividade.
X - Na corrupção, o núcleo do ilícito reside no “mercadejar” com a função ou nesse perigo, o que acaba por modelar o tipo legal, quer na corrupção passiva, quer na corrupção ativa, podendo mesmo dizer que é no “mercadejar” com a função que se esgota o ilícito.
XI - A corrupção passiva própria prevista no n.º 1 do artigo 373.º, é, de um prisma material, um tipo agravado ou qualificado em que se “lhe acrescenta a natureza ilícita da atividade visada pelo suborno”.
XII - Desde que foi tipificado o recebimento indevido de vantagem ― o que ocorreu em 2001, pela Lei n.º 118/2001, de 28 de novembro, embora estivesse integrado no artigo 373.º, n.º 2 ― o delito base dos crimes de corrupção consta do artigo 372.º, justamente o crime de recebimento indevido de vantagem, pelo que este é um crime de dano, em que a atuação do funcionário não se limita a colocar em perigo a autonomia intencional do Estado como efetivamente a viola e lesa.
XIII - Trata-se de um crime de mera atividade, que se esgotando no mercadejar da função.
XIV - A atividade proibida concretiza-se no mero solicitar ou aceitar o suborno, isto é, na manifestação (expressa ou tácita) de vontade do funcionário em ser corrompido, consumando-se o delito no momento em que essa solicitação ou aceitação chega ao conhecimento do destinatário, “ainda que este não «compreenda» o seu sentido”, bastando que, “atento o respetivo teor, ela se apresente compreensível por um terceiro, segundo os parâmetros da adequação social”.
XV - Na corrupção ativa, estamos perante um crime de dano quando o corruptor “dá” o suborno; e perante um crime de perigo quando “promete” o suborno.
XVI - Na promessa de suborno, a consumação do crime de corrupção ativa não depende do efetivo recebimento da vantagem ou do suborno, não sendo sequer necessário que o corruptor tenha a intenção de efetivamente cumprir a promessa e entregar o suborno ou a peita ao funcionário.
XVII - A consumação do crime, tal como na corrupção passiva, não está dependente da prática, pelo funcionário, de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, sendo irrelevante até, para este efeito, que nunca sequer tenha tido a intenção de o praticar ou omitir.
XVIII - A corrupção não é um crime de comparticipação necessária; e é um crime de execução instantânea.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 102/16.1TRPRT.P1
Secção Criminal
Audiência
Presidente: Borges Martins
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg
Comarca: Porto Este
Tribunal: Penafiel/Juízo Central Criminal-J2
Processo: Comum Colectivo n.º 102/16.1TRPRT

Arguidos: B…
C...
D…
E…
F…
G…, Unipessoal, L.da
H…, Unipessoal, L.da
I…, Unipessoal, L.da
J…, L.da
K…, L.da
I - RELATÓRIO
a) No âmbito dos autos supra referenciados, por acórdão proferido a 20 de Dezembro de 2019, mas apenas depositado no dia 26 seguinte, foram ABSOLVIDOS os arguidos:
B…, com os demais sinais dos autos, da prática de 2 (dois) crimes de corrupção passiva e de 9 (nove) crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis, respectivamente, pelos arts. 373º, n.º 1, e 255º, al. a) e 256º, n.º 1, als. a), b) e d), do Cód. Penal, pelos quais fora pronunciado;
E…, com os demais sinais dos autos, da prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelo art. 374º, n.º 1, do Cód. Penal, pelo qual estava pronunciado.
J…, L.da”, com os demais sinais dos autos e representada pelo seu gerente L…, da prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelos arts. 11º e 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
E foram CONDENADOS os arguidos:
(1) B… na pena única de 7 (sete) anos de prisão em resultado das seguintes penas parcelares:
3 (três) anos de prisão, por cada um de 3 (três) crimes de corrupção passiva[1], previstos e puníveis pelo art. 373º, n.º 1, do Cód. Penal;
1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, por cada um de 5 (cinco) crimes de abuso de poder, previstos e puníveis pelo art. 382º, do Cód. Penal;
2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um de 2 (dois) crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelos arts. 255º, al. a) e 256º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Cód. Penal;
9 (nove) meses de prisão, por cada um de 2 (dois) crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelos arts. 255º, al. a) e 256º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal.
(2) C…, com os demais sinais dos autos, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, mediante a obrigação de pagamento da quantia de €7.200,00 (sete mil e duzentos euros), em prestações mensais e sucessivas de €150,00 (cento e cinquenta euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês e com início no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da decisão, pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa agravado, previsto e punível pelos arts. 374º, n.º 1, e 374º-A, n.º 4, do Cód. Penal.
(3) D…, com os demais sinais dos autos, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, mediante a obrigação de pagamento da quantia de €7.200,00 (sete mil e duzentos euros), em prestações mensais e sucessivas de €150,00 (cento e cinquenta euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês e com início no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da decisão, pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelo art. 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
(4) E… na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, mediante a obrigação de pagamento da quantia de €9.000,00 (nove mil euros), em prestações mensais e sucessivas de €300,00 (trezentos euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês e com início no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da decisão, pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa agravado, previsto e punível pelos arts. 374º, n.º 1 e 374-A, n.º 4, do Cód. Penal.
(5) F…, com os demais sinais dos autos, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, mediante a obrigação de pagamento da quantia de €8.400,00 (oito mil e quatrocentos euros), em prestações mensais e sucessivas de €280,00 (duzentos e oitenta euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês e com início no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da decisão, pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa agravado, previsto e punível pelos arts. 374º, n.º 1 e 374-A, n.º 4, do Cód. Penal.
(6)G…, Unipessoal, L.da”, com os demais sinais dos autos e representada pelo arguido C…, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €100,00 (cem euros), pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelos arts. 11º e 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
(7)H…, Unipessoal, L.da”, com os demais sinais dos autos e representada pelo arguido E…, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €100,00 (cem euros), pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelos arts. 11º e 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
(8)I…, L.da”, com os demais sinais dos autos e representada pelo arguido E…, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €100,00 (cem euros), pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelos arts. 11º e 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
(9)K…, L.da, com os demais sinais dos autos e representada pelo arguido F…, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 100,00 (cem euros), pela prática de 1 (um) crime de corrupção activa, previsto e punível pelos arts. 11º e 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
b) Mais foi ainda condenado o B… na pena acessória de proibição de exercício de funções públicas, nos termos da previsão do art. 66º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal e com referência aos crimes de corrupção praticados, pelo período de 4 (quatro) anos.
c) Inconformados, os arguidos B…, F…, “K…, L.da”, C…, E…, “H…”, “I…” e D… interpuseram recurso, tendo os segundo, terceira e oitavo requerido a realização de audiência de julgamento, terminando a motivação respectiva com as seguintes conclusões: (…)
QUESTÃO PRÉVIA
(…)
*
Assim, na hipótese sub judicio, vistas as síntese recursivas, as questões, realmente, suscitadas são as seguintes: (…)
2. A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
I
A
i
a
1) O arguido B… (doravante e apenas por facilidade, designado simplesmente por B1…) era magistrado do Ministério Público, sendo procurador-adjunto, desde 10 de abril de 2000 até 26 de outubro de 2017, data em que cessou funções por efeito de aposentação por incapacidade;
2) Desde 15 de setembro de 2008 e até 31 de agosto de 2014, sem prejuízo de durante alguns períodos ter acumulado funções noutras comarcas, o arguido B1… esteve em funções na Comarca de …, aí exercendo as competências próprias do Ministério Público nas áreas da jurisdição cível, de família e menores e, ainda, no exercício da ação penal, nomeadamente na direção das investigações criminais, representação do Ministério Público nas audiências de julgamento e promovendo a execução das decisões dos tribunais;
3) Desde 1 de setembro de 2014 e até 19 de janeiro de 2015, o arguido B1… exerceu as competências próprias do Ministério Público no Núcleo de … da Comarca de …, designadamente:
- na jurisdição cível, assegurando a representação do Ministério Público na Instância Local Cível e tramitando e acompanhando os respetivos processos; e
- na jurisdição e no exercício da penal, assegurando a representação do Ministério Público na Instância Local Criminal, nomeadamente na representação do Ministério Público nas audiências de julgamento, tramitação e acompanhamento dos respetivos processos, promovendo a execução das decisões;
- tramitação de processos administrativos nas diferentes áreas de atuação do Ministério Público;
- atendimento ao público no âmbito da jurisdição cível e da Lei de Saúde Mental;
- representação do Ministério Público nos julgamentos sumários; e
- serviço urgente, semanal e rotativamente com os demais magistrados do Ministério Público que exerciam funções naquele Núcleo;
4) Entre 19 de janeiro de 2015 e até à data em que cessou funções, o arguido B1… esteve de baixa médica;
b
5) Desde há vários anos, e designadamente desde pelo menos 2011, que o arguido B1… experimenta problemas financeiros, revelando dificuldades em solver as dívidas que contraia resultantes quer do estilo de vida que, juntamente com a sua família, fazia, quer de alguns negócios relacionados com a venda de automóveis;
6) Neste quadro, a 31 de julho de 2010 o arguido B1… tinha já um total de responsabilidades agregadas junto das entidades creditícias autorizadas pelo Banco de Portugal, no valor total de €432.546;
7) Considerando o descrito em 5) e 6), o arguido B1… revelava dificuldades em obter crédito junto das instituições de créditos formais e, por isso e especialmente após 2012 e 2013, usando do estatuto que a função de magistrado do Ministério Público lhe conferia, passou a financiar-se junto de particulares, quer na sua vida pessoal, quer na gestão dos negócios relacionados com a venda de automóveis aludida, quer na gestão do estabelecimento comercial infra aludido após a sua aquisição;
8) Todavia, não conseguindo solver os mútuos que ia contraindo nos prazos que acordava com os seus credores, o arguido B1… contratava novos empréstimos de forma repetida e sucessiva, de tal modo, que, à data dos factos infra descritos, o continuava a fazer;
9) Não obstante a aludida situação económico-financeira, em junho de 2015, o arguido B1… e o seu filho M… adquiriram o estabelecimento comercial de restauração “Churrasqueira N…” tendo, para o efeito, adquirido as quotas da sociedade “Churrasqueira N…, Actividades Hoteleiras, Lda.”, com o capital social de €10.000, repartido nos seguintes termos:
- o arguido B1… com €4.000; e
- o seu filho M… com €6.000;
10) Para a realização do descrito em 9), o arguido B1… recorreu a crédito junto de particulares;
11) Não obstante apresentar uma participação minoritária na aludida sociedade e formalmente figurar como gerente da mesma o seu filho M…, desde que entrou no capital da sociedade referida, foi sempre o arguido B1… quem efetivamente geriu o estabelecimento “Churrasqueira N…, Lda.”;
12) Para o sobredito efeito, o arguido B1… estava munido de procuração outorgada pelo seu filho O…, conferindo-lhe plenos poderes para gerir o referido estabelecimento e, nomeadamente, dispor da atividade financeira daquela sociedade também junto das entidades bancárias;
13) Para gestão do referido estabelecimento, o arguido B1… continuou a agir do modo descrito em 7) e 8);
14) O descrito em 9) a 13) agravou a já difícil situação económica e financeira do arguido B1…;
ii a
15) O arguido B1… travou conhecimento com o arguido E… (doravante, apenas por facilidade de exposição, designado somente por E1…) em 2013 no âmbito de um inquérito que se encontrava a correr termos nos serviços do Ministério Público em …;
16) No contexto do conhecimento travado, cerca de meio ano depois e a convite do arguido E1…, o arguido B1… visitou as instalações das empresas por aquele geridas;
17) O arguido B1… e E1… ponderaram a criação de um negócio conjunto relativo à representação de uma marca estrangeira em Portugal;
18) A sociedade comercial H…, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………., tendo sido registada a sua constituição a 8.4.2010, com sede no Lugar …, …, concelho de …, tendo por objeto social a fabricação e comercialização de componentes para calçado, importação e exportação, com o capital social de €10.000 e, pelo menos desde 2011, tendo a seguinte composição societária e gerência:
- sócios: o arguido E1…, com uma quota de €9.000 e P…, com uma quota de €1.000; e
- gerente: o arguido E1…, obrigando-se a sociedade com a assinatura do gerente;
19) A sociedade comercial I…, Unipessoal Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 10.3.2006, com sede em …, …, concelho de …, tendo por objeto social o comércio de solas e componentes para calçado, importação e exportação, com o capital social de €10.000, tendo a seguinte composição societária e gerência:
- sócia: Q…, casada com o arguido E1…; e – gerente: Q…;
20) Desde dezembro de 2010 que o arguido E1… é gerente da sociedade arguida I…, Lda.;
21) O arguido E1…, em novembro de 2015, adquiriu a quota de Q… na sociedade arguida e procedeu ao aumento do capital da mesma para €107.500;
b
22) O arguido S… foi apresentado ao arguido B1… por T…, ao tempo funcionário do U…, em finais de 2014;
23) Após ter decidido adquirir o estabelecimento “Churrasqueira N…” aludido em 9) o arguido B1… solicitou ao arguido S… a elaboração de um orçamento para a realização de obras no referido estabelecimento;
24) Apresentado, o referido orçamento não foi aceite;
25) A sociedade arguida K…, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 7.10.2014, com sede na Urbanização …, Praça…, …, tendo por objeto social construção civil e engenharia civil, construção de pontes e túneis, instalação e manutenção de máquinas e equipamentos para a construção civil, revestimentos de pavimentos e de paredes, pintura e colocação de vidros, promoção, gestão e execução de empreendimentos imobiliários, compra e venda de imóveis para revenda e seu arrendamento, gestão de patrimónios e imobiliário, outras atividades de serviços prestados principalmente às empresas na área da construção civil, aluguer de máquinas e equipamentos para a construção e engenharia civil, aluguer de veículos automóveis ligeiros, com €5.000 de capital social, tendo atualmente a seguinte composição societária e gerência:
- sócios: o arguido S…, com uma quota de €4.500 e V…, com uma quota de €500; e
- gerente: V…;
26) A 24.3.2015, foi registada a alteração da gerência da sociedade arguida, assumindo a gerência o arguido S…;
27) A 18.5.2016, foi registado o aumento do capital, passando a sociedade arguida K…, Lda. a ter € 50 000 de capital social, distribuído por €45.000 pelo arguido S… e €5.000 por V….;
28) Mesmo antes do descrito em 26), o arguido S… apresentava-se como pessoa responsável pela sociedade arguida K…, Lda.;
c
29) O arguido B1… travou conhecimento com o arguido C1… em fevereiro de 2015 como sendo uma pessoa que mutuava quantias em dinheiro;
30) O arguido C1…, através da sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda., realizou, a pedido do arguido B1…, obras na “Churrasqueira N…”;
31) A sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 29.3.2006, com sede na Rua…, n.º …, …, freguesia de …, concelho de Amarante, tendo por objeto social a construção civil e obras públicas, com o capital social de €120.000, tendo, desde a sua constituição, a seguinte composição societária e gerência:
- sócio: o arguido C1…; e
- gerente: o arguido C1…;
d
32) O arguido B1… conheceu o arguido D… em data concretamente não apurada dos anos de 2012, 2013;
33) O arguido D… casou com W… no dia 23 de setembro de 1995;
34) A sociedade comercial X…, Unipessoal, Lda. era uma sociedade comercial matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 16.11.2011, com sede na Rua…, n.º …, …, …, tendo por objeto social serviços de corte e costura e cozidos nomeadamente manuais para indústrias de calçado, importação e exportação, com o capital social de €5000, sendo sócia e gerente Y…;
35) Após a sua constituição, mostram-se registadas as seguintes vicissitudes da referida sociedade comercial:
i. A 2.4.2012, assume a gerência da sociedade W…, após renúncia da anterior gerente;
ii. A 10.8.2012, assume a gerência Y…, após renúncia da anterior gerente;
iii. A 2.5.2013, assume a gerência da sociedade W…, após renúncia da anterior gerente
iv. A 23.10.2014, assume a gerência Z…, após renúncia da anterior gerente;
v. Ainda a 23.10.2014, a sede da referida sociedade é alterada para a Rua…, n.º .., …, concelho de Penafiel;
vi. A 5.4.2016, no âmbito do processo n.º 317/16.2T8AMT, do Juízo Central de Comércio de Amarante – Juiz 1, foi declarada sua insolvência, o que foi registado a 7.4.2016;
vii. Por decisão de 15.2.2017, registada a 2.6.2017, determinou-se o encerramento da insolvência por insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente;
iii
36) No contexto acima assinalado, e tal como outras pessoas e a solicitação do arguido B1…, os arguidos E1…, F1…, C1… e D… mutuaram-lhe várias quantias monetárias, sabendo que aquele B1… tinha dificuldades económicas e que recorria a empréstimos junto de particulares;
37) Tais quantias eram, na maior parte das vezes, mutuadas ao arguido B1… contra algum tipo de remuneração, nomeadamente juros, e, como garantia, contra a emissão de cheques nos quais se indicava como data de emissão uma data posterior à da efetiva entrega do cheque (cheques “pré-datados”);
38) Apesar disso, com alguma frequência, o arguido B1… restituía as quantias que lhe eram mutuadas fora dos prazos acordados;
39) Neste quadro, o arguido B1… contraiu:
i. Junto do arguido E1… vários empréstimos que, no total, atingiram a quantia de €15.000, sendo que, até à data, tal quantia ainda não está paga;
ii. Junto do arguido S…, vários empréstimos, sendo que o último, no valor de €5000, ainda se encontra em dívida e, para garantia do pagamento desta quantia, em data concretamente não apurada, o arguido B1… entregou-lhe o cheque n.º ……… da conta n.º ……….. de que o mesmo era titular na AB…, titulando o valor de €5.000 e datado de 20.2.2016;
iii. Junto do arguido C1… vários empréstimos, sendo que o último, no valor de €10.000, ainda se encontra em dívida e, para garantia do pagamento desta quantia, em data concretamente não apurada, o arguido B1… entregou-lhe o cheque n.º ………. da conta n.º …………. de que o mesmo era titular na AB…, titulando o valor de €10.000 e datado de 24.6.2014, cheque que, apresentado a pagamento no dia 24.6.2014, foi devolvido por falta ou insuficiência de provisão;
40) Por sua vez, o arguido D… e o arguido B1… mantinham entre si um esquema de empréstimos mútuos, sem que cobrassem juros, tendo o arguido B1… recorrido ao D… em, pelo menos, 40 ocasiões, ficando com o saldo devedor em relação ao mesmo que nunca ultrapassou os €10.000;
41) Em abril de 2018, o arguido B1… ainda tinha um saldo devedor em relação ao arguido D… em cerca de €8.000 a €9.000, sendo que, na atualidade, nada lhe deve;
B
i
42) Em data concretamente não apurada, mas seguramente anterior a 28 de agosto de 2014, visando que o mesmo, no futuro, o continuasse a financiar, no mínimo, nos moldes e condições que até então o fazia, e após solicitação do arguido E1…, o arguido B1… anuiu em solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira a suspensão de procedimentos legais, nomeadamente de inspeção, em benefício das sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda. e I…, Unipessoal, Lda., invocando para o efeito o interesse de tal atuação (suspensão dos procedimentos de investigação tributária) para a investigação criminal às empresas referidas;
43) Em face do referido e também por causa do cargo e funções exercidos pelo arguido B1…, o arguido E1…, sem prejuízo de ocasionalmente lhe solicitar que lhe restituísse as quantias mutuadas, assumia uma postura pouco ativa na cobrança dos montantes que lhe havia emprestado;
44) O arguido E1… sabia que o arguido B1… era magistrado do Ministério Público e que poderiam beneficiar do conhecimento e do poder que o mesmo detinha;
45) No quadro acima descrito, o arguido E1…, no âmbito das funções de gerência das sociedades arguidas H…, Lda. e I…, Unipessoal Lda., solicitou ao arguido B1… que o mesmo intercedesse junto dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de suspender procedimentos inspetivos;
46) Então, anuindo à solicitação feita e com o intuito de que as sociedades H…, Lda. e I…, Unipessoal Lda. não fossem fiscalizadas ou alvo de inspeções tributárias, sabendo que estavam ou que iriam ser alvo de ações inspetivas, assim evitando que pudessem ser alvo de procedimentos tributários para apuramento e liquidação de impostos ou de procedimentos criminais ou de contraordenação, o arguido B1… atuou nos termos infra descritos;
47) No dia 28 de agosto de 2014, após contacto telefónico para o mesmo, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para o AC…, Diretor Distrital de Finanças de …, também para o seu endereço profissional [AC1…@at.gov.pt], cujo assunto indicou como sendo “suspensão de inspeção à empresa I…” e em que lhe solicita o seguinte:
“Exmo. Sr. Dr. AC2…, no seguimento da nossa conversa telefónica, venho por este meio solicitar que a Direcção de Finanças de … suspenda quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros que estejam a decorrer ou venham a ser instaurados nos próximos meses relativamente às seguintes empresas:
- AD…, Lda - NIF ………;
- H…, Lda - NIF ……….;
- I…, Unipessoal, Lda - NIF ……….
Tal pedido baseia-se no facto de no âmbito dos autos com o NUIP 309/13.7TAFLG, da comarca de …, tais empresas, entre outras, estarem a ser investigadas pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária e se entretanto existir uma intervenção dos vossos serviços, e/ou da Autoridade Tributária, tal situação pode prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito a Va Ex.ª a suspensão total de qualquer inspecção e/ou intervenção dos V. Serviços, naquelas empresas, até que vos seja comunicado, por mim e/ou pelo órgão de polícia criminal competente, que tal ausência de intervenção da vossa parte já não é mais necessária.
Mais solicito, caso tal seja possível, que seja enviado, pela Autoridade Tributária, às citadas empresas, um mail ou oficio a informar que a V.ª intervenção cessou, uma vez que temos a informação de que as mesmas tinham já sido contactadas, pelos V. Serviços, a fim de a investigação em curso não ser prejudicada de alguma forma.”
48) Na sequência da comunicação anterior, em 1 de setembro de 2014, foi comunicada às equipas de inspeção tributária a suspensão das ações inspetivas àquelas empresas o que, efetivamente, veio a ter lugar;
49) Além disso e tal como pedido pelo arguido B1…, a 4 de setembro de 2014, foi comunicada àquelas empresas a suspensão das ordens que tinham sido emitidas em 16 de julho de 2014 para as competentes ações inspetivas;
50) Em data concretamente não apurada de maio de 2015, o arguido B1… deslocou-se à Direção de Finanças de …, onde se reuniu com AE… e AF…, respetivamente, Chefe de Divisão e Inspetora Tributária, e aí sublinhou a grande importância da investigação que tinha em mãos a qual tinha, inclusive, contornos internacionais e da necessidade de que a atuação da administração fiscal a não prejudicasse, reiterando o pedido anteriormente feito;
51) No dia 28 de setembro de 2015, o arguido B1… enviou uma mensagem, via telemóvel, para AE…, comunicando-lhe que a investigação aguardava uma importante informação de Itália que iria determinar o curso da investigação, assim como o seu parecer quanto à atuação da Autoridade Tributária;
52) Na Autoridade Tributária, suspeitava-se que aquelas empresas tinham procedido à utilização de faturas falsas emitidas por empresas sedeadas no distrito de …;
53) Efetivamente, existiu um inquérito com o mencionado registo n.º 309/13.7TAFLG, mas não dizia respeito a qualquer investigação sobre aquelas empresas ou em que elas estivessem implicadas, nem o mesmo alguma vez esteve a cargo do arguido B1…;
54) Aquelas ações inspetivas só vieram a ser retomadas em setembro de 2016 após diligências efetuadas no âmbito do presente processo;
ii
55) Em data concretamente não apurada, mas seguramente anterior a 24 de fevereiro de 2015, visando que o mesmo, no futuro, o financiasse e a solicitação do arguido F1…, o arguido B1… anuiu em solicitar ao Centro Distrital da Segurança Social de … o deferimento de procedimentos solicitados junto de tal entidade para obter o destacamento de trabalhadores para o estrangeiro em benefício de sociedade arguida K…, Lda. mesmo que não estivessem reunidos os respetivos pressupostos legais, invocando para o efeito o interesse de tal atuação (deferimento dos pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro) para a investigação criminal a tal empresa;
56) Em face do referido, por causa do cargo e funções exercidos pelo arguido B1… e sabendo que podia beneficiar do conhecimento e do poder que este detinha enquanto magistrado do Ministério Público, o arguido S… mutuou-lhe dinheiro nos termos indicados em 39) ii.;
57) Em face da situação descrita e perante a atuação do arguido B1…, o arguido F1… mantinha uma atitude passiva em relação à restituição das quantias mutuadas;
58) O arguido S… sabia que o arguido B1… era magistrado do Ministério Público e que poderia beneficiar do conhecimento e do poder que o mesmo detinha;
59) No quadro acima descrito, o arguido S…, no âmbito das funções de responsabilidade e de gerência da sociedade arguida K…, Lda., solicitou ao arguido B1… que o mesmo intercedesse junto dos serviços da Segurança Social no sentido de facilitar a emissão do Documento Portátil A1 visando o destacamento de trabalhadores para o estrangeiro;
60) Então, anuindo à solicitação feita e com o intuito de que a sociedade arguida K…, Lda. fosse favorecida nos procedimentos de emissão dos Documentos Portáteis A1 (pedidos de Destacamento de trabalhadores para o estrangeiro) sendo deferidos mesmo que não estivessem preenchidas todas as condições legalmente estabelecidas, o arguido B1… atuou nos termos infra descritos;
61) Tendo mantido anteriores contactos com os serviços do Centro Distrital da Segurança Social de …, inclusivamente com então o Diretor da Unidade de Prestações e Contribuições no quadro da sociedade arguida J…, Lda. que infra se descreverão, no dia 24 de fevereiro de 2015, após contacto telefónico para o mesmo, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para AG…, ao tempo Diretor da Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital da Segurança Social de …, também para o seu endereço profissional, cujo assunto indicou como sendo “pedido de deferimento dos requerimentos/pedidos de A1 da empresa denominada “K…, Lda.,” e em que lhe solicita o seguinte:
“Sr. Dr. AG1…, na sequência da nossa última conversa telefónica, venho, por este meio, solicitar a V.ª Ex.ª que todos os requerimentos ou pedidos formais denominados de A1 que a empresa denominada “K…, Lda”, com o NIF ………, apresente, nos próximos três a quatro meses, nos vossos serviços sejam, a título excepcional, deferidos, mesmo que se não reúnam os requisitos legais ou regulamentares para o efeito, atendendo a que tal empresa, entre outras está a ser investigada no âmbito dos autos n.º 41/14.2JABRG, pela eventual prática dos crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros de idêntica natureza e consigo conexos, de âmbito internacional com ligações (no caso desta empresa) a Espanha e também à Bélgica, Luxemburgo e Alemanha, sendo certo que a perturbação ao nível do indeferimento de tais pedidos irá prejudicar gravemente a investigação em curso que tem ramificações de nível internacional.
Nesta conformidade, solicito a vossa preciosa colaboração, bem como mais solicito o total sigilo e confidencialidade sobre a referida investigação em curso”.
62) Logo nesse dia, pelos serviços da Segurança Social foi dado seguimento ao solicitado pelo arguido B1…;
63) Entretanto, AG1… ia mantendo o arguido B1… a par das vicissitudes relativas à J…, Lda., nomeadamente da inscrição de L… como membro de órgão estatutário e, ainda, a 22 de abril de 2015, do seguinte:
“Envio informação sobre a entidade J…, UNIPESSOAL LDA:
A entidade requereu a 17/04/2015, sete (7) destacamentos que no seu conjunto perfazem 34 A1’s
Os pedidos destinam-se todos a Bélgica.
Os períodos de destacamento são até dezembro de 2015.
Analisados os critérios de deferimento (atividade substancial e número de TCO’s em Portugal) verifica-se que não estão cumpridos os requisitos porque estão em cerca de 20%.”
64) Em resposta à informação prestada, ainda no dia 22 de abril de 2015, o arguido B1…, sempre pelo seu endereço eletrónico profissional, reiterou o anteriormente solicitado a AG1… nos seguintes termos:
“Muito obrigado pela informação enviada.
Iremos continuar a investigação em curso na posse de mais esta informação e conforme já falamos anteriormente agradecemos a continuação da vossa colaboração no deferimento dos pedidos de A1 apresentados pelas empresa em causa, até ao apuramento cabal dos factos em investigação.”
65) A 16 de junho de 2015, na sequência de “mail” que lhe fora enviado por AG1…, em que lhe prestava informações sobre a tramitação dos procedimentos relativos aos pedidos feitos pelas sociedades arguidas K…, Lda. e J…. Lda., também por via eletrónica, o arguido B1… reiterou o pedido de continuação do procedimento que vinha sendo adotado nos seguintes termos:
“Muito obrigado pela informação agora enviada.
Conforme nossa última conversa a investigação em curso continua, estando ainda em curso a realização de diversas diligências com vista a apurar a prática, por parte dos legais representantes das empresas em causa, entre outros, dos ilícitos denunciados, diligências cuja duração se prevê demorar ainda alguns meses.
Agradeço novamente as informações agora enviadas, uma vez que os elementos e informações em causa podem se mostrar muito relevantes para a investigação em curso.
Como já disse iremos continuar a investigação em curso (agora na posse de mais esta relevante informação) e conforme já informamos anteriormente agradecemos a continuação da vossa colaboração no deferimento dos pedidos de Al que as empresas em causa forem apresentando nos vossos serviços, até ao apuramento cabal dos factos em investigação e/ou até informação da nossa parte sobre o estado da investigação.”
66) Na sequência de dúvidas levantadas pela Segurança Social Belga sobre a veracidade dos Documentos Portáteis A1 apresentados por 10 trabalhadores da sociedade arguida J…. Lda., no dia 14 de janeiro de 2016, o arguido B1…, sempre pelo seu endereço eletrónico profissional, reiterou o anteriormente solicitado a AG1… nos seguintes termos:
“Exmo. Sr. Dr. AG1…, na sequência da nossa última conversa venho, por este meio, solicitar novamente a V. Ex.ª que todos os requerimentos ou pedido formais de A1 que a empresa J…, Lda”, com sede na Rua.., n.º .., …, Vila Nova de Famalicão, apresente, nos próximos 3 a 4 meses, nos vossos serviços, sejam, a título excepcional, deferidos, mesmo que não reúnam os requisitos legais e regulamentares para o efeito, atendendo a que tal empresa, entre outras, está a ser investigada neste DIAP pela eventual prática de crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros de idêntica natureza e consigo conexos, de âmbito internacional, com ligações à Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Alemanha, sendo certo sendo certo que a perturbação ao nível do indeferimento de tais pedidos irá prejudicar gravemente a investigação em curso que tem ramificações de nível internacional.
Nesta conformidade, solicito mais uma vez a continuação da vossa preciosa colaboração, bem como mais solicito o total sigilo e confidencialidade sobre a referida investigação em curso.”
67) No dia 15 de janeiro de 2016, pelos meios atrás indicados, AG1… informou o arguido B1…, relativamente à sociedade arguida J…. Lda., do seguinte:
“Na sequência do email que me enviou e para os efeitos que entender por convenientes, informo-o que recebemos um email dos serviços centrais a pedir que fosse confirmado o valor das remunerações declaradas ela entidade na qual foram anexados os recibos de vencimento que a empresa apresentou às autoridades Belgas.
Analisada a situação verificámos que as remunerações constantes nos recibos divergem das declaradas na segurança social portuguesa, pelo que solicitamos a intervenção da unidade de fiscalização para apuramento de eventuais contribuições não declaradas.”
68) A 15 de abril de 2016, o arguido B1…, pelos meios que já se assinalaram, enviou a AG1… novo “mail” onde renova e reitera o pedido de deferimento dos pedidos efetuados pela sociedade arguida K…, Lda. “por mais 15 dias, prazo no decurso do qual obterei informação definitiva sobre a manutenção ou não do citado pedido de deferimento dos requerimentos A1 apresentados pela empresa K…, Lda” acrescentando que “dentro de alguns dias comunicarei a V. Ex.ª a informação… no sentido de decidir se é necessário ou não manter o pedido de colaboração que lhe solicitei”;
69) Após ter contactado telefonicamente com AG1… a 3 de maio de 2016 informando-o da desnecessidade de o Centro Distrital de Segurança Social de … manter o procedimento solicitado relativamente às sociedades arguidas K…, Lda. e J…. Lda., a 5 de maio de 2016, o arguido B1… remete mensagem eletrónica, através do enderece eletrónico acima indicado, confirmando o teor da conversa telefónica;
70) A invocada investigação não existia, tendo sido um pretexto utilizado pelo arguido B1… garantir o deferimento dos pedidos de destacamento que foram feitos pelas sociedades arguidas K…, Lda. e J…. Lda. entre 24 de fevereiro de 2015 e 3 de maio de 2016;
71) Entre aquelas datas de 24 de fevereiro de 2015 e 3 de maio de 2016, os requerimentos para emissão do Documentos Portáteis A1 (Destacamentos de trabalhadores para o estrangeiro) formulados pela sociedade arguida K…, Lda. que foram deferidos respeitavam as normas legais e, também por isso, foram todos emitidos;
72) Não obstante o anteriormente referido, por força da atuação do arguido B1…, a K…, Lda. foi alvo de um tratamento mais favorável em relação às demais empresas, nomeadamente quanto ao tempo de análise dos seus Requerimentos;
iii
a
73) Em data concretamente não apurada, mas seguramente anterior a 25 de fevereiro de 2016, visando que o mesmo, no futuro, o continuasse a financiar, no mínimo, nos moldes e condições que até então o fazia, e após solicitação do arguido C1…, o arguido B1… anuiu em solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira a suspensão de procedimentos legais, nomeadamente de inspeção, em benefício da sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda., invocando para o efeito o interesse de tal atuação (suspensão dos procedimentos de investigação tributária) para a investigação criminal à empresas referida;
74) Em face do referido e também por causa do cargo e funções exercidos pelo arguido B1…, o arguido C1… assumia uma postura pouco ativa na cobrança dos montantes que lhe havia emprestado;
75) O arguido C1… sabia que o arguido B1… era magistrado do Ministério Público e que poderiam beneficiar do conhecimento e do poder que o mesmo detinha;
76) No quadro acima descrito, o arguido C1…, no âmbito das funções de gerência da sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda., solicitou ao arguido B1… que o mesmo intercedesse junto dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de suspender procedimentos inspetivos;
77) Então, anuindo à solicitação feita e com o intuito de que a sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda. não fosse fiscalizada ou alvo de inspeções tributárias, sabendo que estava ou que iria ser alvo de ações inspetivas, assim evitando que pudessem ser alvo de procedimentos tributários para apuramento e liquidação de impostos ou de procedimentos criminais ou de contraordenação, o arguido B1… atuou nos termos infra descritos;
b
78) Em data concretamente não apurada, mas seguramente anterior a 11 de março de 2016, visando que o mesmo, no futuro, o continuasse a financiar, no mínimo, nos moldes e condições que até então o fazia, e após solicitação do arguido D…, o arguido B1… anuiu em solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira a suspensão de procedimentos legais, nomeadamente de inspeção, em benefício da sociedade X…, Unipessoal, Lda., invocando para o efeito o interesse de tal atuação (suspensão dos procedimentos de investigação tributária) para a investigação criminal à empresas referida;
79) O arguido D… sabia que o arguido B1… era magistrado do Ministério Público e que poderiam beneficiar do conhecimento e do poder que o mesmo detinha;
80) No quadro acima descrito, o arguido D…, no interesse da sociedade X…, Unipessoal, Lda., solicitou ao arguido B1… que o mesmo intercedesse junto dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de suspender procedimentos inspetivos;
81) Então, anuindo à solicitação feita e com o intuito de que a sociedade X…, Unipessoal, Lda. não fosse fiscalizada ou alvo de inspeções tributárias, sabendo que estava ou que iria ser alvo de ações inspetivas, assim evitando que pudessem ser alvo de procedimentos tributários para apuramento e liquidação de impostos ou de procedimentos criminais ou de contraordenação, o arguido B1… atuou nos termos infra descritos;
c
82) No dia 25 de fevereiro de 2016, após contacto telefónico para a mesma, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para a Dr.ª AH…, também para o seu endereço profissional [AH1...@at.gov.pt], Diretora Adjunta da Direção de Finanças …, cujo assunto indicou como sendo “suspensão de eventual inspeção à empresa “G…, Unipessoal, Lda.” e em que lhe solicita o seguinte:
“Exma. Dra. AH…, no seguimento da nossa conversa telefónica, venho por este meio, solicitar que a Direção de Finanças … suspenda quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros, que estejam a decorrer ou que venham a ser instaurados nos próximos meses relativamente à empresa “G…, Lda”, NIF ………, pelo facto de tal empresa, no âmbito dos autos com o NIPC 3094/14.7TAFLG da Comarca de …, DIAP, estar a ser investigada pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária, sendo certo que se existir agora uma intervenção dos vossos serviços a mesma poderá prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito a suspensão total de qualquer inspecção e/ou intervenção dos V. Serviços naquela empresa até que vos seja comunicado, oportunamente, por mim e ou pelo órgão de polícia criminal em causa, que tal ausência de intervenção já mais não é necessária ou então que a investigação em curso irá também abranger aquela empresa.”
Terminando identificando-se como “B1….” “Proc.”
83) No dia 1 de março de 2016, a Dr.ª AH… enviou ao arguido B1… “mail” aí o informando nos seguintes termos:
“Conforme solicitado, venho informar que a G… Unipessoal, Lda., NIPC ………, tem uma acção inspetiva em curso, tendo iniciado o procedimento inspetivo com a assinatura da ordem de serviço em 24/02/2016 pelo que se vai proceder à suspensão do mesmo.
“Essa ordem de serviço tem como extensão o exercício de 2012, pelo que caducando o direito à liquidação em 31/12/2016 deve o mesmo ser acautelado, devendo ser concluído o procedimento até 24/08/2016, ou, ser instaurado inquérito.”
84) A 3 de março de 2016, o arguido B1… enviou novo “mail” à Dr.ª AH… onde, em síntese, refere o seguinte:
“Exma. Dra. AH…, no seguimento da nossa última conversa telefónica e do mail enviado por V. Exa., venho, por este meio, manter e renovar o pedido anterior, ou seja, que a Direção de Finanças … suspenda a partir desta data quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros, que estejam a decorrer ou que venham a ser instaurados nos próximos meses, relativamente à empresa denominada “G…, Lda”, NIF ………, exercícios fiscais de 2012, 2013 e 2014, pelo facto de tal empresa, no âmbito dos autos com o NUIPC 3094/14.7TAFLG da Comarca de …, DIAP, estar a ser investigada pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária, tendo em conta que uma intervenção dos vossos serviços nesta altura iria prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito assim novamente a suspensão total de qualquer inspecção e/ou intervenção dos V. Serviços naquela empresa até que vos seja comunicado, oportunamente, por mim e ou pelo órgão de polícia criminal em causa, que tal ausência de intervenção já mais não é necessária ou então que a investigação em curso irá também abranger aquela empresa.”
Termina identificando-se como “B1…” “Proc.”
85) No dia 11 de março de 2016, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B1…@mpublico.org.pt], para a Dr.ª AH…, também para o seu endereço profissional [AH1…@at.gov.pt], Diretora Adjunta da Direção de Finanças…, cujo assunto indicou como sendo “pedido de suspensão de acção suspensiva à empresa “X…” e em que lhe solicita o seguinte:
“Exma. Dra. AH…, no seguimento da nossa última conversa telefónica, venho, por este meio, manter e reforçar o pedido anterior, ou seja, que a Direção de Finanças … suspenda a partir desta data quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros, que estejam a decorrer ou que venham a ser instaurados nos próximos meses, relativamente à empresa denominada “G…, Lda”, NIF ………, exercícios fiscais de 2012, 2013 e 2014, mas também que se abstenham de afectuar algum processo de averiguações, de inspecção ou outros à empresa denominada “X…, Lda., NIF ………., relativamente aos mesmos anos fiscais, pelo facto de esta última empresa também estar a ser investigada no âmbito dos autos com o NUIPC 3094/14.7TAFLG da Comarca de …, DIAP pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária, tendo em conta que uma intervenção dos vossos serviços nesta altura iria prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito assim, mais uma vez a V. Exa. a suspensão total de qualquer inspecção e/ou intervenção dos V. Serviços naquelas empresas até que vos seja comunicado, oportunamente, por mim e ou pelo órgão de polícia criminal em causa, que tal ausência de intervenção já mais não é necessária ou então que a investigação em curso irá também abranger aquela empresa.
Termina identificando-se como “B1….” “Proc.”
86) No seguimento de tal comunicação, a 14 de março de 2016, a Dr.ª AH… enviou “mail” ao arguido B1… em que o informa que “a X…, Unipessoal, Lda, NIF ………, tem duas acções inspectivas abertas com emissão de carta-aviso, pelo que não vai ser dado início ao procedimento inspectivo”, mais acrescentando que “Estas ordens de serviço daquelas acções abrangiam os exercícios de 2012 e 2013, pelo que a caducidade do direito à liquidação que ocorreria em 31.12.2016, para o ano de 2012, deveria ser acautelada, devendo ser concluído o procedimento até 24.08.2016 ou ser instaurado inquérito.”
87) No dia 15 de março de 2016, o arguido B1…, em mail enviado à Dr.ª AH…, diz o seguinte:
“Conforme o já solicitado agradeço a V. Ex.ª a suspensão das referidas acções inspectivas à empresa “X…, Unipessoal, Lda.
Mais informo que oportunamente – prevê-se que no prazo máximo de três meses – serão obtidas as informações nos nossos autos e logo que tal suceda será comunicado a V. Ex.ª qual a situação, nomeadamente se irá ou não ser necessário instaurar-se inquérito formal contra tal empresa”.
Termina identificando-se como “B1…” “Proc.”
88) No dia 15 de abril de 2016, após contacto telefónico com a mesma, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para a Dr.ª AH…, também para o seu endereço profissional [AH…@at.gov.pt], Diretora Adjunta da Direção de Finanças …, cujo assunto indicou como sendo “pedido de reunião com o exmo. Sr. Director da AT …”, onde solicita o seguinte:
“Exma. Sra. Drª AH… no seguimento da nossa conversa telefónica, do dia de hoje, venho, por este meio, solicitar a sua colaboração no sentido de se agendar uma reunião com o Exmo. Sr. Director da AT …, com vista a esclarecer a possibilidade de se manter ou não o pedido apresentado anteriormente relativo à suspensão das acções inspectivas relativas às empresas denominadas “G…, Unipessoal, Lda.” e “X…, Unipessoal, Lda.”
Conforme informação já prestada nas anteriores informações enviadas a C.ª Ex,ª tais empresas estão a ser alvo de investigação nos processos indicados, sendo do interesse dos nossos autos que as mesmas não sejam, por ora e durante algum tempo, necessariamente curto, inspecionadas.
Deste modo e satisfazendo a informação transmitida por V.a Ex.ª, com vista à realização de tal reunião, com o Exmo. Sr. Director, indico como datas para a sua realização os próximos dias 19 de Abril, pelas 10:00 horas e/ou, em alternativa, o dia 22 de Abril pelas 10:00 horas.”
Termina com “B1…”, “Proc.”
89) Após ter sido informado do “mail” anterior, AI…, no dia 22 de abril de 2016, através do seu endereço electrónico profissional [AI1…@at.gov.pt] remeteu ao arguido B1…, também para o seu endereço electrónico profissional [B2…@mpublico.org.pt] remeteu o seguinte “mail”:
“Por indisponibilidade de agenda não foi possível marcar a reunião para as datas propostas.
Venho agenciar a reunião para o próximo dia 27, pelas 16:30H no meu gabinete. Agradeço a confirmação por esta via.
Ao meu gabinete para agenciamento.”
90) Em resposta à comunicação anterior, o arguido B1…, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], remeteu para o endereço eletrónico de AI… [AI1…@at.gov.pt] a seguinte confirmação:
“Exmo. Sr Dr AI….
Antes de mais muito obrigado pela resposta positiva dada ao meu pedido de reunião. Que aceito a data indicada para a realização da citada reunião, pelo que no dia e hora designada aí estarei.
Se mais, despeço-me com um muito obrigado pela colaboração prestada.” Termina com “B1…”, “Proc.”
91) Não tendo ocorrido a reunião agendada por o arguido B1… à mesma ter faltado, foi agendada reunião com o Diretor da Autoridade Tributária … para o dia 3 de maio de 2016;
92) Todavia, o arguido deslocou-se à Direção Distrital de Finanças … para ter a aludida reunião a 2 de maio de 2016 mas, invocando-se impossibilidade de agenda, não foi o mesmo recebido;
93) Todavia, não existia nem nunca existiu qualquer inquérito contra a sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda. ou contra a X…, Unipessoal, Lda., designadamente, o mencionado 3094/14.7TAFLG;
94) As solicitações do arguido B1… acima descritas tiveram como efeito prático a suspensão das ações inspetivas que a Autoridade Tributária já iniciara no caso da G…, Unipessoal, Lda. ou que estava em vias de iniciar no caso da X…, Unipessoal, Lda.;
C
95) Os arguidos E1…, F…, C1… e D…, assim como, por intermédio dos respetivos gerentes, as sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda., I…, Unipessoal, Lda. e K…, Lda. também estas, sabiam que o arguido B1… tinha a qualidade de Magistrado do Ministério Público, assim como estavam cientes dos especiais deveres que sobre o mesmo impedia;
96) O arguido B1… sabia também da sua qualidade de Magistrado do Ministério Público, estando ainda ciente dos deveres e funções que tal qualidade e estatuto significavam;
97) Os arguidos E1…, F1…, C1… e D…, assim como, por intermédio dos respetivos gerentes, as sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda., I…, Unipessoal, Lda. e K…, Lda., sabiam que o que solicitavam ao arguido B1…, nomeadamente que o mesmo intercedesse por eles e pelas sociedades que os mesmos geriam ou em que tinham interesses junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Centro Distrital de Segurança Social de … nos termos descritos, era contrário aos deveres inerentes ao estatuto e qualidade de Magistrado do Ministério Público do arguido B1…, o que também era do conhecimento deste;
98) Não obstante isso, os arguidos E1…, F1…, C1… e D… agiram nos moldes que se mostram descritos, o que representaram, quiseram e conseguiram;
99) Estava o arguido B1… ciente que, ao agir nos moldes descritos, nomeadamente ao anuir interceder pelos demais arguidos e sociedades que os mesmos geriam ou tinham interesses junto da Autoridade Tributária e da Segurança … e ao fazê-lo, praticava atos contrários aos seus deveres, o que representou, quis e, nos termos que se descreveram, conseguiu;
100) Em todas as descritas circunstâncias, os arguidos B1…, C1…, D…, E1… e F1…, assim como, por intermédio dos arguidos gerentes das respetivas sociedades arguidas, também estas, atuaram livre, voluntária e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas, sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;
II
A
i
101) A sociedade comercial AJ…, Unipessoal, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição em 31.3.2016, com sede na Rua…, …, …, concelho de …, tendo por objeto social o comércio e fabricação de vestuário, calçado e acessórios, decoração de interiores, construção e restauro de imóveis, com o capital social de €5.000, com a seguinte composição societária e gerência:
- sócia: AK…; e – gerente: AK…;
102) No dia 16 de junho de 2014, após contacto telefónico para a mesma, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para a AH…, também para o seu endereço profissional [AH…@at.gov.pt], Diretora Adjunta da Direção de Finanças …, cujo assunto indicou como sendo “Pedido de suspensão de inspeção à empresa “AJ…, Unipessoal, Lda.” e em que lhe solicita o seguinte:
“Exma. Sr.ª Dr.ª AH…, conforme contacto prévio, por via telefónica, venho por este meio, solicitar que V. Exa. se digne dar instruções aos seus serviços no sentido de se evitar a realização de qualquer actividade inspectiva e/ou de fiscalização à empresa com o NIF……… denominada AJ…, Unipessoal, Lda, como sede na Rua…, …, …, …, porquanto tal empresa está a ser objecto de um processo de inquérito com o n.º 15/13.7GAFLG, com vista a apurar a existência ou não de indícios de prática de vários tipos de ilícito, entre os quais, alguns de natureza fiscal, mas a maioria deles da competência da Polícia Judiciária, investigação que implica, numa primeira fase, que se proceda a recolha de elementos probatórios necessários a uma boa investigação e que obrigam necessariamente a que a administração fiscal intervenha apenas numa segunda fase da investigação em curso.
Nesta conformidade e visando que nos autos em causa se obtenham bons resultados, solicito os seus bons ofícios no sentido de que a administração fiscal se abstenha de qualquer tipo de intervenção, por ora, em tal empresa, pelo menos durante o período de 8 meses, prazo que se pensa ser o necessário para se obter os elementos probatórios mais relevantes quanto aos crimes graves em investigação da nossa competência.”
Terminava identificando-se como “O Procurador-adjunto, B…”
103) No dia 13 de março de 2015, pela mesma via, o arguido B1… enviou novo “mail” à AH…, cujo assunto indicou como sendo “pedido de continuação de sustação da inspeção à empresa “AJ…, Unipessoal, Lda.” e em que lhe solicita o seguinte:
“Exma. Sr.ª Dr.ª AH…, conforme nosso último contacto, por via telefónica, venho, por este meio, solicitar que V.ª Ex.ª se digne determinar ou ordenar aos seus serviços que não seja efectuada qualquer acção inspectiva, relativa ao ano de 2012, ou seguintes, relativamente à empresa denominada “AJ…, Unipessoal, Lda” NIF ………, porquanto tal empresa está a ser objecto de um processo de inquérito, com o n.º 615/13.7GAFLG, desta comarca – DIAP de …, com vista a determinar a existência, ou não, de indícios da prática de vários tipos de ilícitos, entre os quais, alguns de natureza fiscal, sendo que a maioria deles são da competência da Polícia Judiciária.
Sendo certo que, nesta primeira fase, a investigação em curso, implica a recolha de elementos provatórios que não se compadecem com a intervenção, desde já, da administração fiscal, a qual poderá acontecer apenas numa segunda fase, caso os indícios que entretanto se obtiverem implicarem tal intervenção.
Deste modo, e tendo em vista a obtenção de bons resultados investigatórios, solicito os bons ofícios de V.ª Ex.ª no sentido da administração fiscal se abster por ora de qualquer tipo de intervenção, relativamente aos ano de 2012 e seguintes (uma vez que de momento não existem indícios seguros ou suficientes da prática de algum dos crimes em investigação, na parte relativa ao ano de 2011, por parte da citada empresa, motivo pelo qual relativamente a este ano de 2011 já não se mostra mais necessário manter a requerida sustação da acção inspectiva em causa), investigação que ainda se irá manter durante alguns meses quanto aos crimes em investigação.”
Terminava identificando-se como “O Procurador, B…”;
104) Todavia, não existiu ou existia qualquer inquérito contra a AJ…, Unipessoal, Lda., sendo que o inquérito que foi invocado nas antecedentes comunicações, respeitava factos suscetíveis de integrar o crime de dano simples, havia estado a cargo do arguido B1.. que nele tinha proferido despacho de arquivamento, em 12.6.2014;
ii
105) A sociedade comercial AD…, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 20.2.2008, com sede no Lugar …, …, …, concelho de …, tendo por objeto social o fabrico de solas e componentes para calçado, com o capital social de €10.000, com a seguinte composição societária e gerência:
- sócios: AL… e AM…, cada um deles com uma quota de €5.000; e
- gerentes: AL… e AM…, obrigando-se a sociedade com a assinatura de ambos os gerentes;
106) Relativamente à sociedade AD…, Lda., o arguido B1… remeteu, no dia 28 de agosto de 2014, nas circunstâncias descritas em 47), a comunicação aí referida, nos seguintes termos:
“Exmo. Sr. Dr. AC2…, no seguimento da nossa conversa telefónica, venho por este meio solicitar que a Direcção de Finanças de … suspenda quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros que estejam a decorrer ou venham a ser instaurados nos próximos meses relativamente às seguintes empresas:
- AD…, Lda - NIF ………; - H…, Lda - NIF ………;
- I… Unipessoal, Lda - NIF ……….
Tal pedido baseia-se no facto de no âmbito dos autos com o NUIP 309/13.7TAFLG, da comarca de …, tais empresas, entre outras, estarem a ser investigadas pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária e se entretanto existir uma intervenção dos vossos serviços, e/ou da Autoridade Tributária, tal situação pode prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito a Va Ex.ª a suspensão total de qualquer inspecção e/ou intervenção dos V. Serviços, naquelas empresas, até que vos seja comunicado, por mim e/ou pelo órgão de polícia criminal competente, que tal ausência de intervenção da vossa parte já não é mais necessária.
Mais solicito, caso tal seja possível, que seja enviado, pela Autoridade Tributária, às citadas empresas, um mail ou oficio a informar que a V.ª intervenção cessou, uma vez que temos a informação de que as mesmas tinham já sido contactadas, pelos V. Serviços, a fim de a investigação em curso não ser prejudicada de alguma forma.”
107) Na sequência da comunicação anterior, em 1 de setembro de 2014, foi comunicada às equipas de inspeção tributária a suspensão das ações inspetivas a esta empresa o que, efetivamente, veio a ter lugar;
108) Além disso e tal como pedido pelo arguido B1…, a 4 de setembro de 2014, foi comunicada à referida empresa a suspensão das ordens que tinham sido emitidas em 16 de julho de 2014 para as competentes ações inspetivas;
109) Na reunião aludida em 50), o arguido B1… sublinhou a grande importância da investigação que tinha em mãos a qual tinha, inclusive, contornos internacionais e da necessidade de que a atuação da administração fiscal a não prejudicasse, reiterando o pedido anteriormente feito também relativamente à sociedade AD…, Lda.;
110) A mensagem aludida em 51) também tinham em vista a AD…, Lda.;
111) Na Autoridade Tributária, suspeitava-se que aquela empresa tinha procedido à utilização de faturas falsas emitidas por empresas sedeadas no distrito de …;
112) Efetivamente, existiu um inquérito com o mencionado registo n.º 309/13.7TAFLG, mas não dizia respeito a qualquer investigação sobre aquelas empresas ou em que elas estivessem implicadas, nem o mesmo alguma vez esteve a cargo do arguido B1…;
113) A ação inspetiva relativamente à AD…, Lda. só foi retomada em setembro de 2016, após diligências efetuadas no âmbito do presente processo;
iii
114) A sociedade AN…, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 5.2.2001, com sede na Rua…, n.º …., …, …., concelho de Santa Maria da Feira, tendo por objeto social o comércio, importação, exportação, representações e indústria de aglomerados de cortiça, com o capital social de €5.000, cabendo atualmente a gerência a AO… e, anteriormente, AP…;
115) No dia 20 de outubro de 2014, após contacto telefónico para a mesma, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para AQ…, Inspetora Tributária, também para o seu endereço profissional [AQ1…@at.gov.pt], cujo assunto indicou como sendo “suspensão de inspeção à empresa AN… Lda e em que lhe solicita o seguinte:
“Senhora Inspectora, na sequência de conversa telefónica tida com o Exmo. Sr. Inspector AE… venho, por este meio, solicitar que a Direcção de Finanças de … suspenda quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros que estejam a decorrer ou que venham a ser instaurados nos próximos meses relativamente à empresa denominada “AN…, Lda”, NIF ……… e ainda que mais suspendam qualquer acção inspectiva relativamente aos seus sócios, a título individual.
Tal pedido fundamenta-se no facto de no âmbito dos autos de inquérito com o NUIPC 309/13.7TAFLG, da Comarca de … (agora DIAP de … – NUT do …), tal empresa, entre outras, estar a ser investigada pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária e, se vier a existir uma intervenção dos vossos serviços ou da Autoridade Tributária, em termos genéricos, tal situação poder prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito a V.ª Ex.ª a suspensão total de qualquer inspecção e/ou intervenção dos V. Serviços naquela empresa até que vos seja comunicado, por mim e/ou pelo órgão de polícia criminal competente que tal ausência de intervenção já mais não é necessária.
Caso tal empresa ou os seus sócios tenham já sido notificados pela Autoridade Tributária de alguma acção inspectiva, mais solicito, caso tal seja possível, que lhes seja enviado um mail ou ofício pelos V. serviços a comunicar a suspensão da acção inspectiva em causa, a fim de a investigação em curso não ser prejudicada de alguma forma.”;
116) Todavia, a inspeção da Autoridade Tributária sobre a empresa em causa já se tinha iniciado em junho de 2014, por controlo aleatório das empresas que haviam pedido reembolso de IVA, tendo a aludida sociedade pedido o reembolso de IVA no valor de €100.000 e havendo suspeitas de utilização de faturação falsa;
117) À data do pedido do arguido B1… já haviam sido recolhidos elementos documentais sobre a empresa, pelo que não foi necessário a realização de qualquer outra diligência junto da mesma, sendo que, a análise dos elementos recolhidos originou processo criminal de inquérito contra aquela empresa, por suspeita de fraude fiscal, tendo sido deduzida acusação no âmbito do processo n.º 342/16.3IDAVR, sendo aí acusados, além de outros 166 arguidos, AO…, AP… e a própria AN…, Lda. pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º e 104.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias;
iv
118) A sociedade comercial AS…, Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………, tendo sido registada a sua constituição a 20.3.1991, com sede em …, concelho de …, tendo por objeto social a preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas, sua confitagem e cristalização, fabricação de doces, compotas, geleias e marmelada, com o capital social de €480.000, com a seguinte composição societária e gerência:
- sócios: AT…, AU… e AV…, cada um deles com uma quota de €160.000; e
- gerentes: AW… e AZ…, obrigando-se a sociedade com a intervenção de ambos os gerentes;
119) No dia 8 de outubro de 2014, após contacto telefónico para o mesmo, o arguido B1… enviou “mail”, através do seu endereço profissional [B2…@mpublico.org.pt], para a Direção de Finanças de …, ao cuidado do Dr. BA…, coordenador de Planeamento da Inspeção, também para o endereço eletrónico daquela Direção de Finanças [df…@at.gov.pt], cujo assunto indicou como sendo “suspensão de inspeção a uma empresa (ao cuidado do Dr. BA…) e em que solicita o seguinte:
“Exmo. Sr. Dr. BA…, no seguimento da nossa conversa telefónica, venho, por este meio, solicitar que a Direcção de Finanças de … suspenda quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros que estejam a decorrer ou que venham a ser instaurados nos próximos meses relativamente à empresa denominada «AS…, Lda» com o NIF ………, com sede na Rua…, pelo facto de tal empresa, no âmbito do autos com o NUIPC 309/13.7TAFLG, da Comarca de …, DIAP, …, estar a ser investigada pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária, sendo certo que se existir agora uma intervenção dos vossos serviços a mesma poderá prejudicar a investigação em curso.
Nesta conformidade, solicito a V.ª Ex.ª a suspensão total de qualquer inspecção ou intervenção dos V. Serviços, naquela empresa, até que vos seja comunicado, oportunamente, por mim e ou pelo órgão de polícia criminal em causa, que tal ausência de intervenção já mais não é necessária ou então que a investigação em curso deverá também abranger tal empresa.
Mais solicito, caso tal seja possível, que seja enviado pela autoridade tributária à citada empresa um “mail” ou ofício a informar que a V.ª intervenção cessou, uma vez que existe informação que aquela empresa tinha já sido contactada pelos V. serviços, a fim da investigação em curso não ser prejudicada de alguma forma.”;
120) À data do pedido do arguido decorria já um procedimento inspetivo no âmbito de inquérito n.º 639/13.4TAVRL por suspeita de fraude fiscal, pelo magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Moimenta da Beira;
121) Questionado se tratava da mesma investigação, o arguido B1… respondeu negativamente e que a que liderava visava outros factos com contornos internacionais;
122) Tendo sido pedido ao arguido para fundamentar legalmente o seu pedido e para certificar a sua assinatura ele não o fez, referindo apenas que o pedido de suspensão era temporário;
123) Assim, como também não estavam previstas diligências externas a breve trecho, quando foi necessário encetá-las a Autoridade Tributária contactou de novo o arguido B1… que não levantou, então, objeções à sua realização;
124) No final do inquérito acima referido, suspeitou-se da prática, não do crime de fraude fiscal, mas de abuso de confiança fiscal;
v
125) A sociedade arguida J…. Lda. é uma sociedade matriculada com o número de pessoa coletiva ………., tendo sido registada a sua constituição a 26.7.2013 e, atualmente, com sede na Rua…, n.º .., …, freguesia …, concelho de Guimarães, tendo por objeto social a construção civil e obras públicas, construção de pontes e túneis, instalação e manutenção de máquinas e equipamentos para a construção civil, revestimentos de pavimentos e de paredes, pintura e colocação de vidros e engenharia civil, com o capital social de €5.000, cabendo a gerência da mesma, desde 5.2.2015, a L…;
126) No dia 4 de fevereiro de 2015, o arguido B1… enviou “mail” para AG… cujo assunto indicou como sendo “pedido de deferimento dos requerimentos/pedidos de A1 da empresa denominada “J…. Lda.” e em que lhe solicita o seguinte:
“Sr. Dr. AG1…, na sequência da nossa conversa telefónica, venho, por este meio, solicitar a V.ª Ex.ª que todos os requerimentos ou pedidos formais denominados de A1 que a empresa denominada “J…, Lda”, com sede na Rua…, n.º .., …, Vila Nova de Famalicão, apresente, nos próximos três a quatro meses, nos vossos serviços sejam, a título excepcional, deferidos, mesmo que se não reúnam os requisitos legais ou regulamentares para o efeito, atendendo a que tal empresa, entre outras está a ser investigada no âmbito dos autos n.º 41/14.2JABRG, pela eventual prática dos crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros de idêntica natureza e consigo conexos, de âmbito internacional com ligações à Bélgica, Luxemburgo e Alemanha, sendo certo que a perturbação ao nível do indeferimento de tais pedidos irá prejudicar gravemente a investigação em curso que tem ramificações de nível internacional.
Nesta conformidade, solicito a vossa preciosa colaboração, bem como mais solicito o total sigilo e confidencialidade sobre a referida investigação em curso”.
Termina o arguido B1… identificando-se como “B1…”, “Procurador – DIAP – NUT …”;
127) Logo nesse dia, pelos serviços da Segurança Social foi dado seguimento ao solicitado pelo arguido B1…;
128) No dia 24 de fevereiro de 2015, o arguido remeteu a AG1… a comunicação descrita em 61);
129) Logo nesse dia, pelos serviços da Segurança Social foi dado seguimento ao solicitado pelo arguido B1…;
130) Entretanto, nos termos acima referidos em 63) AG1… ia mantendo o arguido B1… a par das vicissitudes relativas à J…. Lda., nomeadamente da inscrição de L… como membro de órgão estatutário e, ainda, a 22 de abril de 2015, do seguinte:
“Envio informação sobre a entidade J…, UNIPESSOAL LDA:
A entidade requereu a 17/04/2015, sete (7) destacamentos que no seu conjunto perfazem 34 A1’s
Os pedidos destinam-se todos a Bélgica.
Os períodos de destacamento são até dezembro de 2015.
Analisados os critérios de deferimento (atividade substancial e número de TCO’s em Portugal) verifica-se que não estão cumpridos os requisitos porque estão em cerca de 20%.”
131) Em resposta à informação prestada, ainda no dia 22 de abril de 2015, o arguido B1…, sempre pelo seu endereço eletrónico profissional, reiterou o anteriormente solicitado a AG1… nos termos indicados a 64):
“Muito obrigado pela informação enviada.
Iremos continuar a investigação em curso na posse de mais esta informação e conforme já falamos anteriormente agradecemos a continuação da vossa colaboração no deferimento dos pedidos de A1 apresentados pelas empresa em causa, até ao apuramento cabal dos factos em investigação.”
132) A 16 de junho de 2015, na sequência de “mail” que lhe fora enviado por AG1…, em que lhe prestava informações sobre a tramitação dos procedimentos relativos aos pedidos feitos pelas sociedades arguidas K…, Lda., Lda. e J…. Lda., também por via eletrónica, o arguido B1… reiterou o pedido de continuação do procedimento que vinha sendo adotado nos termos referidos em 65):
“Muito obrigado pela informação agora enviada.
Conforme nossa última conversa a investigação em curso continua, estando ainda em curso a realização de diversas diligências com vista a apurar a prática, por parte dos legais representantes das empresas em causa, entre outros, dos ilícitos denunciados, diligências cuja duração se prevê demorar ainda alguns meses.
Agradeço novamente as informações agora enviadas, uma vez que os elementos e informações em causa podem se mostrar muito relevantes para a investigação em curso.
Como já disse iremos continuar a investigação em curso (agora na posse de mais esta relevante informação) e conforme já informamos anteriormente agradecemos a continuação da vossa colaboração no deferimento dos pedidos de Al que as empresas em causa forem apresentando nos vossos serviços, até ao apuramento cabal dos factos em investigação e/ou até informação da nossa parte sobre o estado da investigação.”
133) Na sequência de dúvidas levantadas pela Segurança Social Belga sobre a veracidade dos Documentos Portáteis A1 apresentados por 10 trabalhadores da sociedade arguida J…. Lda., no dia 14 de janeiro de 2016, o arguido B1…, sempre pelo seu endereço eletrónico profissional, reiterou o anteriormente solicitado a AG1… nos termos referidos em 66):
“Exmo. Sr. Dr. AG1…, na sequência da nossa última conversa venho, por este meio, solicitar novamente a V. Ex.ª que todos os requerimentos ou pedido formais de A1 que a empresa K…, Lda. J…, Lda”, com sede na Rua…, n.º .., …, Vila Nova de Famalicão, apresente, nos próximos 3 a 4 meses, nos vossos serviços, sejam, a título excepcional, deferidos, mesmo que não reúnam os requisitos legais e regulamentares para o efeito, atendendo a que tal empresa, entre outras, está a ser investigada neste DIAP pela eventual prática de crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros de idêntica natureza e consigo conexos, de âmbito internacional, com ligações à Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Alemanha, sendo certo sendo certo que a perturbação ao nível do indeferimento de tais pedidos irá prejudicar gravemente a investigação em curso que tem ramificações de nível internacional.
Nesta conformidade, solicito mais uma vez a continuação da vossa preciosa colaboração, bem como mais solicito o total sigilo e confidencialidade sobre a referida investigação em curso.”
134) No dia 15 de janeiro de 2016, pelos meios atrás indicados, AG1… informou o arguido B1…, relativamente à sociedade arguida J…. Lda., do seguinte já referido em 67):
“Na sequência do email que me enviou e para os efeitos que entender por convenientes, informo-o que recebemos um email dos serviços centrais a pedir que fosse confirmado o valor das remunerações declaradas ela entidade na qual foram anexados os recibos de vencimento que a empresa apresentou às autoridades Belgas.
Analisada a situação verificámos que as remunerações constantes nos recibos divergem das declaradas na segurança social portuguesa, pelo que solicitamos a intervenção da unidade de fiscalização para apuramento de eventuais contribuições não declaradas.”
135) A 15 de abril de 2016, o arguido B1…, pelos meios que já se assinalaram, enviou a AG1… a comunicação descrita em 68);
136) Após ter contactado telefonicamente com AG1… a 3 de maio de 2016 informando-o da desnecessidade de o Centro Distrital de Segurança Social de … manter o procedimento solicitado relativamente às sociedades arguidas K…., Lda. e J…, Lda., a 5 de maio de 2016, o arguido B1… remete mensagem eletrónica, através do enderece eletrónico acima indicado, confirmando o teor da conversa telefónica;
137) A invocada investigação não existia, tendo sido um pretexto utilizado pelo arguido B1… garantir o deferimento dos pedidos que foram feitos pelas sociedades arguidas K…, Lda., Lda. e J…, Lda. entre 24 de fevereiro de 2015 e 3 de maio de 2016;
138) A J…, Lda., em consequência da ação do arguido B1…, teve um tratamento de favor pelos serviços da segurança social na emissão de Documentos Portáteis A1 por si requeridos, nomeadamente na análise pouco rigorosa das situações em que, à primeira vista, não cumpria as exigências legais referentes à emissão de tais documentos quanto a que mantivessem em Portugal cerca de 25 % da faturação e dos seus trabalhadores;
B
139) O arguido B1… sabia da sua qualidade de Magistrado do Ministério Público, estando ainda ciente dos deveres e funções que tal qualidade e estatuto significam;
140) Estava o arguido B1… ciente que, ao agir nos moldes descritos, nomeadamente ao interceder pela sociedade arguida J…. Lda. e pelas sociedades AJ…, Lda., AD…, Lda., AS…, Lda., AN…, Lda. e por AO… e AP… junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social praticava atos contrários aos seus deveres, o que representou, quis e, nos termos que se descreveram, conseguiu;
141) Agiu animado do propósito de beneficiar a sociedade arguida J…. Lda. e as sociedades AJ…, Lda., AD…, Lda., AS…, Lda., AN…, Lda. e por AO… e AP…, o que conseguiu em relação à sociedade AJ…, Lda., AD…, Lda. e J…, Lda.;
142) Agiu sempre livre, voluntaria e conscientemente, sabedor do caráter ilícito e reprovável das suas condutas, sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;
III
A
i
143) No dia 5 de junho de 2013, A Sr.ª Solicitadora BD…, com a cédula profissional …., autenticou a procuração que BE… e BF…, pais do arguido B1…, outorgaram a seu favor, conferindo-lhe “poderes de representação para efectuar as diligências necessárias, sobre quaisquer assuntos, junto da Câmara Municipal e Tribunal de … de assuntos pendentes à tramitação legal dos processos, dos seguintes prédios
- PRÉDIO URBANO sito no Largo …, n.º …, na freguesia e concelho de …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 103.
- PRÉDIO URBANO sito na Rua…, na freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 468.
Conferem-lhe ainda poderes para junto da Conservatória do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo predial, cancelamentos ou averbamentos, para junto da repartição de finanças pagar quaisquer impostos ou contribuições ou pedir isenção dos mesmos e averbamentos de propriedade e ainda poderes para assinar tudo o que necessário para os indicados fins”.
144) Porém, na posse da procuração descrita em 143), em data concretamente não apurada mas entre 5 de junho de 2013 e 9 de agosto de 2013, através de uma reprodução eletrofotográfica monocromática resultante de uma montagem do documento que lhe deu origem e que foi realizada a partir da utilização de uma reprodução de assinaturas, o arguido B1… fabricou uma nova procuração na qual constam como outorgantes BE… e BF…, pais do arguido, e em que aqueles “constituem seu bastante procurador” o arguido, a quem “conferem todos os poderes necessários para, em seu nome e representação, vender, transacionar, hipotecar, contrair empréstimos, abrir ou movimentar contas junto de quaisquer entidades bancárias, financeiras ou particulares, nos montantes, pelos prazos, juros e demais condições que entender ou forem acordados, receber as quantias mutuadas e delas se confessar devedor, hipotecando para garantia de tais empréstimos contrair empréstimos o prédio ou imóvel seguinte:
- PRÉDIO URBANO sito na Rua…, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 468”,
Mais lhe conferindo poderes para “junto da Conservatória do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo predial, cancelamentos ou averbamentos, para junto da repartição de finanças pagar quaisquer impostos ou contribuições ou pedir isenção dos mesmos e averbamentos de propriedade e ainda poderes para assinar tudo o que necessário para os indicados fins”
145) Além disso, na posse da procuração descrita em 143), em data concretamente não apurada entre 5 de junho de 2013 e 9 de agosto de 2013, através de uma reprodução eletrofotográfica monocromática resultante de uma montagem do documento que lhe deu origem e que foi realizada a partir da utilização de uma reprodução de assinaturas, o arguido B1… fabricou uma nova procuração na qual constam como outorgantes BE… e BF…, pais do arguido, e em que aqueles “constituem seu bastante procurador” o arguido, a quem “conferem todos os poderes necessários para, em seu nome e representação, vender, transacionar, hipotecar, contrair empréstimos, abrir ou movimentar contas junto de quaisquer entidades bancárias, financeiras ou particulares, nos montantes, pelos prazos, juros e demais condições que entender ou forem acordados, receber as quantias mutuadas e delas se confessar devedor, hipotecando para garantia de tais empréstimos contrair empréstimos o prédio ou imóvel seguinte:
- PRÉDIO URBANO sito no Largo…, n.º …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 103”,
Mais lhe conferindo poderes para “junto da Conservatória do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo predial, cancelamentos ou averbamentos, para junto da repartição de finanças pagar quaisquer impostos ou contribuições ou pedir isenção dos mesmos e averbamentos de propriedade e ainda poderes para assinar tudo o que necessário para os indicados fins”;
146) O prédio sito no Largo … corresponde à habitação dos seus pais;
147) Munido das procurações alteradas nos termos supra indicados, o arguido B1…, sem a autorização ou o conhecimento dos seus pais, para garantia e pagamento de mútuos que, para si, contraiu, constituiu hipotecas sobre o imóvel referido em 144) e alienou o referido em 145), tendo, no entanto, garantido a utilização do imóvel através de contrato de comodato;
148) As procurações acima aludidas foram apreendidas ao arguido B1… no dia 20 de junho de 2016;
ii
149) Em data concretamente não apurada, mas seguramente antes de 20 de junho de 2016, através da manipulação por electrofotografia monocromática de um original da AB1… e procurando fazê-los passar por documentos efetivamente emitidos pela AB1…, o arguido B1… fabricou dois exemplares de cartas que imprimiu, cada um deles, numa folha de papel branca nos termos dos quais diz que, por ordem do cliente do AB1…, se enviam títulos de obrigações no valor facial de um milhão de dólares americanos [um bilião, como aparece escrito por extenso] para uma conta que ali se identifica do BG…, nos seguintes termos:
- remetente: “AB1…”
- destinatário: “Mr. BH… / Director, BI… / BJ… / BK… / BL… / BM…”
- data: “On 04th Day of October 2013”
- assunto: “Ref. BG….SA (…) Secured Offset … Numbers: Under Contract Nº …/BG…/…….-….
– conteúdo: “Dear Sir, order of our client, we send to your institution, the …, U.S.$ 1,000,000,00 (One Billion U.S. Dollars) face value, CUSIP NUMBER …… …., ISIN NUMBER: US………….., by order of our client, we are sending you the original paper of the … to the accont of BG…, LTD to you at BJ…. (A deposit to the account No. 1071031407112 – Account holder, BG… LTD).”
- ambos os exemplares se mostram assinados manuscritamente por um “BN…”, na qualidade de “AB1… / A DIREÇÃO”
150) Os documentos referidos não foram emitidos pela AB1…, qualquer das suas filiais, dependências ou AB2…;
151) As referidas cartas foram apreendidas ao arguido B1… no dia 20 de junho de 2016, encontrando-se na mala do veículo Mercedes Benz, de matrícula ..-OX-..;
iii
152) No dia 20 de junho de 2016, o arguido B1… detinha na sua posse os seguintes documentos que, em data concretamente não apurada, fabricou e imprimiu:
i. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira – DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Juiz Presidente do DIAP – NUT … e data de emissão de 02 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V. a Oficio n.º 4140479, datado de 21/06/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BO…, Lda”, com sede na Rua…, …, ….-… …, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2011; 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA.”
ii. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Juiz Presidente do DIAP – NUT … e data de emissão de 02 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V. a Oficio n.º 4140479, datado de 21/06/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BO…, Lda”, com sede na Rua…, …, ….-… …, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2011; 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA.”
iii. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Director do DIAP – NUT … e data de emissão de 02 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V.ª Oficio n.º 4140479, datado de 21/06/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BO…, Lda”, com sede na Rua…, …, ….-… …, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2011; 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA.”
iv. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Director do DIAP – NUT … e data de emissão de 02 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. Dr. no seguimento do V.ª Oficio n.º 4140479, datado de 21/06/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BO…, Lda”, com sede na Rua…, …, ….-… …, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2011; 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA.”
v. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Director do DIAP – NUT … e data de emissão de 21 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V.ª pedido de informação, datado de 18/07/2014, a Direção de Finanças …o (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BP… Unipessoal, Lda”, com sede em …, …, …, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA.”
vi. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Director do DIAP – NUT … e data de emissão de 21 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V.ª pedido de informação, datado de 18/07/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BQ…, Unipessoal, Lda”, com sede na Rua…, n.º …, …, Penafiel, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA.
vii. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Director do DIAP – NUT … e data de emissão de 21 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V.ª pedido de informação, datado de 18/07/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “Construções BR…, Lda.”, com sede na …, n.º .., …, …, …, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA”;
viii. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira - DIRECÇÃO DE FINANÇAS …, onde consta o número 13586/05.10, o destinatário Director do DIAP – NUT … e data de emissão de 21 de Julho de 2014, nele constando o seguinte:
“Exmo. Sr. no seguimento do V.ª pedido de informação, datado de 18/07/2014, a Direção de Finanças … (Divisão de Processos Criminais Fiscais e Divisão de Inspeção Tributária) informa V.ª Ex.ª que, durante o exercício fiscal do ano de 2014, está prevista a realização de uma inspeção à empresa supra identificada e denominada “BS… – Construções, Lda.”, com sede na …, n.º .., …, …., nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, do artigo 59º, da Lei Geral Tributária e artigos 28º e 48º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo tal inspeção por objecto os exercícios de 2012 e 2013, em sede de IRC e de IVA;”;
ix. Ofício datado de 1/09/2015, da Autoridade Tributária e Aduaneira – DIRECÇÃO DE FINANÇAS … – DIVISÃO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA II, com referência a “G…, Unipessoal Lda.”, nele constando o seguinte:
“Procedimento Inspectivo Interno Geral e IVA, com 0-° ……….., no âmbito de ação especial de controlo relativo aos anos de 2013 e de 2014 e, ainda, Procedimento Inspectivo Interno Geral, com o n.º OI………., referente ao 1° Trimestre do exercício fiscal do ano de 2015, relativamente ao sujeito fiscal supra identificado e apenas quanto ao IVA.
No seguimento de instruções internas provenientes da Direcção-geral de Finanças, entre várias outras empresas, foi ordenada a inspeção ao sujeito passivo “G…, Unipessoal, Lda”, NIF …….., relativamente aos exercícios fiscais dos anos de 2013 e de 2014, e ainda Procedimento Inspectivo Interno Geral, com o n.( OI…….., referente ao 1° Trimestre do exercício fiscal do ano de 2015, quanto à citada empresa e/ou sujeito passivo singular supra referenciado.
Todavia, tendo em conta a discricionariedade de que estou investida, pela delegação de poderes determinada pelo despacho proferido pelo Exmo. Sr. Director Geral de Finanças, datado de 21/12/2013, bem como atendendo ao facto de os fluxos tributários, financeiros e fiscais relativos a tal empresa e sujeitos passivos, por comparação com os fluxos a inspecionar de outros sujeitos fiscais, não assumirem nenhuma gravidade que implique a sua fiscalização de imediato, como resulta do parecer junto aos autos pelo inspector nomeado, até porque, e por maioria de razão, os meios de intervenção e de fiscalização desta divisão serem escaços, determino que durante este ano fiscal de 2015 e ainda durante os exercícios fiscais seguintes, o citado sujeito passivo, relativamente aos exercícios fiscais dos anos de 2013 e de 2014, e ainda quanto ao 1° Trimestre do exercício fiscal do ano de 2015, supra referenciados, não sejam inspecionados, considerando-se devidamente regularizada a situação fiscal de tal sujeito passivo.
Dê conhecimento e transmita aos serviços respectivos para que seja dada baixa na lista de inspecções ordenadas e seja tida na devida conta a situação regular do citado sujeito passivo.”
153) Os aludidos documentos não correspondem a documentos emitidos pelos Serviços da Autoridade Tributária ou de qualquer dos seus departamentos, secções ou direções;
B
154) O arguido B1… tinha perfeito conhecimento que os documentos acima referidos — procurações, cartas bancárias e ofícios da Autoridade Tributária e Aduaneira — que fabricou e, relativamente às procurações, usou não tinham correspondência com a realidade, neles fazendo constar factos que não correspondiam à verdade;
155) Fê-lo com a intenção de os utilizar e apresentar a terceiros ou a autoridades e entidades públicas, assim enganando-os e fazendo-lhes crer que o que neles constava correspondia à verdade;
156) Agiu ainda o arguido B1… sabendo que a procuração que alterou constituía documento com força autêntica e que a sua utilização, assim alterada, colocava em causa a força probatória plena de que gozam os documentos autênticos ou autenticados, para além de causar prejuízo aos seus pais;
157) Sabia que lesava o interesse público na autenticidade e genuinidade dos documentos, colocando o seu valor probatório em crise, o que representou e quis;
158) Não obstante isso, agiu nos moldes descritos de modo livre, voluntário e consciente, consciente do caráter ilícito e reprovável da sua conduta, sabendo que a mesma era proibida e punida por lei;
IV
A
159) O processo de socialização do arguido B1… decorreu no agregado de origem, constituído pelos pais, em …, sendo o pai comerciante e proprietário de um armazém de tabaco e a mãe doméstica;
160) O estilo educativo preconizado pelo pai era marcado pela exigência e rigidez na prossecução das tarefas e do resultado pretendido, sendo a mãe uma figura mais afável;
161) A dinâmica familiar era funcional e a situação económica da família satisfatória, não obstante o progenitor do arguido B1… tendesse a gerir a economia familiar com critério e rigor;
162) O arguido B1… contava um ano de idade quando nasceu a sua irmã que, todavia, não chegou a coabitar com o restante agregado familiar do arguido, antes tendo integrado o agregado da avó materna, opção tomada pela família na sequência de problemas de saúde de que padecia a mãe do arguido;
163) O arguido B1… iniciou a escolaridade aos 6 anos, idade em que teve também o primeiro contacto com o trabalho, colaborando em tarefas no armazém do pai;
164) Aluno dedicado e cumpridor face às exigências parentais, apresentou um percurso escolar regular até ao 12.º ano de escolaridade, sempre em simultâneo com o apoio que prestava ao pai, no armazém de tabaco e, posteriormente, como vendedor, em … e no …;
165) Em termos afetivos, o arguido B1… estabeleceu relacionamento com a atual cônjuge, com quem casou aos 20 anos de idade, imediatamente antes do Serviço Militar Obrigatório;
166) Cumpriu o serviço militar durante 2 anos, sendo adido do Juiz do Tribunal Militar, sendo nesta esteira que desenvolveu o interesse pela área do Direito, pelo que, terminado o Serviço Militar, efetuou candidatura ao Ensino Superior, tendo ingressado na Universidade …, no Porto;
167) O arguido B1… residia com a cônjuge e com o primeiro filho, numa primeira fase integrando o seu agregado de origem;
168) Posteriormente, na sequência de desavenças motivadas por incompatibilidades entre a cônjuge e o pai do arguido, o casal passou a residir em habitação arrendada, tendo, em 1996, passado a morar na atual casa morada de família, em …, propriedade do pai do arguido;
169) O casal teve três filhos, tendo a cônjuge, por opção do casal, se dedicado exclusivamente à prestação de cuidados aos filhos e às tarefas domésticas, cabendo ao arguido a obtenção de rendimento para sustento da família, tal como era, em termos de referência familiar, a prática comum do elemento masculino do casal;
170) A par da integração laboral como vendedor na atividade exercida pelo pai, o arguido B1… frequentava a Universidade em regime noturno, contando, para tal, com o apoio económico do progenitor;
171) Ao tempo, saía de casa de madrugada e regressava perto das 24 horas, sendo que aos fins de semana tinha como principal ocupação o estudo;
172) Na sequência de conflitos com o progenitor, o arguido B1… passa a trabalhar numa empresa de construção civil, período em que auferiu uma grande ascensão remuneratória, devido à dedicação ao trabalho em várias zonas da região norte do país como apontador;
173) Concluída a licenciatura aos 31 anos de idade, o arguido B1… efetuou candidatura ao Centro de Estudos Judiciários, que concluiu com sucesso, tendo optado pela Magistratura do Ministério Público por considerar que o trabalho desenvolvido nesta área se adequava melhor ao seu perfil de personalidade, dado a sociabilizar e aos contactos interpessoais diretos;
174) Na magistratura, o arguido B1… ficou inicialmente colocado no Tribunal de …, seguindo-se, após 2 anos, …, … e, finalmente, no Tribunal de …;
175) Durante o seu percurso enquanto magistrado, o arguido B1… dedicava a quase totalidade do seu tempo à ocupação laboral, iniciando o dia de trabalho perto das 6 horas da manhã e terminando, muitas vezes, depois das 18 horas, ocupação que estendia aos finais de semana e feriados;
176) Era dedicado ao trabalho e, frequentemente e quando tal era necessário, era solicitado pela sua hierarquia para substituir outros magistrados do Ministério Público, em regime de acumulação;
177) Tendente à pontualidade, ao cumprimento de metas que autoimpunha e ao perfecionismo, o período de sono reduzia-se a 4 horas diárias, prejudicando também o tempo que dedicava à família, para a qual, não obstante, nunca deixou de estar disponível;
178) A sua rede social era essencialmente reduzida à família e a dois amigos que o acompanharam desde a escolaridade, à exceção de contactos pontuais que foi mantendo com antigos colegas de faculdade, com fim essencialmente profissional e com dois colegas de profissão com quem sentia maior proximidade;
179) Com o decorrer do tempo, as despesas com educação e encargos familiares foram aumentando, uma vez que os três ingressaram no ensino superior, tentando o arguido suportar os custos inerentes à subsistência do agregado e proporcionar à família uma condição de vida e de conforto favorável;
180) À data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido B1… residia com o cônjuge e os dois filhos mais novos, na atual casa morada de família, moradia localizada numa zona central de … e com condições de habitabilidade;
181) O filho terminara a licenciatura em Direito e concluíra um curso em Gestão de Empresas;
182) No presente, o arguido B1… reside em …, com o cônjuge e a filha mais nova, de 25 anos de idade, encontrando-se os outros dois filhos autonomizados;
183) A dinâmica familiar é funcional, mantendo os elementos da família, entre si, uma interação positiva;
184) Em 20 de janeiro de 2015, o arguido sofreu dissecação da aorta, tendo sido sujeito a internamento hospitalar de urgência;
185) Este incidente e a difícil situação existencial do arguido, nomeadamente as suas dificuldades económicas, acentuaram caraterísticas da sua personalidade impulsiva, explosiva, ciclotímica, meticulosa, perfecionista e ruminativa;
186) Entretanto, o arguido B1… começou a apresentar ideação suicida e, em julho de 2017, foi assistido em psiquiatria, na sequência de acidente de viação após ingestão abusiva de fármacos;
187) Está aposentado por incapacidade desde 26 de outubro de 2017, data em que cessou funções;
188) Aufere uma pensão um valor ilíquido mensal de €3.147,50, quantia sobre a qual recaem penhoras no valor de cerca de €806 e uma prestação bancária no valor de €750;
189) Beneficia do apoio de um vizinho, possuidor de produtos agrícolas e da filha mais velha que concede ao cônjuge do arguido B1… um rendimento de cerca de €5/hora em troca da prestação de cuidados ao filho e realização de tarefas domésticas;
190) Na esfera laboral, o arguido B1… mostrava-se irritável, impulsivo e reativo face a situações em que as suas expetativas não eram logradas ou correspondidas;
191) O arguido B1… propiciava uma eleição da esfera laboral em detrimento de a familiar, em face da importância que atribuía ao próprio desempenho profissional e ao compromisso atinente ao resultado pretendido;
192) Restringia as interações sociais à família e, ainda que com alguma superficialidade, a colegas com que convivia com maior frequência;
193) Atualmente, o arguido B1… apresenta um quotidiano desprovido de ocupações estruturadas, centrado na dedicação à leitura e muito pouco proporcionador de convívio social, à exceção de contactos esporádicos por parte de antigos colegas de faculdade, que solicitam o seu parecer relativamente a questões profissionais que se lhes deparam;
194) É acompanhado em consulta de psiquiatria no Centro Hospitalar …, com uma regularidade mensal, e efetua, diariamente, treinos pessoais de relaxação/meditação, cujo resultado para o seu bem-estar e confronto com os problemas diários valoriza grandemente;
195) Com a constituição como arguido neste processo, o arguido B1… viu-se obrigado a dar conhecimento da complexidade da sua situação financeira à cônjuge e filhos;
196) Contudo, e não obstante a cônjuge e os filhos o critiquem e o recordem, regularmente, de opções erradas que tomou ao longo do percurso de vida, continuam a constituir a sua principal retaguarda afetiva;
197) A sua imagem social, em …, saiu prejudicada, bem como no meio da magistratura sendo que alguns colegas ter-se-ão afastado do arguido B1… receando ser conotados negativamente caso sejam vistos na sua companhia;
198) Como projeto futuro, o arguido B1… verbaliza pretender regularizar gradualmente a sua situação financeira e, talvez, mais tarde, dedicar-se à elaboração de pareceres na área da consultadoria jurídica;
199) O arguido B1… não tem antecedentes criminais;
B
200) O arguido C1… nasceu numa família de fracos recursos económicos e culturais, conjuntamente com os seus quatro irmãos, registando uma infância e adolescência caraterizadas pelas dificuldades materiais, pela desvalorização da escolaridade e pela integração precoce no mundo do trabalho;
201) Os pais, trabalhadores agrícolas, tiveram como prioridade a satisfação das necessidades básicas dos cinco filhos, atribuindo-lhes, desde cedo, a responsabilidade de se sustentarem, o que implicou a entrada de forma precoce dos descendentes no mundo do trabalho;
202) Sem concluir o ensino primário, o arguido C1… começou a trabalhar com os pais na agricultura aos 10 anos de idade, atividade mantida até aos 18 anos de idade sem remuneração, altura em que iniciou trabalho por conta de outrem na construção civil;
203) O seu percurso profissional foi realizado ao longo dos anos neste ramo, apresentando hábitos de trabalho regulares;
204) O arguido C1… casou aos 22 anos de idade, tendo fixado residência em casa dos sogros, onde se mantém com o cônjuge — de quem se encontra separado de pessoas e bens desde 2002 — e os três filhos de 22, 16 e 14 anos de idade;
205) Em 1999, em sociedade com um irmão, o arguido C1… constituiu uma empresa para trabalhar na construção civil, que vendeu em 2002;
206) Apesar da sua baixa escolaridade e da ausência de qualificação profissional para o exercício desta atividade, o arguido C1… criou uma nova empresa, denominada BT… – Construção Civil, Lda., empresa que se limitava a fornecer mão de obra e equipamento para a construção civil para obras adjudicadas por outras empresas;
207) Não obstante, em data anterior a 2012, o arguido C1… encerrou atividade desta empresa, dadas as dívidas acumuladas, justificadas com as dificuldades vividas pelo sector no país e que se traduziram na falta de trabalho e no acumular de crédito mal parado;
208) Passou então a exercer a atividade com uma nova empresa, a sociedade arguida BT… Unipessoal, Lda., da qual continuou como gerente, empresa que já havia sido criada;
209) À data dos factos, o arguido C1… vivia com o cônjuge, os três descendentes e a sogra, numa casa moradia unifamiliar, dotada de razoáveis condições de habitabilidade, mas exígua face ao número de ocupantes;
210) Suportava as despesas com base no rendimento do seu trabalho e no subsídio de desemprego do cônjuge — o qual havia sido trabalhador de uma das empresas de que o arguido C1… era gerente — dispondo de um rendimento conjunto que rondava, aproximadamente, €1000 mensais;
211) A filha mais velha do arguido C1… frequenta o ensino superior privado, no Porto, estando alojada em casa pertencente ao avô paterno;
212) Atualmente, o arguido C1… continua a gerir a sociedade arguida BT…, Unipessoal, Lda., auferindo um salário de €700, rendimento a que acresce o auferido pelo seu cônjuge a título de subsídio social de desemprego no valor de €300;
213) O agregado apresenta um baixo nível de despesas, decorrente do facto de não terem de suportar os gastos domésticos;
214) A sogra do arguido beneficia de uma reforma que ronda os €800 mensais, montante com o qual faz face às despesas com consumos domésticos de gás e energia elétrica;
215) O arguido C1…, tal como a sua sogra, praticam uma agricultura e pecuária de subsistência, o que diminui os gastos com alimentação;
216) O arguido C1… regista um quotidiano centrado no exercício profissional, encontrando-se, neste momento, a construir uma obra na cidade do Porto e no convívio com a família;
217) O arguido C1… é um pai preocupado e presente, mantendo o casal um relacionamento avaliado como estável;
218) Os seus tempos de lazer são dedicados à caça, atividade que o mesmo valoriza, não frequentando, por hábito, cafés nem outros espaços de diversão;
219) A forma adequada como o arguido C1… se posiciona nos relacionamentos interpessoais estabelecidos na comunidade e os hábitos de trabalho que evidencia são referenciados positivamente pelos vizinhos, que conhecem alguns dos seus confrontos anteriores com o sistema judicial;
220) O arguido C1… manifesta constrangimento e apreensão por se encontrar envolvido nos presentes factos que, não obstante não serem conhecidos do seu meio social, são conhecidos pela sua família;
221) Além disso, o arguido C1… mostra-se preocupado com os custos financeiros inerentes ao atual confronto judicial, com prejuízo para a situação económica da família;
222) O arguido, em abstrato, reconhece a censurabilidade e ilicitude dos factos, bem como a existência de vítimas e danos;
223) O arguido C1… já foi condenado:
i. No âmbito do processo comum singular n.º 51/07.4IDPRT, do 2.º Juízo do Tribunal de Valongo, por decisão de 29.3.2011 transitada em julgado a 27.4.2011, pela prática, em 2002, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 104.º, n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
ii. No âmbito do processo comum singular n.º 485/10.7IDPRT, do Tribunal de Valongo, por decisão de 10.9.2013 transitada em julgado a 10.10.2013, pela prática, em 2006, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada à obrigação de o arguido pagar ao Estado, a quantia de €12.070,85, correspondente a metade dos benefícios obtidos indevidamente;
iii. No âmbito do processo comum singular n.º 48/13.5TAAMT, do Juízo Local Criminal de Amarante, por decisão de 21.1.2014 transitada em julgado a 21.1.2014, pela prática, em dezembro de 2012, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5, substituída por admoestação;
iv. No âmbito do processo comum singular n.º 3441/12.7IDPRT, do Juízo Local Criminal de Valongo – Juiz 1, por decisão de 29.10.2014 transitada em julgado a 28.11.2014, pela prática, a 9.12.2011, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1 e n.º 2 e n.º 4, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada à obrigação de o arguido, no prazo da suspensão, pagar ao Estado o montante de €43.057,90 correspondente ao valor da vantagem ilegítima obtida pela sua conduta;
C
224) A sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda. é gerida pelo arguido C1…;
225) Atualmente, a sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda. continua em atividade, essencialmente fornecendo mão de obra e equipamento para outras empresas de construção civil, sendo o arguido e um arquiteto os únicos trabalhadores da mesma;
226) A sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda. não tem antecedentes criminais;
D
227) O arguido D… cresceu integrado no agregado familiar de origem, do qual faziam parte os seus pais - o pai agricultor e a mãe doméstica - e os seus nove irmãos, num clima de atenção positiva e interesse por parte dos pais;
228) O seu percurso escolar foi condicionado por problemas de saúde, que implicavam internamentos frequentes, tendo abandonado a escola apenas com o 3.º ano de escolaridade, aos 13 anos de idade, altura em que passou a trabalhar com os pais na agricultura;
229) Aos 19 anos, o arguido D… inseriu-se profissionalmente numa tecelagem como operário e, quando casou, aos 23 anos, alterou a sua situação profissional, tendo, conjuntamente com um irmão, criado uma empresa no ramo do calçado, cuja insolvência foi declarada em 2004;
230) A partir de então refere ter atravessado um período em que beneficiou de subsídio de desemprego e no final deste passou a apoiar o cônjuge na empresa propriedade desta, a X…, uma pequena empresa de costura de calçado, mantendo esta atividade até à insolvência desta;
231) À data dos factos, o arguido D… vivia com o cônjuge e as duas filhas de 22 e 18 anos de idade, numa moradia unifamiliar de tipologia III, própria, dotada de boas condições de habitabilidade, situação que mantém no presente;
232) Suportava as despesas com base no rendimento proveniente da X…, Unipessoal, Lda.;
233) Na atualidade, como ao tempo dos factos, o agregado familiar do arguido D… beneficia de apoio dos sogros do arguido, detentores de estabilidade económica, inclusivamente fazendo as refeições na casa deles;
234) Em outubro de 2016, o arguido D… criou uma empresa no concelho de … denominada BU…, Unipessoal, Lda., empresa que esteve a laborar até 14.8.2018, altura em que suspendeu a atividade porque as empresas para quem trabalhava deixaram de recorrer aos seus serviços;
235) Durante o período de laboração da referida empresa, o arguido auferia um salário no valor de €1.200 mensais, beneficiando de uma situação financeira de maior estabilidade;
236) Atualmente, o agregado conta com o salário que o cônjuge retira da sua empresa no valor de €580 mensais e a prestação do subsídio por doença do arguido em valor que o mesmo ainda não conhece;
237) A situação de doença enfrentada pelo arguido D… tem comprometido o seu exercício profissional e também a sua estabilidade pessoal;
238) O arguido D… mostra angustia e ansiedade face à evolução da sua saúde, sendo o cônjuge o seu grande suporte;
239) As despesas mais significativas do agregado são referentes à manutenção da filha mais nova no ensino superior, em Águeda, onde frequenta uma licenciatura de gestão de qualidade;
240) O arguido é um pai preocupado e presente, mantendo atualmente o casal um relacionamento estável;
241) O quotidiano do arguido D… tem decorrido ao longo dos anos quase exclusivamente nos contextos profissionais e familiares em detrimento do grupo de pares e de outras atividades de lazer estruturadas;
242) A instauração do presente processo causou constrangimento ao arguido D… e ao seu cônjuge, revelando o arguido apreensão com o mesmo;
243) No meio sócio residencial, o presente processo não tem visibilidade;
244) Em abstrato, o arguido reconhece a ilicitude dos factos, bem como o seu desvalor e a existência de vítimas e danos;
245) O arguido D… já foi condenado:
i. No âmbito do processo comum singular n.º 847/05.1TAGMR, do 3.º Juízo Criminal de Guimarães, por decisão de 20.7.2006 transitada em julgado a 4.9.2006, pela prática, a 27.1.2005, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €2;
ii. No âmbito do processo comum singular n.º 1065/06.7TAFLG, do 2.º Juízo Criminal de …, por decisão de 17.6.2009 transitada em julgado a 25.1.2010, pela prática, em 2001, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de €3;
iii. No âmbito do processo comum singular n.º 1201/11.1TAVCD, do 1.º Juízo Criminal de Vila do Conde, por decisão de 7.5.2013 transitada em julgado a 6.6.2013, pela prática, em abril de 2009, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias e artigo 30.º do Código Penal, em dispensa de pena;
E
246) O arguido E1… nasceu em Guimarães, onde residiu com os pais e quatro irmãos mais velhos, sendo o pai comerciante a mãe doméstica;
247) A dinâmica familiar era funcional e a situação económica da família como suficiente para fazer face às despesas do agregado;
248) O arguido iniciou a escolaridade aos 6 anos de idade, que frequentou até aos 14 anos, tendo concluído o 7.º ano, registando duas retenções e revelando desmotivação pelas tarefas escolares, pelo que abandonou os estudos;
249) Após um período de inatividade, aos 16 anos de idade o arguido E1… começou a trabalhar numa fábrica de sapatos, por incentivo de um amigo da família, atividade que exerceu em diferentes fábricas e para diferentes entidades patronais, alterações que se prendiam com o objetivo de obter melhor rendimento e melhores condições de vida;
250) Em 2004, o arguido E1… criou a própria empresa de fabrico de solas de injeção, a aqui sociedade arguida BU…, Unipessoal, Lda., e, passados alguns anos, cerca do ano 2012, criou uma outra empresa de fabrico de solas em material pré-fabricado, desta vez em sociedade com a atual companheira, a aqui sociedade arguida H…, Unipessoal, Lda. como forma de abarcar a maior variedade de mercado e maior procura;
251) Em termos afetivos, o arguido E1… casou em 1999, união da qual tem um filho, atualmente com 15 anos de idade;
252) Após rutura da relação, ocorrida em 2010, estabeleceu relacionamento com a atual companheira, com quem vive em união de facto desde 2012, mantendo um contacto cordial com a ex-cônjuge, bem como regular com o filho;
253) À data dos factos, o arguido E1… residia com BV…, atual companheira e com dois filhos desta, de 24 e 25 anos de idade, ambos estudantes, sendo a dinâmica familiar funcional e gratificante entre os elementos do agregado;
254) O arguido E1… tem um rendimento na ordem dos €4.290 mensais;
255) A companheira do arguido E1…, funcionária em ambas empresas no apoio à contabilidade e sócia gerente da sociedade arguida H…, Unipessoal, Lda., aufere um rendimento de cerca de €990 mensais;
256) O agregado suporta despesas com prestação de crédito à habitação na ordem de €345 mensais, €600 euros para pagamento das despesas de eletricidade, água, gás e televisão/internet, para além de €250 a título de pensão de alimentos devida ao filho mais velho do arguido, a que acrescem cerca de €250 euros para suporte de outras despesas com ele relacionadas e as propinas inerentes aos cursos frequentados pelos filhos de BV…;
257) A rede social do arguido e da companheira é composta por elementos da família alargada e por dois casais que, afetivamente mais próximos, partilham com o agregado alguns momentos de lazer, não integrando os coarguidos o seu grupo de pares;
258) O quotidiano do arguido E1… é fundamentalmente centrado no exercício da atividade laboral e no convívio com o agregado familiar constituído;
259) O presente confronto judicial não teve qualquer impacto no seu quotidiano, tendo optado por não dar conhecimento a ninguém, à exceção da companheira, da sua situação jurídico-penal, receando que o conhecimento da sua condição de arguido possa prejudicar a sua imagem social e laboral;
260) Em abstrato, o arguido E1… reconhece a ilicitude dos factos, bem como o bem jurídico lesado;
261) O arguido não tem antecedentes criminais;
F
H…, Unipessoal, Lda.
262) A sociedade arguida H…, Unipessoal, Lda. ainda está em funcionamento;
263) Não tem antecedentes criminais;
G
264) A sociedade arguida I…, Unipessoal, Lda. ainda está em funcionamento;
265) Não tem antecedentes criminais;
H
266) A sociedade arguida J…, Lda. ainda está em laboração, prosseguindo com o seu objeto social;
267) Não tem antecedentes criminais;
I
268) O arguido F1… nasceu em Baião, onde residiu com os pais e dois irmãos mais novos;
269) O pai trabalhava no setor da construção civil e a mãe, com uma situação de saúde frágil desde o nascimento do arguido, era doméstica;
270) Contava 4 anos de idade quando os pais emigraram para a Alemanha, tendo o arguido F1… permanecido em Portugal ao cuidado dos avós paternos, enquanto os irmãos integraram o agregado de tias paternas, em Baião e em …;
271) Durante este período, o arguido mantinha contactos regulares com os pais, pelo telefone, ao final de semana e em estadias regulares dos mesmos a Portugal, bem como com os irmãos, sobretudo com o que residia na proximidade;
272) Por volta do ano 2000, os pais do arguido F1… regressaram a Portugal, na sequência da falência da empresa onde trabalhavam, vindo a reunir novamente a família, que, quando o arguido contava 15 anos de idade, alterou a residência para um apartamento arrendado em Marco de Canaveses;
273) O pai começou então a exercer a profissão por conta própria, seguindo-se, nesta sequência, uma fase em que o agregado apresentava problemas financeiros, dificuldades a que acrescia o agravamento do estado de saúde da progenitora, que era regularmente assistida em urgência hospitalar, exigindo cuidados e disponibilidade por parte do pai do arguido;
274) Na sequência do insucesso laboral em Portugal, os pais do arguido voltaram a emigrar, desta vez para Espanha;
275) O arguido iniciou a escolaridade aos 6 anos de idade, que frequentou até aos 16 anos, tendo concluído o 8.º ano de escolaridade e frequentado o 9.º ano, sem que o tenha completado, uma vez que, aquando da sua transição para este grau de ensino, apoiava o pai no exercício da profissão, como servente;
276) Nesta esteira, o arguido F1… dirigia a sua atenção para assuntos relacionados com projetos de construção civil, em detrimento dos estudos, tendo abandonado a escolaridade e prosseguido a profissão neste setor;
277) Veio, mais tarde, a criar a própria empresa, em 2007, designada BP… e, posteriormente, em 2013, com o objetivo de fazer frente a dificuldades de mercado que se vinham sentindo em Portugal, mediante a obtenção de trabalho em Espanha, criou a sociedade arguida K…, Lda.;
278) Em termos afetivos, aos 17 anos o arguido F1… estabeleceu relacionamento com BW…, seu atual cônjuge, tendo passado a viver em união de facto em 2006 e casado em 2009;
279) O casal residia no agregado de origem do arguido, conjuntamente com os seus irmãos mais novos, então menores de idade;
280) Àquela data, os pais do arguido F1… tinham regressado a Espanha, de onde voltavam por curtos períodos, mas com alguma regularidade, integrando o agregado durante as suas estadias;
281) A cônjuge do arguido desenvolvia tarefas de contabilidade das empresas, vivenciando o casal uma situação económica estável;
282) Em 2010, o arguido F1… dedicou-se à construção da própria habitação, em Marco de Canaveses, para onde o casal alterou residência;
283) À data dos factos, o arguido F1… residia com o cônjuge e os três filhos na habitação que construíra, uma vivenda com boas condições de habitabilidade e conforto, situado num bairro de habitações recente, com nível de construção idêntica;
284) A dinâmica familiar é caraterizada pela afetuosidade entre os elementos;
285) O quotidiano do arguido F1… é centrado no exercício da atividade laboral, no convívio com a família de origem e a constituída e com alguns casais amigos referenciados como pró-sociais, não integrando os coarguidos o seu grupo de pares;
286) Em termos profissionais, o arguido F1… geria as duas empresas de construção civil que criara, as quais têm conseguido fazer frente às dificuldades sentidas no setor com a realização de obras em Espanha, para onde deslocava mão de obra;
287) Atualmente, o arguido F1… apresenta um rendimento médio mensal de cerca de €2360, valor a que acresce o rendimento do cônjuge, de cerca de €850 mensais;
288) Como despesas fixas mensais são apresentados valores na ordem dos €500 euros, para pagamento de despesas de água, eletricidade e gás e de cerca de 850 euros para pagamento das mensalidades dos equipamentos escolares frequentados pelos filhos;
289) O presente processo não originou, em termos gerais, qualquer alteração no quotidiano de F1…, não sendo a mesma conhecida no seu meio socio-laboral;
290) O arguido F1… tem receio que o conhecimento da sua situação jurídica coloque em causa o seu bom nome e, nessa sequência, venha a ser prejudicado na sua vida pessoal e profissional;
291) O arguido, em abstrato, reconhece a ilicitude dos factos, bem como o bem jurídico lesado;
292) Sente-se injustiçado com a sua constituição como arguido;
293) O arguido F1… não tem antecedentes criminais;
294) A sociedade arguida K…, Lda. está em atividade;
295) Não tem antecedentes criminais;
*
B) Factos Não Provados
Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados.
Designadamente, não se provaram os seguintes factos (para facilitar a sua compreensão, entre parêntesis refere-se a matéria de facto provada com os quais estão relacionados de forma mais direta):
a) Sem prejuízo do descrito em 5) a 8) dos factos provados, o arguido B1… experimenta graves dificuldades financeiras desde, pelo menos, 2010;
b) Sem prejuízo do descrito em 5) a 8) dos factos provados, o arguido B1… começou a experimentar problemas financeiros apenas a partir de 2013;
c) Sem prejuízo do descrito em 9) a 13) dos factos provados, o gerente da Churrasqueira N… da referida em 9) a 12) dos factos provados era M…, filho do arguido B1…;
d) Sem prejuízo do descrito em 15) a 41) dos factos provados, os arguidos E1…, F1…, C1… e D… mantinham com o arguido B1… uma relação de grande proximidade;
e) Os arguidos E1…, C1… e D… começaram a emprestar dinheiro ao arguido B1… tendo em vista beneficiar do conhecimento e do poder do arguido B1… enquanto magistrado do Ministério Público;
f) Sem prejuízo do descrito em 32) a 35) dos factos provados, apesar do que aí se refere, era o arguido D… quem decidia de tudo o que dissesse respeito aos seus negócios, bem como quem determinava as compras, vendas e pagamentos, nomeadamente, no que concerne à relação com a administração fiscal, sendo também ele o dono das suas participações sociais
g) Era prática corrente do arguido B1… provocar o conhecimento com pessoas no âmbito das suas funções para depois tirar contrapartidas de outra índole;
h) Sem prejuízo do descrito em 15) a 17) dos factos provados, nunca existiu entre os arguidos B1… e E1… uma relação de amizade ou de grande proximidade;
i) Inicialmente, o arguido E1… foi recusando os pedidos de empréstimos solicitados pelo arguido B1…;
j) O arguido B1… chegou a propor ao arguido E1… que investisse na Churrasqueira aludida em 9) dos factos provados;
k) Em data concretamente não apurada do final de 2015, o arguido B1… entregou ao arguido E1…, como “garantia” e início de pagamento, um cheque titulando o valor de €4000 logo solicitando que não o apresentasse a pagamento;
l) Sem prejuízo do descrito em 36) a 41) dos factos provados, os arguidos C1…, D…, E1… e F1… emprestaram quantias monetárias ao arguido B1… sem qualquer remuneração de juros ou outra;
m) Sem prejuízo do aí descrito, o cheque referido em 39) iii. dos factos provados estava datado para o dia 24.2.2016, tendo sido devolvido nesse dia por falta de fundos na conta sacada;
n) Sem prejuízo do descrito em 39) dos factos provados, o arguido B1… entregou ao arguido E1… um cheque relativo a parte da quantia (€3.500 ou €4.000), sem data;
o) Sem prejuízo do descrito em 40) e 41) dos factos provados, do último dos empréstimos que o arguido B1… contraiu junto do arguido D…, pouco antes do Natal de 2016, aquele ainda lhe deve a quantia de €600.
p) Sem prejuízo do descrito em 39) dos factos provados, o arguido F1… emprestou ao arguido B1… apenas a quantia de €5.000; (CONTESTAÇÃO)
q) Sem prejuízo do aí descrito, o arguido B1… agiu nos moldes descritos em 42) a 94) dos factos provados para que não lhe fosse cobrada qualquer remuneração de juros ou outra pelos empréstimos que E1…, F1…, C1… e D… lhe concediam;
r) Sem prejuízo do aí descrito, o arguido B1… agiu nos moldes descritos em 42) a 94) dos factos provados em troca e como contrapartida do ganho decorrente dos empréstimos que contraíra junto dos arguidos E1…, F1…, C1… e D… sem juros ou qualquer remuneração;
s) Os arguidos E1…, C1… e D… não solicitaram ao arguido B1… a realização de qualquer diligência junto da Autoridade Tributária e Aduaneira nomeadamente de inspeção;
t) O arguido F1… não solicitou ao arguido B1… a realização de qualquer diligência junto do Centro Distrital de Segurança Social de … no sentido de obter o deferimento dos pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro que a sociedade arguida K…, Lda. fazia;
u) Sem prejuízo do aí descrito, o arguido B1… atuou nos termos descritos em 42) a 94) dos factos provados, nomeadamente entrando em contacto com responsáveis da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Centro Distrital da Segurança Social de …, telefonando-lhes, enviando-lhes mensagens de correio eletrónico e até com eles reunindo, apenas para ajudar os arguidos E1…, F1…, C1… e D… e sem que estes tivessem conhecimento das suas atuações;
v) Sem prejuízo do aí descrito, o arguido B1… atuou nos termos descritos em 42) a 94) dos factos provados, por sua livre iniciativa e sem dar conhecimento a qualquer dos coarguidos E1…, F1…, C1… e D…;
w) Os arguidos E1…, F1…, C1… e D… desconheciam as diligências que o arguido B1… realizou e que se mostram descritas em 42) a 94) dos factos provados;
x) O arguido B1…, ao atuar nos moldes descritos em 42) a 94) dos factos provados teve sempre a preocupação de que o interesse público não ficasse afetado;
y) Sem prejuízo do descrito em 43) dos factos provados, o arguido E1… mantinha uma atitude passiva em relação à restituição das quantias mutuadas;
z) O arguido E1… desconhecia que ia ser alvo de qualquer inspeção tributária;
aa) Sem prejuízo do descrito em 43) dos factos provados, o arguido E1… só não tentou a via judicial para cobrar o crédito de que era titular sobre o arguido B1… porque logo em 2016 tomou conhecimento de que este último estava sobre endividado e porque não era titular de qualquer título de crédito para executar a dívida;
bb) Sem prejuízo do descrito em 55) a 72) dos factos provados, os requerimentos para emissão dos Documentos Portateis A1 formulados entre fevereiro de 2015 e 28 de abril de 2016 pela sociedade arguida K…, Lda. só foram deferidos pelos serviços da Segurança Social por força da atuação do arguido B1… ali descrita e em cumprimento do por ele solicitado, apesar de não observarem os requisitos legais e os rácios estabelecidos, nomeadamente, as exigências de que as empresas candidatas mantivessem no país de origem (Portugal) pelo menos, 25% da faturação e dos seus trabalhadores;
cc) O arguido B1… atuou nos termos descritos em 55) a 72) dos factos provados visando, apenas, que o Centro Distrital da Segurança Social de … atuasse na sua margem de discricionariedade legal no âmbito da apreciação dos pedidos de destacamentos que a sociedade arguida K…, Lda. fosse fazendo;
dd) O empréstimo das quantias ao arguido B1… por parte do arguido F1… não se deveu a qualquer contrapartida pela prática de atos contrários aos seus deveres;
ee) Sem prejuízo do descrito em 74) dos factos provados, o arguido C1… mantinha uma atitude completamente passiva em relação à restituição das quantias mutuadas;
ff) Ao tempo em que o arguido B1… atuou nos moldes descritos em 73) a 94) dos factos provados, o arguido C1… não tinha qualquer problema com a Autoridade Tributária e Aduaneira ou qualquer inspeção tributária à sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda.;
gg) Apesar do que consta no registo comercial relativamente à sociedade arguida J…, Lda., o arguido F1… decidia de tudo o que dissesse respeito aos seus negócios, bem quem determinava as compras, vendas e pagamentos, nomeadamente, no que concerne à relação com a Segurança Social, inclusive, quanto aos pedidos de deferimento de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro;
hh) Os pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro apresentados pela sociedade arguida J…, Lda. foram feitos pelo arguido F1…;
ii) O arguido B1… não fabricou nem imprimiu os documentos referidos em 149) dos factos provados;
jj) Os documentos referidos em 149) dos factos provados foram fabricados por um amigo do arguido B1… que, por lapso, os deixou esquecidos na sua viatura;
kk) Ao tempo da prática dos factos, o arguido B1… sofria de anomalia psíquica, nomeadamente depressão ou outra, que o impedia de compreender o seu estatuto profissional e os especiais deveres que sobre ele impendiam;
ll) Ao tempo da prática dos factos, o arguido B1… sofria de anomalia psíquica que o impedia de compreender o sentido e alcance das suas condutas, nomeadamente os seus efeitos e a sua ilicitude;
*
C) Motivação
(…)
***
3. Apreciação do mérito
(…)
***
3.6 Da subsunção jurídica aos crimes de corrupção
[Arguidos B1…, F1…, “K…, L.da”,C1…., E1…, “H…”, “I…” e D1…]
Tendo presentes as questões extraídas das conclusões dos recursos apresentados nos autos é inquestionável que todos os recorrentes discordam da subsunção jurídica dos factos que caracterizam as suas condutas ao crime de corrupção.
Relativamente ao arguido B1…, considerando a anulação parcial antecedentemente decretada, a qual incide sobre um dos crimes que lhe foi imputado como sendo de corrupção, não é viável a imediata apreciação da pretensão que formulou nesta sede (e bem assim as demais relativas à escolha e medida da pena). Tal matéria reporta-se a conduta relativa à sociedade “J…” sendo autónoma relativa aos demais co-arguidos aqui recorrentes cuja pretensão não é, por isso, afectada.
Vejamos, pois, se alguma razão lhes assiste.
O Tribunal a quo estribou a qualificação jurídica escolhida nos fundamentos seguintes: (transcrição)
«12. Comecemos pela análise do crime de corrupção porque, dum lado, afeta todos os arguidos e, doutro e considerando os termos da própria pronúncia, a corrupção (ou, rectius, as corrupções) passiva(s) do arguido B1… encontram ligação na corrupção ativa de cada um dos demais arguidos.
Assim, se é certo que dogmaticamente o crime de corrupção passiva é um crime diferente e autónomo do crime de corrupção ativa, a verdade é que, ao menos do ponto de vista do libelo acusatório, entre os concretos crimes de corrupção passiva imputados ao arguido B1… e os de corrupção ativa imputados aos demais arguidos, existe uma ligação forte, razão que justifica que, neste momento, o seu tratamento seja feito conjuntamente. Acresce que, o que é importante até para evitar repetições, existem muitos pontos de contacto entre ambos.
13. O fenómeno da corrupção mostra-se facilmente apreensível para a generalidade das pessoas: na sua forma mais simples, ocorre naquelas situações em que, por força de um suborno recebido, o funcionário não cumpre os deveres inerentes ao exercício das funções públicas de que está investido. É vista, portanto, como um comportamento desvalioso através do qual um funcionário público ou titular de um cargo político ou alto quadro público atua de modo diverso aos padrões normativos do sistema jurídico tendo em vista o favorecimento de interesses particulares, mediante a obtenção de uma vantagem e aqui falamos na atividade do funcionário corrompido e em corrupção passiva; mas também pode ser vista como uma conduta que consiste em alguém seduzir um funcionário público para obter um benefício que, de outra maneira, não conseguiria, assim se caraterizando a atividade do agente corruptor e a corrupção ativa.
Com esta nota, torna-se claro que o combate (também pela via penal) à corrupção encontra a sua pedra de toque na defesa do “interesse geral” ou “público” de que só funcionários públicos (ou equiparados) a cumprir os deveres inerentes ao exercício das suas funções pautados por critérios de legalidade, imparcialidade e objetividade constitui garantia segura da tutela de direitos individuais, mas também a efetiva defesa de interesses coletivos indispensáveis à realização da pessoa enquanto “ser social”. Aliás, este quadro assume cada vez mais relevo no contexto de escassez (da ideia de que os recursos não chegam para satisfazer todas as necessidades) que também marcam as sociedades ou países desenvolvidos, principalmente quando se associa a corrupção à apropriação ilegítima de bens ou recursos públicos.
Assim, há muito que se abandonaram teses que olhavam a corrupção não só com complacência - uma espécie de “mal necessário” - mas até como algo de positivo para a economia, quer de países em vias de desenvolvimento, quer de países desenvolvidos, servindo de “lubrificante” das relações entre o setor privado e os poderes públicos ou como tais encarados. Bem pelo contrário, num tempo - como é o nosso - onde a falta de recursos para a satisfação das necessidades surge como pano de fundo da discussão, construção e reconstrução do Estado e dos direitos das pessoas, deixou de se olhar para ele apenas como um ente ao serviço de todos, mas como uma realidade de que todos fazemos parte (o “Estado somos nós!”), impondo-se-lhe e aos seus agentes uma atuação de acordo com os princípios da boa administração, isto é, de modo imparcial, igual e justo.
A corrupção apresenta-se como um fenómeno transnacional, transversal, complexo e pluridimensional: não conhece fronteiras (o que é facilitado pelos fenómenos de globalização), corrói os pilares do Estado de Direito (nomeada e especialmente, quando associada à corrupção dos representantes escolhidos pela via democrática, fragilizando a própria Democracia), prejudica o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável, distorce a livre e sã concorrência, para além de, frequentemente, andar de mãos dadas com outras manifestações criminais as mais das vezes altamente organizada.
Neste quadro, choca a consciência coletiva que, numa democracia, os agentes do Estado sejam “oleados” para atuar de modo a defender particulares interesses espúrios e ocultos em detrimento do interesse geral, constitucional e legalmente definido.
Acrescente-se, aliás, que a preocupação com a necessidade de os funcionários (e equiparados) exercerem as suas funções num quadro de respeito pela legalidade, pautando a sua atuação por critérios de estrita objetividade, imparcialidade e independência em relação a interesses particulares, conduziu o legislador (desde 2001) a incriminar o “mero” recebimento indevido de vantagens — cf. o artigo 372.º, norma que pune a “corrupção sem prova do ato” (exatamente assim, Cláudia Cruz Santos, Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal sempre em expansão, in Julgar, n.º 28, janeiro- abril 2016, pág. 91) contrário ao exercício das funções — assim procurando combater, por esta via, a criação de um “ambiente” mais favorável ou propício a que os deveres de estrito cumprimento do interesse público sejam colocados em causa: não há, aqui, uma contrapartida imediata, mas as “ofertas”, as “atenções”, as “gentilezas” (que, note-se, vão para além das “condutas socialmente adequadas e conformes os usos e costumes — cf. o n.º 3 do artigo 372.º) geram, de imediato, a expetativa de, no futuro, uma “prestação de serviço” que pode (e frequentemente é) contrário ao exercício das funções públicas de que o funcionário está investido.
14. É considerando este pano de fundo que no artigo 373.º, n.º 1 se diz que “o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
Estamos aqui a falar da chamada corrupção passiva própria ou corrupção passiva para ato ilícito que, como a própria designação deixa transparecer, é marcada pelo caráter ilícito da conduta do funcionário.
“Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”, situação em que falamos de corrupção passiva imprópria ou corrupção passiva para ato lícito.
Olhando o fenómeno do lado do corruptor, o artigo 374.º, n.º 1 pune a corrupção ativa própria (ou para ato ilícito) nos seguintes termos: “quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.
Tratando-se de corrupção ativa imprópria ou para ato lícito, isto é, “se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º”, então, “o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias” (n.º 2 do artigo 374.º).
Portanto, a lei penal portuguesa constrói como tipos legais autónomos, “as atividades do «corruptor» e do «corrupto», construindo as corrupções «ativa» e «passiva» como dois processos executivos que, apesar de relacionados, integram infrações independentes” (António Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo III, Coimbra Editora, 2001, págs. 655 e 680).
Arredou-se, assim, a construção do tipo legal da corrupção compreendo a “as corrupções «ativa» e «passiva» como partes integrantes de um único tipo legal de crime” (António Almeida Costa, Sobre o crime de corrupção, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, vol. I, Coimbra, 1984, pág. 74), classificando-se, então, a corrupção como um crime de «participação necessária» (bilateral ou de encontro), em que o preenchimento do respetivo tipo legal exigiria sempre — quer para a consumação quer para a simples tentativa — a intervenção cumulativa do corruptor e do funcionário corrupto, o que conduziria a que a oferta de suborno não aceite pelo funcionário não seria punida como corrupção ou tentativa de corrupção (ativa), mas antes como «instigação à corrupção».
Compreende-se que o legislador tenha incriminado a corrupção (seja a ativa, seja a passiva).
Ciente que a proteção dos valores indispensáveis à realização livre da pessoa não pode senão fazer-se em presença de determinadas formas de organização comunitária - garantes da lisura dos procedimentos observados na dispensa de serviços aos cidadãos - o legislador elevou à categoria de bem jurídico-penal a própria esfera da autoridade pública, tutelando a autonomia intencional do Estado enquanto momento imprescindível na preservação de quaisquer expectativas de convivência social.
Com efeito, (seguimos António Almeida Costa, Comentário cit., págs. 660 e 661) “ao direito penal cumpre a preservação dos chamados bens jurídico-criminais, entendidos como o conjunto dos valores considerados necessários à convivência comunitária e à livre realização da Pessoa”, tais como a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade, o património. Mas “a par dos assinalados valores essenciais, tidos por imprescindíveis para a realização humana, surgem outros que assumem um papel secundário, como «valores-meio» ou sustentáculos à sua efetivação”, sendo que relativamente a alguns deles se verifica, todavia, uma fusão íntima com os bens jurídicos fundamentais a que servem de suportes, como consequência de se mostrarem indispensáveis à respetiva conservação.” “Nesse caso, a sua proteção acaba por confundir-se com a salvaguarda dos últimos, circunstância que justifica uma absorção pelo direito penal e a correspondente qualificação como bens jurídico-criminais.” É justamente em homenagem a tais considerandos que o direito penal tutela a “soberania do Estado, a manutenção do modelo do Estado de direito e, de um modo geral, a preservação da Autoridade Pública”.
Assim perspetivadas as coisas, compreende-se que os delitos que ofendem estes bens jurídicos ou valores-meio não sejam meros delitos de perigo, mas, porque “imprescindíveis à organização social, têm uma «densidade» penal própria e integram bens jurídico-criminais independentes, cuja violação constitui um crime de dano” (António Almeida Costa, Comentário cit., págs. 660 e 661; de todo o modo, no que diz respeito ao crime de corrupção ativa que se concretize na mera promessa de vantagem, também se possa qualificar o crime como sendo de perigo).
Neste quadro, “não obstante o carácter instrumental que reveste, também a própria Administração, atenta a relevância dos objetivos que serve” ― imprescindíveis para a realização ou satisfação de finalidades fundamentais, indispensáveis em qualquer sociedade organizada ― pode, em si mesma, assumir a natureza de bem jurídico-criminal.”
Ora, estando o Estado ― aqui entendido num sentido amplo, incluindo o poder político, judicial, executivo e administrativo ― incumbido da prossecução de interesses considerados essenciais ao bem-estar das pessoas, a sua realização mostra-se ameaçada se aqueles que estão adstritos de os fazer prosseguir ― os funcionários, na sua aceção ampla que resulta do artigo 386.º ― derem primazia a interesses particulares seus, ao invés de privilegiar o interesse público pautando a sua conduta por critérios de legalidade, imparcialidade, objetividade e independência.
Por isso, “ao transacionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se «sub-roga» ou «substitui» ao Estado, invadindo a respetiva esfera de atividade”, pelo que “a corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último, ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objetividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas” (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 661).
Exigências que são igualmente colocadas em causa na corrupção ativa, seja porque o corruptor “aceitou” repto lançado pelo funcionário (dando-lhe ou prometendo-lhe o suborno pedido), seja porque ele próprio tomou a iniciativa de corromper o funcionário, assim desde logo (e no mínimo) colocando em perigo aquele que deve ser o ambiente sadio e adequado a que as decisões dos funcionários sejam tomadas no estrito cumprimento da lei e seguindo critérios de objetividade, imparcialidade e independência em relação aos particulares.
O bem jurídico protegido com a incriminação reside, pois, na autonomia intencional do Estado e o núcleo da corrupção reside, justamente, na manipulação ou violação dessa autonomia (em sentido diverso, mas compatível com aquele que se assinalou, pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 880, 884 e 887 considerando que o bem jurídico protegido “é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário,” rejeitando que seja a autonomia intencional do Estado a justificar a punição porque “por um lado, só se abrangem as «funções públicas» e não a atividade privada do funcionário e, por outro lado, os funcionários sujeitos ao tipo não são apenas os funcionários do Estado, uma vez que o conceito penal de funcionário inclui também os gestores e os trabalhadores de empresas concessionárias de serviços públicos, que não se integram no Estado; também M. Miguez Garcia/J.M. Castela Rio, Código Penal – Parte Geral e Especial, Livraria Almedina, 2014, págs. 1236 e 1239, afinam pelo mesmo diapasão que Paulo Pinto de Albuquerque, considerando que o bem jurídico aqui tutelado reside na integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário; ainda no quadro que assinalámos, há quem [Cláudia Santos/Claudio Bidino/Débora Melo, A Corrupção – Reflexões (a partir da lei, da doutrina e da jurisprudência) sobre o seu regime jurídico-criminal em expansão, no Brasil e em Portugal, Coimbra Editora, 2009, pág. 80] defenda que “aquilo que se quer proteger com a criminalização da corrupção é sobretudo a legalidade da atuação dos agentes públicos e a sua objetividade decisional”. No Acórdão da Relação do Porto de 12.7.2017, disponível em www.dgsi.pt, entende-se que, “no crime de corrupção, o bem jurídico objeto de proteção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos”, pelo que “a corrupção pode definir-se como a venalidade na função pública, assumindo a forma passiva quando se persegue e tem em linha de conta a conduta do funcionário”). Protege-se, assim e em primeira linha, a integridade, a legalidade e a autonomia da decisão e atuação do Estado - este deve atuar através dos seus funcionários de forma objetiva e imparcial, não sendo a sua vontade ou o sentido das suas decisões influenciados ou motivados por interesses que não sejam legítimos e estejam plasmados na lei - reconhecendo-se que os cidadãos - individual e coletivamente - são lesados pela corrupção na medida em que esta, ainda que de forma mediata, é responsável pela violação dos direitos (alguns constitucionais) das pessoas ou pela diminuição de recursos que permitam um pleno desenvolvimento da pessoa e de melhores condições socioeconómicas para todos.
15. Perspetivando a análise da lei tendo presente o caso dos autos - lembrando-se, pois, que aos arguidos são imputados crimes de corrupção (passiva e ativa) própria ou para ato ilícito - impõe-se afirmar que, na corrupção, o núcleo do ilícito reside no “mercadejar” com a função ou nesse perigo, o que acaba por modelar o tipo legal, quer na corrupção passiva, quer na corrupção ativa.
16. Na corrupção passiva própria ou para ato ilícito - relembre-se, a conduta do funcionário concretiza-se em “solicitar ou aceitar” o suborno ― podemos mesmo dizer que é no “mercadejar” com a função que se esgota o ilícito (assim mesmo, António Almeida Costa, Comentário cit., págs. 661 e 662, o que o leva mesmo a dizer que o delito base ou tipo fundamental é a corrupção passiva imprópria ou para ato lícito [atualmente prevista no n.º 2 do artigo 373.º] “dado que contém todos os ingredientes que integram a lesão do bem jurídico, sendo a corrupção passiva própria prevista no n.º 1 do artigo 373.º, “de um prisma material, um tipo agravado ou qualificado” em que se “lhe acrescenta a natureza ilícita da atividade visada pelo suborno”; atualmente e desde que foi tipificado o recebimento indevido de vantagem - o que ocorreu em 2001, pela Lei n.º 118/2001, de 28 de novembro, embora estivesse integrado no artigo 373.º, n.º 2 - cremos que o delito base dos crimes de corrupção consta do artigo 372.º, justamente o crime de recebimento indevido de vantagem), pelo que este é um crime de dano, em que a atuação do funcionário não se limita a colocar em perigo a autonomia intencional do Estado como efetivamente a viola e lesa. E, na verdade, a violação do bem jurídico ocorre logo que se verifica “uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, i.e., de «vender» o exercício de uma atividade (ilícita ou lícita, passada ou futura) compreendida nas suas atribuições ou, pelo menos, nos seus «poderes de facto» (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662; no mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 880; e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código cit., pág. 1237).
Trata-se de um crime de mera atividade (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 880; contra, considerando que se trata de um crime de resultado António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662).
Com efeito, esgotando-se o ilícito no mercadejar da função, a atividade proibida concretiza-se no mero solicitar ou aceitar o suborno, isto é, na manifestação (expressa ou tácita) de vontade do funcionário em ser corrompido, consumando-se o delito no momento em que essa solicitação ou aceitação chega ao conhecimento do destinatário, “ainda que este não «compreenda» o seu sentido”, bastando que, “atento o respetivo teor, ela se apresente compreensível por um terceiro, segundo os parâmetros da adequação social (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662). Esta ordem de considerações implica, desde logo e além do mais, algumas consequências.
a) A primeira, é a de que antes da manifestação de vontade do funcionário em ser corrompido chegar ao conhecimento do destinatário “não se observa uma invasão da esfera de atividade do Estado, nem uma ofensa real à sua autonomia intencional” (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662) e, portanto, apenas se poderá falar em tentativa, nos termos gerais do artigo 22.º (exatamente assim, António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 675).
b) Depois, a consumação do crime de corrupção passiva dispensa o efetivo recebimento da peita ou suborno, mostrando-se suficiente, tal como nos diz o Professor António Almeida Costa (Comentário cit., pág. 662) “que se torne conhecida do particular «a solicitação» do suborno (se a iniciativa pertenceu ao funcionário) ou a correspondente «aceitação» (se a iniciativa proveio do corruptor)” (também neste sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038).
c) A consumação do crime não está dependente da prática de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, não sendo sequer necessário que o “funcionário tenha a intenção de efetivamente vir a cometer o ato contrário aos seus deveres”, sendo, assim, irrelevante para a consumação do crime saber “se e quando [o funcionário] praticou ou deixou de praticar um ato contrariamente aos deveres do seu cargo e mesmo se tinha a intenção de vir a cometer o ato contrário aos seus deveres (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 882; no mesmo sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038). Dito de outro modo, omissão ou a efetiva realização da atividade prometida pelo funcionário, bem como o seu caráter lícito ou ilícito, mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infração. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo, na pura e simples «solicitação» ou «aceitação» de suborno.
Verifica-se, então, a consumação da corrupção passiva se aquele bem jurídico é violado; e ocorre uma situação de tentativa se o funcionário realizar os respetivos atos de execução sem que se lhes siga, por motivo estranho à sua vontade, aquela consequência (artigo 22.º). Desse modo, a mera solicitação de suborno, ainda que recusada, ao concretizar uma manifestação de venalidade da Administração, consubstancia uma ofensa efetiva à «autonomia intencional» da função pública e, assim, uma corrupção passiva consumada. Ao invés, e desde que preenchidos os requisitos gerais do artigo 22.º, os casos de tentativa de corrupção «passiva» reconduzem-se, fundamentalmente, a dois tipos de situações: ou no pedido de suborno, ou na aceitação do mesmo (ou da sua promessa), quando não tenham chegado ao conhecimento do particular. Ponto é que o modo ou meio utilizado para comunicar o «pedido» ou a «aceitação» satisfaça as exigências da teoria da «adequação» ou da «causalidade adequada» e, assim, possa considerar-se um «ato de execução» do crime em apreço. Neste contexto, às regras da experiência comum em matéria de comunicação interpessoal acrescem, como critério de aferição, os hábitos ou práticas correntes do setor, porque só no caso de corresponder a tais parâmetros se admite que, na corrupção «subsequente», a simples prática do ato pelo funcionário, sem a necessidade de qualquer declaração de vontade expressa, constitua uma tentativa de corrupção «passiva».
d) A corrupção passiva não é um crime de comparticipação necessária (cf., sobre esta categoria de crimes, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 854 a 857) porque a sua consumação, como limpidamente resulta do vimos expondo, não necessita da intervenção cumulativa do corruptor.
e) Por último, a corrupção passiva é um crime de execução instantânea, ocorrendo a sua consumação no momento em que a conduta típica tem lugar ― o que é relevante para vários efeitos, nomeadamente o do início do prazo da prescrição (neste sentido, Cláudia Cruz Santos, Os crimes de corrupção cit., págs. 98 e 99; também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 882); e
17. Na corrupção ativa, estamos perante um crime de dano quando o corruptor “dá” o suborno e perante um crime de perigo quando “promete” o suborno (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 887): no primeiro caso, se o suborno é dado, isso é sinal de que foi aceite pelo funcionário e, por isso, há uma efetiva lesão da autonomia intencional do Estado; no segundo, estando apenas perante uma promessa (e muito embora a consumação do crime pressuponha que esta tenha chegado ao conhecimento do funcionário) e tendo presente o bem jurídico tutelado (a autonomia intencional do Estado), então estamos apenas perante um crime de perigo, uma vez que, sem qualquer manifestação de assentimento ou consentimento por parte do funcionário ao suborno, a autonomia da vontade do Estado não se mostra violada (em sentido diferente, considerando que na corrupção ativa estamos sempre perante um crime de dano, António Almeida Costa, Comentário cit., págs. 681 a 683).
Note-se que na corrupção ativa, (seguimos António Almeida Costa, Comentário cit., págs. 681 a 683) o ilícito se esgota num desvalor da ação — o dar ou prometer o suborno ao funcionário — independentemente da reação do funcionário (que pode ser de aceitação ou de repúdio). Aliás, esta nota é particularmente evidente em duas situações:
- quando o corruptor “se limita” a aceitar o repto do funcionário que tomou a iniciativa de lhe pedir um suborno porque nessa situação a ofensa ou lesão do bem jurídico já se consumou (mais precisamente: consumou-se no exato momento em que a solicitação do suborno chegou ao conhecimento do seu destinatário); e
- na situação em que o funcionário, perante a promessa do suborno, o repudia, caso em que, no rigor dos termos, o bem jurídico não chegou a sofrer lesão (muito embora a existência de uma simples promessa seja, na ótica da lei, razão suficiente para considerar que a mesma colocou em perigo a autonomia intencional do Estado).
Fica, assim, dado o mote quanto à questão da consumação do crime de corrupção ativa: esta verifica-se:
- no momento em que o corruptor “dá” (pressuposto desta expressão é que funcionário a aceitou) o suborno ao funcionário e, portanto, o crime consuma com a entrega do suborno (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 887; M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1040 vão um pouco mais longe sustentando que, no caso da dádiva fracionada o crime se consuma com a entrega da última parte dela); ou
- o momento em que a sua promessa (de suborno) chega ao conhecimento do funcionário (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 888) — se, por alguma razão, a promessa foi feita, mas não chegou ao conhecimento do funcionário, importará verificar se os pressupostas da tentativa, expressamente punível nos termos do artigo 374.º, n.º 3 - seja porque aceitou o “repto” que lhe foi lançado pelo funcionário (a “iniciativa do suborno coube a este último), seja porque ele próprio teve a iniciativa de corromper o funcionário com um suborno, sendo, neste último caso, indiferente à consumação do crime de corrupção ativa, a reação do funcionário (podendo esta traduzir-se, de modo irrelevante para a perfeição do ilícito, no repúdio do suborno, na sua aceitação ou na indiferença em relação ao mesmo traduzida no puro silêncio).
Em face destes dados, impõe-se concluir que:
- na promessa de suborno, a consumação do crime de corrupção ativa não depende do efetivo recebimento da vantagem ou do suborno, não sendo sequer necessário que o corruptor tenha a intenção de efetivamente cumprir a promessa e entregar o suborno ou a peita ao funcionário; e
- a consumação do crime, tal como na corrupção passiva, não está dependente da prática, pelo funcionário, de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, sendo irrelevante até, para este efeito, que nunca sequer tenha tido a intenção de o praticar ou omitir;
- a corrupção ativa não é um crime de comparticipação necessária, tal como vimos que não era a corrupção passiva; e
- a corrupção ativa, tal como a passiva, é um crime de execução instantânea.
18. Olhando já para o caso dos autos e atendo-nos apenas para os casos da corrupção para ato ilícito, está bom de ver que a lei pune de modo mais severo a corrupção passiva em relação à corrupção ativa: para o funcionário corrupto, a punição prevista é de 1 a 8 anos de prisão, enquanto o corruptor pode ser punido com pena de prisão de 1 a 5 anos (artigos 373.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1).
Compreende-se o sentido da diferenciação: é ao funcionário que cabe, em primeira linha, a tutela dos valores subjacentes à incriminação, nomeadamente o cumprimento dos deveres inerentes ao exercício das suas funções na prossecução do interesse público pautando-se por critérios de legalidade, objetividade e imparcialidade. E, na verdade, sendo a corrupção um crime contra o prestígio e a autoridade do Estado e ademais sendo o acesso ao exercício de funções públicas condicionado, fácil é de entender que o legislador tenha querido punir de modo mais severo as situações em que o ataque ao bem jurídico é feito “a partir de dentro” (expressão que fomos buscar a José Manuel Damião da Cunha, As alterações legislativas em matéria de corrupção: a lei n.º 30/2015, de 22 de abril e as suas consequência, in Julgar online, nov. 2016, pág. 5) da organização do Estado.
19. A qualidade de funcionário mostra-se essencial à verificação do crime de corrupção, seja enquanto agente do crime (corrupção passiva), seja enquanto destinatário da dádiva ou promessa do corruptor (corrupção ativa). E, com efeito, se é verdade que a corrupção passiva (em qualquer das suas modalidades) é um crime específico porque apenas pode ser cometido pelo funcionário, verdade é, também, que na corrupção ativa terá de ser esse sujeito o destinatário da declaração de dádiva ou de promessa de suborno (para si ou para terceiro).
Sendo indubitável que os demais não a têm, impõe-se, então, apurar se o arguido B1… assume a qualidade de “funcionário”.
(Abra-se aqui um brevíssimo parêntesis para assinalar que esta matéria se apresenta relevante não só para apurar se ocorreram os imputados crimes de corrupção, mas também os de abuso de poder, estes últimos apenas imputados ao arguido B1…).
Ora, relativamente aos factos provados, impõe-se atender a vários marcos temporais no seu percurso profissional:
- entre 15 de setembro de 2000 até 26 de outubro de 2017, data em que se aposentou por incapacidade, o arguido B1… foi magistrado do Ministério Público, sendo procurador-adjunto;
- desde 15 de setembro de 2008 e até 31 de agosto de 2014, sem prejuízo de durante alguns períodos ter acumulado funções noutras comarcas, o arguido B1… esteve em funções na Comarca de …, aí exercendo as competências próprias do Ministério Público nas áreas da jurisdição cível, de família e menores e, ainda, no exercício da ação penal, nomeadamente na direção das investigações criminais, representação do Ministério Público nas audiências de julgamento e promovendo a execução das decisões dos tribunais;
- desde 1 de setembro de 2014 e até 19 de janeiro de 2015, exerceu as competências próprias do Ministério Público no Núcleo de … da Comarca de …, designadamente:
a) na jurisdição cível, assegurando a representação do Ministério Público na Instância Local Cível e tramitando e acompanhando os respetivos processos; e
b) na jurisdição e no exercício da penal, assegurando a representação do Ministério Público na Instância Local Criminal, nomeadamente na representação do Ministério Público nas audiências de julgamento, tramitação e acompanhamento dos respetivos processos, promovendo a execução das decisões;
c) tramitação de processos administrativos nas diferentes áreas de atuação do Ministério Público;
d) atendimento ao público no âmbito da jurisdição cível e da Lei de Saúde Mental;
e) representação do Ministério Público nos julgamentos sumários; e
f) serviço urgente, semanal e rotativamente com os demais magistrados do Ministério Público que exerciam funções naquele Núcleo; e
- entre 19 de janeiro de 2015 e até à data em que cessou funções, o arguido B1… esteve de baixa médica.
20. É no artigo 386.º — cuja redação sofreu a sua última alteração pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril, nomeadamente ao seu n.º 3, mas sem a mais pequena influência ao caso sub iudice — que encontramos a definição de funcionário nos seguintes termos:
“1. Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo;
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2. Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3. São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
d) Os magistrados e funcionários de tribunais internacionais, desde que Portugal tenha declarado aceitar a competência desses tribunais;
e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, independentemente da nacionalidade e residência, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.
4. A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
Com esta norma torna-se claro que o legislador pretendeu um conceito alargado de funcionário - “para efeitos da lei penal”, note-se - desligado de um conceito típico e próprio do Direito Administrativo e visando evitar lacunas de punibilidade, muito embora continue ligada à atividade estadual, maxime a administrativa.
Tendo já presente o caso dos autos - e a pessoa do arguido B1… - interessa-nos aqui considerar a alínea d) do n.º 1 do artigo 386.º, nomeadamente quanto àqueles que são chamados “a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional”.
A referência à função jurisdicional deixa então claro que aqueles que participam na Administração da Justiça (também esta uma forma de Administração — cf. artigo 202.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa) devem ser considerados, para efeitos da lei penal, funcionários: o juiz, o magistrado do Ministério Público e o próprio oficial de justiça ou funcionário judicial. Aliás, mais importante que a designação ou o vínculo concreto (provisório, temporário ou definitivo, com remuneração ou a título gratuito) é que ocorra o desempenho ou a participação na atividade jurisdicional. Deste modo, integra-se na categoria de funcionário para estes efeitos não apenas as pessoas que estão ligadas por um vínculo funcional profissional ao exercício da função jurisdicional - tais como juízes, magistrados do Ministério Público ou funcionários judiciais - mas também aqueles que, ocasionalmente, são chamados a desempenhar funções no âmbito da Administração da Justiça, tais como os Juízes Sociais (Decreto-Lei n.º 156/78, de 30 de junho) ou os substitutos dos procuradores adjuntos (artigo 65.º, n.ºs 3 a 5 do Estatuto do Ministério Público).
Muito embora o artigo 386.º refira que a apontada definição de funcionário seja válida “para efeitos da lei penal”, tal não significa que tal conceito deva ser de considerar em toda e qualquer situação que a lei penal ou disposição penal expresse o vocábulo “funcionário” ou outro similar. Na verdade - e muito embora não se possa arredar a importância do artigo 386.º, principalmente porque não se poderá considerar funcionário quem não esteja abrangido por esta norma - entende-se que, tal como em qualquer outra norma penal, o seu âmbito de aplicação deve ser determinado de acordo com os critérios hermenêutico-interpretativos da mesma, nomeadamente quanto à sua intenção político-criminal.
21. Olhando as considerações precedentes e perspetivando, desde já, os factos provados, há uma conclusão que se retira e que recolhe a unanimidade dos sujeitos processuais: antes de entrar de baixa (o que aconteceu a 19 de janeiro de 2015), o arguido B1… era funcionário. O que vale por dizer que os atos praticados antes dessa data se integram — ou podem integrar - no crime de corrupção passiva e passiva, o que se mostra relevante para a situação do arguido E1… e das sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda. e I…, Unipessoal, Lda. Portanto, ao menos relativamente aos factos que envolvem o arguido E1… (e as sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda. e I…, Unipessoal, Lda.) o arguido B1… tem a qualidade de funcionário.
22. Problema diferente é o de saber se após ter adoecido e ter entrado de baixa, se poderá dizer que o arguido B1… mantém a qualidade de funcionário.
Sustentam alguns arguidos que, estando o arguido B1… de baixa, as suas funções estariam suspensas e, por isso, não seria funcionário para efeitos do crime de corrupção. Argumenta-se com Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aplicável subsidiariamente aos magistrados do Ministério Público por força do artigo 108.º do Estatuto do Ministério Público), nomeadamente o seu artigo 278.º, n.º 1.
Sem razão, todavia.
Por força das relevantes funções exercidas pelos magistrados do Ministério Público, estes gozam de um conjunto de direitos e prerrogativas, mas também estão sujeitos a especiais deveres e sujeitos a particulares incompatibilidades. É o que resulta da mera leitura do Estatuto do Ministério Público nomeadamente os seus artigos 1.º a 3.º, 74.º a 108.º. E, na verdade, manda o artigo 108.º do Estatuto do Ministério Público aplicar “subsidiariamente aos magistrados do Ministério Público, quanto a incompatibilidades, deveres e direitos, o regime vigente para a função pública”. Portanto, à falta de regulação específica no Estatuto do Ministério Público no que diz respeito às faltas dos magistrados do Ministério Público por doença, impõe-se olhar para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Faltando o Magistrado do Ministério Público por doença, tal falta deve considerar justificada - artigo 134.º, n.º 2, al. d) - e sendo a falta por doença superior a 30 dias, então tal implicará, nos termos do artigo 278.º “a suspensão do vínculo de emprego público”. Contudo - ao contrário do que sustentam alguns arguidos - durante a suspensão “mantém-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho” (artigo 277.º, n.º 1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Em face do normativo aplicável, torna-se então claro que a situação de doença do arguido B1…, ainda que pressuponha a suspensão do serviço efetivo - i.é., fica dispensado de se apresentar ao serviço onde está colocado e de aí exercer efetivamente as suas funções - não implica que fique dispensado dos demais deveres que sobre si impendem ou que deixe de usufruir da generalidade dos direitos e garantias que a lei lhe reconhece. E, com efeito, não se vê que, por exemplo, só por estar de baixa médica, possa um magistrado do Ministério Público fazer declarações ou comentários sobre processos, assim violando o dever de reserva plasmado no artigo 84.º do seu Estatuto.
Dito de outro modo: ainda que dispensado do serviço, o arguido B1…, apesar de se encontrar em situação de baixa médica, continua a ser magistrado do Ministério Público, sujeito aos particulares deveres que sobre esta categoria especial de pessoas impende e, por isso, está ainda em condições de mercadejar com o cargo. Deve, pois, ser considerado funcionário (referindo-se aos funcionários em geral, partilha desta posição Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 916).
[2] 22. Concluindo-se que, relativamente a todas as situações, o arguido B1… deve ser considerado funcionário, imporá agora prosseguir o nosso caminho e determinar se foi solicitado ou praticado “um qualquer ato ou omissão contrário aos deveres do cargo” dele.
A primeira nota que deve assinalar-se diz respeito ao facto de a corrupção se limitar “aos casos em que a gratificação representa a contrapartida de um ato realizado no exercício do cargo, i. e., do munus estadual em que o seu titular se encontra inscrito”, o que implica que na corrupção “não cabem as hipóteses em que a dádiva respeita a uma atividade ou prestação não efetuada no desempenho das suas competências públicas” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 664, embora referindo-se a uma redação da lei anterior à vigente e onde a palavra “contrapartida” se encontrava expressamente plasmada na letra da lei). Portanto, “não é sequer típico o ato «privado» do funcionário, que fica totalmente fora do âmbito da competência funcional do funcionário e que o funcionário realiza na sua qualidade de pessoa privada, mesmo que o seu cometimento tenha sido possível devido a conhecimentos e contactos adquiridos no exercício do cargo ou à influência ou consideração social derivadas “do cargo” e ainda que o ato tenha sido remunerado e infrinja deveres funcionais” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., págs. 880 e 881).
23. Assumindo, portanto, que o crime de corrupção está intimamente ligado a condutas que se integram no exercício do cargo, impõe-se agora avaliar se este se identifica com as “específicas competências legais” do funcionário ou, o que significa um alargamento do âmbito da incriminação, podem importar a simples atuação de meros poderes de facto” decorrentes da posição funcional do agente.
a) Uma posição mais restritiva defende que só se poderá falar em corrupção naquelas situações em que só há corrupção (passiva) se a “atividade visada pelo suborno se encontre abrangida nas atribuições ou competências do funcionário”, pelo que “fora do campo da infração estaria, além do particular que se fizesse passar por funcionário público e, assim, beneficiasse de um suborno o próprio funcionário que se arrogasse da competência para praticar um ato que não cabe nas suas específicas atribuições e, em troca, aceitasse uma gratificação”, casos que se apresentariam subsumíveis a outro tipo legal (por exemplo, usurpação de funções ou burla), mas não corrupção passiva. Isto porque “ao seu conceito estaria subjacente a violação de um dever de “fidelidade ao cargo”, pelo que apenas poderia figurar como respetivo autor a pessoa sobre quem recaísse esse mesmo dever - i.é., o indivíduo formalmente investido para o desempenho das funções” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 664).
Esta posição apresenta-se muito restritiva e, na prática, levaria a que nunca se verificasse o crime de corrupção passiva para a prática de ato ilícito porque, “a lei nunca confere competência para a realização de atos injustos ou ilícitos” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 665), o que levará a procurar-se um outro critério para concretizar o conceito de “prática de um qualquer ato ou omissão contrário ao seu dever”.
b) Outra é a posição que vem sendo defendida na doutrina (Almeida Costa, Comentário cit., págs. 664 a 667, que aqui seguiremos de perto; também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., págs. 880 e 881; e M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1237) e na jurisprudência (entre outros, pode ver-se o Acórdão da Relação do Porto de 12.7.2017, www.dgsi.pt).
i. Não deixando de se reconhecer que estaremos a falar de corrupção (passiva) naquelas situações em que o funcionário viola os deveres do seu cargo quando está no exercício das suas atribuições ou competências funcionais, crê-se que a incriminação abrange ainda os casos em que “a atividade em causa se encontrar numa relação funcional imediata com o desempenho do respetivo cargo”, o que “acontecerá sempre que a realização do ato subornado caiba no âmbito “fáctico” das suas possibilidades de intervenção, i. é., dos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, quer dizer, não de quaisquer possibilidades fácticas — que também um particular pode possuir — mas apenas as que, apesar de exorbitarem são propiciadas pelo cumprimento normal das suas atribuições legais” (Almeida Costa, Comentário cit., págs. 664-665).
Só esta posição tem em consideração que, “no plano material, a «autonomia intencional do Estado» resulta ofendida com igual intensidade, quer o ato subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário «competente», quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional direta com o serviço, apenas o levou a cabo na atuação de meros» poderes de facto»”. Aliás, é porque estes “poderes de facto” “decorrem de uma relação funcional do agente, i. é., do posto que ocupa [que] o recebimento da peita pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transação com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva” (Almeida Costa, Comentário cit., págs. 665 e 666).
Em face desta ordem de ideias, parece que é de excluir da corrupção passiva as hipóteses “em que o agente, não obstante revista a qualidade de funcionário público e, em virtude dele, goze da capacidade “fáctica” para efetuar a conduta a que se destina a peita, não pertença ao serviço ou departamento a que está adstrito aquele setor de atividade social, nem com ele mantenha conexões institucionais diretas”, justamente porque “não participa da aludida «relação funcional imediata», aquele empregado público apresenta-se como «estranho» ao serviço e, portanto, numa posição equiparável à de um particular”. E, em sentido inverso, “integra uma situação de corrupção passiva, por exemplo, o pagamento de um suborno ao contínuo de certo departamento administrativo como contrapartida de ele haver subtraído determinado processo que estava para ser decidido pelo seu diretor” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 665).
ii. Aqui chegados importa ainda uma precisão no sentido de delimitar com mais rigor o âmbito da corrupção passiva para ato ilícito (ou corrupção própria): esta apenas abrange os casos em que a ofensa dos deveres do cargo por parte do funcionário ocorre por força de uma “invalidade” substancial ou material ou de fundo, e não apenas por motivos de forma ou à competência do agente.
Na verdade - embora reconhecendo que quer na corrupção própria, quer na imprópria está igualmente em causa a autonomia intencional do Estado — não se pode ignorar visando a conduta do funcionário um ato materialmente ilícito, a violação ao bem jurídico tutelado se mostra mais grave e, por isso, merecedora de uma sanção (penal) mais acentuada, até porque em tal situação — isto é, naqueles casos em que a violação dos deveres do cargo se concretiza apenas na violação das regras da competência ou da forma de atuação que, acaso fosse realizada pelo “funcionário competente” ou “seguisse a forma legal”, conduziria a um resultado legal ou lícito — verifica-se uma equiparação axiológica e jurídica à corrupção imprópria ou para ato lícito.
Assim, e tendo por referência a corrupção imprópria ou para ato lícito, “só se verifica um salto qualitativo capaz de fundamentar a agravação da pena inerente à corrupção própria quando a atividade subornada se revelar ilegal no tocante ao seu fundo ou substância”, até porque “caso contrário, o critério distintivo entre corrupção imprópria ou própria acabaria por se resumir à competência ou incompetência do empregado público, i.é., ao facto de ele ter exercido a sua específica competência ou, pelo contrário, os meros “poderes de facto” daí derivados — solução a todos os títulos inaceitável” (Almeida Costa, Comentário cit., págs. 666 e 667).
É este critério que permite, ainda, distinguir a corrupção passiva para ato ilícito da corrupção passiva para ato ilícito no exercício dos poderes discricionários: haverá corrupção própria ou para a prática de ato lícito naqueles casos em que o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que a lei lhe concede e, ainda, naqueles casos em que se deixou influenciar pelo suborno tomando uma decisão diferente da que tomaria se a gratificação (ou a respetiva promessa) não tivesse ocorrido.
24. Olhemos, agora, para os factos provados.
a) Resumidamente, o arguido B1…:
i. Tendo-lhe tal sido pedido pelos arguidos E1… (gerente das sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda. e I…, Unipessoal, Lda.), C1… (gerente da sociedade arguida G…, Unipessoal, Lda.) e D… (marido da gerente da sociedade X…, Unipessoal, Lda.), solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira entidade a suspensão de procedimentos inspetivos sobre aquelas sociedades ligadas a tais arguidos — o que fez por meios vários (contactos telefónicos e por e-mail — invocando para o efeito o interesse de tal atuação para uma investigação criminal que se encontrava em curso (com contornos internacionais, dizia) que, na verdade, nunca existiu;
ii. No confronto com o Centro Distrital da Segurança Social de …, depois de tal lhe ter sido pedido pelo arguido F1…, solicitou — o que fez por contacto telefónico e também por e-mail — que tal entidade deferisse os pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro (Documentos Portáteis A1) mesmo que não estivessem reunidos os respetivos os pressupostos legais.
b) Ora, temos para nós que esta atuação do arguido B1… se insere na área típica das suas atribuições funcionais, muito embora até estivesse de baixa médica quando atuou em benefício dos arguidos F1…, C1… e D….
i. O Ministério Público é um órgão constitucional com competência para, além do mais, exercer a ação penal (artigo 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 1.º e 3.º, n.º 1, al. c), do Estatuto do Ministério Público), cabendo-lhe ainda “a direção da investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades” (artigo 3.º, n.º 1, al. h), do Estatuto citado). E é neste âmbito que a direção do inquérito — i. é., “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas” (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) — “cabe ao Ministério Público, assistido por órgãos de política criminal” (artigo 263.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Esclarecido este aspeto, torna-se também claro que na investigação de um crime, pode o Ministério Público optar por diversas estratégias de investigação, dirigindo os órgãos de investigação criminal e em colaboração com outras entidades (públicas e privadas).
Tendo presente estes vetores, não se vê como é que se pode afirmar que o arguido B1…, ao solicitar a colaboração, quer da Autoridade Tributária e Aduaneira, quer do Centro Distrital de Segurança Social de … não estava a atuar no quadro específico das suas atribuições funcionais.
ii. É certo, dir-se-á, que em bom rigor e no caso concreto, o arguido B1… não tinha “verdadeira” competência para solicitar o que quer que fosse a tais entidades não só porque não existia qualquer investigação, como até a investigação dos crimes invocados nas comunicações feitas à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Centro Distrital de Segurança Social de … (“crimes da competência da Polícia Judiciária” ou “crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros de idêntica natureza e consigo conexos, de âmbito internacional”) estava “reservada” não lhe como relativamente a alguns dos factos, se encontrava já de baixa médica e, por isso, não estava em pleno exercício das suas funções.
Contudo, não se pode esquecer que, como já se esclareceu, aqui não está tanto em causa saber se o arguido B1… tinha uma específica atribuição legal para praticar os concretos atos praticados de solicitar a suspensão de inspeções tributárias ou de solicitar o deferimento dos destacamentos de trabalhadores para o estrangeiro, mas se, afinal, a atividade em que se traduz a violação dos seus deveres — e, cremos, não há quem coloque em causa que a atuação do arguido B1… consubstancia uma grave violação dos deveres funcionais a que (ainda que de baixa médica!) estava adstrito — se insere no âmbito dos poderes de facto que lhe advém do cargo/qualidade de magistrado do Ministério Público. E, sobre esta matéria, não temos dúvida em afirmá-lo: essa atividade consubstancia um ato típico, próprio do exercício da investigação criminal que cabe, como vimos, ao Ministério Público. Aliás, a concreta atuação do arguido B1… seria perfeitamente aceitável se, porventura, não estando de baixa, efetivamente aquelas empresas fossem suspeitas da prática dos crimes que ele invoca nos seus pedidos/solicitações (“crimes de competência da Polícia Judiciária” e “crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros de idêntica natureza e consigo conexos, de âmbito internacional”) e fossem feitos no âmbito de verdadeiros inquéritos criminais.
(Abra-se aqui um brevíssimo parêntesis para dar conta de que não nos devemos impressionar com o facto de ser perfeitamente aceitável no quadro de um Estado de Direito Democrático que entidades com competência de investigação criminal possam permitir - e até solicitar - a prática de atos à margem da lei, tais como não realizar inspeções a contribuintes regularmente selecionados para tal ou o deferimento pretensões que não cumpriam os requisitos legais. Desde que deviamente enquadradas e respeitando o núcleo essencial dos direitos fundamentais, num quadro de estrita proporcionalidade, a investigação criminal tem, por vezes, de se socorrer de tais instrumentos para lograr atingir a finalidade de combate ao crime que prossegue: é frequentíssimo a não perseguição do consumidor de estupefaciente, merecedor de sanção contraordenacional, para tentar descobrir e perseguir o traficante, merecedor de sanção penal…).
iii. Note-se, ainda, que é pedido ao arguido B1… e o que ele aceita fazer, não é suspender as inspeções tributárias ou deferir os destacamentos de trabalhadores para o estrangeiro, mas solicitar a suspensão das inspeções tributárias e solicitar o deferimento dos pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro.
Não querendo aqui entrar em discussões sobre se este “solicitar” afinal significa “mandar” ou “ordenar” — a verdade é que no “jargão” judiciário é muito frequente utilizar a expressão “solicitar” quando, na verdade, se está a “mandar”, evitando-se o uso de vocábulos associados a autoritarismo por cortesia e delicadeza — deve dizer-se que o simples “solicitar” certas atuações e omissões a outros entes administrativos surge como típico da atuação do Ministério Público no quadro dos seus poderes de investigação criminal.
Sinal de que o arguido B1… atuou no quadro das suas atribuições fácticas é que invocou expressamente perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Centro Distrital de Segurança Social de … a sua qualidade de magistrado do Ministério Público, dando referências típicas de um inquérito-crime e utilizando o seu endereço eletrónico profissional.
iv. E nem se tente argumentar que não há a verificação do crime de corrupção porque o arguido B1… não atuou da forma “processualmente adequada”, já que recorreu a uma (simples) mensagem de e-mail, não sendo este o meio processual-formal adequado para o Ministério Público transmitir ordens ou pedidos/solicitações.
Tal modo de ver as coisas — que, no fundo, faz corresponder a forma ao conteúdo — ignora a realidade das coisas e, além disso (e essencialmente) a configuração dogmática do crime de corrupção.
Com efeito, como pusemos já em destaque, o crime de corrupção passiva e ativa é de consumação instantânea:
– no caso da corrupção passiva, a consumação do crime dá-se (para além de outras situações que não têm qualquer aplicação no caso sub iudice) no exato momento em que o funcionário aceita o suborno ou, rectius, que essa aceitação chega ao conhecimento do corruptor, sendo irrelevante se o funcionário chegou a receber o suborno ou se chegou a praticar os atos para os quais foi subornado ou corrompido; e
– no caso da corrupção ativa, a consumação do crime ocorre no exato momento em que a oferta do suborno chegou ao conhecimento do funcionário, não sendo sequer necessário que ele a aceite.
Percebida a configuração típica do crime de corrupção, fica claro que é irrelevante o concreto modo ou meio pelo qual ele concretiza a conduta violadora dos seus deveres: se por e-mail, se por ofício remetido por correio eletrónico, se por ofício remetido em papel com selo branco e assinatura do magistrado.
(Em todo o caso, importa dizer que temos para nós que o meio utilizado pelo arguido B1… — a mensagem remetida por correio eletrónico — se apresenta como processual e formalmente adequado ao efeito pretendido, não se mostrando necessário que fosse utilizado “papel com selo branco” ou outro meio equivalente: é que nos termos do artigo 111.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a comunicação de atos processuais pode ser feita “por ofício, aviso, carta, telegrama, telex, telecópia, comunicação telefónica, correio eletrónico ou qualquer outro meio de telecomunicações: quando estiver em causa um pedido de notificação ou qualquer outro tipo de transmissão de mensagens”.
Nestes termos, teremos de concluir que, no caso dos autos, o arguido atuou no âmbito dos poderes de facto que lhe advinham da qualidade de que se encontrava investido.
25. Um outro dado importa ressaltar dos factos provados e a ele até já se fez referência.
O arguido B1… aceita, porque tal lhe é pedido pelos demais arguidos, solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Centro Distrital de Segurança Social que, respetivamente, suspenda inspeções tributárias ou que defira pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro mesmo que não estivessem preenchidos os requisitos legais para os mesmos. É aqui - no solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Centro Distrital da Segurança Social - que está o cerne da atuação do arguido B1…. Não lhe é pedido que suspensa as inspeções tributárias ou que defira os destacamentos de trabalhadores para o estrangeiro. Dito de modo mais simples:
- é necessário distinguir a solicitação da suspensão ou do deferimento da própria suspensão ou deferimento solicitados; e
- a conduta dos arguidos gira em torno da solicitação e não da suspensão ou deferimento (embora, note-se, sejam estes os resultados finais pretendidos).
É óbvio que os arguidos estão a contar — atenta a qualidade em que se apresenta o arguido B1…, o estratagema por ele utilizado e, essencialmente, o facto de a sua atuação (solicitar a prática de determinados atos ou omissões) se inserir no quadro típico das atribuições do Ministério Público - que este mero “solicitar” seja suficiente para obter o resultado que pretendem: os arguidos E1…, C1… e D… a suspensão das inspeções tributárias e o arguido F1… o deferimento dos pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro.
Percebida esta distinção e concluindo nos termos que já se assinalaram de que este tipo de atuações (em que se pede, no interesse da investigação de certos crimes, a colaboração de outros entes administrativos) se enquadra nas funções típicas dos magistrados do Ministério Público, duas conclusões se retiram.
A primeira é a de que é irrelevante apurar se o resultado final da atuação do arguido B1… é legal ou ilegal, porque tal juízo de licitude ou ilicitude deve focar-se, exclusivamente, na atuação do arguido B1… que se concretiza em, invocando uma investigação criminal sobre certos crimes graves que não existe, solicitar a suspensão de inspeções tributárias ou o deferimento de pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro. Ora, inequivocamente, o que os demais arguidos pedem ao arguido B1… - que solicite… - e o que este efetivamente realiza - solicita… - traduz-se na “prática de ato contrário aos deveres do cargo” e, por isso, estamos em presença de corrupção passiva e corrupção ativa para a prática de ato ilícito.
(Em todo o caso, abra-se aqui um novo parêntesis, se quisermos olhar a atuação do arguido quanto ao conteúdo do que ele solicita, deve dizer-se que os factos provados também não deixam a mais pequena dúvida de que se trata de atos ilegais: dum lado, a suspensão de inspeções tributarias a contribuintes que, de acordo com os critérios normativos e regulamentares, foram legitimamente selecionados para o ser; doutro, o deferimento de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro mesmo que os mesmo não reunissem os respetivos pressupostos legais.)
A segunda nota que cabe aqui destacar é que sendo esta “solicitação” um ato que cabe nas atribuições legais específicas do Ministério Público, fica então afastada a ideia de que, no fundo, se pediu ao arguido B1… uma “cunha” junto da Autoridade Tributária e Aduaneira ou do Centro Distrital da Segurança Social.
Com efeito, como já se salientou, os arguidos E1…, F1…, C1… e D… não abordaram o arguido B1… no sentido de o mesmo “mover influências” junto da Autoridade Tributária e Aduaneira para obter a suspensão das inspeções tributárias ou junto do Centro Distrital da Segurança Social para que se deferissem destacamentos de trabalhadores para o estrangeiro que não estivessem legais. Repare-se que o arguido B1… não é abordado pelos coarguidos E1…; D…, C1… e F1… porque “tem um amigo” na Autoridade Tributária e Aduaneira ou no Centro Distrital de Segurança Social — que até pode ter conhecido porque é ou era magistrado do Ministério Público — e se dispõe a “dar-lhe uma palavrinha” em favor das suas (deles) pretensões. O que os factos provados deixam claro é que os arguidos E1…, D…, C1… e F1… solicitaram ao arguido B1… a prática de atos que se inscreviam no âmbito das suas atribuições funcionais de magistrado do Ministério Público.
Esta nota permite afastar, sem a mais pequena dúvida, os factos em apreço do âmbito do tráfico de influências a que se alude no artigo 335.º do Código Penal.
(E abra-se novo parêntesis: mesmo que se considere que estávamos perante um crime de tráfico de influência, não se vê como é que, perante a factualidade provada, se pode dizer que estaríamos perante um tráfico de influência para a prática de ato lícito quando se solicita o deferimento dos pedidos de destacamento “mesmo que não reúnam os requisitos legais e regulamentares para o efeito”).
26. A verificação do crime de corrupção exige, ainda, que entre o corruptor e o corrupto exista uma “vantagem, patrimonial ou não patrimonial” que, na corrupção passiva, é solicitada ou aceite pelo funcionário público e, na corrupção ativa, é dada ou prometida pelo corruptor.
a) A vantagem pode ser patrimonial ou não patrimonial.
b) Problema diferente é do de saber se associada à vantagem deve estar uma concreta prestação, uma troca ou transação.
i. Aqui, deve lembrar-se que na génese das alterações legislativas introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 32/2010, 2 de setembro está, primordialmente, o Projeto de Lei n.º 220/XXI do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que, no sentido reforçar a eliminação de exigência de prova do sinalagma para a consumação do crime de corrupção, referia o seguinte: “A punibilidade da corrupção tem (…) uma tipologia assente na solicitação ou aceitação de vantagem, patrimonial ou não patrimonial, não devida a funcionário pelo exercício das funções. Afasta-se, de forma inequívoca, a exigência de verificação de um nexo causal entre a vantagem e o ato ou omissão do funcionário, antecedente ou subsequente (…) esclarece-se que a censura ético-social recai sobre a solicitação ou aceitação de vantagem não devida, relevando aqui a perigosidade inerente à criação de condições que possam conduzir ao cometimento do favor, lícito ou ilícito. Deste modo, a vantagem não necessita de estar referida a uma determinada atuação funcional, mas apenas ao exercício de funções em geral”.
Em face desta alteração, impõe-se então considerar que “há corrupção passiva na sua forma matricial logo que o agente público pede ou aceita (ou corrupção ativa logo que alguém lhe promete ou oferece) vantagem patrimonial de valor não insignificante que não possa ser compreendida de outro modo senão à luz de uma viciação da sua imparcialidade e objectividade funcional”, porque “pedida ou oferecida aquela vantagem não insignificante, ofendeu-se imediatamente a legalidade da atuação dos agentes públicos, que impede que eles solicitem ou que os cidadãos lhe ofereçam quaisquer retribuições por um desempenho que o Estado entendeu não merecer retribuição outra” o que permite afirmar que “deste entendimento decorrerão, naturalmente, a irrelevância da demonstração de qualquer pacto de corrupção ou sinalagma para afeitos de preenchimento da norma-base” (Cláudia Cruz Santos, A Corrupção – Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime Jurídico-Criminal em Expansão no Brasil e em Portugal, Coimbra Editora, 2009, pág. pág. 32).
Assim, perspetivando-se a letra da lei em conjugação com as suas intenções político-criminais - cujo percurso histórico não deixa de sinalizar - teremos então de concluir pela desnecessidade de prova de um qualquer sinalagma ou relação direta ou de contraprestação entre a peita/suborno e o concreto ato ou omissão do funcionário e, além disso, fica também claro que o preenchimento do tipo dispensa a prova do acordo de vontades entre o corruptor e o funcionário.
ii. Contudo, importa tomar em atenção que esta perspetiva da corrupção não dispensa uma interpretação conjunta dos artigos 372.º a 374.º, analisando a intenção político-criminal dos mesmos que serve de pano de fundo a todo o regime penal e punitivo da corrupção.
Assim, se no artigo 372.º se pune a criação de um “clima de permeabilidade” ou de simpatia tendo em vista futuros atos, mas desligado de objetivos imediatos, tal significará que na corrupção “quando se solicita, aceita ou promete, a peita deve atualizar já o sentido de uma «troca» ou «transação» com o exercício do cargo” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 671), sem que, todavia, se exija a verificação de uma relação direta entre o suborno e a conduta do funcionário, até porque esta não precisa de “se encontrar pré-determinada de forma precisa ou, até, ficar subordinada, quanto ao quanto ao seu «se» e ao seu «como», à discricionariedade do agente, em razão do circunstancialismo que se observe no momento de a levar a cabo” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 671).
27. Feitas estes considerando, também aqui os factos não deixam margem para dúvida: existe vantagem patrimonial para o arguido B1… resultante de poder continuar a usufruir dos empréstimos dos arguidos F1…, C1…, E1… e D….
28. Este é um crime doloso, admitindo qualquer das modalidades do dolo: direto, necessário e eventual.
Ora, provou-se que:
- os arguidos E1…, F1…, C1… e D…, assim como, por intermédio dos respetivos gerentes, as sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda., I…, Unipessoal, Lda. e K…, Lda. também estas sabiam que o arguido B1… tinha a qualidade de Magistrado do Ministério Público, assim como estavam cientes dos especiais deveres que sobre o mesmo impedia;
- o arguido B1… sabia também da sua qualidade de Magistrado do Ministério Público, estando ainda ciente dos deveres e funções que tal qualidade e estatuto significam;
- Os arguidos E1…, F1…, D… e D…, assim como, por intermédio dos respetivos gerentes, as sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda., I…, Unipessoal, Lda. e K…, Lda., sabiam que o que solicitavam ao arguido B1…, nomeadamente que o mesmo intercedesse por eles e pelas sociedades que os mesmos geriam ou em que tinham interesses junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Centro Distrital de Segurança Social de … nos termos descritos, era contrário aos deveres inerentes ao estatuto e qualidade de Magistrado do Ministério Público do arguido B1…, o que também era do conhecimento deste;
- Não obstante isso, os arguidos E1…, F1…, C1… e D… agiram nos moldes que se mostram descritos, o que representaram, quiseram e conseguiram;
- Estavam os arguidos cientes que, ao agir nos moldes descritos, nomeadamente ao anuir interceder pelos demais arguidos e sociedades que os mesmos geriam ou tinham interesses junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social e ao fazê-lo, o arguido B1… praticava atos contrários aos seus deveres, o que representaram, quiseram e, nos termos que se descreveram, conseguiram; e
- Em todas as descritas circunstâncias, os arguidos B1…, C1…, D…, E1… e F1…, assim como, por intermédio dos arguidos gerentes das respetivas sociedades arguidas, também estas, atuaram livre, voluntaria e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas, sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei.
29. Em face destes considerandos, não temos qualquer dúvida em afirmar que o arguido B1… incorreu na prática do crime de corrupção, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1 do Código Penal e que os arguidos E1…, F1…, C1… e D…, cada um deles, de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1.
Importa, agora, analisar quantos crimes cada um deles praticou, assinalando-se que o libelo acusatório parece imputar tantos crimes quantos os beneficiados pela ação do arguido B1…:
- 6 crimes para o arguido B1…;
- 2 crimes para o arguido F1… (considerando as sociedades K…, Lda. e J…, Lda., anotando-se, desde já, que será absolvido dos factos que lhe imputam relativamente a esta última);
- 2 crimes para o arguido E1… (considerando as sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda. e I…, Unipessoal, Lda.); e
- 1 crime para cada um dos arguidos C1… (G…, Unipessoal, Lda.) e D… (X…, Unipessoal, Lda.).
Não cremos que, em face dos factos provados, o critério da pronúncia seja o mais acertado.
a) A solução do problema deve encontrar-se no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, conjugada com a configuração típica do tráfico de estupefacientes como crime de perigo comum abstrato que tutela a saúde pública (abrangendo as suas componentes física e mental) e crime de empreendimento ou atentado e crime exaurido.
Diz-se, então, no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal que “o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
Importa, por isso, o que se deve entender como “crime” ou, rectius, por “tipo de crime”.
Esta tarefa não é isenta de dificuldades.
i. Entende o Professor Figueiredo Dias que “o «crime» por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efetivamente aplicável”, sendo que a essência de tal violação reside no “substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal”. De tal modo que o critério para diferenciar a unidade ou pluralidade de crimes se encontra na “unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”, em termos de se poder dizer que estamos perante um concurso efetivo se for possível emitir uma “pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos-típicos cometidos”, enquanto estaremos perante um único crime se o comportamento global do agente “é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude”, situação em que estaremos perante um concurso aparente (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 988 a 991).
Entende ainda o ilustre professor que “da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir, prima facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude” e em tal situação estaremos perante um concurso efetivo, puro ou próprio (Direito Penal cit., pág. 1006). “Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser ilidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social” (Direito Penal cit., pág. 1011).
Ora, para se apurar essa relação de “dominância”, deve dar-se uso, como critério primacial, o da “unidade de sentido do acontecimento ilícito global final”, pois o que se passa é que “nestes casos, o agente se propôs uma realização típica de certa espécie” - por exemplo, obter uma vantagem patrimonial sobre certa pessoa burlando-a - e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, como dolo necessário ou eventual, de métodos, de processos ou meios já em si mesmo também puníveis”, assim se observando a existência de um sentido de ilícito absolutamente dominante e «autónomo», a par de outro ou outros sentidos dominados ou «dependentes»” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., pág. 1016).
Este critério é observável ou concretizável ou mesmo complementado por outros critérios donde resulte a esta “unidade de sentido do acontecimento ilícito global-final”, nomeadamente (desenvolvidamente, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 1018 a 1021):
- o critério do crime instrumental ou crime-meio (abarcando aquelas situações em que “um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e efeitos”);
- a unidade de desígnio criminoso (que, em certas situações, “pode conferir a uma pluralidade de realizações típicas um sentido fundamentalmente unitário do ilícito”, quer se trate de um concurso homogéneo ou heterogéneo, quer se verifique ou não a contemporaneidade das realizações típicas);
- a conexão espácio-temporal das realizações típicas (observando-se que “uma certa unidade ou proximidade de espaço e/ou tempo das realizações típicas pode constituir forte estímulo para concluir pela intersecção dos sentidos dos ilícitos singulares e, por essa via, por uma leitura unitária do sentido de ilícito do comportamento total” e, por essa via, por um concurso aparente); e
- os diferentes estádios de evolução ou de intensidade da realização global.
ii. Por seu turno, o Professor Eduardo Correia sustenta que o número de crimes se determina pelo número de juízos de censura dirigidos ao agente, reconduzidos estes às diferentes resoluções criminosas.
Este penalista, partindo da ideia de que o “número de infrações determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa atividade”, levando-o a afirmar que “se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só atividade”, havendo vários crimes sempre que há “vários juízos de censura”, esclarecendo que “seguro é que, sempre que possa verificar-se uma pluralidade de resoluções - de resoluções no sentido de determinações de vontade, de realizações do projeto criminoso - o juízo de censura será plúrimo” (Direito Criminal – vol.II, Livraria Almedina, 1965, [reimpressão: 1988], págs.200 a 202).
Quanto ao modo ou critério a seguir para determinar uma pluralidade ou unidade de resoluções é necessário apelar-se à “conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente”, afirmando-se uma unidade resolutiva naquelas situações em que, “em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica”, “o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação” (Eduardo Correia, Direito cit., pág. 202).
b) Em face destes critérios, quer se siga uma ou outra posição, entende-se que não há tantos crimes quantos os sujeitos “beneficiados” pela conduta corrupta do arguido B1….
Não se ignora que o bem jurídico se mostra ofendido em cada ocasião que o funcionário atua em violação dos deveres do cargo. Mas no caso, essa violação ocorre, no que toca ao arguido E1… (único que solicita “favores” para mais que uma pessoa), parece, com uma única conduta que simultaneamente abrange as sociedades arguidas I…, Unipessoal, Lda. e H…, Unipessoal, Lda.. Como parece, doutro lado, que a conduta delituosa do arguido B1…, no que diz respeito ao “suborno” do E1…, engloba simultaneamente aquelas duas sociedades, que se evidencia do facto de solicitar a suspensão das inspeções tributárias simultaneamente para ambas as sociedades. Ademais, sempre que fala numa, fala na outra, devendo ainda assinalar-se que, muito embora não se ignore o princípio de que a personalidade jurídica das pessoas coletivas não se confunde com a dos seus “criadores” ou dos seus “gerentes”, a verdade é que, em última instância, o que se pretende com a suspensão das ditas inspeções é beneficiar o próprio E1….
Neste quadro, considerando o bem jurídico protegido, o modo de atuação de cada um dos arguidos, entende-se que o sentido social da ilicitude ou a resolução criminosa se manifestam em termos que se pode afirmar o seguinte:
- os arguidos C1… e D…, cada um deles, efetivamente praticaram um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1;
- o arguido F1… também praticou apenas um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1, desde logo porque não há factos que permitam afirmar uma qualquer ligação entre si e os factos que dizem respeito à J…, Lda.;
- o arguido E1… também praticou apenas um crime de corrupção, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1, na medida em que, sendo sócio e gerente de ambas as sociedades beneficiadas com a conduta do arguido B1…, tendo abordado em conjunto a situação destas empresas e verificando-se ainda que o ato violador do bem jurídico - a solicitação feita pelo arguido B1… à Autoridade Tributária e Aduaneira para a suspensão das inspeções tributárias - abarca, em simultâneo, ambas as sociedades, assim se podendo dizer que a ilicitude social subjacente a num crime de corrupção (ativa e passiva) abrange já estas duas sociedades; e
- na decorrência do que acima expendemos, o arguido B1… praticou 4 crimes de corrupção passiva, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1.
30. Falta, ainda, analisar a questão da responsabilidade penal das sociedades arguidas.
Impõe-se aqui ter presente o artigo 11.º do Código Penal, especialmente o seu n.º 1 e n.º 2:
“1 – Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal.
2 – As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas [públicas] no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos:
a) Em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.”
(Abra-se aqui um brevíssimo parêntesis para dar conta que o princípio da responsabilidade penal das pessoas coletivas sofreu um alargamento significativo comas alterações ao Código Penal produzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, a qual deu uma nova redação ao artigo 11.º do Código Penal, nomeadamente, indicando um conjunto de crimes típicos do chamado Direito Penal Clássico que poderiam dar lugar a responsabilidade penal a pessoas coletivas e criando critérios de imputação de tais crimes à pessoa coletiva.
Depois disso, o artigo 11.º sofreu duas intervenções legislativas:
- pela Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto, que, bem lida, nenhuma alteração trouxe até porque parece reproduzir o n.º 2 do artigo 11.º que visava alterar; e
- pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril que, além de revogar o n.º 3 do artigo 11.º [esclarecia o que se devia entender por pessoas coletivas públicas para efeitos penais], excluía da possibilidade de responsabilidade penal as pessoas coletivas, além do Estado e de outras organizações de direito internacional público, as “pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público” [antes falava-se em “outras pessoa coletivas públicas”, e nelas se incluíam, por força da alínea c) do [revogado] n.º 3 do artigo 11.º, justamente as “demais pessoas coletivas que exerçam prerrogativas de poder público”]).
Estas alterações não têm a mais pequena influência ao caso dos autos.)
Com a norma acabada de citar abre-se uma importante brecha no dogma de que as pessoas coletivas não podem ser alvo de responsabilidade penal, princípio que era conhecido pelo brocardo latino societas delinquere non potest.
Esta dogma encontrava-se ancorado em dois princípios: as pessoas coletivas eram incapazes de ação (já que não podiam agir por si próprios, mas apenas por intermédio de pessoas físicas) e, além disso, eram incapazes de culpa (no sentido de que, agindo apenas por intermédio de pessoas físicas, não lhe era possível dirigir um juízo de censura ético-pessoal, já que esta estaria reservada à pessoa física, ser livre e consciente).
Contudo, a manutenção deste dogma foi-se tornando politico-criminalmente insustentável em face do aparecimento de uma “criminalidade cada vez mais organizada e complexa, desenvolvida através de sociedades comerciais e instituições financeiras e das mais variadas formas de associação ou agrupamento, muitas vezes extremamente poderosas e com ramificações à escala global”, muitas vezes típica de uma sociedade do risco, em que se torna “extremamente difícil determinar a real responsabilidade de cada um dos indivíduos que opera no seio da coletividade”, para além de que “a produção de prova é tarefa quase impossível, em virtude da extrema dispersão do poder decisório, da grande divisão de tarefas e das longas cadeias hierárquicas” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 296 e 297).
E, na verdade, persistir no dogma da responsabilidade penal exclusivamente individual implicaria a impunidade de muitas condutas tipificadas como crime.
Por isso, em termos político-criminais é mais que justificada a consagração da responsabilidade penal das pessoas coletivas, designadamente naqueles casos em que, devido à complexa teia organizacional da mesma, é praticamente impossível afirmar o nexo de imputação ou de causalidade entre o agir de uma pessoa (física) e o crime. Ao que acresce que as pessoas coletivas podem ser destinatários de um juízo de censura, pois que sendo obras do homem, são “obras da liberdade” ou “realizações do ser livre” e, como tal, podem substituir-se ao homem individual que nelas se exprime (neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Para uma Dogmática do Direito Penal Secundário – Um Contributo para a Reforma do Direito Penal Económico e Social Português, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117.º, n.º 3720, julho de 1984, págs. 72 a 75).
Por isso, a responsabilidade penal das pessoas coletivas não constitui uma forma de responsabilidade por facto de outrem, antes se trata de “uma verdadeira responsabilidade autónoma e distinta da responsabilidade dos concretos homens e mulheres que compõem a pessoa coletiva ou entidade autónoma” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 81).
31. Sobre o que sejam pessoas coletivas para efeitos de responsabilidade penal, é matéria que, a nosso ver, se vai procurar ao direito civil e comercial.
Em todo o caso, o artigo 11.º, n.º 5 alarga o conceito de pessoas coletivas para efeitos penais abarcando também “as sociedades civis e as associações de facto”, que não têm personalidade jurídica.
Pessoas coletivas são, indiscutivelmente, as sociedades arguidas J…, Lda., K…, Lda., G…, Unipessoal, Lda., I…, Unipessoal, Lda. e H…, Unipessoal, Lda.
32. A lei determina os crimes pelos quais as pessoas coletivas podem ser penalmente responsabilizadas: trata-se de uma enumeração taxativa, tal como limpidamente resulta da simples leitura do artigo 11.º, n.º 1.
No caso dos autos, imputa-se às sociedades arguidas a prática de um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, sendo este um dos crimes de catálogo previsto no n.º 2 do artigo 11.º.
33. É importante apurar o nexo de imputação objetiva do facto à responsabilidade da pessoa ou ente coletivo.
a) Sobre esta matéria, a lei ― o artigo 11.º, n.º 2 ― impõe que o facto delituoso seja cometido:
- “em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança” (artigo 11.º, n.º 2, al. a)); ou
- “por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem” (artigo 11.º, n.º 2, al. b).
i. Em face da redação da lei, são duas (e distintas) as formas de imputar o facto à pessoa coletiva:
- ou porque ele é praticado por uma pessoa que ocupa uma pessoa de liderança;
- ou porque o facto ocorre na sequência da violação dos deveres de vigilância ou controlo que incubem às pessoas que ocupam uma posição de liderança.
Dito teremos de assinalar que a responsabilidade penal dos entes coletivos não prescinde do facto da pessoa física, antes “depende da existência de um facto de conexão imputável a uma pessoa física”, podendo afirma-se que “o ilícito coletivo se constrói a partir do facto da pessoa física, um titular de órgão, um dirigente ou um dos subordinados” (M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal – Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, pág. 94).
Contudo, a responsabilidade penal das pessoas coletivas não exclui a responsabilidade penal individual das pessoas singulares dos seus agentes, nem depende da responsabilidade destes. É o que resulta do artigo 11.º, n.º 7.
ii. Em qualquer destes casos, impõe-se que os factos sejam praticados “em nome e no interesse da pessoa coletiva” (mesmo, note-se - e muito embora tal expressão não surja na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º - quando o facto é cometido por pessoa que ocupa uma posição subordinada).
É o que resulta dos trabalhos preparatórios que levaram à redação do n.º 2 do artigo 11.º do Código Penal e, essencialmente, é uma imposição político-criminal, já que seria difícil admitir uma responsabilização da uma pessoa coletiva quando o ato delituoso é praticado num quadro estranho e alheio à prossecução dos fins do referido ente coletivo.
Em todo o caso, o interesse coletivo poe coexistir - e frequentemente coexiste - com o interesse individual.
O crime diz-se cometido “no interesse coletivo”, isto é no interesse da pessoa coletiva, “se reflete o modo de organização e funcionamento do ente coletivo «e/ou a sua filosofia de prossecução do fim social», uma vez que o facto punível «tem de explicar-se objetivamente pela estrutura, funcionamento e/ou cultura da pessoa jurídica», pelo que “o pressuposto está satisfeito «assim que, com a prática da infração, se vise alcançar uma vantagem em benefício da organização e/ou ente coletivo e/ou pessoa coletiva, não podendo ser-lhe imputadas infrações cometidas buscando apenas o interesse pessoal dos seus órgãos ou representantes ou, quiçá, pessoa que ocupe posição de liderança e acordo com o n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal” (M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal cit., pág. 96).
Por seu turno, o crime é praticado “em nome da pessoa coletiva” quando existe um “nexo entre o facto ilícito e as funções do órgão ou representante, [que] seja direto, interno e causal, não sendo bastante uma simples relação indireta, externa ou ocasional” (M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal cit., pág. 96).
Neste quadro, e por comparação com o n.º 6 do artigo 11.º do Código Penal, a responsabilidade penal da pessoa coletiva é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito, nomeadamente porque viola as medidas organizativas, de gestão e de controlo adequadas a obstar à prática do facto penal.
b) O primeiro pressuposto de imputação objetiva do crime à pessoa coletiva é que o mesmo tenha sido praticado em nome e no interesse da pessoa coletiva por pessoa que ocupe posição de liderança.
O n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal, diz-se que ocupam uma posição de liderança “os órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade”.
Neste caso, portanto, o ente coletivo “atua através dos seus órgãos e representantes, cujas condutas, ativas ou omissivas, são também as suas condutas” (Jorge de Figueiredo Dias e Pedro Caeiro, A Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, novembro-dezembro de 2005, n.º 3935, pág. 85).
c) O segundo pressuposto de imputação objetiva do crime à pessoa coletiva resulta da violação de um dever de vigilância ou controlo por parte de pessoas que ocupem uma posição de liderança relativamente a factos praticados por subordinados.
Neste caso, ainda não se trata, em bom rigor, de uma responsabilidade penal por facto alheio, porque o que se pune é a violação do dever de vigilância e de controlo por parte da pessoa coletiva (ainda que por intermédio dos seus representantes ou pessoas que ocupem uma posição de liderança): aqui, a pessoa coletiva “não evita a prática de um crime por uma pessoa sob a sua autoridade” (Jorge de Figueiredo Dias e Pedro Caeiro, A Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, novembro-dezembro de 2005, n.º 3935, pág. 85).
A pessoa coletiva apenas responderá se o crime ocorrer na esfera de ação sujeita a vigilância ou controlo e, não assim, quando o crime é cometido numa área estranha ao controlo ou vigilância da pessoa que ocupa uma posição de liderança.
34. Por fim, falta apurar que tipo de nexo de imputação subjetiva se deve exigir para a concretização do crime.
a) O problema não se coloca relativamente às situações em que o crime é cometido em nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, já que relativamente a eles será de admitir apenas uma atuação dolosa naquelas situações em que o crime apenas admite dolo e mera negligência se o crime admitir a sua concretização por simples negligência (por exemplo, o crime de incêndio florestal em que a conduta de provocar incêndio é praticada por negligência ― artigo 274.º, n.º 4).
b) Relativamente àquelas situações em que a responsabilidade penal da pessoa coletiva decorre de uma violação do dever de fiscalização (vigilância e controlo), coloca-se o problema de saber se apenas as violações deste dever dolosas (ainda que de mero dolo eventual) são puníveis ou também as negligentes.
i. Ainda que tendo por objeto de análise a redação original do artigo 6.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, a posição dos Professores Jorge de Figueiredo Dias e António Pedro Nunes Caeiro defendiam que apenas a violação dolosa (ainda que a título de dolo eventual) permitia a responsabilidade penal das pessoas coletivas.
Era a seguinte a redação do artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto: “as pessoas coletivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 2.º a 5.º, quando cometidos em seu nome e no interesse coletivo pelos seus órgãos ou representantes, ou por uma pessoa sob a autoridade destes quando o cometimento do crime se tenha tornado possível em virtude de uma violação dolosa dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.”
Em face da redação da norma, entendiam aqueles Professores de Coimbra (A Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, novembro-dezembro de 2005, n.º 3935, pág. 86) que a punição das violações dos deveres de fiscalização meramente negligente seria um “resultado interpretativo manifestamente de rejeitar” porque “por força do princípio da culpa, já se mostra problemático imputar a alguém (mesmo sendo um ente não humano), sob a forma de omissão impura, factos dolosos praticados por terceiros”, pelo que tal punição (da violação negligente) traduzir-se-ia numa “violação do princípio da culpa consagrado no artigo 1.º da Constituição e no artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal.
Assim, para que a infração fosse imputável à pessoa coletiva tem de se entender que a “omissão em que se concretiza a violação do dever de fiscalização requer, no mínimo, dolo eventual: é necessário que os órgãos e representantes por ele obrigados representem a possibilidade de um seu subordinado praticar os factos proibidos e se conformem com essa possibilidade, abstendo-se de praticar os atos necessários a evitá-la”.
Consequentemente, não seria possível imputar a prática do facto à pessoa coletiva se aquele (facto) ocorre por força da violação do dever de fiscalização (vigilância e controlo) por parte das pessoas que ocupam uma posição de liderança é meramente negligente.
(Abra-se só um breve parêntesis para dar conta que a redação atual do artigo 6.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto é a seguinte: “as pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelos crimes previstos na presente lei.”)
ii. Sem dar explicações sobre tal matéria, outro é o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 83) defendo que o nexo de imputação também se verifica mesmo naquelas situações em que a violação do dever de fiscalização por parte das pessoas que ocupam uma posição de liderança relativamente aos atos dos subordinados é negligente.
iii. Por nós, entendemos que a lei dá margem de manobra para que, também em caso de negligência na violação do dever de vigilância por parte das pessoas que ocupam uma posição de liderança relativamente a factos dos subordinados, se verifica o nexo de imputação subjetiva do facto à pessoa ou ente coletivo.
Desde logo, não se vê que se possa falar em violação do princípio da culpa se também nos crimes negligentes se dirige um juízo de censura (hoc sensu, de culpa) ao agente, justamente por, nos termos do artigo 13.º do Código Penal, ter procedido com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Depois, importa ter presente que alguns dos crimes que se mostram no elenco dos que se podem imputar à pessoa coletiva são puníveis a título de negligência e, por isso, também por esta banda se deve admitir a punição da pessoa coletiva quando o facto (violação do dever de fiscalização do representante ou pessoa que ocupa uma posição de liderança) também é negligente. Razão, aliás, para que se não possa afirmar que há violação do artigo 13.º do Código Penal.
Por fim, porque a exigência de dolo nestas situações - e recorde-se a complexa teia de hierarquias e os emaranhados de organigramas típicas das grandes corporações e empresas - outra coisa não significaria que não fosse a manutenção pura e simples da impunidade, resultado que politico-criminalmente se não pode aceitar.
35. Aqui chegados, impõe-se afirmar que os factos permitem afirmar que as sociedades arguidas devem também ser punidas, salvo quanto à J…, Lda., na medida em que, muito embora tenha beneficiado da atuação (violadora dos deveres do cargo) por parte do arguido B1…, não se logrou demonstrar a que se deveu tal benefício ou, rectius, a que solicitação-dádiva-oferta correspondeu a conduta do arguido B1…, desconhecendo-se quem corrompeu o B1… a prática dos atos constitutivos da corrupção, se é que alguém o fez.
Será esta sociedade absolvida.
36. Ainda uma nota final relativamente ao crime de corrupção.
A lei prevê a agravação da pena nas situações em que o agente atue nos termos do artigo 12.º do Código Penal.
Diz-se no artigo 12.º o seguinte:
“1. É punível quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa coletiva, sociedade, de ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando do respetivo tipo de crime exigir:
a) Determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado; ou
b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representa.”
Tendo então presente estes normativos, teremos de concluir pela prática do crime agravado por parte dos arguidos E1… (que atua como gerente das sociedades arguidas H…, Unipessoal, Lda. e I…, Unipessoal, Lda.), F1… (gerente da K…, Lda.) e C1… (gerente da G…, Unipessoal, Lda.).»
Recorde-se que os arguidos, aqui recorrentes, C…, E… e F… foram condenados pela prática de um crime de corrupção activa agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.º 4, do Cód. Penal, enquanto os demais (D…, “G…, Unipessoal, L.da”, “H…, L.da”, “I…, L.da” e “K…, L.da”) foram condenados pela prática de um crime de corrupção activa previsto e punível pelo art. 374º, n.º 1, do Cód. Penal.
Este último, constitui-se como tipo matriz da corrupção activa, normativamente densificado nos termos seguintes:
“Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.
A finalidade em causa, como resulta do cotejo da norma especificada é “a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo”.
Por seu turno, a agravação do crime de corrupção, ao abrigo do n.º 4, do citado art. 374º-A, resulta da actuação do agente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, ou seja nos termos da previsão do art. 12º, n.º 1, do Cód. Penal.
O tribunal a quo traçou e desenvolveu aprofundadamente as linhas gerais do crime de corrupção, suas modalidades, requisitos próprios e finalidades, de harmonia com as linhas doutrinárias e jurisprudências dominantes, impondo-se apenas apreciar se a subsunção jurídica dos factos se mostra conforme aos pressupostos em causa nos segmentos questionados pelos recorrentes.
Enquadrando a questão, importa assinalar que o crime de corrupção se inscreve no capítulo dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, apresentando-se a qualidade de funcionário como requisito imprescindível à verificação do crime, tanto na vertente da corrupção passiva cuja consumação exige por parte do agente uma qualidade especial (funcionário), como na vertente activa, que referindo-se a delito comum, exige, porém, que a modalidade de acção vise um funcionário. Ou seja, tal como assinalado pelo tribunal a quo “a qualidade de funcionário é essencial à verificação do crime de corrupção, seja enquanto agente do crime (corrupção passiva) seja enquanto destinatário da dádiva ou promessa do corruptor (corrupção activa)”.
Ora, sendo consabido que o conceito de funcionário acolhido no art. 386º, do Cód. Penal, diverge da noção de funcionário para efeitos administrativos, albergando uma realidade cada vez mais ampla na sequência de sucessivas intervenções legislativas, é inquestionável que aí se inscreve a categoria de magistrado do Ministério Público, como decorre da simples leitura da alínea d), do seu n.º 1, onde se estatui que “para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional…”.
Consubstanciando-se a função jurisdicional nos tribunais, enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, de harmonia com a previsão do art. 202º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e fazendo parte das funções do Ministério Público, entre o mais, representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade [cfr. art. 219º, n.º 1, do mesmo diploma legal], forçosa é a conclusão que, enquanto participante na Administração da Justiça, o magistrado do Ministério Público deve ser considerado, para efeitos da lei penal, “funcionário”, tal como acontece com os juízes e funcionários judiciais[3].
Todavia, visando o crime de corrupção activa também “a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo” do funcionário e tendo o arguido B1… estado em situação de baixa médica durante parte das actuações que desenvolveu em favor de alguns dos arguidos, aqui recorrentes, importa, desde já, ponderar as eventuais consequências daí resultantes.
Paradigmática é a posição do arguido C1… ao sustentar que estando aquele B1… de baixa médica os actos que, então, praticou foram-no fora do exercício de qualquer função efectiva de magistrado do Ministério Público, inexistindo acto de funcionário.
No entanto, o tribunal a quo optou pela solução contrária, devidamente suportada no cotejo das normas estatutárias e legais da referida Magistratura, parecendo-nos evidente que a razão está do seu lado pelas razões aí claramente enunciadas e que aqui damos por reproduzida por razões de brevidade, anotando-se apenas que a essência decisiva centra-se na circunstância da situação de doença determinante da baixa médica não retirar a titularidade dos direitos e deveres da função.
Com efeito, de harmonia com o disposto no art 108º, do Estatuto do Ministério Público, na redacção introduzida pela Lei n.º 60/98, de 27/08, em vigor à data dos factos, era subsidiariamente aplicável aos magistrados respectivos, quanto a incompatibilidades, deveres e direitos, o regime vigente para a função pública.
Assim sendo e inexistindo regime específico que regulasse as faltas por doença aplicava-se a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, daí resultando que a falta por doença superior a 30 dias, determina a suspensão do vínculo de emprego público, mantendo-se, porém, durante a suspensão os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho e contando o tempo de suspensão para efeitos de antiguidade. – v. arts. 277º, n.ºs 1 e 2 e 278.º, n.º 1.
Aliás, em consonância, também o art. 152.º, do Estatuto do Ministério Público, consagrava que os magistrados do Ministério Público apenas suspendiam as respectivas funções:
a) No dia em que forem notificados do despacho que designa dia para julgamento relativamente a acusação contra si deduzida por crime doloso;
b) No dia em que lhes for notificada a suspensão preventiva por motivo de procedimento disciplinar para aplicação de qualquer pena que importe afastamento do serviço;
c) No dia em que lhes for notificada a suspensão prevista no n.º 3 do artigo 146.º[4].
Concluiu-se, pois, que a situação de baixa por doença do arguido B1… não constitui óbice à titularidade de “funcionário”, para efeitos penais, em resultado do cargo atinente à função jurisdicional em que estava investido.
Assente, pois, a qualidade de funcionário, importa agora verificar se as condutas do arguido B1… relacionadas com os arguidos, aqui recorrentes, F1…, “K…, L.da”, C1…, E1…, “H…”, “I…” e D1…, se inscrevem nas atribuições do cargo que desempenhava e, sendo a resposta positiva, se eram contrárias aos respectivos deveres já que todos eles questionam, de um modo ou outro, a verificação de tais requisitos.
O Tribunal a quo debruçou-se longamente sobre tal questão, rebatendo, ponto por ponto as objecções dos arguidos e concluindo existência de pressupostos objectivos típicos em causa. Cremos, porém, que a notável análise da natureza da infracção e seus requisitos típicos, pela extensão que alcançou, acabou por obnubilar este preciso ponto.
Vejamos, então, o essencial.
Estão em causa solicitações dos arguidos F1… (1), por si e em representação da co-arguida “K…”(2), D1… (3), por si e em representação da sociedade “G…, Unipessoal, L.da”, E1… (4), por si e em representação das co-arguidas “H…(5) e “I…” (6) e D1… (7), ao arguido B1… - que sabiam ser magistrado do Ministério Público – no sentido deste interceder junto dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira visando a suspensão de procedimentos inspectivos (arguidos 3, 4, 5, 6 e 7) e junto do Centro Distrital de Segurança Social de … com vista ao deferimento de procedimentos aí solicitados em benefício da empresa “K…” e que tinham como finalidade o destacamento de trabalhadores para o estrangeiro (arguidos 1 e 2).
Por seu turno, o arguido B1… anuiu a tais solicitações, com o fito de continuar a obter financiamentos dos arguidos [pois que já não os conseguia concretizar junto das entidades bancárias devido à sua (muito) deficitária situação económico-financeira].
Para tanto, foi contactando telefonicamente directores de finanças, agendando reuniões e/ou enviando emails do seu endereço profissional para o Director Distrital de Finanças de …, AC…, para a Directora Adjunta da Direcção de Finanças …, AH… e para o, então, Director de Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital da Segurança Social de …, AG…, a solicitar a suspensão de quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outros que estivessem a decorrer, nos meses seguintes, relativamente às empresas aludidas, até comunicação em contrário, a pretexto da existência de processo criminal onde se investigavam crimes da competência da Polícia Judiciária, a fim de não ser prejudicada a investigação em curso (no caso da AT) e a solicitar que, a título excepcional, fossem deferidos todos os requerimentos ou pedidos formais denominados de A1, ainda que não reunissem as condições legais ou regulamentares para o efeito, que a empresa “K…, L.da” apresentasse nos 3 a 4 meses subsequentes, invocando a pendência de processo criminal onde tal empresa estava a ser investigada por crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal e outros de idêntica natureza e conexos, com eventuais ramificações internacionais, a pretexto de que o indeferimento de tais pedidos prejudicaria gravemente a referida investigação (caso do CDSS de …).
Sendo certo que nenhum processo ou investigação existia com as características invocadas[5], logrou o arguido B1…, com tais contactos e comunicações, obter a suspensão das acções inspectivas da autoridade tributária e a empresa “K…” foi alvo de tratamento mais favorável em relação a outras empresas no tocante ao tempo de análise dos seus requerimentos no CDSS de ….
A tese dos recorrentes para afastarem a incriminação pelo crime de corrupção – alguns admitindo expressamente a verificação do crime de tráfico de influência previsto e punível pelo art. 335º, do Cód. Penal – assenta, basicamente, na afirmação de que tal delito pressupõe um acto do funcionário realizado no exercício do cargo, o que não era o caso já que os actos praticados não diziam respeito a uma actividade no desempenho das competências públicas do arguido B1…, não estando directamente relacionados com os poderes ou funções do Ministério Público, tendo agido como particular, ainda que no intuito de procurar beneficiar da influência derivada do cargo.
Afirmam ainda, em abono do entendimento perfilhado, que o arguido B1… não tinha poderes de decisão ao nível do deferimento dos destacamentos de trabalhadores ou de suspensão das acções inspectivas, nem tinha qualquer relação funcional imediata (o acto subornado há-de caber no âmbito fáctico das possibilidades do cargo) com a Segurança Social ou Autoridade Tributária de modo a poder ordenar o que quer que fosse em tal âmbito.
Cremos que a argumentação expendida pelos recorrentes peca, salvo o devido respeito, por alguma confusão na demarcação das condutas objectivas que cristalizam a violação da autonomia do Estado enquanto cerne da corrupção, afectando o seu prestígio e dignidade, como pressuposto da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos.
Com efeito, a questão de saber se as condutas solicitadas ao arguido B1… se inscrevem no exercício das funções que lhe estão cometidas enquanto magistrado do Ministério Público está intimamente relacionada com a da densificação do requisito objectivo da obtenção de vantagem decorrente de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo.
É que, recorde-se, a corrupção activa consiste no acto de oferecer ou prometer vantagem, qualquer tipo de benefício ou satisfação de vontade, que venha a afectar o prestígio do Estado pelo que a ilicitude a considerar nesta sede é a resultante da prática daquelas condutas e não a que resulta da execução do ato ilícito à qual é alheia a consumação típica criminosa.
Todavia, a esta está umbilicalmente ligada a tipicidade exigida quanto ao corrupto passivo, a demandar que a conduta prometida ou efectuada pelo funcionário se integre no exercício das suas funções.
Nesta vertente, a um entendimento inicial mais restrito, equivalente à necessidade de inscrição do acto na esfera das específicas atribuições ou competências do cargo do funcionário, evoluiu a doutrina e jurisprudência para uma versão actualista capaz de aí integrar as condutas que caibam no âmbito fáctico das suas possibilidades de intervenção, desde que o funcionário, apesar de não pertencer ao serviço ou departamento onde se irão praticar os actos a que se destina o suborno, mantenha com esse serviço ou departamento conexões institucionais directas numa relação funcional imediata, acrescendo a exigência de que se trate de uma acção que, pela sua própria natureza, só possa ser praticada por causa da assunção do cargo e esteja funcionalmente integrada no espectro de obrigações/competências do titular do serviço público[6].
Também na doutrina e jurisprudência italianas se observou a evolução de uma orientação mais restrita para outra mais extensiva em que o “acto de função” não é usado em sentido técnico de acto administrativo mas indica uma qualquer conduta que seja inerente à essência da função oficial no desenvolvimento da missão do funcionário, incluindo-se na competência necessária e suficiente deste todos aqueles actos que, em virtude da sua pertença à função ou ao órgão competente, ele tivesse uma concreta possibilidade de interferir ou, pelo menos, influenciar na respectiva emissão, dispensando-se a exigência de uma competência específica respeitante ao acto de mercandejo[7].
Devidamente perspectivada a questão importa agora descer ao caso concreto.
É por demais evidente que o thema decidendum nos presentes autos diverge numa série de actos estratificados e interligados, praticados e/ou da competência de agentes e serviços distintos, mas que têm que ser ponderados autonomamente na demarcação das condutas objectivas dos vários intervenientes e, por consequência, nos diversos comportamentos ditos delituosos.
É patente que, tal como assinalam os recorrentes, o arguido B1… não tinha qualquer poder de decisão ao nível da suspensão da actividade inspectiva da Autoridade Tributária ou do deferimento dos pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro apresentados no Centro Distrital de Segurança Social de …, nem tão-pouco tinha uma relação funcional imediata com tais organismos/serviços, que lhe permitisse concretizá-los.
Todavia, as condutas que importa ter presentes neste segmento, atinente ao relacionamento entre os aqui recorrentes e aquele arguido, não contemplavam tal desiderato. Pretendia-se antes que o arguido B1…, que sabiam ser magistrado do Ministério Público, intercedesse junto da AT e/ou CDSS com vista, respectivamente, à suspensão de actividades inspectivas e deferimento de pedidos de destacamento de trabalhadores para o estrangeiro. Quer isto dizer que o é pedido ao funcionário e este aceita fazer – e fez – é solicitar os referidos suspensão e deferimento.
Ora, resulta do já anteriormente exposto que os magistrados do Ministério Público são os titulares da acção penal, cabendo-lhe, assim, por inerência da função, a direcção do inquérito que compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação, praticando os actos e assegurando os meios de prova que tenha por necessários à realização de tais finalidades, tudo como melhor se vê dos arts. 262º, n.º 1, 263º e 267º, do Cód. Proc. Penal.
Importa também recordar que, no exercício das suas funções, os tribunais têm direito à coadjuvação de outras autoridades (art. 202º, n.º 3, da CRP) e que na prossecução do interesse punitivo do Estado, designadamente em sede de criminalidade violenta e/ou económico-financeira, diversos diplomas legais contemplam a possibilidade do Ministério Público solicitar a colaboração, informações e diligências a outras entidades, entre as quais instituições bancárias e administração fiscal, como patenteiam, entre outros, os arts. 1º, n.ºs 1 e 3, al. b), da Lei n.º 36/94, de 29/09 (Lei das Medidas de Combate à Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira), 1º e 2º, n.ºs 1, 2 e 6, da Lei n.º 5/2002, de 11/01 (Lei das Medidas de Combate à Criminalidade Organizada) e 79º, n.º 2, al. d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção introduzida pela Lei n.º 36/2010, de 02/09.
Aliás, o Estatuto do Ministério Público na sua versão actual, introduzida pela Lei n.º 68/2019, de 27/08, veio mesmo a consagrar, de modo expresso, no seu art. 5º, n.º 1, o dever de colaboração de todas as entidades públicas e privadas com o Ministério Público “facultando documentos e prestando as informações e os esclarecimentos solicitados de modo devidamente justificado em função da competência a exercer, nos limites da lei, sem prejuízo dos regimes de sigilo aplicáveis”.
Neste conspecto, é por demais evidente que o Ministério Público no âmbito das funções que lhe estão cometidas pela lei pode solicitar a colaboração de outras entidades, designadamente da Autoridade Tributária e da Segurança Social, não sendo mera coincidência a referência que o arguido B1… realizou nos emails enviados a crimes de “branqueamento de capitais” e “fraude fiscal” ou crimes de competência da Polícia Judiciária, pois que remetem precisamente para acções tuteladas pelas citadas Leis n.ºs 36/94 e 5/2002. E, nessa perspectiva, a solicitação demandada pelos arguidos, aqui recorrentes, e acolhida pelo arguido B1… reportava-se a acto que se inseria no quadro específico das atribuições funcionais deste mas que, no real contexto vivenciado, se constituía como contrário aos deveres do cargo precisamente porque não existia qualquer processo ou investigação criminal em curso relativa a crimes, dessa natureza ou outra, quanto às co-arguidas sociedades, que justificasse a solicitação[8].
Por outro lado, sendo pacificamente aceite que a corrupção activa se consuma com a oferta ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial ao funcionário[9], considerando o legislador que tanto a promessa como a entrega são penalmente censuráveis e, por conseguinte, capazes de desencadear a tutela criminal, é irrelevante a ponderação sobre os moldes e ritualismo legal em que se desenrolou a execução prática da solicitação à AT e CDSS.
Na verdade, se o crime de corrupção activa, imputado aos aqui mencionados recorrentes, se consuma com a simples dádiva ou promessa de dádiva, a ilicitude é aferida por tais condutas e não pela que resulta da execução do acto ilícito por parte do corrupto passivo, ou seja o arguido B1….
Mais acresce que a invocação de que as comunicações do arguido B1… não correspondem a acto típico de magistrado do Ministério Público, não cumprindo o formalismo próprio de acto praticado por magistrado do Ministério Público no exercício das suas funções, padecendo de irregularidades formais, sendo formal e substancialmente inidóneas para produzir o fim pretendido, é frontalmente contrariada quer pela previsão do art. 111º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Proc. Penal, quer ainda pela circunstância de tanto a Autoridade Tributária como a Segurança Social as terem atendido como legítimas e acedido à solicitação que delas constava.
Duas últimas notas:
I) Os arguidos E1…, “H…” e “I…” sufragam a não verificação de todos os requisitos típicos do crime de corrupção activa uma vez que empréstimos com remuneração de juros seriam a alegada vantagem com vista à solicitação de qualquer acto, o que está longe de configurar vantagem indevida e que tenha objectivamente beneficiado o arguido B1….
Ocorre, porém, que a vantagem se densifica na continuação de financiamentos (ou seja entregas monetárias) que de outro modo não se concretizariam por ser manifesta a incapacidade económico-financeira do arguido B1…. E, depois, a promessa de uma vantagem (2ª modalidade típica prevista no art. 374º, n.º 1), ou seja de continuação de empréstimos de dinheiro, não implica a transferência da vantagem prometida, estando em causa crime de mera actividade.
II) O arguido D1… sustenta que a factualidade provada é insuficiente para a sua condenação porque aí não consta que a legal representante da X… tivesse consentido ou ratificado a prática dos actos em benefício de tal firma.
Salvo o devido respeito, o argumento invocado teria alguma razão de ser caso estivesse em causa responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou se a promessa de vantagem ao arguido B1… tivesse sido formulada por interposta pessoa e não pelo próprio arguido C1….
Não sendo assim e tendo resultado provado que o arguido prometeu uma vantagem a funcionário (arguido B1…) visando a prática de acto contrário aos deveres do seu cargo de magistrado do Ministério Público, apesar de bem saber que tal conduta era proibida e punida por lei, é patente a falta de razão do recorrente.
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3.7 Da medida da pena (…)
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III - DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I) CONCEDER PROVIMENTO PARCIAL ao recurso do arguido B… e anular parcialmente, ao abrigo do disposto no art. 379º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal, a decisão recorrida, ordenando a reabertura da audiência a fim de que ser dado cumprimento ao disposto no art. 358º, n.ºs 1 e 3 ou 359º, do Cód. Proc. Penal, conforme esteja em causa mera alteração da qualificação jurídica ou também alteração dos factos imputados e tal modificação se configure com não substancial ou substancial, com especificação, mesmo no primeiro caso, da factualidade que sustenta a qualificação jurídica do crime como sendo de abuso de poder e não de corrupção, devendo o acórdão ser reformulado, nessa parte e nas que dela dependam, pelo mesmo colectivo de juízes que o proferiu[10].
II) NEGAR PROVIMENTO ao recurso dos arguidos F…, C…, E…, D…, “K…, L.da”, “H…, Unipessoal, L.da” e “I…, Unipessoal, L.da” e manter, quanto a estes, a decisão recorrida sem prejuízo da rectificação dos lapsos de escrita que evidenciava no dispositivo e fundamentação de facto nos termos supra enunciados.
Notifique.
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Custas pelos arguidos:
F1… e “K…”, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça, cada um – arts. 513º, n.ºs 1 e 3 e 514º, do Cód. Proc. Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
C…, E1…, “H…”, “I…” e D1…, com 5 (cinco) UC de taxa de justiça, cada um – arts. 513º, n.ºs 1 e 3 e 514º, do Cód. Proc. Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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Recurso do arguido B1…: Sem tributação - arts. 513º, n.º 1, a contrario, e 522º, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[11]]
Porto, 14 de Abril de 2021
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
Borges Martins
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[1] E não activa como, por manifesto lapso resultante do próprio contexto e indicação da norma punitiva, exarado no dispositivo e que, por esta via se rectifica, ao abrigo do disposto no art. 380º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Cód. Proc. Penal.
[2] Numeração tal como no original pese embora o manifesto lapso material.
[3] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, UCE- Lisboa 2008, pág. 914, nota 23.
[4] Aliás, no mesmo sentido vai o actual art. 194º, do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27/08, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2020, de 31/03, onde as faltas por doença não constam no elenco de circunstâncias determinantes da suspensão de funções.
[5] Ainda que houvesse, por vezes, registo de inquérito com o número invocado, a investigação aí desenvolvida não tinha qualquer reflexo nos fundamentos invocados nem mesmo dizendo respeito às empresas em causa.
[6] V. Almeida Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo III, Coimbra Editora – 2001, págs. 664 e segs., que exemplifica como situação dos poderes de facto ainda relevantes para a incriminação em sede de corrupção passiva, tal como assinalado na decisão recorrida, o pagamento de um suborno ao contínuo de certo departamento administrativo, como contrapartida de ele ter subtraído determinado processo que estava para ser decidido pelo seu director, pois que a circunstância de a análise ou custódia daquele processo não estarem abrangidas nas suas atribuições não afecta a “relação funcional imediata” do agente com o acto.
[7] Cfr., Maria Benedetta Dupuis, “La Corruzione”, CEDAM, 2ª Ed. – 2002, pág. 81 e segs. e 87 e segs.
[8] Veja-se que a colaboração entre autoridades, para salvaguarda de interesse de relevância superior, nem sequer é inédita sendo bem conhecidos casos em que a PSP ou GNR suspendem investigações relativas a consumidores ou pequenos traficantes de estupefacientes devido à constatação da existência de investigação de tráfico de estupefacientes em curso na Polícia Judiciária, onde tais agentes se constituem como comparticipantes da actividade desenvolvida, e cujos resultados poderiam vir a ser prejudicados pela intervenção de outro OPC no tocante a crime de menor dimensão/gravidade. Ou, como também assinala a decisão recorrida, “é frequentíssimo a não perseguição do consumidor de estupefaciente, merecedor de sanção contra-ordenacional, para tentar descobrir e perseguir o traficante, merecedor de sanção penal”.
[9] Daí a irrelevância, nesta sede, da existência de sinalagma que alguma doutrina defende quanto ao crime de corrupção passiva p. e p. pelo art. 372º, do Cód. Penal, como é o caso de Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Cód. Penal”, UCE-2008, pág. 881/882, notas 12 e 13 por contraponto a fls. 887/888, notas 6 e 8.
[10] Como é óbvio deverá ser proferido na íntegra pese embora a modificação apenas se reporte ao segmento assinalado.
[11] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.