Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0315041
Nº Convencional: JTRP00036697
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
MEDIDA DA PENA
FINS DA PENA
Nº do Documento: RP200312100315041
Data do Acordão: 12/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J CHAVES 1J
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Área Temática: .
Sumário: I - A lei não permite a suspensão da execução da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados quando tiver sido aplicada pela prática de um crime de condução de veículo sob a influência de álcool (artigo 291 do Código Penal).
II - Conduzindo o arguido com uma TAS de 2,02 gr/l, não é exagerada a pena acessória aplicada de 4 meses de inibição de conduzir.
III - Em termos de prevenção geral as penas visam manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e vigência do ordenamento juridico-penal.
IV - A pena concretamente aplicada não pode pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas da defesa do ordenamento jurídico.
V - A participação em "festejos patrióticos" pela vitória na final da TAÇA UEFA não justifica a condução sob a influência de álcool.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No -º Juízo do Tribunal da Comarca de....., em processo sumário (Proc. ../..), foi condenado o arguido Joaquim....., por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292 do Cod. Penal em:
- 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros); e
- na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.
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O arguido interpôs recurso desta sentença.
Suscita as seguintes questões:
- a suspensão da execução da sanção acessória; e
- a medida da mesma sanção, que deverá ser fixada no mínimo legal.
Indica como normas violadas os arts. 142 nºs 1 e 2 do Cod. da Estrada e 69 nº 1 do Cod. Penal.
O magistrado do MP junto do tribunal recorrido, respondeu defendendo a manutenção da decisão recorrida.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Suscitando-se ao relator a questão da manifesta improcedência do recurso, foi a mesma submetida à decisão da conferência.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1 – No dia 22 de Maio de 2.003, pelas 2 horas e 55 minutos, na rua do....., comarca de....., circulava o veículo de matrícula AQ-..-.., ligeiro de passageiros, conduzido pelo arguido Joaquim....., quando foi mandado parar pela Brigada de Trânsito, tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, o qual apresentou uma TAS de 2,02 gr/litro.
2 – O arguido sabia que não podia conduzir veículos automóveis, após ter ingerido bebidas alcoólicas, o que sabia que tinha feito previamente à condução.
3 – Agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo bem que a sua conduta era proibida por lei.
4 – Não possui antecedentes criminais.
5 – Encontra-se desempregado há mais de um ano e inscrito no Centro de Emprego, não recebendo qualquer subsídio.
6 – Vai iniciar, no final do mês, a actividade de vendedor de automóveis.
7 – Vive com a sua esposa, que exerce a actividade de recepcionista.
8 – Não tem filhos.
9 – Nunca foi julgado.

FUNDAMENTAÇÃO
São duas as questões suscitadas no recurso.
Pretende o recorrente a suspensão da execução da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que lhe foi imposta nos termos do art. 69 nº 1 al. a) do Cod. Penal.
Trata-se de pretensão contra lei, por a pena de prisão ser a única relativamente à qual o Código Penal prevê a possibilidade de suspensão da execução – cfr. art. 50 nº 1 do Cod. Penal.
Estando em causa a condenação por um crime e a aplicação de uma sanção de natureza penal, não têm cabimento as normas do Cod. da Estrada invocadas pelo recorrente, que apenas são aplicáveis em caso de contra-ordenação.
A outra questão é a medida da sanção aplicada.
Como se vê da acta de fls. 15, no início do julgamento todos os sujeitos processuais declararam prescindir da documentação dos actos da audiência, valendo esta declaração como renúncia ao recurso em matéria de facto – art. 428 nº 2 do CPP.
Ora, toda a argumentação do recorrente parte da alegação de factos que não constam da sentença. Por exemplo, alega que, movido por sentimentos patrióticos, tinha estado a participar nos festejos da vitória do Futebol Clube do Porto na final da taça UEFA em Sevilha; que foi a primeira vez que bebeu; que é um cidadão exemplar; que tem sido incansável na procura de um primeiro emprego; que conseguiu um emprego que perderá se não puder conduzir, etc. ...
Assentando a motivação em factos de que a Relação não tem, nem pode ter, conhecimento, é manifesta a improcedência do recurso.
Ainda assim, não sendo este o lugar para longas dissertações, dir-se-à o seguinte:
Numa moldura de 3 meses a 3 anos, foram fixados 4 meses.
Entende o recorrente que, apesar da sua TAS ser muito superior ao limite a partir do qual o comportamento é crime, a sanção acessória deve ser fixada no mínimo legal.
Invoca uma surpreendente «causa de justificação» - ter bebido no âmbito dos patrióticos festejos duma vitória dum clube de futebol.
A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar – Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pags. 74 e ss.
É a chamada prevenção geral positiva ou de integração, que dentro dos limites da medida da culpa determina a pena. Esta, em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. A pena não pode questionar a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Estes fins de defesa do ordenamento jurídico não podem ser postos em causa pela medida da pena.
Talvez esta Relação padeça de um défice de modernidade no seu conceito de «patriotismo». Mas ainda não consegue vislumbrar a razão porque simples festejos futebolísticos tornam quase «desculpável» (a expressão é do recorrente) a violação de normas penais que tutelam os valores da segurança rodoviária e punem comportamentos que podem, em abstracto, atentar contra a vida, a integridade física e a propriedade alheias.
A argumentação do recorrente assenta em factos que, a provarem-se, em vez de aligeirarem a sua responsabilidade, poderiam fundamentar um significativo agravamento da sanção imposta.
Também por esta via, é manifesta a improcedência do recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação do Porto, rejeitam o recurso por ser manifestamente improcedente.
O recorrente pagará a importância de 4 UCs prevista no art. 420 nº 4 do CPP.

Porto, 10 de Dezembro 2003
Fernando Manuel Monterroso Gomes
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins