Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | RECONVENÇÃO PRECLUSÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RP20240125641/22.5T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A preclusão só se estende aos meios de defesa que o demandado podia opor aos direitos que o demandante exerce através da acção, não compreende direitos que o demandado pudesse deduzir contra o demandante, mesmo que a título de reconvenção. II - O direito à restituição por enriquecimento sem causa é distinto do direito de indemnização pela realização de benfeitorias em bem alheio, razão pela qual se não foi deduzido na primeira acção em que tal era possível, designadamente por via de reconvenção, nada obsta a que seja exercido numa nova acção, designadamente por via de acção. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO DE APELAÇÃO ECLI:PT:TRP:2024:641.22.5T8AVR.P1 * SUMÁRIO:……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. Relatório: AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na ..., ..., instaurou acção judicial contra BB, contribuinte fiscal n.º ..., CC, contribuinte fiscal n.º ..., DD, contribuinte fiscal n.º ..., e EE, contribuinte fiscal n.º ..., todos residentes no ..., Oliveira do Bairro, pedindo que se declare que as benfeitorias identificadas na petição inicial foram realizadas no prédio dos réus pela autora, sendo a autora titular de direito sobre essas benfeitorias e sobre a casa de habitação existente no prédio, e que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagarem à autora €55.500,00, correspondente ao valor das benfeitorias, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento. Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que o antecessor dos réus, entretanto falecido, e do qual os réus são herdeiros, instaurou contra a aqui autora uma acção pedindo o reconhecimento do direito de propriedade e a entrega de um imóvel, na qual a aqui autora deduziu reconvenção alegando que o prédio era seu e pedindo a declaração desse direito e subsidiariamente a condenação do autor a pagar-lhe €70.000,00 pelas benfeitorias que realizou no imóvel. Nessa acção foi julgado que o prédio pertencia ao autor e a ré condenada a entregar-lho, e julgados improcedentes os pedidos reconvencionais, além do mais, com o fundamento de que independentemente das quantias eventualmente gastas pela ré em obras necessárias, tais despesas não são indemnizáveis a título de benfeitorias, não foram alegados os pressupostos para a verificação da acessão industrial imobiliária, e também não foi alegada pela ré a falta de causa de eventual enriquecimento por parte do autor. Sucede que nesse prédio a aqui autora mandou executar obras de construção de uma casa de habitação, as quais aumentaram o valor do prédio em €55.500, com o qual os réus estão enriquecidos sem justa causa e à custa do património da autora. Os réus foram citados e apresentaram contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito, além do mais, que o caso julgado formado pela decisão da anterior acção impede a instauração desta acção, que o direito da autora se encontra já prescrito e que não são verdadeiros os factos alegados sobre as despesas que a autora alega ter suportado com a execução das obras. Findos os articulados, foi designada data para a realização de audiência prévia. Nesta, foi proferido despacho a convidar a autora a «concretizar» o «pedido» fundado no «invocado enriquecimento sem causa», concedendo-lhe para o efeito o prazo de 10 dias, após o que a «parte contrária terá o direito ao contraditório», e a seguir «devem os autos ser conclusos a fim ser proferido despacho saneador». A autora apresentou então petição inicial aperfeiçoada que concluiu com a formulação dos seguintes pedidos: «1- declare que as construções ... realizadas no prédio … dos réus foram efectuadas pela autora; 2- condene os réus a reconhecerem que foram realizadas obras/construções que constituem benfeitorias/construções necessárias, pois tiveram como finalidade evitar a perda, destruição ou deterioração do imóvel; 3- condene os réus a reconhecerem que foram realizadas obras e/ou construções pela autora no prédio … que lhe aumentaram e aumentam o valor; 4- condene os réus a reconhecerem que tais construções não podem ser retiradas do citado prédio sob pena da sua destruição ou perecimento; 5- declare … que a autora é titular de direito sobre essas construções e, bem assim, sobre a casa de habitação existente no prédio dos réus; 6- condene solidariamente os réus a título de enriquecimento sem causa no pagamento à autora da quantia de Euros: 55.500,00 …, correspondente ao valor das construções, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.» Os réus exerceram o contraditório, defendendo que a autora excedeu o convite ao aperfeiçoamento, e no mais reiterando o teor da contestação. A seguir foi proferido despacho no qual se declararam «não escritos os pedidos formulados pela autora nos pontos 2º, 3º e 4º da petição inicial aperfeiçoada» e determinado «que a autora proceda à rectificação dos restantes pedidos em que procedeu à substituição da expressão “benfeitorias” por “construções”». A autora apresentou nova petição inicial que concluiu formulando agora os seguintes pedidos: «1- declare que as benfeitorias supra identificadas realizadas no prédio … dos réus foram efectuadas pela autora; 2- declare, portanto, que a autora é titular de direito sobre essas benfeitorias e, bem assim, sobre a casa de habitação existente no prédio dos réus; 3- condene solidariamente os réus a título de enriquecimento sem causa no pagamento à autora da quantia de Euros: 55.500,00 …, correspondente ao valor das benfeitorias, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento». Os réus exerceram, de novo, o contraditório. A seguir, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual, depois de se concluir que no caso o «funcionamento da excepção de caso julgado entre as duas acções» é impedido pela «diferença de pedidos», se manifestou o entendimento de que na contestação da primeira acção a autora tinha o «ónus de formular» «pedido reconvencional baseado no locupletamento indevido do ali autor», o que não fez, tendo ficada «precludida a faculdade de formular esse mesmo pedido, a título principal, numa acção posterior movida contra o mesmo sujeito», «independentemente do caso julgado e … da verificação da tríplice identidade que é exigida para a verificação da excepção de caso julgado». Em consonância o tribunal a quo decidiu abster-se «de conhecer do pedido e absolve(r) os réus da instância». Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. A decisão do Tribunal a quo teve lugar sem a realização de audiência prévia ou audiência de julgamento após a (Audiência Prévia) que havia tido lugar no dia 09 de Maio de 2023, na qual além do mais foi a Autora convidada a concretizar o pedido. 2. O que a Autora fez e ao qual os Réus responderam. 3. Após tal não teve lugar qualquer audiência prévia. 4. Como decorre dos autos a Autora peticionou a condenação dos Réus ao abrigo do instituto de enriquecimento sem causa. 5. A Autora, ora Apelante não se pode conformar com a decisão do Tribunal “a quo” ao ter dispensado a realização da audiência prévia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 593.º do Código do Processo Civil e da consequente audiência de julgamento. 6. Dos autos não decorre qualquer circunstância que permitisse inferir que o tribunal “a quo” iria proferir despacho saneador-sentença. 7. O que constituiu uma decisão surpresa para a Autora considerando os factos por si alegados. 8-Não se verificando nenhuma das situações previstas no artigo 592º do CPC, nomeadamente por se pretender conhecer no despacho saneador do mérito da acção, mesmo assim deve ser convocada a audiência prévia para possibilitar a discussão de facto e de direito. 9- Pelo que nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do C.P.C. é nulo o douto despacho saneador-sentença sem a realização da audição prévia. 10. Nulidade que se invoca com as legais consequências. 11. E, em consequência de tal declaração de nulidade deve ser proferida douta decisão que ordene o prosseguimento dos autos. 12. Considera a Autora que atenta a matéria de facto constante dos autos e tudo o que alegou e requereu, não se verifica a excepção de caso julgado, e assim, é pertinente e imprescindível, a realização da audiência prévia, com as finalidades previstas no artigo 591º, do C.P.C., o que se requer. 13. O objecto da presente acção não é idêntico, nem coincide, com o objecto da decisão proferida na Acção n.º 203/18.1T8OBR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro, Juiz 2, já que não constituiu pressuposto ou condição da definição da relação jurídica que aqui é necessário regular e definir. 14. De facto, a douta sentença proferida deu com provado que as despesas não tinham sido exclusivamente suportadas pela aí Ré e ora Autora, mas, não que nenhumas dessas despesas, o tenham sido suportadas. 15. Tal matéria não foi apurada e mostra-se nos presentes autos controvertida, carecendo de produção de prova, não cabendo por ora, salvo o devido respeito, que é muito, conhecer do mérito da causa. 16. Tanto mais que na douta Sentença proferida o Tribunal considerou que “independentemente das quantias eventualmente gastas pela Ré, em obras necessárias ou úteis no imóvel, tais despesas não são indemnizáveis a título de benfeitorias, por não estar a Ré ligada à coisa por qualquer vínculo jurídico”. 17. Contudo, não se preclude a possibilidade da então Ré e ora Autora, ser titular de um direito de crédito, que verse sobre o ressarcimento, das despesas que tenha efectuado a outro título. 18.Na douta decisão proferida no processo203/18.1T8OBR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro, Juiz 2, o tribunal não considerou que não eram indemnizáveis (as despesas) a outro título, nomeadamente a título de enriquecimento sem causa, como a própria sentença então proferida reconheceu, pelo facto de (então) não ter sido alegado. 19. Mas, tal não significa que o direito da Autora em ser ressarcida das despesas efectuadas, não existisse, como efectivamente acontece. 20. Se a douta decisão recorrida considera que o pedido de enriquecimento sem causa devia ter sido deduzido a título subsidiário nessa primeira acção, não só tal cria uma situação materialmente injusta, precisamente contrário ao que este instituto visa olvidar, assim o esvaziando de qualquer sentido. 21. Aliás, sendo este instituto (enriquecimento sem causa) de natureza subsidiária, a Autora pode deduzi-lo em acção autónoma e não teria tal ónus, já que com a procedência da presente acção não se cria uma decisão antagónica à decisão anteriormente proferida, mas sim visa corrigir a injustiça material a que aí levou à aplicação dos critérios da legalidade vigentes - vide a propósito com as devidas adaptações o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Processo n.º 1448/15.1T8STB.E1.S1. Termos em que, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser a douta Sentença revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos tudo com as legais consequências, fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça. Os recorridos responderam a estas alegações. O Mmo. Juiz a quo admitiu o recurso, mas omitiu o despacho previsto no n.º 1 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, apesar do que não se considera indispensável mandar baixar o processo para que seja proferido. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i. Se a decisão recorrida é nula. ii. Se a autora está impedida de instaurar a presente acção por o respectivo direito à restituição com fundamento no enriquecimento sem causa se encontrar precludido pela circunstância de não ter sido deduzido, em reconvenção, na anterior acção em que foi demandada pelo antecessor dos réus. III. Nulidades da decisão recorrida: A recorrente começa por arguir a nulidade da decisão recorrida por não ter sido antecedida da realização de audiência prévia após o aperfeiçoamento da petição inicial. Com todo o devido respeito, não tem razão. Em primeiro lugar, embora a prática forense insista teimosamente em presumir o contrário, a reforma de 2013 do Código de Processo Civil não acabou com a distinção entre nulidades processuais e as nulidades da decisão. As nulidades processuais são os vícios que constituindo entorses à tramitação processual em si mesma ocorrem quando se pratica um acto vedado pela lei ou se omite a prática de um acto prescrito pela lei. As nulidades da decisão são apenas os vícios associados ao conteúdo da decisão que se encontram expressamente previstos no artigo 615.º do Código de Processo Civil. As primeiras são arguidas no tribunal onde foram cometidas, cabendo a esse tribunal o poder e o dever de conhecer do vício; o tribunal hierarquicamente superior só é chamado a conhecer da questão no âmbito do recurso da decisão que recair sobre a nulidade, caso esse recurso seja admissível e tenha sido interposto. Só as segundas podem ser directamente objecto de recurso e constituir objecto do mesmo, cabendo ao tribunal de recurso apreciar e decidir se a nulidade existe e qual a sua consequência. Portanto, se algum acto processual foi omitido, cabia à interessada o dever de arguir perante o tribunal a quo a correspondente nulidade processual, sendo certo que essa falha não está incluída no elenco do artigo 615.º do Código de Processo Civil que prevê os casos de nulidade da decisão. Por outro lado, nos autos foi designada e realizada audiência prévia. O que sucedeu foi que no decurso da mesma foi entendido ser necessário o aperfeiçoamento da petição inicial ao nível da concretização do pedido (não da causa de pedir) e, na sequência disso, a autora foi convidada a apresentar uma petição inicial aperfeiçoada nesse aspecto particular. Todavia, embora na acta da audiência nada seja referido sobre o que, após a infrutífera tentativa de conciliação, se passou nela quanto aos demais fins da audiência previstos na lei (não mencionados no despacho nem informados às partes na notificação…), a verdade é que no final da acta foi determinado que após os prazos concedidos para o aperfeiçoamento e o exercício do contraditório «devem os autos ser conclusos a fim ser proferido despacho saneador». Desse modo, ainda que implicitamente, foi decidido terminar a audiência prévia e praticar os actos subsequentes por escrito, conforme permitido pelo n.º 2 do artigo 595.º do Código de Processo Civil. As partes foram notificadas desta decisão e não apenas nada requereram em contrário, como não arguiram qualquer nulidade e/ou interpuseram recurso da mesma. Assim, se existia aqui algum vício, o mesmo ficou sanado por não ter sido arguido a tempo, sendo certo que tendo aquele despacho sido proferido e notificado às partes se há algo de que a mesmas não podem queixar-se é de o que se seguiu constituir para si uma … decisão surpresa! Improcede assim esta questão objecto do recurso. IV. Fundamentação de facto: Foram julgados provados os seguintes factos: 1. Em 21 de Março de 2018, FF, com o NIF ..., instaurou acção declarativa comum contra AA que correu termos sob o n.º 203/18.1T8OBR, no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro. Nessa acção, o autor pediu a condenação da ré a: I. Reconhecer que o autor é dono e legítimo proprietário do imóvel urbano, composto de casa de habitação, ainda não totalmente concluída, composta por 2 quartos, sala, cozinha, casa de banho e zona envolvente, sita na Rua ..., no lugar ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., com a área de 440 m2, que confronta do norte com GG, sul com HH, nascente com II e do poente com estrada, ainda omissa na matriz, mas encontrando-se o terreno inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (que teve origem no artigo ... urbano e que, por sua vez, adveio do anterior artigo também urbano que então tinha o artigo 697), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...; II. Entregar tal imóvel livre e desocupado de pessoas e bens; III. Pagar ao autor, a título de indemnização, pelos lucros cessantes, a quantia mensal de € 400,00, desde 01.10.17 até efectiva entrega e desocupação do imóvel, e ainda os juros de mora desde a citação até efectivo pagamento; IV. Pagar ao autor a quantia de € 3.500,00, a título de despesas pessoais e judiciais, como honorários, taxas de justiça e, por último, pelos transtornos e danos morais que a presente acção lhe está e irá causar e que foram comunicados à ré que esta teria de liquidar se tivesse que recorrer à via judicial. 2. No âmbito dos mesmos autos, a ré (agora autora) contestou, impugnando parte dos factos alegados pelo autor e alegando, em síntese, que acordou com o autor a transferência do direito de propriedade sobre o referido imóvel, mas apenas como garantia do pagamento de quantia mutuada pelo autor à ré, de forma a que esta pudesse proceder a obras de edificação no imóvel. Mais alegou que existiu divergência entre a vontade real e a vontade declarada perante o Notário, no momento da outorga da escritura de compra e venda do imóvel. 3. Finalmente, alegou factos tendentes a demonstrar a aquisição do seu direito de propriedade sobre o imóvel, por usucapião, bem como que fez obras no imóvel, que o beneficiaram em valor não inferior a € 70.000,00. 4. Com tais fundamentos, deduziu os seguintes pedidos reconvencionais: I. Deve ser declarada a nulidade da escritura de compra e venda realizada em 28.05.07, por simulação; II. Deve mandar-se cancelar o registo fundado em escritura e todos os actos de registo subsequentes; III. Subsidiariamente, caso não procedam os pedidos anteriores, deve a ré ser declarada a legítima proprietária do imóvel, por o ter adquirido por usucapião; IV. E ainda subsidiariamente, caso não procedam os demais pedidos, deve o autor ser condenado a pagar à ré quantia não inferior a € 70.000,00, a título de benfeitorias; V. Pediu ainda a condenação do autor, como litigante de má-fé, no pagamento de quantia não inferior a €4.000,00, a título de indemnização. 5. Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, e, em consequência: I. Julgou procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre o prédio urbano, composto de casa de habitação, ainda não totalmente concluída, composta por 2 quartos, sala, cozinha, casa de banho e zona envolvente, sita na Rua ..., no lugar ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., com a área de 440 m2, que confronta do norte com GG, sul com HH, nascente com II e do poente com estrada, ainda omissa na matriz, mas encontrando-se o terreno inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial concelhia sob o n.º ... e, em conformidade, reconheceu o direito de propriedade do autor sobre o referido imóvel; II. Julgou procedente o pedido de condenação da ré na entrega do imóvel livre e desocupado de pessoas e bens e, em conformidade, condenou a ré a entregar o imóvel livre e desocupado de pessoas e bens; III. Julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia mensal de € 400,00, desde 01.10.17 até efectiva entrega e desocupação do imóvel, a título de lucros cessantes e ainda nos juros de mora desde a citação até efectivo pagamento e, em conformidade, absolveu a ré desse pedido; IV. Julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais e, em conformidade, absolveu a ré do pedido; V. Julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré e assim: VI. Julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda titulado por escritura de compra e venda do prédio urbano, composto de casa de habitação, ainda não totalmente concluída, composta por 2 quartos, sala, cozinha, casa de banho e zona envolvente, sita na Rua ..., no lugar ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., com a área de 440 m2, que confronta do norte com GG, sul com HH, nascente com II e do poente com estrada, ainda omissa na matriz, mas encontrando- se o terreno inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial concelhia sob o n.º ..., outorgada pelo autor e pela ré; VII. Julgou improcedente o pedido de reconhecimento da aquisição do direito de propriedade da ré sobre o referido imóvel por usucapião; VIII. Absolveu o autor do pedido de condenação no pagamento à ré da quantia não inferior a €70.000,00, a título de benfeitorias. 6. Um dos factos não provados, de acordo com a mesma sentença é o seguinte: «As despesas de reconstrução do imóvel foram suportadas integral e exclusivamente pela Ré». 7. A ré interpôs recurso da sentença, restringindo o recurso à parte da sentença que julgou improcedente o pedido principal de declaração da nulidade da referida escritura, por simulação, formulado pela ré, em reconvenção. 8. Por acórdão datado de 5 de Novembro de 2020 proferido nos mesmos autos, foi julgada improcedente a apelação e, em consequência, confirmada a sentença recorrida, com custas pela apelante. 9. Na petição inicial aperfeiçoada, a Autora conclui, formulando os seguintes pedidos: I. Que se declare que as benfeitorias acima identificadas realizadas no referido prédio urbano dos Réus foram efectuadas pela Autora; II. Que se declare que a Autora é titular de direito sobre essas benfeitorias e, bem assim, sobre a casa de habitação existente no prédio dos Réus; III. Que se condene solidariamente os Réus a título de enriquecimento sem causa no pagamento à Autora da quantia de € 55.500,00 (cinquenta e cinco mil e quinhentos euros), correspondente ao valor das benfeitorias, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento; IV. E, também, ao pagamento das custas e condigna procuradoria, tudo com as legais consequências. V. Matéria de Direito: A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação: «A reconvenção é admissível nas situações referidas nas alíneas b) e d) do n.º 2 do art. 266.º do CPC: a hipótese em que o réu pretende tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida, e obter o mesmo efeito jurídico que o autor. Em ambos os casos, ao contrário da regra do carácter facultativo da reconvenção, esta constitui um ónus do réu. Com efeito, esse ónus de reconvir advém precisamente da necessidade de o titular do direito a benfeitorias ou despesas acautelar o direito de retenção na fase executiva: se ele não tiver invocado o seu direito às benfeitorias na acção declarativa, não poderá opô-lo ao exequente posteriormente na execução (cf. art. 860.º, n.º 3, CPC); a desvantagem que sofre é, assim, a perda do direito de retenção por não ter reconvindo. Está-se, assim, perante um caso de reconvenção conveniente e obrigatória. Vale dizer: o réu tem o ónus de deduzir o pedido reconvencional nas hipóteses previstas nas alíneas b) e d) do n.º 2 do art. 266.º do Cód. Proc. Civil. Vem daí que, uma segunda conclusão que se impõe retirar, é a de que a (agora) Autora tinha o ónus de ter deduzido na primeira acção (n.º 203/18.1T8OBR) um pedido reconvencional baseado no locupletamento indevido do (ali) autor (entretanto falecido e habilitado pelos seus herdeiros) na contestação que naqueles autos apresentou, tendo precludido a faculdade de formular esse mesmo pedido, a título principal, numa acção posterior movida contra o mesmo sujeito (agora representado pelos herdeiros), embora os efeitos dessa preclusão possam actuar independentemente do caso julgado e, consequentemente, também independentemente da verificação da tríplice identidade que é exigida para a verificação da excepção de caso julgado. O não cumprimento do ónus que a (agora) Autora tinha para invocar o enriquecimento sem causa na primeira acção, através de um pedido reconvencional subsidiário, é suficiente para tornar esta segunda acção inadmissível.» Com todo o devido respeito, é impossível concordar com esta leitura das normas legais. O artigo 860.º do Código de Processo Civil refere-se aos fundamentos da oposição à execução para entrega de coisa certa mediante embargos. O n.º 1 diz que o executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos que valem para a execução para pagamento de quantia certa (artigos 729.º a 731.º) e ainda com fundamento em benfeitorias a que tenha direito. Todavia, o n.º 3 do mesmo preceito estabelece que a oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas. Esta norma apenas se refere aos fundamentos de oposição à execução, consagrando uma excepção ao exercício do direito de retenção: este não pode ser exercido quando a pessoa condenada a entregar a coisa sobre a qual tinha direito de retenção com fundamento nas benfeitorias não exerceu, na acção declarativa em que veio a ser condenada, esse direito. O que a norma estabelece é somente que nesse caso o condenado não pode recusar a entrega da coisa que foi condenado a entregar com fundamento no direito de retenção, o que vale por dizer que a invocação deste ficou precludida pela circunstância de não ter sido invocado na acção declarativa (cf. Lebre de Freitas, in a Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, páginas 437 e seguintes). Não resulta minimamente da norma que por este facto tenha ficado precludida a invocação do direito de crédito pelas benfeitorias, o que resulta é que fica precludida a invocação do direito de retenção decorrente da existência de benfeitorias, sendo certo que uma coisa é o direito de crédito e outra coisa totalmente distinta são as garantias que o credor possa ter para obter a satisfação do seu crédito, v.g. o direito de retenção. Nesse sentido, parece inequívoco que jamais poderá invocar-se o disposto no artigo 860.º, n.º 3, do Código de Processo Civil para defender a preclusão do direito de crédito pelas benfeitorias realizadas pelo obrigado à entrega. O que aquele preceito permite é sustentar a impossibilidade de invocação do direito de retenção sobre a coisa, fundado num direito de crédito por benfeitorias que o credor não invocou quando foi demandado na acção declarativa em que lhe era pedida a entrega da coisa. Tanto basta para demonstrar que a norma do artigo 860.º do Código de Processo Civil jamais poderá à face do direito constituído ser invocada para impedir a instauração da presente acção declarativa autónoma. Ela apenas poderia servir para impedir a dedução de embargos à execução para entrega de coisa certa do imóvel que na anterior acção a aqui autora foi condenada a entregar se e desde que o fundamento dos embargos fosse a realização de benfeitorias no imóvel. Há ainda outro equívoco na invocação do artigo 860.º do Código de Processo Civil para atribuir ao artigo 266.º do mesmo diploma uma redacção que ele não tem. Na verdade, no caso o direito de crédito por benfeitorias foi mesmo invocado na primeira acção e o respectivo pedido foi julgado improcedente, situação que é precisamente a oposta da prevista na norma. Logo, na anterior acção esse direito de crédito foi conhecido e ficou decidido em definitivo, não podendo uma nova acção ter por objecto o mesmo direito de crédito. Por conseguinte, o que podia impedir a instauração da nova acção cujo objecto fosse esse direito seria afinal de contas a própria excepção do caso julgado (que a decisão recorrida e bem afastou). O que não foi deduzido na anterior acção foi o pedido de restituição a título de enriquecimento sem causa que agora constitui o objecto da presente acção. Todavia, o pedido por benfeitorias e o pedido de restituição por enriquecimento sem causa são inteiramente distintos na medida em que ainda que na sua origem estejam factos materiais iguais ou muito aproximados, os factos jurídicos concretos que servem de causa de pedir a um e a outro são claramente diferentes porque o respectivo fundamento jurídico são institutos jurídicos distintos, separados e com pressupostos diferentes, como, aliás, impõe a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa. O artigo 266.º do Código de Processo Civil diz que a dedução de reconvenção é uma faculdade do réu, não uma obrigação, não um ónus. Apesar disso admite-se que a dedução da reconvenção possa assumir-se como um ónus quando a mesma representar o modo de impedir que o réu sofra a preclusão de um direito, ou seja, quando a sua não dedução preclude a possibilidade de mais tarde o réu invocar o direito que podia invocar na anterior acção por via de reconvenção. É nesse sentido que se pode sustentar que em alguns casos a dedução de reconvenção é «obrigatória» (embora o termo seja incorrecto, porque a reconvenção é sempre facultativa; a sua não dedução é que pode ou não importar consequências processuais, intra e extra processo). Mas se bem vimos, essa caracterização da reconvenção como «obrigatória» depende dos termos em que a preclusão pode ocorrer, ou seja, ela só pode ser vista como «obrigatória» se e na medida em que a sua dedução for necessária para impedir o efeito preclusivo do direito a exercer por via da reconvenção. O artigo 573.º do Código de Processo Civil estabelece que com excepção dos incidentes que a lei mande deduzir em separado, toda a defesa deve ser deduzida na contestação; depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente. Por sua vez o artigo 139.º, n.º 2, do mesmo diploma institui que o decurso do prazo peremptório (para a prática de um acto sem que o acto tenha sido praticado) extingue o direito de praticar o acto. É destas normas que decorre o efeito preclusivo de todos os meios de defesa que o réu possa ter para se opor ao pedido do autor e que não invocou na oportunidade (e no tempo) que tinha para o efeito: a contestação. O réu tem o ónus de concentrar a sua defesa na contestação porque posteriormente não poderá alegar mais nenhum meio de defesa que podia (porque já estava produzido) ter alegado nesse articulado. Sendo assim, o que a apresentação da contestação ou o decurso do prazo para a respectiva apresentação preclude é a possibilidade de apresentar nova contestação e nela deduzir novos meios de defesa relativamente à pretensão do autor. Se o réu, confrontado com o pedido do autor de cumprimento de uma obrigação contratual, invoca, por exemplo, a invalidade do contrato com fundamento em vício de forma, está impedido de mais tarde, com fundamento em factos não supervenientes, demandar o autor pedindo a declaração de nulidade do contrato por vício da vontade. Ao invés, se o direito que o demandado quer exercer não se traduzir num meio de defesa em relação à pretensão formulada pelo autor da acção, não ocorre qualquer preclusão desse direito. Por exemplo, o réu não está impedido de, com fundamento no mesmo contrato, instaurar contra o autor uma acção pedindo a condenação deste a cumprir outra obrigação que este assumiu no contrato, ainda que os factos que fundamentam essa acção já tivessem ocorrido antes da contestação da primeira acção e o réu nela pudesse ter deduzido reconvenção com esse objecto porque, por exemplo, a sua defesa se baseava no facto jurídico que fundamenta o seu pedido na nova acção (v.g. servir de fundamento à invocação da excepção de não cumprimento). No caso concreto, a aqui autora necessitava de deduzir na anterior acção em que era ré todos os meios de defesa de que dispunha para opor aos pedidos de reconhecimento da propriedade, de entrega da coisa e de condenação em indemnização pela retenção ilícita da coisa. A contestação que apresentou fez precludir o direito de opor outros meios de defesa para além dos invocados na contestação. Todavia, a ali ré não estava «obrigada» (no sentido de que não é prejudicada por o não fazer) a exercer contra o ali autor, ainda que por via de reconvenção, todos os direitos de que fosse titular contra o ali autor, mesmo que o pudesse fazer (a reconvenção fosse admissível) e esses direitos estivessem relacionados com a coisa ou se fundassem em actos praticados sobre esta. O pedido de restituição por enriquecimento sem causa fundado em obras executadas no imóvel não consubstancia um meio de defesa relativamente aos pedidos de reconhecimento da propriedade do imóvel, de entrega do mesmo ou de indemnização pela sua retenção ilícita, porquanto nenhum dos fundamentos daquele impede, modifica ou extingue qualquer destes direitos. E, no entanto, aquele pedido podia ser deduzido em reconvenção na anterior acção, por exemplo, se a ali demandada quisesse obter o reconhecimento do seu direito para obter a compensação (artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil) com o crédito indemnizatório do autor. Podemos concluir daqui que ainda que se pudesse falar em preclusão dos meios de defesa da aqui autora na anterior acção, jamais poderíamos concluir que essa preclusão abrange o exercício do direito ao autor à restituição fundado no instituto do enriquecimento sem causa e, portanto, que a dedução deste pedido por via de reconvenção era um ónus para evitar a preclusão desse concreto direito. Em suma, o exercício do direito que a autora reclama na presente acção não só não se defronta com o obstáculo da excepção do caso julgado (como bem decidiu a decisão recorrida e da qual, nessa parte, não houve recurso) como não está impedido por qualquer efeito preclusivo da sua não dedução por via de reconvenção na anterior acção. A decisão recorrida deve, por isso, ser revogada. VI. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida. Custas do recurso pelos recorridos, as quais correspondem apenas à taxa de justiça paga por a recorrente beneficiar de apoio judiciário. * Porto, 25 de Janeiro de 2024.* Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 795)Os Juízes Desembargadores Judite Pires António Paulo Vasconcelos [a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas] |