Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1005/23.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: FACTOS ESSENCIAIS
CAUSA DE PEDIR
PRECLUSÃO DE DEFESA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202406181005/23.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Às partes, e só a elas, compete alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as exceções invocadas.
II - O réu tem o ónus de, em regra, deduzir todas as exceções na contestação, bem como todos os factos essenciais que as integram, sob pena de já não o poder fazer mais tarde.
III - Baseando os réus, no recurso, a verificação da exceção de prescrição por si invocada num facto essencial por eles não antes alegado, não pode o mesmo ser atendido, nem as consequências jurídicas dele retiradas por aqueles.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1005/23.9T8PVZ.P1

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Sumário:

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Relator: João Diogo Rodrigues;

Adjuntos: Rui Moreira;

Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I- Relatório

1- AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, por si e na qualidade de herdeira de CC, e DD, na qualidade de herdeiro de CC, pedindo a condenação destes RR. a pagarem-lhe a quantia de 46.217,44€, sendo 34.268,75€, acrescidos de juros de mora no montante de 394,33€, pela 1.ª Ré, e 11.422,92€, acrescida de juros de mora no montante de 131,44€, pelo 2.º Réu.

Para fundamentar este pedido, alegou, em resumo, que ele próprio, a 1.ª Ré e o falecido marido desta e pai do 2.º Réu, CC, avalizaram uma livrança subscrita pela sociedade A..., Ldª, que veio a ser dada à execução no processo executivo n.º 137/07.5TBTMR, no montante de 79.220,98€.

Esse processo foi instaurado contra si, a 1ª Ré e CC e, perante o falecimento deste, prosseguiu contra os ora RR., na posição processual do mesmo, por serem seus herdeiros.

E aí, para pagamento da quantia exequenda e das custas da execução, foi penhorada à Ré a quantia de 18.275,97€ e foi paga por si a quantia global de 77.675,48€.

Por conseguinte, uma vez que apenas lhe competia pagar 1/3 das quantias devidas no âmbito de tal execução, concluiu que lhe assiste o direito a receber dos RR. quota-parte que pagou em excesso, acrescida de juros de mora desde a interpelação ocorrida em 03/03/2022, devendo à quota-parte da Ré ser abatida a quantia que à mesma foi penhorada.

2- Contestaram os RR, começando por alegar que a dita livrança se venceu em 09/11/2006 e que à data em que o A. assumiu o pagamento do aludido crédito (26/10/2022), já o mesmo se encontrava prescrito. Daí que não lhes possa ser exigida a devolução do que pagou em excesso.

Em qualquer caso, o 2.º Réu é parte ilegítima nesta ação, dado que não avalizou a livrança em questão e a responsabilidade pelo pagamento da obrigação dela emergente recai sobre a herança e não sobre o próprio património dos seus herdeiros. O que determina que também a 1.ª Ré não possa ser responsabilizada pelo montante que lhe é reclamado, na qualidade de co-herdeira.

Finalmente, defendem que a quantia exequenda foi parcialmente paga mediante a penhora do salário da A. e, como tal, o valor de 18.275,97€ sempre haveria de ser subtraído ao valor a pagar por eventual direito de regresso a favor do A.

3- O A., em resposta, refutou as exceções deduzidas e retificou os cálculos referentes aos montantes devidos por cada um dos RR., reduzindo, assim, o pedido para o montante global de 46.182,92€, o que foi aceite.

4- Terminados os articulados, foi realizada a audiência prévia, na qual o A. requereu nova retificação do cômputo das quantias reclamadas da 1.ª Ré e desistiu parcialmente do pedido de condenação dos RR. no pagamento de juros, requerendo que os mesmos fossem condenados no respetivo pagamento somente desde a citação para a presente ação.

5- Finalmente, teve lugar a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença na qual se decidiu julgar improcedente a exceção de prescrição invocada, procedente a ação e, consequentemente:

a) Condenada a Ré, BB, por si e na qualidade de herdeira de CC, a pagar ao A., respetivamente as quantias de 13.707,85€ e 15.991,91€, o que perfaz o total de 29.699,76€;

b) Condenado o R., DD, na qualidade de herdeiro de CC, a pagar ao A. a quantia de 15.991,91€;

c) Condenados os RR. a pagar juros moratórios vencidos e vincendos sobre o capital referido em a) e b), desde a citação até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

6- Inconformados com esta sentença, dela recorrem os RR., terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1ª- Resulta dos pontos 1. e 2. da factualidade dada como provada no saneador/sentença, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz2, o processo executivo n.º 137/07.5TBTMR, instaurado pelo Banco 1..., S.A., atual Banco 2..., S.A., em que foram executados A..., Ldª, CC e mulher BB (Recorrente) e o Autor (Recorrido)., tendo essa ação executiva sido instaurada para cobrança de uma livrança, subscrita pela sociedade A... e avalizada por aqueles executados, no valor 79.220,98 € (setenta e nove mil duzentos e vinte euros e noventa e oito cêntimos), tendo como data de vencimento o dia 09/11/2006 – ex vi documento nº1 junto ao presente processo pelo Autor/Recorrido AA.

2ª- O prazo prescricional relativamente ao título e crédito livrança é de três anos a contar do seu vencimento, conforme determinam os artigos 77º, 32º 1º parágrafo, 78º 1º parágrafo e 70º 1º parágrafo, todos da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL).

3ª- Em 26/10/2022, ou seja, no momento em que o Autor/Recorrido AA, assumiu sozinho, sem o consentimento dos restantes avalistas, as obrigações constantes da transação judicial ocorrida na referida ação executiva nº137/07.5TBTMR (ex vi facto nº7 dado como provado no saneador/sentença), este crédito já se encontrava prescrito, pelo que o pagamento que decorre das obrigações firmadas naquela transação judicial, entre o Autor/Recorrido e a Exequente, realizada em 19/12/2022 (ex vi facto nº8 dado como provado no saneador/sentença), é da sua exclusiva responsabilidade, pois que devia ter invocado a prescrição daquele título de crédito.

4ª - À data do referido pagamento - 19/12/2022-, já não valia como título executivo, mas apenas como mero quirógrafo da obrigação, sendo que a dívida que, eventualmente, poderia estar na génese daquele quirógrafo já se encontrava, indubitavelmente, prescrita.

5ª- O tribunal “a quo” confunde o ato de interrupção relevante para a contagem do prazo de prescrição (que era o ato de citação dos então executados, isto é, as partes dos presentes autos).

6ª- Os Recorrentes não podem aceitar a posição do Tribunal “a quo” de que tal notificação implicaria que o novo prazo de prescrição não começasse a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo.

7ª- Dispõe o nº2 do artigo 327º Código Civil que o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo, no caso concreto, a notificação na referida ação executiva ocorrida em 17/02/2007.

8ª- Note que, como decorre do disposto no artigo 306º do Código Civil, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido, mas, em certas circunstâncias, a prescrição pode ser interrompida (artigos 323º a 327º do Código Civil), sendo certo que, em consequência da interrupção, o tempo decorrido fica inutilizado, começando o prazo integral a correr de novo a partir do ato interruptivo (art. 326º do CC), ou seja, in casu, reiniciou essa contagem de 3 anos em 17/02/2007.

9ª- O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10/01/2022, proferido no âmbito do processo número 12564/20.8T8PRT-B.P12, é elucidativo quanto ao facto: “Esta é a regra: a de que o novo prazo se conta a partir do facto interruptivo, o que equivale a dizer que este tem normalmente efeitos instantâneos; Pelo que, interrompida a prescrição, tal não significa que não possa iniciar-se novo prazo prescricional, podendo seguir-se nova inércia do titular, havendo, assim, fundamento para começar a correr novo prazo de prescrição.”

10ª- O nº 2 do artigo 327º do Código Civil consagra um desvio à regra do nº1 do mesmo preceito legal (o efeito não instantâneo da interrupção da prescrição).

11ª- Assim, no caso concreto, o novo prazo prescricional de três anos começa a contar-se (de uma forma instantânea) desde a interrupção, nos termos do artigo 326º do Código Civil, ou seja, o prazo prescricional começa a correr de novo desde o ato interruptivo (17/02/2007) sem se prolongar até ao trânsito das aludidas decisões de extinção de instância.

12ª- In casu, podemos, com segurança, concluir que, tendo a anterior ação executiva sido declarada extinta em 23/10/2013 (por falta de acervo penhorável), o novo prazo prescricional, por força do nº 2 do art. 327º do CC, começou a contar-se de uma forma instantânea (e de uma forma retroativa) desde o ato interruptivo (isto é, desde o ato de citação que ocorreu em 17/02/2007), nos termos do art. 326º do CC (ou seja, o prazo prescricional começa a correr de novo desde o ato interruptivo sem se prolongar até ao trânsito da aludida decisão de extinção da execução.

13ª- Tendo-se verificado na antecedente ação executiva a extinção da execução com fundamento na falta de acervo penhorável, o novo prazo prescricional de 3 anos da ação cambiária começou a correr de novo, contando-se a partir do ato interruptivo que tinha ocorrido nessa ação executiva.

14ª- Assim, o ato interruptivo coincide com o ato de citação dos executados na aludida execução que tinha sido efetivada em 17/02/2007, pelo que, indubitavelmente, a prescrição da referida livrança ocorreu a 17/02/2010.

15ª- Ademais, mesmo que se entendesse que a prescrição começaria apenas a correr quando fosse proferida decisão que pusesse termo ao processo e, após o seu transito em julgado, esta teria de ser ovacionada para a data do Despacho que declarou extinta aquela ação executiva (por falta de acervo penhorável), isto em 23/10/2013, ou seja, mesmo a considerar-se que seria essa data para novo computo do prazo prescricional, este sempre teria ocorrido em 23/10/2016.

16ª- A tese defendida no saneador/sentença – afirmando que o novo prazo de prescrição de três anos só começaria a correr a partir do transito em julgado da decisão que coloca termo ao processo (definitivo), isto é, o pagamento em 19/12/2022 ocorrido após a renovação da ação execução, esta que já havia sido extinta no ano de 2013 não se pode conceber, pois que não encontra amparo jurídico material.

17ª- De acordo com a interpretação realizada pelo Tribunal “a quo”, podíamos ter prazos prescricionais ad eternum, isto porque, imaginando-se que, tendo a ação executiva sido extinta em 23/10/2013, caso não se verificasse aí o novo prazo para a contagem do prazo prescricional de três anos, isto significaria que a todo o momento o processo podia ser “ressuscitado”, apesar dos sujeitos principais já terem falecido (ou a sociedade extinta), sem que se verificasse os prazos que a lei contempla para a prescrição dos direitos.

18ª- Esta interpretação do Tribunal “a quo” é materialmente inconstitucional, porquanto a interpretação e aplicação do n.º 1 do art. 327.º do Código Civil ao caso concreto, - que perpetua incessantemente no tempo um crédito, viola os princípios constitucionais da confiança, estabilidade, certeza e segurança das relações jurídicas, assim como do princípio da proporcionalidade, o que desde já se invoca com todas as consequências legais.

19ª- Resulta cristalino para os Recorrentes que o Tribunal a quo andou mal, uma vez que deveria ter julgado procedente por provada a exceção perentória invocada pelos Réus ora Recorrentes e consequentemente, deveria ter decidido, como verificada essa exceção perentória da prescrição e absolver do pedido.

20ª- A sentença recorrida violou assim os artigos 326º, 327º, nº2, todos do Código Civil e artigos 77º, 32º 1º parágrafo, 78º 1º parágrafo e 70º 1º parágrafo, todos da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL).

21ª- Não tanto pelo alegado como pelo doutamente suprido, deverão V.Exas., Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, dar integral provimento ao presente recurso e revogar o saneador/sentença”.

7- O A. respondeu pugnando pela confirmação do julgado.

8- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.


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II- Mérito do recurso

A- Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), cinge-se apenas à questão de saber se a obrigação cumprida pelo A., à data desse cumprimento, já estava prescrita e se, assim, o mesmo não tem o direito de regresso que se propõe exercitar nesta ação contra os RR.


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B- Fundamentação de facto

Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1. Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 2, o processo executivo n.º 137/07.5TBTMR, instaurado pelo Banco 1..., S.A., atual Banco 2..., S.A., em que foram executados A..., Ldª, CC e mulher BB e o ora Autor.

2. O referido processo executivo foi instaurado para cobrança de uma livrança, subscrita e avalizada por aqueles executados, no valor 79.220,98€ (setenta e nove mil duzentos e vinte euros e noventa e oito cêntimos), tendo como data de vencimento 09/11/2006.

3. Não tendo aquela livrança sido paga pelos executados (sociedade subscritora e avalistas), acresceram àquele valor juros de mora.

4. O requerimento executivo do processo identificado em 1. data de 30/01/2007 e a citação da Ré e do seu falecido marido CC, na qualidade de executados, ocorreu em 17/02/2007.

5. Face ao falecimento do executado CC, os supra identificados autos de execução prosseguiram os seus termos contra os herdeiros dele e que são os aqui Réus: o cônjuge sobrevivo, BB, já executada, e o filho DD.

6. E em 15/09/2022 foi aquela execução extinta por inutilidade superveniente da lide, no que à sociedade executada A..., Ldª se refere, em virtude de a mesma se encontrar extinta junto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

7. Após a penhora do imóvel do Autor melhor identificado no art.º 6.º da petição inicial, o Autor celebrou com o exequente Banco 2..., S.A. transação judicial, através da qual foi fixado o montante da dívida exequenda em 76.651,53€ e aquele se responsabilizou pelo pagamento das custas, despesas e honorários que se mostrassem devidos à Agente de Execução.

8. Quantia que o Autor pagou no passado dia 19/12/2022.

9. Assim como efetuou o pagamento das custas, despesas e honorários devidos à Agente de Execução, no montante de 1.023,95€.

10. À ordem do processo identificado em 1. foi ainda depositada a quantia de 18.275,97€ resultante da penhora de vencimento auferido pela 1.ª Ré.


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C- Fundamentação jurídica

Está em causa no presente recurso, como vimos, a questão de saber se a obrigação cumprida pelo A., à data desse cumprimento, já estava prescrita e se, assim, o mesmo não tem o direito de regresso que se propõe exercitar nesta ação contra os RR.. Isto porque estes últimos, não escamoteando embora a posição de co-avalistas, por parte da Ré e do seu falecido marido e pai do Réu, na livrança que esteve na origem daquele cumprimento (da qual o A. também foi avalista), ainda assim defendem que não estão obrigados a reintegrar o A. na quota parte que lhes diz respeito (por via desta ação de regresso), porque aquela obrigação primeiramente referida já estava prescrita quando foi cumprida pelo A. e o mesmo não invocou, como podia e devia, essa exceção. O que, no modo de ver dos RR., lhes permite defenderem-se desta ação de regresso por via do disposto no artigo 521.º, n.º 2, do Código Civil, que prescreve que “[o] devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição”.

A primeira problemática a solucionar, assim, é a de saber se, efetivamente, a obrigação cambiária assumida pelo A. (e pelos outros condevedores já indicados), estava já prescrita à data em que o A. a cumpriu. Isto é, no dia 19/12/2022.

Para assim considerar, os RR. começaram por seguir na sua contestação o seguinte raciocínio:

“De acordo com título de crédito da dívida originária (Livrança) junto pelo Autor AA como documento nº1, o vencimento desta livrança ocorreu em 09/11/2006”.

“De acordo com os artigos 77º, 32º 1º parágrafo, 78º 1º parágrafo e 70º 1º parágrafo, todos da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL), o prazo prescricional relativamente ao título e crédito livrança é de três anos a contar do seu vencimento”.

“Assim sendo, no momento em que o Autor AA, assumiu sozinho, sem o consentimento dos restantes avalistas, as obrigações constantes da transação judicial referida em 8º, junta ao processo executivo nº137/07.5TBTMR, em 26/10/2022, este crédito já se encontrava prescrito”. O que lhes permite defenderem-se por via do regime já aflorado, previsto no citado artigo 521.º, n.º 2, do Código Civil. Ou seja, a seu ver, “verifica-se uma exceção perentória que importa a absolvição total do pedido quanto aos Réus, visto que consiste na invocação de um facto que extingue o efeito jurídico do articulado pelo Autor”.

Esta defesa, porém, para além de ter sido refutada pelo A. (que considerou, em resposta, que esta não é uma ação cambiária contra o aceitante, mas antes uma ação fundada no direito de regresso contra os coavalistas, à qual não se aplica o prazo de prescrição de 3 anos, mas antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos), também não foi acolhida na sentença recorrida. Com esta argumentação:

“Através do instituto da prescrição, que pressupõe o decurso de um lapso de tempo sem que o direito tenha sido exercido, a parte pode opor-se ao exercício de um direito pela contraparte,

O prazo de prescrição inicia-se quando o direito puder ser exercido (cfr. artigo 306.º, do Cód. Civil).

A prescrição extintiva é uma causa de extinção das obrigações e é justificada por razões de segurança e certeza jurídica dos cidadãos (art.º 304.º, n.º 1 do Cód. Civil).

No caso vertente, independentemente da (in)existência de nexo cambiário nas relações entre co-avalistas, cremos evidente que os então executados nunca poderiam ter invocado triunfantemente a prescrição da obrigação cambiária, na medida em que está provado que a livrança tinha como prazo de vencimento 09/11/2006 e a citação dos avalistas co-obrigados decorreu menos de 3 anos volvidos desde esse vencimento, em 17/02/2007.

Com efeito, a citação judicial tem por efeito a interrupção da prescrição (art.º 323.º, n.º 1 do Cód. Civil) e o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art.º 327.º, n.º 1 do Cód. Civil) – neste sentido, vide acórdão do TRC de 05/05/2015.

De resto, os próprios réus nunca alegaram que algum dos co-obrigados tenha invocado a excepção de prescrição no processo executivo.

Ora, o art.º 521.º, n.º 2 do Cód. Civil apenas veda o exercício de regresso do condevedor que haja sido obrigado a cumprir, quando os condevedores cujas obrigações tenham prescrito aleguem a prescrição.

Uma vez que os habilitados do executado e ora réus não podiam ter alegado a prescrição – nem alegam tê-lo feito –também não podem opor-se ao exercício do direito de regresso pelo autor”.

Daí que se tenha julgado improcedente a referida defesa.

Os RR., porém, neste recurso continuam a defender que se verifica a referida prescrição. Mas, agora, com uma outra ordem de argumentos. Sustentam, no fundo, que “tendo a anterior ação executiva sido declarada extinta em 23/10/2013 (por falta de acervo penhorável), o novo prazo prescricional, por força do nº 2 do art. 327º do CC, começou a contar-se de uma forma instantânea (e de uma forma retroativa) desde o ato interruptivo (isto é, desde o ato de citação que ocorreu em 17/02/2007), nos termos do art. 326º do CC (ou seja, o prazo prescricional começa a correr de novo desde o ato interruptivo sem se prolongar até ao trânsito da aludida decisão de extinção da execução”.

Assim -continuam-, “o ato interruptivo coincide com o ato de citação dos executados na aludida execução que tinha sido efetivada em 17/02/2007, pelo que, indubitavelmente, a prescrição da referida livrança ocorreu a 17/02/2010.

Mas, mais: “mesmo que se entendesse que a prescrição começaria apenas a correr quando fosse proferida decisão que pusesse termo ao processo e, após o seu transito em julgado, esta teria de ser ovacionada para a data do Despacho que declarou extinta aquela ação executiva (por falta de acervo penhorável), isto em 23/10/2013, ou seja, mesmo a considerar-se que seria essa data para novo computo do prazo prescricional, este sempre teria ocorrido em 23/10/2016”.

Isto, sob pena de, seguindo a tese da sentença recorrida, se eternizarem os prazos prescricionais, uma vez que “tendo a ação executiva sido extinta em 23/10/2013, caso não se verificasse aí o novo prazo para a contagem do prazo prescricional de três anos, isto significaria que a todo o momento o processo podia ser “ressuscitado”, apesar dos sujeitos principais já terem falecido (ou a sociedade extinta), sem que se verificasse os prazos que a lei contempla para a prescrição dos direitos”.

“Esta interpretação do Tribunal “a quo” [pois] é materialmente inconstitucional, porquanto a interpretação e aplicação do n.º 1 do art. 327.º do Código Civil ao caso concreto, - que perpetua incessantemente no tempo um crédito, viola os princípios constitucionais da confiança, estabilidade, certeza e segurança das relações jurídicas, assim como do princípio da proporcionalidade, o que desde já se invoca com todas as consequências legais”.

Ora, como acabamos de ver, todos estes argumentos, além de serem novos, em relação aos apresentados na contestação e na sentença recorrida, chamam também à colação um novo facto que se relaciona com a circunstância de, alegadamente, a anterior ação executiva ter sido declarada extinta em 23/10/2013, por falta de acervo penhorável, o que não consta dos factos provados. Extinção que, neste caso, é usada como facto novo essencial com o objetivo de desencadear a verificação da já aludida exceção de prescrição.

Acontece que vigora, nesta sede, o princípio da concentração da defesa[1]; isto é, o princípio segundo o qual o demandado tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. E, se o não fizer, já não o pode, em regra, realizar mais tarde (princípio da preclusão)[2]. O artigo 573.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, é bem claro a este respeito:

“1- Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.

2- Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.

Ora, repetimos, o que os RR. pretendem, nesta fase, é, através da referida alegação introduzir um facto novo em juízo e, através dele, um novo fundamento para o preenchimento da prescrição. Mas, como vimos, não o podem fazer, nem este Tribunal dele pode tomar conhecimento oficiosamente; isto porque, desde logo, às partes, e só a elas, “compete alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as exceções invocadas” – artigo 5.º, n.º 1, do CPC.

Consequentemente, pois, toda a argumentação construída pelos RR a partir desse evento não pode aqui ser acolhida.

Nem mesmo a da alegada inconstitucionalidade por eles esgrimida.

Também ela, com efeito, é baseada no facto de pretensamente a aludida ação executiva ter sido declarada extinta no dia 23/10/2013, o que, repetimos, não consta dos factos provados. Logo, independentemente dos demais argumentos, nunca semelhante juízo de inconstitucionalidade, poderia ser, com este fundamento, confirmado.

E isso, sem curar de saber se está preenchida a previsão contida no artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil, o que não é líquido, já que a previsão aí exarada só é aplicável quando “se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral”, o que, repetimos mais uma vez, não está demonstrado que tenha sucedido na aludida execução.

Deste modo, pois, em resumo, baseando-nos nos factos provados, só podemos concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que, “independentemente da (in)existência de nexo cambiário nas relações entre co-avalistas”, é “evidente que os então executados nunca poderiam ter invocado triunfantemente a prescrição da obrigação cambiária, na medida em que está provado que a livrança tinha como prazo de vencimento 09/11/2006 e a citação dos avalistas co-obrigados decorreu menos de 3 anos volvidos desde esse vencimento, em 17/02/2007”, o que determinou necessariamente a interrupção daquela prescrição (art.º 323.º, n.º 1 do Cód. Civil), com os efeitos previstos no artigo 327.º, n.º 1, do mesmo Código. Logo, este não é obstáculo ao exercício do direito de regresso, por parte do A.

Soçobra, pois, na totalidade o presente recurso e a sentença recorrida deve ser confirmada.


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III- Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente este recurso e confirmar a sentença recorrida.


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-Custas pelos Apelantes- artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.


Porto, 18/6/2024
João Diogo Rodrigues
Rui Moreira
Alberto Taveira
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[1] Intimamente ligado, de resto, aos princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.
[2] Como refere, José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, 2ª Edição Reimpressão, Coimbra Editora, pág.159, o “réu tem, por um lado, o ónus de contestar e o de impugnar e, por outro, o de deduzir todas as excepções que, não sendo de conhecimento oficioso, tenha contra a pretensão do autor”.