Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOAQUIM MOURA | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO DE PAGAMENTO OPOSIÇÃO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP2022032110312/20.1T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Se, em procedimento de injunção para pagamento europeia, cuja disciplina jurídica está contida no Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006, o requerido se limita a apresentar declaração de oposição utilizando, para o efeito, o formulário padronizado F, abdica de apresentar oposição fundamentada, que o Regulamento não lhe veda; II – Convolado o procedimento injuntivo em acção declarativa comum face à declaração de oposição apresentada, o juiz não tem que ordenar a notificação do requerido para apresentar «o articulado específico desta forma de processo, ou seja, a contestação» e, muito menos, a notificação do requerente para apresentar petição inicial, pois o processo há-de prosseguir com aproveitamento dos actos até então praticados; III – O juiz convidará as partes a aperfeiçoar as peças processuais apresentadas se e quando estas revelarem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, quer a que constitui a causa de pedir, quer aquela em que se baseiam as excepções, no caso de oposição fundamentada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 10312/20.1 T8PRT.P1 Comarca de Aveiro Juízo Local Cível de S.M. Feira (Juiz 3) Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Em 25.06.2020, “S..., UNIPESSOAL, L.DA” instaurou no Juízo Central Cível da Comarca do Porto procedimento para obtenção de injunção de pagamento europeia tendo em vista a cobrança de um crédito pecuniário de €38.396,60 que alega ter sobre a requerida H..., ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006 (doravante, apenas Regulamento). Em 30.06.2020, o tribunal ordenou a emissão da pretendida injunção e, tendo a requerida apresentada declaração de oposição, com data de 08.10.2020, foi proferido o seguinte despacho: «Foi apresentado o formulário normalizado F constante do Anexo VI (oposição à injunção de pagamento europeia) nos termos previstos no artº 16º do Regulamento (CE) nº1896/2006 de 12 de dezembro. A declaração de oposição põe termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implica a remessa para os tribunais competentes para o processo civil nacional ou comunitário adequado, a quem compete determinar a forma processual civil apropriada ao prosseguimento da demanda (artº 17º nº1 do Regulamento (CE) nº1896/2006 de 12 de Dezembro e o Regulamento (CE) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012. Assim, julga-se este tribunal territorialmente incompetente para os ulteriores termos do processo e determina-se a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira.» Remetido o processo ao Juízo Local Cível de S.M. da Feira, aí foi proferido despacho em que, face à declaração de oposição, se determinou que os autos passariam a seguir os termos da ação declarativa sob a forma comum e, bem assim, que se notificasse a ré para juntar procuração forense a advogado, por ser obrigatória a constituição de advogado[1]. Já com a ré devidamente representada por advogado, foram as partes notificadas para indicarem os meios de prova[2]. Na sequência desse despacho, em requerimento apresentado em 04.01.2021, veio a ré arguir «nulidade processual por falta de notificação à Requerida para apresentar o respetivo articulado específico desta forma de processo, ou seja, a contestação». A autora pronunciou-se sobre essa arguição, pugnando pelo seu indeferimento. Com data de 15.07.2021, foi proferido despacho[3] em que se decidiu: «Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais e com os fundamentos acima expendidos, por não se verificar qualquer nulidade que influi na decisão da causa, indefiro a suscitada “nulidade processual”». Contra essa decisão reagiu a ré “H....”, dela interpondo recurso com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que sintetizou nas seguintes “conclusões”: «1) O Regulamento (CE) no 1896/2006 de 12 de dezembro prevê como não obrigatória a representação da requerida por advogado ou outro profissional forense no que diz respeito à declaração de oposição a uma injunção de pagamento europeia. 2) A requerida pode, nos termos do art. 16º do mesmo Regulamento, apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando para o efeito um formulário, que lhe é entregue juntamente com a injunção. 3) Trata-se de uma mera declaração de oposição mediante utilização do formulário normalizado e padronizado previsto no Regulamento, que não traduz uma oposição devidamente fundamentada, mas apenas uma simples negação do direito que foi invocado pela requerente, visando tão só obstar a que a requerente possa obter, por omissão da requerida, título executivo. 4) Esta oposição à injunção de pagamento europeia surge em momento anterior ao processo civil comum nacional, não constituindo, por isso, uma defesa de mérito de acordo com o direito adjetivo português aplicável. 5) À requerida deve ser dada a possibilidade, já no âmbito do processo comum declarativo, de concretizar as razões que a levaram a opor-se ao requerimento de injunção de pagamento europeia. 6) É necessária uma oposição fundamentada à ação, de acordo com o direito nacional, como é próprio do processo comum de declaração (art.ºs 552º e seg.s do Código de Processo Civil, em especial art.ºs 552º, 569º, 572º, 573º e 574º), cuja aplicação resulta do artigo 26.º do Regulamento ao estipular que as questões processuais não reguladas expressamente no Regulamento, se regem pela lei nacional. 7) A oposição apresentada pela Apelante ao pedido da Apelada, não representada por advogado, e expressa numa única linha com os dizeres "Declaro opor-me à injunção de pagamento europeia emitida em ...", não é suficiente para consubstanciar uma adequada defesa, de acordo com o disposto nos artigos 572.º e 574.º do C.P.C., ao contrário do entendimento subjacente à decisão recorrida. 8) Também ao contrário do preconizado pela decisão recorrida, a invocação do caso julgado feita pela Apelante no requerimento de apresentação dos meios de prova, a propósito da junção da sentença proferida pelo Tribunal da Holanda sobre a mesma matéria, não esgotou, por um lado, toda a defesa por exceção que aquela poderia – e deverá – ter a possibilidade de apresentar, nem concretizou – nessa fase – todos os fundamentos em que apoiou a invocação do caso julgado. 9) O princípio da gestão processual previsto no artigo 6.º do C.P.C. prevê um verdadeiro poder/dever que impõe ao juiz do processo providenciar “oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”, o que o Tribunal a quo, manifestamente, não fez. 10) A Apelante viu coartado o seu direito de exercer plenamente a sua defesa uma vez que a mera declaração de oposição através da forma padronizada prevista no Regulamento, ou a invocação do caso julgado a propósito da junção de sentença estrangeira no requerimento em que apresentou os seus meios de prova, não são idóneos ou adequados para concretizar toda a defesa que a Ré podia – e tem o direito/dever – de apresentar. 11) Após o despacho em que determinou que os autos prosseguissem a sua tramitação sob a forma de processo comum declarativo, deveria o Tribunal recorrido ter constatado – como não poderia deixar de o fazer – que a oposição apresentada pela Requerida consubstanciada no preenchimento e envio do Formulário F no qual declarou, sem mais, opor-se à injunção de pagamento europeia, não preenche os requisitos da contestação de acordo com o direito adjetivo português, convidando a Ré a concretizar as razões que a levaram a opor-se ao requerimento de injunção de pagamento europeia, assim corrigindo os termos processuais. 12) Tendo optado, desde logo, por ordenar a notificação das partes para apresentarem os seus meios de prova, o Tribunal recorrido preteriu uma formalidade essencial prescrita na lei, o que consubstancia uma nulidade processual, prevista e regulada no n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C. 13) Ao indeferir a suscitada nulidade processual a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 6.º, 572.º e 574.º do C.P.C., e no art.º 26º do Regulamento, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que convide a Ré a apresentar a sua contestação.» A autora não contra-alegou. O recurso foi admitido (com subida imediata, em separado e efeito devolutivo) por despacho de 29.09.2021. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo). A recorrente afirma que a questão a decidir neste recurso «reveste manifesta simplicidade» e «trata-se, no fundo, de saber se tendo o requerido deduzido oposição ao requerimento de injunção de pagamento europeia através da forma padronizada constante do Formulário F do Regulamento (CE) nº1896/2006 de 12 de dezembro, se impõe ao juiz do processo, uma vez transmutado ou convolado o processamento injuntivo em processamento comum, convidar o requerido a aperfeiçoar a oposição assim apresentada, complementando-a com a indicação das razões de facto e de direito que a justificaram». Sendo fácil de enunciar, a questão a decidir não tem, no entanto, uma resposta simples e óbvia, como sugere a recorrente. De resto, é a própria recorrente a mostrar-se insegura quanto à identificação do acto que teria sido omitido pelo tribunal: no requerimento de 04.01.2021, a nulidade processual que arguiu seria por «falta de notificação à Requerida para apresentar o respetivo articulado específico desta forma de processo, ou seja, a contestação» e agora, em sede de recurso, a omissão já seria da notificação para aperfeiçoar a oposição apresentada no procedimento injuntivo. O regime geral das invalidades processuais é dominado pelo princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades: só se consideram nulos os actos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência. As nulidades dos actos, em regra, não são arguidas em recurso, mas antes mediante requerimento de arguição perante a autoridade judiciária que praticou o acto (eventualmente) nulo, ou que omitiu um acto essencial, e é da decisão que recair sobre essa arguição que, em princípio, poderá recorrer-se. Foi essa a via seguida pela recorrente e por isso, nesse conspecto, nada há a apontar. Nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), não sendo caso de nulidade legalmente tipificada (nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º ou em disposição avulsa que comine tal vício à infracção que estiver em causa), a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Assim, a primeira questão a apreciar e decidir consiste em saber se o tribunal (já depois de ter determinado que os autos seguiriam os termos da ação declarativa sob a forma comum) omitiu algum acto ou formalidade que a lei imponha. Na afirmativa, haverá, então, que apurar se a omissão é susceptível de influenciar o exame ou a decisão da causa. II – Fundamentação 1. Fundamentos de facto Os factos e vicissitudes processuais relevantes para a decisão são os que constam do antecedente relatório e decorrem do conteúdo dos próprios autos (a que se acedeu através da funcionalidade do citius de seguimento de processos), que têm força probatória plena. 2. Fundamentos de direito A injunção de pagamento europeia é um mecanismo ou procedimento simplificado para cobrança de créditos pecuniários não contestados pelo requerido (nos termos do “considerando” 6, a «cobrança rápida e eficaz de dívidas pendentes juridicamente não controvertidas»), baseado em formulários normalizados. São pertinentes algumas notas genéricas sobre este procedimento. Insere-se no objectivo de alargamento do espaço de cooperação judiciária, mediante a implementação de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial (assente na confiança mútua na administração da justiça nos Estados Membro) que tenham uma incidência transfronteiriça. Aplica-se a toda a matéria civil e comercial em casos em que, pelo menos, uma das partes é residente (ou tem sede) num país da UE distinto do país onde é efetuado o pedido de injunção. É um instrumento que permite a livre circulação das injunções, que são reconhecidas e executadas em todos os países da EU, ou melhor, o seu âmbito territorial de aplicação é o correspondente aos países da UE, com exceção da Dinamarca. O órgão jurisdicional do Estado Membro (EM) onde é apresentado analisa o requerimento e, se o formulário estiver devidamente preenchido e estiverem reunidos os respectivos pressupostos, emite a injunção de pagamento europeia no mais curto prazo possível, regra geral, no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento. A menos que o requerido deduza oposição junto do tribunal que emitiu a injunção, esta é automaticamente reconhecida e executada, sem qualquer possibilidade de oposição ao seu reconhecimento. Nessa fase (da execução) rege o direito nacional do EM onde a execução da injunção de pagamento é requerida. A dedução de oposição pelo requerido implica o fim do procedimento injuntivo e a sua transmutação em processo civil comum, que prossegue nos tribunais competentes do EM em que a injunção foi emitida, a menos que o requerente não pretenda dar continuidade ao processo. Detendo-nos sobre o caso concreto, já se assinalou que a requerida “H....”, notificada da injunção emitida pelo Juízo Central Cível do Porto, apresentou declaração de oposição (utilizando o formulário normalizado F), pelo que foi posto termo ao procedimento de injunção de pagamento e determinada a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de S.M. da Feira (considerado o tribunal competente), onde se decidiu que os autos seguiriam os termos da ação declarativa sob a forma comum, se ordenou a notificação a ré para constituir advogado e, posteriormente, a notificação das partes para indicarem os meios de prova. Terá sido omitido algum acto que a lei prescreve? A recorrente defende que sim, pelas razões que já conhecemos. O tribunal a quo teve entendimento contrário, sustentado assim a decisão de indeferir a arguição de nulidade: «Ora, analisado todo o processado, não vemos que a suscitada “omissão” da notificação da Ré para aperfeiçoar o seu articulado – contestação – tenha diminuído as garantias da sua defesa, tanto mais que a mesma defendeu-se por impugnação – ao fazer a declaração de oposição – e por exceção – ao suscitar a exceção de caso julgado. Como tal, não foi cometida pelo Tribunal uma omissão de uma formalidade essencial que influencia a decisão da causa – in casu a não notificação da Ré para aperfeiçoar a contestação, após os autos terem sido transmutados em ação declarativa sob a forma comum. Na verdade, o artº 6º do Código de Processo Civil confere ao juiz ampla liberdade de escolha dos atos adequados, por convenientes e oportunos, ao concreto fim do processo, tendo, contudo, de observar e fazer cumprir o contraditório, imposição que decorre da Lei Fundamental quer do nosso ordenamento jurídico processual, pelo que, tendo a Ré se defendido, além do mais, por exceção, entendemos que não foi preterida qualquer formalidade legal, no caso omissão de notificação da Ré para aperfeiçoar a contestação.». A (escassa) jurisprudência existente sobre a matéria revela que, ao nível da primeira instância, existem práticas que divergem daquela que foi a seguida neste caso. Concretamente, nos acórdãos desta Relação de 12.07.2021 (processo n.º 4138/20.0T8PRT.P1) e de 23.01.2020 (processo n.º 13249/18.0T8PRT.P1)[4], alude-se ao despacho proferido na primeira instância em que se determinou a notificação das partes para apresentarem «os respectivos articulados específicos desta forma de processo, ou seja, a petição inicial e a contestação»[5]. Mas, enquanto no primeiro recurso nada se disse sobre o acerto da decisão porque o que se discutia era a competência internacional do tribunal, no segundo sancionou-se expressamente o procedimento seguido, como se vê pela seguinte passagem: «A mera oposição à injunção não é mais do que isso mesmo. Teria de haver uma oposição fundamentada à ação, de acordo com o nosso direito nacional, como é próprio do processo comum de declaração (art.ºs 552º e seg.s do Código de Processo Civil, em especial art.ºs 552º, 569º, 572º, 573º e 574º), cuja aplicação resulta das já citadas normas do Regulamento e ainda do art.º 26º deste mesmo diploma europeu ao estipular que as questões processuais não reguladas expressamente no Regulamento, se regem pela lei nacional. Isto mesmo foi posteriormente compreendido pela Ex.ma Juiz que, por despacho de 24.10.2019, fez constar ter verificado que, não obstante se ter determinado que o processo seguisse a forma de processo comum declarativo, as partes (A. e R.) ainda não haviam sido notificadas “para apresentar os respetivos articulados específicos desta forma de processo, ou seja, a petição inicial e a contestação, o que se impõe”. Por isso, ordenou que se notificasse a A. “para, em 10 dias, apresentar p.i., devidamente instruída”. Mais determinou que só após a apresentação do articulado inicial dele se notificasse a R. “a fim de a mesma, querendo, deduzir contestação, bem como para pagar a taxa de justiça respetiva pela apresentação desse articulado”. Era o despacho que se impunha proferir, assim corrigindo os termos processuais. Concedia-se a oportunidade de o A. substanciar a sua pretensão à luz dos art.ºs 5º, nº 1 e 552º do Código de Processo Civil, com a respetiva causa de pedir e o pedido, acautelando a possibilidade de sucesso na sua pretensão, ao mesmo tempo que se concedia à R. o conhecimento da matéria de facto sobre a qual deveria edificar, oportunamente, a sua defesa.». Ressalvado, naturalmente, o devido respeito, estamos em frontal desacordo com esta posição. Tal entendimento significa que o(a) requerente, para obter a satisfação do seu crédito, cujo pagamento não logrou alcançar pela via da injunção, no fundo tem de instaurar nova acção, apresentando o articulado inicial, e que nada do que antes foi praticado deve ser aproveitado. Ora, não é isso que decorre do artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, em que se dispõe que, sendo tempestivamente apresentada declaração de oposição à injunção, «a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum»[6]. Se a acção prossegue, só pode ser a mesma acção iniciada com o requerimento de injunção e os actos praticados pelas partes não são inutilizados. De contrário, em vez de se simplificar e agilizar, dificulta-se a cobrança de créditos. Apesar de ter de ser apresentado em formulário normalizado (A), o requerimento de injunção europeia deve conter (n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento): - a identificação das partes; - a designação do tribunal em que é apresentado e os fundamentos da respectiva competência; - o montante do crédito, incluindo o crédito principal, juros (a taxa e o período a que respeitam), as sanções contratuais e os custos; - a causa de pedir, com descrição das circunstâncias invocadas como fundamento do crédito e dos juros reclamados; - a indicação das provas que sustentam o pedido e - a justificação da natureza transfronteiriça do caso. Basta comparar com os requisitos da petição inicial numa acção declarativa com processo comum (artigo 552.º, n.os 1 e 2, do CPC) para se concluir que são peças processuais em que as exigências quanto ao respectivo conteúdo são muito idênticas. Por isso seria uma desnecessária duplicação de actos que, transmutado o procedimento de injunção em acção declarativa comum, o requerente tivesse que apresentar a mesma peça processual, ainda que, agora, com o nomen de petição inicial. Vejamos agora a declaração de oposição apresentada pelo requerido, uma vez citado ou notificado da injunção de pagamento, a que o n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento se refere como contestação. Para o efeito, pode utilizar o formulário normalizado F que lhe é entregue juntamente com a injunção de pagamento emitida pelo tribunal e, como alega a recorrente, fazendo-o, limita-se a contestar o crédito, não havendo lugar para uma contestação fundamentada, quer de facto, quer de direito. Di-lo, expressamente, aquele n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento: «não sendo (o requerido) obrigado a especificar os fundamentos da contestação». Mas – convém frisar - a utilização do aludido formulário é uma faculdade, não é uma imposição e o que se exige é que a oposição seja manifestada por escrito e em termos inequívocos. Por outro lado, é bom de ver que não estar o requerido obrigado a apresentar uma contestação fundamentada não significa, de todo, que lhe esteja vedado fazê-lo, pois que, como se afirma, com evidente acerto, no acórdão deste TRP de 09.11.2017 (processo n.º 226/17.8T8PRT.P1), «não faria qualquer sentido impedir o requerido de, por excesso desnecessário, apresentar uma exposição escrita deixando claramente expostas as razões pelas quais entende que o crédito reclamado pelo requerente não existe ou não é devido. Quod abundat non nocet!». Dir-se-á até que, em certas circunstâncias, pode ser conveniente apresentar oposição fundamentada, como será o caso em que a contestação do crédito assenta em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito. Por isso, porque não tem de cingir-se à forma padronizada de oposição, não é fundada a afirmação de que o direito de defesa não pôde ser exercido, em pleno, pela requerida. Atenta a similitude dos regimes, em especial na fase de transmutação do procedimento injuntivo em acção declarativa de processo comum, tem cabimento chamar aqui à colação o procedimento de injunção de pagamento no ordenamento jurídico interno. Nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do regime anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, também a dedução de oposição ou a frustração da notificação do requerido implicam o fim do procedimento injuntivo e, se o requerente tiver manifestado que é o que pretende, o secretário (do Balcão Nacional de Injunções) apresenta, imediatamente, os autos à distribuição, seguindo-se a fase de julgamento, em que o juiz pode conhecer de alguma excepção dilatória ou nulidade, decidir do mérito da causa se houver condições para tanto ou realizar audiência de julgamento (artigos 17.º, n.º 1, 3.º e 4.º do mesmo regime jurídico). Como se constata, não volta tudo ao início, antes se aproveita tudo o que, até à distribuição, foi praticado pelas partes e não se enxerga nenhuma razão válida para não ser assim na injunção de pagamento europeia. Mas, não tendo que notificar a requerida para apresentar contestação, como por esta foi defendido no requerimento de arguição de nulidade de 04.01.2021, será que se impunha ao tribunal que ordenasse a notificação das partes para aperfeiçoarem as peças processuais apresentadas e, concretamente, que a requerida fosse convidada a concretizar as razões que a levaram a opor-se ao requerimento de injunção de pagamento europeia, como esta defende, agora em sede recursiva? No procedimento nacional de injunção para pagamento, o n.º 3 do artigo 17.º do respectivo regime jurídico prevê essa possibilidade: «recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.». No caso do procedimento injuntivo europeu, não parece que deva ser diferente. Melhor dizendo, a partir do momento em que se determina que o processo prosseguirá como acção declarativa comum, são as respectivas regras processuais que, por inteiro, se lhe aplicam. Diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há margem para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um poder-dever, um poder vinculado (“Incumbe ainda ao juiz convidar as partes…”). Como fazem notar A.S. Abrantes Geraldes, Pires de Sousa e Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 678), «Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspectos merecedores de correcção». A deficiência dos articulados há-de ter por referência os factos essenciais da causa, aqueles que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, pois só estes podem comprometer o êxito da acção ou da defesa, e essa deficiência justificativa de um despacho de aperfeiçoamento tanto pode revelar-se numa insuficiência de factos como numa insuficiente concretização. Na insuficiência de factos, «está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada»[7]. Na insuficiente concretização, «estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstracto ou jurídico) ou equívoco»[8]. Mas o convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto. Estão, à partida, excluídos do aperfeiçoamento «os casos em que a causa de pedir ou a exceção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial (…) ou de nulidade da exceção, nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico-jurídico»[9]. Na feliz síntese de A.S. Abrantes Geraldes e outros (ob. cit., 679), «O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é perceptível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos». Ora, como já se assinalou, a opção da requerida foi pela utilização do formulário padronizado F, limitando-se a declarar a sua oposição à injunção, quando podia ter apresentado contestação fundamentada, designadamente com invocação de matéria de excepção. Por isso não se vislumbra o que havia para aperfeiçoar. Cabe, ainda, salientar que, mesmo que tivesse havido preterição de formalidade que a lei prescreve, não parece que a eventual irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, como bem se entendeu na primeira instância, pois haverá que conhecer do caso julgado invocado pela ré. Argumenta a recorrente que «a invocação do caso julgado a propósito da junção de sentença estrangeira no requerimento em que apresentou os seus meios de prova, não são idóneos ou adequados para concretizar toda a defesa que a Ré podia – e tem o direito/dever – de apresentar» (conclusão 10.ª). Que assim seja, nem por isso o tribunal deixará de conhecer do caso julgado, que, consabidamente, constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso e que, a proceder, acarretará a absolvição da instância (artigos 576.º e 577.º, al. i), do CPC). Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso. III - Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação interposta por “H....” e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Por ter decaído, as custas do recurso serão suportadas pela recorrente. (Processado e revisto pelo primeiro signatário). Porto, 21.03.2022 Joaquim Moura Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes ______________________ [1] Despacho de 23.11.2020, notificado por expediente electrónico elaborado na mesma data. Note-se que, no procedimento de injunção, não é obrigatória a constituição de advogado (artigo 24.º do Regulamento). [2] Despacho de 14.12.2020, notificado por expediente electrónico elaborado na mesma data. [3] Notificado às partes por expediente eletrónico elaborado no dia seguinte. [4] Ambos acessíveis em www.dgsi.pt [5] O despacho, na íntegra, é do seguinte teor: «Compulsados os autos verifica-se que, não obstante ter sido determinado que o processo seguisse os seus ulteriores termos sob a forma de processo comum, conforme resulta do disposto no art.º 17.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu (cfr. fls. 27), o certo é que as partes não foram ainda notificadas para apresentar os respetivos articulados específicos desta forma de processo, ou seja, a petição inicial e a contestação, o que se impõe. Assim, notifique a Autora para, em 10 dias, apresentar p.i., devidamente instruída. Após, notifique a Ré da p.i. que vier a ser apresentada, a fim de a mesma, querendo, deduzir contestação, bem como para pagar a taxa de justiça respetiva pela apresentação desse articulado.» [6] Nos termos do n.º 4 do artigo 7.º, a acção só não prosseguirá se o requerente declarar que se opõe à sua passagem para a forma de processo civil comum. [7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4.ª edição, Almedina, pág. 634, que, neste ponto, vamos seguir de perto. [8] Idem [9] Ibidem. |