Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAQUEL CORREIA LIMA | ||
Descritores: | PROCESSO DE INVENTÁRIO SEGUNDA PERÍCIA | ||
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Nº do Documento: | RP202410082004/21.0T8PRD-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não obstante o aditamento do artigo 1114º, nº 3 do CPC operado pelo o artigo 5º da Lei 117/2019 de 13.09), mantém-se o regime geral da prova pericial, consagrado nos artigos 487º a 489º, aplicável subsidiariamente ao processo de inventário, por força do disposto no artigo 549º do CPC. II - A não realização de uma segunda perícia no processo de inventário não depende daquele aditamento, mas do não cumprimento das exigências do artigo 487º nº 1 do CPC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2004/21.0T8PRD-A.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo de Família e Menores de Paredes - Juiz 3 Processo nº 2004/21.0T8PRD ACÓRDÃO I. RELATÓRIOPor decisão de 02.02.2024 a Sr.ª Juiz do Tribunal de Família e Menores de Paredes indeferiu o requerimento da cabeça de casal no sentido da realização de uma segunda perícia. ** RECURSO Não se tendo conformado com tal decisão, veio AA, Cabeça de casal, apresentar as suas alegações. Termina com as seguintes CONCLUSÕES: A/ O presente recurso visa a revogação do despacho proferido em 02/02/2024, que indeferiu a realização de segunda perícia relativa a benfeitorias, por inadmissibilidade legal e por ausência de fundamentação para a sua necessidade, por parte do Recorrente. B/ Em face do disposto no artigo 1114.º do CPC, artigos 487.º e ss CPC, a segunda perícia constitui um meio de reação contra inexatidões e erros da primeira, que pode ser suscitada pelas partes ou pelo juiz, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando-se as razões da sua discordância, o que o Recorrente fez, logo em 23/03/2023. C/ São vários os entendimentos jurisprudenciais, nomeadamente deste douto Tribunal, que afasta a interpretação restritiva do artigo 1114.º, n.º 3 do CPC, do qual deixamos, a título de exemplo: A melhor interpretação deste preceito é a de que o mesmo define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário, mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549. º n.º 1 do CPC (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 04/05/2022) Pelo que, mal andou o tribunal a quo ao entender ser legalmente inadmissível a realização de segunda perícia em processo de inventário. Vide pontos 1. º a 19. º supra. D/ No que toca à fundamentação do pedido, o Recorrente teceu várias considerações, por requerimentos apresentados em 23/03, 25/09 de 2023 e 04/01/2024, apontando erros grosseiros e inexatidões quanto ao método utilizado, não se fundando apenas na mera discordância dos valores apurados. E/ A avaliação realizada é de carácter complexo, tendo o Perito demorado mais de 4 meses a elaborar o relatório e mais de 5 meses a prestar esclarecimentos, o que revela que a tarefa de avaliar benfeitorias realizadas em 2006 é fundamento, de per se, para uma perícia colegial. F/ O primeiro erro apontado ao relatório foi o facto de nele se ter incluído, como benfeitorias, obras não constantes no projecto de licenciamento de 2006, apenas porque a Requerente sugeriu a sua colocação, atribuindo-lhes um determinado valor que o Perito aceitou como bom. G/ São disso exemplo as supostas obras na cave e nos arrumos exteriores que não constam em projecto e que o Perito avaliou como benfeitorias e pelo valor que lhe foi indicado pela Requerente, mesmo admitindo que não se encontravam projectadas. H/ O próprio Perito admite a aceitação das sugestões da Requerente, o que não se concede: "Nota prévia relativamente aos pontos 41 º a 51 º: O perito vistoriou o prédio em 10/2022 e as obras presumem-se realizadas entre os anos de 2006 a 2008, razão pela qual as situações que foram relatadas pela Requerente, como obras realizadas pelo casal com referência aos valores gastos, que em parte foram negadas pela representante do Cabeça de Casal como obras já existentes, não puderam ser aferidas pelo Perito quanto à data da sua realização ou eventual existência anterior. O que o perito considerou, conforme consta do relatório de avaliação, foi que as obras referidas pela Requerente e o seu valor, estão de acordo com os preços de mercado, independentemente de opinar sobre se estas foram ou não realizadas pelo casal conforme é referido pela Requerente." 1/ O Perito tinha acesso a um projecto de obras e era com base nesse projecto que teria de se fundar quanto a obras realizadas, materiais utilizados e medições e, eventualmente, em caso de dúvida da existência ou do custo, não as poderia ter contabilizado. J/ A segunda inexatidão detectada foi a confusão feita entre o valor do edificado e o valor das benfeitorias, detectando-se menções, ao longo do relatório que suscitam dúvidas quanto ao valor apurado: "o valor do imóvel será estimado como o valor que teria se fosse construído de novo(...) Do valor agregado dos custos de construção e do terreno, obtemos o seu valor." pg. 11, ponto 4.5; "Assim, o valor actual do edificado será de: C= 166.816,00€ * (1-12.9/100) = 145.297,00" K/ Para depois se concluir que esse mesmo valor corresponde ao valor das benfeitorias. L/ E apesar do Perito referir que não foi calculado o valor do imóvel, constata se que no seu relatório contabiliza duplamente a construção nova e a reconstrução, dado que encontra o valor destas: "Construção nova R/c 53.600,00; Reconstrução 78.000,00", o qual resulta num valor de 131.600,00€, pela portaria para o regime de renda condicionada. E acrescenta a esse valor, os custos de construção da varanda, tela cerâmica, grades, no valor de 2.595,00€ e também telha Sandwich / caleiras no valor de 7.400,00€. Ora estes valores já são previstos no valor das rendas condicionadas, já que corresponde ao valor por m2 de um prédio de construção corrente na sua totalidade, pelo que novamente detectamos um erro na apreciação do Sr. Perito. M/ O preço base fixado no relatório pericial foi de €670,00 com 20% de majoração, o que se entende ser muito elevado, quando não existe aquecimento central, entre outras comodidades, indispensáveis nos dias de hoje para que esta majoração ocorra. N/ A par disto, no método de custo calcula-se o valor da habitação como se fosse construção nova, descontando-se no final o valor depreciado, tendo em conta os anos da habitação, estética, conforto e depreciação dos materiais. O que se denota no relatório é que o valor aumenta em relação ao preço de novo, ou seja, de €657,00/m2, para €670€/m2, o que não se compreende. O/ Outra inexatidão detectada e não esclarecida encontra-se relacionada com o valor atribuído para a reconstrução, como sendo 90% do valor de construção nova, atribuindo-se €600,00/m2 (valor das benfeitorias por m2). Este valor por m2 é o valor usado para construção nova, e como refere no relatório, o Senhor Perito teve por base a portaria das rendas condicionadas, o que torna perceptível que o perito não teve em conta o já existente e ainda assim contabilizou trabalhos como acima referidos que são inerentes a construção nova. P/ Por fim, foi detectado um erro na majoração em 2% sobre o valor de construção, o que não se entende, já que os valores de projetos, licenças e outros já são inerentes ao preço por m2 encontrado de acordo com o método de custo. Q/ O perito utilizou o cálculo das rendas condicionadas, conforme deu conta no seu relatório. De acordo com a fórmula de cálculo das rendas condicionadas prevista no Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de Dezembro, não se estabelece os encargos de projectos, licenças, etc. Logo, não se compreende a majoração de 2% que insistiu em manter. R/ O perito usou o cálculo de rendas condicionadas e simultaneamente denomina-o de cálculo pelo método do custo, majora factores usados no método do custo e aplica-o no cálculo de rendas condicionadas. 5/ Em 19 pedidos de esclarecimento, o Senhor Perito não responde a seis deles, remetendo para o relatório, sendo que nas restantes pouco ou nada esclarece quanto a medições e opções pelos valores encontrados e confunde diferentes métodos de cálculo. T/ Todas estas incongruências, erros grosseiros quanto ao método aplicável e parcialidades fazem suscitar dúvidas quanto ao teor do relatório pericial, o que foi devidamente explicado nos requerimentos juntos aos autos, pelo que, salvo o devido respeito, não foi o mero desacordo pelo teor do relatório que levou o Cabeça de Casal a solicitar segunda perícia, antes erros concretamente apontados ao método de cálculo e à aceitação, por parte do Perito, de sugestões de apenas uma das partes, o que fere o princípio da igualdade das partes e torna este importante meio de prova obscuro e enviesado. Pelo que, mal andou o tribunal a quo ao entender que o Recorrente não justificou devidamente o pedido de realização de segunda perícia. Vide pontos 20. º a 91. º supra. Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita a realização de segunda perícia, desta feita colegial. NB: bold da nossa autoria. * Não houve resposta às alegações.COLHIDOS OS VISTOS, CUMPRE DECIDIR II. FUNDAMENTAÇÃO A) DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a questão a apreciar é se existe fundamento legal para a realização de uma segunda perícia. B) DECISÃO RECORRIDA Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o teor da decisão recorrida. Requerimentos que antecedem: Vem o cabeça de casal requerer que seja ordenada a realização de uma segunda perícia, invocando, para o efeito, que o relatório pericial não transcreve ou tem em atenção a posição do cabeça de casal quanto àquela que é a sua posição sobre as benfeitorias efetivamente levadas a cabo pelo extinto casal, apenas fazendo constar a posição da requerente deste inventário, deixando-se vertido tudo quanto por ela foi dito e aceitando valores sem qualquer suporte documental (por ex. faturas) referidos quanto ao custo de determinadas obras. Aponta ainda terem sido vários os erros cometidos, alegando que o senhor perito teve como preço base o valor €670 com 20% de majoração,o que no seu entender, é muito elevado, sendo que não existe aquecimento central, entre outras comodidades, indispensáveis nos dias de hoje para que esta majoração ocorra; no método de custo calcula-se o valor da habitação como se fosse construção nova, descontando-se no final o valor depreciado, tendo em conta os anos da habitação, estética, conforto e depreciação dos materiais; o que se denota no relatório, é que o valor aumenta, em relação ao preço de novo, ou seja de 657,00/m2 para 670/m2, o que não se compreende; no valor da reconstrução foi considerado como sendo 90% do valor de construção nova, dando 600,00/m2 (valor das benfeitorias por m2) sendo que, no máximo, essas obras poderão valer 50% do valor da construção nova, dado que já existiam, por exemplo, cobertura, paredes exteriores, vãos, bem como toda a estrutura em grosso, sem falar em partes de eletricidade, saneamento e outros; o valor de construção encontrado no relatório foi majorado em 2%, o que não se entende, já que os valores de projetos, licenças e outros já são inerentes ao preço por m2 encontrado de acordo com o método de custo. Acrescenta ainda que os valores atribuídos para a telha tipo sandwich estão sobrevalorizados (o valor de mercado é de 30,00/m2), bem como as portas de alumínio dos arrumos que rondarão os 700 Euros (atento o facto de os arrumos já pré-existirem), e que o mesmo ocorre quanto aos motores elétricos dos portões e respetiva preparação das pedras, que somarão o máximo de 1.000,00 Euros e nunca os 3.000,00 Euros apontados pelo Perito (que aceitou o valor dito pela requerente sem confirmação de valores de mercado). Pronunciando-se, a interessada pugnou pelo indeferimento do requerido. Ora, apreciando, adianta-se, desde já, que se indefere o requerido pelo cabeça de casal, pela seguinte ordem de razões: Dispõe o artigo 485º do Código de Processo Civil, no seu nº 2 que “se partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações” . O relatório padece de deficiência quando “não considera todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia” e de obscuridade sempre que não se vislumbre “o sentido de alguma passagem ou esta pode ter mais de um sentido” Por seu turno, o relatório padecerá de contradição quando “entre os vários pontos focados pelos peritos, sendo a perícia colegial” se revelem incoerências, ou, ainda, falta de fundamentação suficiente sempre que as conclusões dos peritos não se mostrem devidamente fundamentadas (cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 518). O cabeça de casal aponta a sua discordância quanto ao valor atribuído pelo Sr. perito ao metro quadrado. Neste ponto, cumpre referir que não vislumbra o Tribunal qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial. As respostas foram dadas pelo senhor perito, de acordo com o que lhe foi perguntado e atendendo, não à sua perceção subjetiva (necessária e inerente a qualquer apreciação, porque feita por homens), mas sim a dados concretos de que foi possível socorrer-se, designadamente, os elementos constantes dos autos. O relatório pericial está, assim, devidamente fundamentado, e são perfeitamente compreensíveis as respostas que alcançou, face aos critérios enunciados. O que nos parece é que o cabeça de casal não concorda com as respostas obtidas, quando para nós é certo que as respostas do senhor perito estão perfeitamente justificadas, tendo elaborado o seu relatório começando por uma caracterização da construção, passando para a avaliação e terminando com a sua conclusão. No que diz respeito, em concreto, à realização de segunda perícia, prescreve o artigo 487º nº 1 do CPC que “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado que a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta. Assim, é exigido à parte que requer esta segunda perícia que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente. Ainda lhe é exigido que o faça no prazo de dez dias, a contar da notificação do relatório pericial. Face a isto, e em primeiro lugar, cumpre referir que o cabeça de casal veio, em tempo, requerer a realização desta segunda perícia, porquanto só após a notificação dos esclarecimentos prestados, poderia fundadamente invocar as razões da sua discordância, entendendo-se, por conseguinte, que o prazo de dez dias se conta a partir desta notificação. No entanto, o cabeça de casal apesar de tecer algumas considerações acerca do relatório pericial apresentado, alegando não se conformar com os esclarecimentos prestados, não alega fundadamente as razões da sua discordância. Ou seja, o cabeça de casal não alega por que razão considera não haver acerto na perícia apresentada, limitando-se a plasmar a sua discordância quanto aos esclarecimentos prestados, estribando-se, no fundo e apenas, na não concordância com o resultado final obtido no relatório pericial. Na verdade, daquilo que se infere, as razões da sua dissonância respeitam ao fundo da peritagem e não a quaisquer dúvidas criadas por deficiências ou inexatidões da perícia. Se existem inexatidões, o cabeça de casal não logrou apresentar as mesmas, expondo, como podia e devia, as razões da sua discordância de forma fundamentada. Nestes termos, atentos os fundamentos invocados e sem necessidade de mais considerandos, indefere-se o pedido de realização de segunda perícia, por inadmissibilidade legal. Notifique.” C) APRECIAÇÃO DA QUESTÃO EM RECURSO. Vejamos. Da (in)admissibilidade legal. O recorrente enceta a discussão relativa à admissibilidade, ou não, de uma segunda perícia, no âmbito de um processo de inventário, centrando-se na controvérsia doutrinária e jurisprudencial surgida a partir de 2019 com o aditamento ao Código de Processo Civil do artigo 1114º com a epígrafe “avaliação” e que reza o seguinte: 1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. 2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens. 3 - A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se: a) O juiz entender necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial; b) Os interessados requererem perícia colegial e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens. 4 - A avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso.” Na verdade, após o aditamento do artigo 1114º, nº 3 do CPC operado pelo o artigo 5º da Lei 117/2019 de 13.09), surgiram, grosso modo, duas posições: - aquela que defende que a introdução de tal artigo não afasta o regime geral da prova pericial, consagrado nos artigos 487º a 489º, aplicável subsidiariamente ao processo de inventário, por força do disposto no artigo 549º do CPC. O artigo 1114º do CPC apenas define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário. - aquela que entende que a introdução de tal artigo, ao tirar a remissão para os artigos 487º a 489º do CPC, nega a admissibilidade de realização de uma segunda perícia. Assim, a título meramente exemplificativo, ver: - Acórdão da Relação do Porto de 04 de Maio de 2022 tirado no processo 646/20.0T8VFR.P1 onde se lê “A melhor interpretação deste preceito é a de que o mesmo define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário, mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549º nº 1 do CPC (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa e outros, “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, p 115). - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2019, retirado no processo 537/14.4T8FAR.E1.S1 “I Resulta do artigo 2109º, nº1 do CCivil que o valor dos bens doados é o que os mesmos tiverem à data da abertura da sucessão, mas se sobrevier um valor superior do bem por via de uma avaliação requerida por algum dos interessado é este o valor a ter em conta a não ser que os demais interessados o contestem, e se o contestarem esse valor nunca poderá ser tomado em atenção para efeitos de partilha, sem mais. II Este regime específico do processo de inventário não se coaduna com o regime geral das avaliações, nomeadamente, quanto à necessidade de requerer uma segunda avaliação no prazo de dez dias a contar da notificação do resultado da primeira avaliação, nos termos dos dispositivos aludidos nos artigos 589º a 591º do CPCivil, o que significa que a decisão que indeferiu, sem mais, aquela diligência, não se pode manter. III Tendo em atenção o disposto no artigo 1353º, nº4, alínea a) do CPCivil na redacção dada pelo DL 227/94, de 8 de Setembro aqui aplicável, é à conferência de interessados que compete deliberar das reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados e sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança. IV Em tema de processo de inventário há lugar a uma segunda avaliação quando os interessados, na conferência, não acordem no valor a atribuir aos bens e requeiram a sua efectivação: este regime específico do processo de inventário não se coaduna com o regime geral das avaliações, nomeadamente, quanto à necessidade de requerer uma segunda avaliação no prazo de dez dias a contar da notificação do resultado da primeira avaliação, nos termos dos dispositivos aludidos nos artigos 589º a 591º do CPCivil. - Acórdão da Relação de Coimbra de 10.05.2022, tirado no processo 1734/20.9T8FIG-B.C1” A letra do art.º 1114º do CPC que excluiu a remissão para o "preceituado na parte geral do Código" ou para o “disposto no Código de Processo Civil quanto à prova pericial” deve ser interpretada no sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime de uma única avaliação. Ademais, o facto de se prever que a avaliação deve ocorrer, em regra, num prazo limitado de 30 dias, constitui um elemento que converge para a ideia de que só existe uma única avaliação no processo de inventário. De harmonia com a letra da lei como do seu espírito, entendemos que não é admitida uma segunda avaliação no processo de inventário. De harmonia com a letra da lei como do seu espírito, entendemos que não é admitida uma segunda avaliação no processo de inventário.” - Acórdão da Relação de Coimbra de 27.06.2023, tirado no processo nº 127/20.2T8FIG-A.C1” Com a reforma do processo de inventário, constante da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, as alterações introduzidas ao regime da “avaliação” de bens, previsto no artigo 1114.º do CPC, estabelecendo uma disciplina específica e eliminando a anterior remissão que, quanto a esta matéria, era feita para a parte geral do código, leva-nos a negar a admissibilidade de realização de uma segunda “perícia”, nos termos previstos nos artigos 487.º a 489.º do CPC. - Acórdão da Relação de Guimarães de 11.01.2024, tirado no processo 3281/21.2T8VCT-A.G1” 1. Em processo de inventário ao qual é aplicável o regime instituído pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro, é admissível a realização de segunda perícia, desde que reunidos os requisitos previstos no art. 487º CPC” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.02.2024, tirado no processo 1621/20.0T8PVZ-A.P1:” I - A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem. II - O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados. III - Realizada a perícia e notificado o respectivo relatório às partes, o legislador estabeleceu duas formas diversas de reacção que são distintas e compatíveis: a reclamação nos termos do artigo 485.º (no caso de existirem deficiências, ou contradição ou obscuridade no relatório) e a realização da segunda perícia nos termos do artigo 487 do CPCivil. IV - A prova pericial, está sujeita, na respectiva produção, a um determinado número de regras de direito probatório formal. V - Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (artigo 487º do CPcivil. VI - Apresentando a parte requerimento enunciando os aspectos que considera deverem ser corrigidos o tribunal deve deferir a realização da segunda perícia, independentemente de avaliar se existe fundamento valido para essa discordância, sendo que só o carácter dilatório ou sem qualquer fundamentação constitui causa de indeferimento do requerimento para realização de segunda perícia. VII - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta. VIII - A reclamação deduzida quanto á prova pericial, que visa complementar ou dar coerência á perícia, será indeferida, quando não se demonstre qualquer deficiência concreta ou obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou quando essa reclamação ultrapasse o objecto pericial e esteja apenas a ampliar ou a modificar o seu objecto fixado” Como decidir? Entendemos que se deve fazer uma interpretação mais ampla do artigo 1114º do Código de Processo Civil, considerando que se a lei não dispõe de forma expressa sobre a inadmissibilidade da segunda perícia, deve entender-se o aditamento do artigo 1114º como uma forma de definir algumas especificidades próprias do regime do inventário, mas que não afasta a aplicabilidade do estabelecido, quanto a este tipo de prova, no processo declarativo. Preceitua o artigo 549.º, n.º 1 do CPC que «[o]s processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum». Tal como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, em anotação a este último preceito, «[s]em prejuízo da adequação formal, quando necessária ou conveniente, o princípio da especialidade e da legalidade das formas processuais implica que a tramitação dos processos especiais obedeça sucessivamente à regulamentação específica, às normas gerais e às normas do processo declarativo comum». Concordamos, inteiramente, com o que é dito no Acórdão da Relação de Guimarães de 11.01.2024, já supra citado: “De facto, os processos de inventário são daqueles em que a determinação do valor de bens reveste maior importância, sobretudo no caso de imóveis. Seria estranho que o legislador, consagrando a figura da segunda avaliação para o processo comum, viesse proscrevê-la no caso do inventário. O que está em causa, bem vistas as coisas, é a busca da verdade material. Sendo, ou podendo ser da maior importância, determinar com rigor o valor de uma determinada verba, e se a avaliação realizada deixou algumas dúvidas sobre a sua certeza e correcção, parece-nos inteiramente óbvio que o caminho a seguir poderá ser o da realização de uma segunda perícia. Não vemos por que razão se deveria excluir a priori tal solução.” Note-se que, no início deste acórdão, não indicámos como questão a tratar a de saber se o artigo 1114º, n.º 3 do CPC, aditado pelo artigo 5º da Lei 117/2019, de 13.09, norma que estabelece o regime legal da avaliação dos bens no processo de inventário, comporta, ou não, a segunda perícia. Isto porque, não obstante o recorrente ter aludido a esta questão, a Sr. Juiz indeferiu a realização da segunda perícia porque a mesma era inadmissível na medida em que, no seu entender, não havia qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial e as questões levantadas pelo ora recorrente não estavam devidamente fundamentadas. De uma forma implícita, a Sr. Juiz admite a possibilidade da realização de uma segunda perícia no processo de inventário. Este tribunal de recurso, porque comunga do mesmo entendimento, sentiu necessidade de o explicar pois, caso contrário, o recurso soçobraria, à partida, por inadmissibilidade legal da existência de uma segunda perícia no âmbito do processo de inventário. Aqui chegados, surge, então, a questão fulcral: existe fundamento para a realização de uma segunda perícia? Como diz a Sr.ª Juiz, de facto, o recorrente não concorda com o resultado da perícia. Porém, ao contrário do que é afirmado no mesmo despacho, entendemos que o recorrente fundamenta as razões da sua discordância e invoca as inexactidões da perícia. Lembremo-nos que o objecto da perícia era a avaliação das benfeitorias realizadas sobre o prédio de propriedade total, destinado a habitação, sito na Av. ..., União de Freguesias ... e ..., concelho de Lousada, realizadas pelo extinto casal. Esta avaliação, dizemos nós, pressupõe que as benfeitorias estejam perfeitamente identificadas. Ora, da leitura do relatório pericial, tal não resulta. Se por um lado, parece que as benfeitorias seriam aquelas que resultaram de “obras de renovação / alteração, de acordo com projeto aprovado na Câmara Municipal no ano de 2006, ao nível do rés do chão” – cfr. Página 10 do relatório – o Sr. Perito avaliou áreas que não foram intervencionadas ao tempo desse projecto – veja-se a cave. Impõe-se uma clarificação de quais são as benfeitorias a avaliar e, em caso de dúvida, proceder à sua avaliação, mas salvaguardando que não é pacífica entre os interessados essa qualificação, a qual terá que ser resolvida de um outro modo que extravasa a perícia. Além disso, sem que do relatório conste que o Sr. Perito se socorreu de qualquer documento, designadamente facturas que lhe tivessem sido entregues pelas partes, ou que as tivesse solicitado, limita-se a “considerar aceitável” alguns dos valores indicados pela “autora”. Por outro lado, concordamos com o recorrente quando entende haver uma certa ambiguidade na forma de tratamento das benfeitorias e do prédio em si. A certa altura do relatório, as realidades confundem-se. Tudo para dizer e sem necessidade de mais considerações, que entendemos existir fundamento para a realização de uma segunda perícia. III. DECISAO Pelo exposto, acordam os juízes desta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso interposto, revogando o despacho em causa e determinando que seja substituído por outro que determine a realização de uma segunda perícia. Sem custas. DN Porto,08 de Outubro de 2024 (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos) Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990. Raquel Correia Lima Rui Moreira Rodrigues Pires |