Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALEXANDRA PELAYO | ||
Descritores: | AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO CAUSA DE PEDIR PRESUNÇÃO DO REGISTO | ||
Nº do Documento: | RP202406181176/21.9T8LOU.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A ação de reivindicação é uma ação de defesa da propriedade, em que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real alegado - o direito real de gozo, violado com a posse ou a detenção do demandado. II - Assim, o autor deve invocar e provar o facto jurídico aquisitivo do seu direito sobre a coisa, ou seja, o facto jurídico de que tal direito real deriva, assim como a detenção ou a posse pelo réu da coisa reivindicada, como factos constitutivos do seu direito (art.º 342º, nº 1 do C.C), a menos que beneficie de alguma presunção legal, caso em que se inverte aquele ónus da prova (art.º 344º nº 1do CC), ficando então o demandado onerado com o encargo da demonstração de que o autor não é titular do direito invocado. III - A presunção de registo ( art. 7º do CRP), dispensa assim os autores da prova que remonte a um título originário de aquisição do direito real invocado, nomeadamente a prova por usucapião. IV - Porém, porque tal presunção não abrange a descrição física do prédio apenas incidindo sobre os factos inscritos, o autor não está dispensado de fazer prova da área, composição, confrontações e limites do prédio, em ordem a demonstrar que a coisa (a parcela de terreno) reivindicada é parte integrante do prédio de que é proprietário. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1176/21.9T8LOU.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de Lousada
Juíza Desembargadora Relatora: Alexandra Pelayo Juízes Desembargadores Adjuntos: Artur Dionísio Oliveira Márcia Portela
SUMÁRIO: …………………….. …………………….. ……………………..
Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO: AA, NIF ...81 e marido BB, NIF ...73..., residentes na Rua ..., ... ..., e CC, NIF ...43..., intentaram a presente ação declarativa de condenação contra DD, NIF ...87..., residente na ..., entrada ......, ......, ... ..., peticionando, em suma, o reconhecimento de que integra o prédio que invocam pertencer-lhes uma área de 600 m2, por si identificada em 13 e 14 da sua petição, e que o réu ocupou e alterou com labores de movimentação de terras, pedindo a sua condenação a restituir aos autores essa parcela, livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior às obras que nela levou cabo, repondo a sua orografia, e a abster-se de perturbar a posse e direito dos autores sobre o prédio e parcela mencionadas, com o pagamento da quantia de €2.500,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais que a defesa do seu direito de propriedade implicaria, peticionando ainda a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada ato de perturbação da sua posse sobre os espaços em causa. Invocaram para o efeito, em suma, ter o réu ocupado um espaço de terreno que descrevem, com a área de 600 m2, confinante com um prédio do réu, ao ali efetuar obras de terraplanagem e de nivelamento, um aterro e construir um muro, tendo existido posteriormente negociações para aquisição do espaço pelo réu, sem sucesso, não tendo o réu retrocedido nessa ocupação, agindo com o fito de se apropriar do espaço, com má-fé, o que teria conduzido à apresentação do petitório em juízo. Citado, o réu veio contestar, alegando em suma, no que ao mérito da causa concerne, que a parcela em causa integra o prédio de sua propriedade, conforme marcações existentes no local, que descreve, tendo inclusivamente os autores aceitado os termos de demarcação aqui invocados pelo réu em conversações havidas com EE, proprietário confinante, e com o pai deste, FF, no âmbito de um contrato de permuta de terrenos, assim como pedido ao manobrador da máquina que fez os trabalhos de movimentação de terras e pedras por conta do réu que colocasse pedras no alinhamento dessa mesma linha separadora esgrimida pelo réu. Apresenta ainda pedido reconvencional onde demanda o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios que descreve e em particular a área em disputa, apodou ainda a conduta dos autores como representando litigância de má-fé, por deduzirem pretensão que sabem infundada e por alterarem a verdade dos factos, devendo ser condenados por tal conduta em montante nunca inferior a €5.000,00, concluiu pugnando pela improcedência da ação e pela procedência do pedido reconvencional por si formulado, com a condenação dos autores a reconhecer que o réu é dono e legítimo proprietário do prédio rustico identificado no art.º 122.º da reconvenção, referido como “...” – terreno de mato com uma presa inscrito na respetiva matriz rustica sob o n.º ...25 da freguesia ..., cidade de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob a descrição nº ...44/... com a área de 3.215 m2, reconhecendo ainda que esse prédio confronta a norte com prédio rústico das reconvindas e prédios rústicos do reconvinte e a poente com “A... Lda.”, abstendo-se de qualquer ato que possa perturbar ou impedir o pleno direito de propriedade do reconvinte sobre o terreno aqui em discussão de que é legítimo proprietário, e a reconhecerem que não têm qualquer título legitimo para ocupar ou dizer que são donos da parcela de terreno com 600 m2 aqui em discussão, porquanto pertenceria ao reconvinte por pleno direito de propriedade. Peticionou também em reconvenção a condenação dos autores a pagar-lhe uma indemnização no montante de €10.000,00 correspondente aos danos patrimoniais (danos emergentes) que a defesa do direito de propriedade implica, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção às reconvindas até efetivo e integral pagamento (reduzindo posteriormente o seu pedido para a quantia de €3.659,25). Responderam os autores, na réplica, reiterando a sua posição, impugnando a matéria reconvencional e negando a imputação invocada pelo réu, a quem, por sua vez, apontaram uma litigância de má-fé. Após audiência prévia e saneamento dos autos, enunciaram-se despacho saneador e temas de prova. Veio a ser realizado o julgamento e no final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “I. Pelo acima exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, reconhecendo-se o direito de propriedade dos autores sobre o prédio referido em 1, onde se integra a parcela de terreno referenciada em 8, condenando-se o réu a restituir aos autores essa parcela, livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior às obras que nela levou cabo, e a abster-se de perturbar a posse e direito dos autores sobre o prédio e parcela mencionados. II. Mais se absolve o réu do demais peticionado pelos autores. III. Julga-se ainda a reconvenção parcialmente procedente, condenando-se os autores a reconhecer o direito de propriedade do réu sobre o prédio referido em 14. IV. Mais se absolve os autores do restante pedido reconvencional formulado pelo réu. V. Custas na proporção do decaimento das partes.” Inconformado, o Réu DD veio interpor o presente recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. Com o presente recurso, o recorrente pretende alterar a matéria de facto provada, no sentido de dar como não provados os pontos 7 a 9 e 11 da matéria de facto provada e dar como provados os pontos B e C da matéria de facto não provada. 2. Preliminarmente, tem o recorrente a afirmar que os pontos 7 a 9 constituem conclusões e não factos, determinando que o Tribunal a quo não respeitou o disposto do artigo 5.º, nº 2, do C.P.C. (com a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”) e, consequentemente, não podia dar como provados os pontos 7º a 9º. 3. Iniciando pelos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa quanto ao ponto 7: 4. Documentos 1, 2, 3 e 7 juntos com a petição inicial. No ponto 7 da douta sentença recorrida, refere-se que o prédio indicado no ponto 1 da mesma tem a configuração constante do documento 7, junto com a petição inicial. 5. O prédio indicado no ponto 1 da sentença recorrida tem a área de 12080 m2: cfr. documento 1, 2 e 3, juntos coma p.i.. 6. O prédio constante do documento 7 tem, alegadamente, a área de 593,27 m2. 7. Entre o prédio indicado no ponto 1 da sentença recorrida e o constante do documento 7 existe uma diferença de área correspondente a 11482,77 m2. 8. Conclui o recorrente, desde logo, que não se pode estar a falar do mesmo prédio. 9. Por outro lado, o depoimento de GG também impõe decisão diversa da recorrida, sendo as seguintes as passagens do respetivo depoimento que o recorrente entende serem relevantes para esse desiderato: minuto 2’04’’ até ao minuto 2’20’’, a testemunha em questão afirmou que limpa os terrenos dos autores há cerca de 12 ou 13 anos, “mais bocado, menos bocado”; minuto 3’25’’ ao minuto 3’56’’, a testemunha afirmou que limpava o terreno dos autores desde o muro da casa do pai do EE, a direito, até umas carvalhas existentes abaixo desse local e quase à beira de uma presa; minuto 27’35 ao minuto 31’49, em que a testemunha afirmou categoricamente onde fica a “presa” que, ficando dentro do terreno do réu, servia como ponto de referência para traçar a linha delimitadora entre o terreno dos autores e do réu. - Minuto 28’00’’ ao minuto 28’40’’, com o seguinte teor, nas partes mais relevantes: “Meritíssimo Juiz: ...Nós estamos a ver a fotografia, só para que isso fique claro, a fotografia que foi junta na última sessão de audiência em julgamento, que foi junta pelo réu, é uma fotografia aérea que tem uma linha amarela, suponho que seja amarela, com três pontos... - Minuto 30’40’’ ao minuto 31’49’’, dos quais se transcrevem as partes mais relevantes, com o seguinte teor: GG: É encostada ali à borda deste campo, assim aqui. Mais ou menos por aqui a presa. Meritíssimo Juiz: Por aqui então vamos pôr para, pronto para se nos estiverem a ouvir, o Senhor GG está a apontar para uma área que fica um pouco acima…GG: Por aqui assim. Meritíssimo Juiz: Pronto, mais ou menos na direção da linha, mais ou menos na direção da linha há uma forma aparentemente triangular, irregular, azulada esverdeada pronto que o senhor diz que é roçado por aqui… 10. Resulta inequívoco do depoimento da testemunha em questão, que as limpezas de terreno que os autores lhe ordenavam para fazer e que a testemunha afirmou que fazia seguiam na direção da presa que a testemunha indicou, ou seja, no sentido e tendo como limite aa linha traçada a amarelo, constante do documento junto pelo réu na audiência de 14 de fevereiro de 2023. 11. Ainda sobre este ponto, é relevante e impõem decisão contrária os seguintes pontos concretos da gravação do depoimento da testemunha HH: minuto 2’00’’ ao minuto 4’00’’, em que a testemunha afirmou que o conhecimento que tem dos factos advém da circunstância de o pai do mesmo ter sido caseiro do Sr. II, pai das autoras, desde 1973 até 1989 ou 1990. minuto 41’06’’ até ao minuto 41’35’’, que, pela sua relevância, se passa a transcrever: - “Meritíssimo Juiz: Ó Sr. Doutor, como é que o senhor está à espera que este senhor, passado desde 1989, desde 1989, passaram 34 anos, está a ver, passaram 34 anos e o Sr. Doutor está a querer que este senhor veja esta borda e diga hoje, agora, que reconhece isto, está a ver, porque conhece muito bem. Ouça, este senhor já disse duas ou três coisas que são questionáveis. Que eu próprio digo: são, e eu vou ouvi-lo a seguir.”. 12. Nunca poderia o Tribunal sustentar, com base no depoimento desta testemunha, que a área do prédio referido em 1 tem a configuração da fotografia satélite junta pelos autores como documento sete, pois a testemunha, quando muito, só pode afirmar que o terreno tinha aquela configuração, há 34 anos atrás. Ainda, 13. Desde logo, afirma o recorrente que, por muito boa vontade que tenha, não consegue, sequer, visualizar na imagem junta pelos autores, ora em crise, os locais concretos por onde passam as linhas que o autor BB traçou no documento 7. 14. Impõe esta mesma conclusão o depoimento do autor, BB, ao minuto 35’55 a 37’35’’, ao minuto 40’55’’ a 41’08’’, em que o autor refere que a imagem está “com pouca resolução, com muito pouca resolução...”. 15. Se não consegue o próprio autor da imagem ver, no documento em questão, onde está implantado o polígono do documento 7 junto com a p.i., também não pode aferir por ali se aquele polígono corresponde ou não ao terreno reivindicado pelos autores. 16. Declarações da autora, AA: minuto 6’09’’ ao minuto 7’27’’, em que a autora afirmou que não sabia se alguém foi substituir o caseiro e que não estava “muito dentro das coisas”; minuto 30’42’’ ao minuto 31’28’’: questionada sobre se sabia se alguém tinha limpo o terreno, após o Sr. JJ, caseiro do terreno que os autores invocaram pertencer-lhes, ter deixado de o ser, respondeu que não sabia, que “não ligava a isso.”. 17. Da inspeção ao local, não permite a mesma aferir se os pontos nela indicados pelas partes correspondem aos documentos que juntaram, desde o início do processo, não tendo portanto o dom de fazer corresponder qualquer um dos pontos aferidos no local com os pontos que se veem no documento sete, junto pelos autores. 18. Já quanto ao ponto 8 da matéria de facto provada, o primeiro meio probatório que impõe decisão diversa da colhida pelo Tribunal a quo é, desde logo, a prova documental, constituída pela descrição do registo predial, junta pelo autor com a petição inicial, como documento 1. 19. O único depoente que se referiu às confrontações do prédio em questão foi o autor, BB, minuto 6’00’’ ao minuto 7’50’’, em que o depoente, questionado sobre as confrontações do prédio da Planície, concluiu que confina com quem o mesmo descreveu, na resposta dada. Sendo uma conclusão e não um facto, entende o recorrente que mal decidiu o Tribunal recorrido, nesta matéria. 20. Por outro lado, e no que à configuração dos limites da parcela reclamada pelos autores respeita, são os seguintes os pontos concretos da prova que determinam decisão contrária à adotada: 21. Depoimento da testemunha GG, minuto 2’04’’ até ao minuto 2’20’’, minuto 3’25’’ ao minuto 3’56’’, minuto 27’35 ao minuto 31’49, minuto 28’00’’ ao minuto 28’40’’. 22. Tendo a testemunha afirmado que as limpezas que realizou no terreno dos autores correspondem a uma linha reta, que se passa sensivelmente no mesmo sítio e no mesmo sentido da linha amarela assinalada pelo réu, no documento junto pelo mesmo na audiência de 14 de fevereiro de 2023, devia o Tribunal recorrido ter concluído que aquela é a linha divisória dos terrenos dos autores e do réu. 23. Por fim, e sobre este ponto da matéria de facto provada, tem o recorrente a afirmar que mal andou o tribunal recorrido, ao dar como provado que a parcela em litígio tem cerca de 600 m2, impondo esta mesma conclusão o depoimento do autor, BB, ao minuto 35’55 a 37’35’’, ao minuto 40’55’’ a 41’08’’, em que o autor refere que a imagem está “com pouca resolução, com muito pouca resolução...”. 24. Se o tribunal não consegue ver, no documento em questão, onde está implantado o polígono do documento 7 junto com a p.i., também não consegue aferir por ali se o terreno reivindicado pelos autores tem a área que é referida no mesmo documento, de cerca de 600 m2. 25. Já quanto aos pontos 9 e 11 da matéria de facto provada, impõem diversa decisão da adotada os seguintes meios probatórios concretos: declarações do autor, BB, a instâncias do mandatário do mesmo, do minuto 8’05’’ ao minuto 11’40’’, o autor refere que desde 1978, está encarregue de dirigir os terrenos em questão nos autos, sendo que, o autor não concretizou o que entende por estar encarregue. 26. Fica a questão de saber que atos concretos o autor teve conhecimento e praticou ou mandou praticar, para afirmar a posse: pagou o IMI do terreno? Mandou limpar o terreno? Ou, estando encarregue, não fez nada sobre o terreno sub iudice? 27. Mas, mais importante, não afirmou qualquer utilização que tenha dado à parcela de terreno em litígio, no processo que aqui o opõe ao réu, ou, sequer, qualquer ato que tenha praticado sobre essa parcela de terreno. 28. Além disso, e também sobre este ponto da matéria de facto, impõe decisão diversa o declarado pela testemunha GG, nos seguintes trechos da prova gravada: minuto 2’04’’ até ao minuto 2’20’’, minuto 3’25’’ ao minuto 3’56’’, minuto 27’35 ao minuto 31’49, minuto 28’00’’ ao minuto 28’40’’, aqui se dando por reproduzido o que acima se transcreveu, sobre a linha até onde a testemunha em questão afirmou que limpava o terreno dos autores (por referência ao documento junto pelo réu, em 14 de fevereiro de 2023). 29. Conjugando os depoimentos supra referidos do autor BB e da testemunha GG, devia o Tribunal recorrido ter concluído que o autor não provou que mandou limpar especificamente aquela parcela; 30. E que o GG não limpava aquela parcela, pois como referiu a testemunha, limpava sensivelmente na direção tomada pela linha amarela que o réu traçou no documento junto em audiência, em 14 de fevereiro de 2023, e da presa que ainda hoje ali existe e o réu assinalou, perante o Tribunal. 31. Ainda, tem o réu a afirmar que a testemunha HH em nada pode contribuir para a prova da posse dos autores, pelo menos, nos últimos 34 anos, sendo os seguintes os trechos das respetivas declarações gravadas que impõem decisão diversa da adotada pelo Tribunal recorrido: minuto 2’00’’ ao minuto 4’00’’, minuto 41’06’’ até ao minuto 41’35’’. 32. Não podia o Tribunal recorrido afirmar o supra indicado e, na douta sentença, fundar a sua convicção da posse sobre a parcela de terreno sub iudice no depoimento da testemunha em causa, por ser conhecedor do local desde pequeno, já que, a testemunha em apreço afirmou que, nos últimos 34 anos, não tem qualquer conhecimento sobre os factos, nomeadamente, sobre quaisquer atos que possam determinar a posse, pelos autores. 33. Por fim, e sobre a matéria dada como não provada nos pontos B e C, são os seguintes os meios probatórios concretos que impõem decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo: depoimento de parte do réu, 1:01’53’’ até 1:02’50’’, depoimento de KK, de 19 de maio de 2023, 2’06’’ até 3’50’’8’54’’ a 10’15’ e 11’55’’ a 12’20’’’ e depoimento de GG, já supra indicado, 28’00’’ a 28’40’’. 34. Porque dos depoimentos em causa resulta inequívoco que o réu, por si e pelos respetivos antecessores, tem a posse do terreno sub iudice, pois há mais de 45 anos ali recolhe mato para o gado e limpa o terreno, de forma contínua, à vista de toda a gente e sem oposição seja de quem for, entende o recorrente que o Tribunal dispunha de factos resultantes dos depoimentos que dão corpo ao alegado pelo réu, nesta matéria, devendo ter dado como provados os pontos B e C da matéria de facto não provada. Do Direito 35. Fundamenta os Tribunal a formação da sua convicção nos “depoimentos das testemunhas HH e GG” e bem assim nas “fotos”, “vídeo”, “planta” e “elementos camarários” trazidos pelas partes e bem assim o percecionado em “inspeção ao local.” Porém, 36. NÃO EXPLICA O SR. DR. JUIZ AS RAZÕES DA CREDEBILIDADE OU A FORÇA DECISIVA RECONHECIDA A ESSES MEIOS DE PROVA. Não analisou criticamente as provas, não especificou de forma racional, coerente e lógica os fundamentos que foram decisivos para a respetiva convicção em com respeito a esses meios de prova. 37. Face à atual relevância – constitucional e legal – da exigência de fundamentação, é cometida uma nulidade que sendo insuprível, deve determinar a NULIDADE DA SENTENÇA e a anulação do julgamento com base numa omissão essencial e relevante de fundamentação. Sem conceder, 38. As áreas e confrontações que constam das cadernetas prediais e da descrição predial, são contraditórias entre si e com a descrição feita pelas autoras na petição inicial. 39. Para se poder concluir que o prédio rústico referido em 1º da petição, inclui a referida a parcela de terreno, caberia ás AA na petição, alegar factos concretos que o demonstrassem, o que os autores não fizeram. 40. Acontece que, em sede de fundamentação de direito, a sentença vem a concluir, sem qualquer base factual concreta, que a posse das AA. da parcela de terreno reivindicada, por si e antecessores havia sido por mais de 20 anos e que tal posse foi pública pacífica e contínua. 41. Os pedidos formulados pelas AA parecem apontar em primeira linha para uma ação de reivindicação, e assim sendo, recairia sobre elas o ónus de alegação e prova, em todas as suas cambiantes, de uma forma de aquisição originária da propriedade (como a usucapião – art.1287º do C.C.) ou a presunção resultante do registo predial, sob pena de a sua pretensão ser desatendida. 42. Não abrangendo a presunção registral as características do prédio inscrito (realidade física), não estavam as AA. dispensadas de fazer a prova da aquisição originária da referida parcela, juntamente com a prova dos factos em que se traduz a alegada ocupação abusiva, por parte do réu. 43. Porém, da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido, não resulta a concreta área dos prédios, confrontações e as concretas delimitações da área supostamente ocupada pelo réu. 44. Não constam dos autos, todos os elementos necessários que permitam ao tribunal, em concreto, reconhecer que a parcela de terreno reivindicada pelas AA faz parte do prédio de que dizem ser proprietárias. De igual forma, 45. Não constando dos pedidos e da causa de pedir a fixação das estremas entre os dois prédios, não poderia o Tribunal considerar que “A área do terreno referido em 1 tem a configuração constante da fotografia de satélite junta pelos autores como documento sete”. 46. Pois não estamos (aparentemente) perante uma ação de demarcação, que tem como pedido a fixação das extremas entre prédios confinantes, cuja linha divisória é incerta ou tornou-se duvidosa (artº 1353º do C.C.). Acresce que, 47. Autoras (petição inicial) e réu (reconvenção) alegam que a parcela de terreno de 600m2 faz parte integrante do respetivo prédio. Mais alegam, cada uma das partes, que há mais de 20 anos, detém o uso e fruição do seu prédio com a parcela de terreno em disputa, como parte da mesma unidade económica e predial. Uma e outra partes administraram-na e conservaram-na, dela recolheram proveitos ao longo desse tempo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente de uma ou de outra, qualquer delas na convicção de que lhe pertence por ser parte integrante do seu prédio. 48. Aparentemente estão, assim, reunidos os requisitos da posse necessários à aquisição da parcela por usucapião relativamente a qualquer das partes. Neste conspecto, a posse das AA. e a posse do R. coexistem, sobrepõem-se e são concorrentes e incompatíveis entre si, por serem duas posses de dois titulares singulares diferentes, nos termos do direito de propriedade exclusiva de cada uma das partes. 49. Estamos, no caso, perante um conflito de posses - a posse das AA. e a posse do R. sobre a parcela de terreno com 600 m2 como parte integrante do prédio de cada um deles - que se resolve pela prevalência da melhor, que, por regra, é a mais antiga quando ambas as posses são tituladas. Se Tiverem igual antiguidade a melhor posse é a atual – artº. 1278º nº3 do C.C. Ora, 50. Da comparação do ponto 5 com o ponto 15 dos factos provados resulta grande coincidência quanto ao modo como as AA. e o R. têm vindo a exercer a posse de cada um: em ambos os casos o Tribunal considera que, cada uma das partes “há mais de 20 anos que do referido prédio retira todas as utilidades que o mesmo lhe pode proporcionar, nomeadamente recolhendo matos e lenhas, semeando e retirando produtos da terra, e periodicamente fazendo a sua limpeza, suportando os respetivos custos, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e na convicção de que exerciam poderes sobre a coisa que lhes pertencia, e na convicção de não prejudicar interesses ou direitos alheios.” 51. Considerou o Tribunal que o réu/reconvinte, pelo menos desde final de 2020, é possuidor da referida parcela. Pelo que, 52. Não existindo prova da posse mais antiga, a posse que deveria prevalecer era a posse do possuidor, ou seja o RÉU/RECONVINTE por ser a atual, sendo que, como possuidor atual o réu sempre poderia juntar a sua posse à posse do seu antecessor (o seu pai) uma vez que adquiriu a posse por um dos modos de transmissão da posse que o direito reconhece, independentemente da validade do título de transmissão – artº 1268º e 1278º nº3 do C.C. Acresce ainda que, 53. O Tribunal deu procedência dos pedidos das AA com base na aquisição originária da propriedade daquela parcela de terreno (usucapião). 54. Porém, com base na usucapião, necessário se torna provar a posse sobre o objeto concreto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade. 55. Ora, a posse é integrada por dois elementos: o corpus, o seu elemento material e o animus, consistente na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto. 56. E, a posse exerce-se sobre uma coisa concreta, ou seja, o direito abstratamente considerado que se adquire é sobre a coisa concreta possuída. Porém, 57. Da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido, não resulta a concreta área dos prédios e as concretas delimitações da área supostamente ocupada pelo réu e a sua concreta implantação no terreno. 58. Assim, não constam dos autos, todos os elementos necessários que permitam ao tribunal, em concreto, reconhecer que a parcela de terreno reivindicada pelas AA faz parte do prédio de que dizem ser proprietárias (nomeadamente qual a área concreta dos prédios dos AA e réu, suas confrontações reais e concretas, e localização de linha divisória dos prédios). 59. Houve assim ERRO DE JULGAMENTO por erro na interpretação e aplicação do disposto nos ARTºS 342º, 562º, 566º nº2 e 3 e 1305º do C.C. e consequentemente, deve ser revogada a decisão do douto tribunal “a quo”. De igual forma, 60. O recorrente entende que sobejam provas de que tal processo lógico-indutivo não foi convenientemente acolhido pelo Tribunal, não correspondendo àquilo que resulta da prova, e daquilo que resulta chega a haver violação daquelas que são as regras de experiência comum e a perspetiva do homem médio na apreciação da prova, 61. O Tribunal apreciou a prova de forma arbitrária. 62. De facto, há manifesta contradição entre a matéria dada como provada e a fundamentação, desde logo porque o Tribunal dá como provado que a parcela de terreno objeto dos autos faz parte do prédio propriedade das AA sem qualquer prova que o sustente, com base em juízos e conclusões jurídicas. 63. Por outro lado, não constando dos pedidos e da causa de pedir a fixação das estremas entre os dois prédios, não poderia o Tribunal considerar que “A área do terreno referido em 1 tem a configuração constante da fotografia de satélite junta pelos autores como documento sete”. 64. No que à apreciação da prova respeita, reitera-se o já afirmado nos pontos 45 a 49, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 65. Assim, ao decidir desta forma, sem ter fundamento para tal, o tribunal condicionou desde logo o direito do recorrente, sem fundamentar devidamente, o que não permite discernir quais os critérios objetivos, que permitiram estabelecer o substrato racional da convicção do Tribunal. Nem permite igualmente compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência. 66. Por fim, violou o Tribunal “a quo” o artº 6º nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o direito a um processo equitativo quando valorou prova que não existe (nomeadamente das testemunhas HH e GG), não valorou outra (nomeadamente documental) sem quaisquer fundamentos, violou as regras da experiência comum, e os institutos da posse e usucapião. 67. Face à arbitrariedade da apreciação, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova e, em conformidade, julgar inequivocamente que a resposta deveria ter sido outra, considerando que improcedentes os pedidos das AA e procedentes os pedidos reconvencionais com as legais consequências. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, revogar-se a sentença em crise, substituindo-a por outra que atendendo à pretensão da requerida, declare os vícios supra apontados e consequentemente: 1- Declare a NULIDADE DA SENTENÇA por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC; 2- Declare que houve ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, que impõe seja dado como PROVADO os pontos B e C da matéria de facto não provada, e como não provado os pontos 7 a 9 e 11 da matéria de facto provada; 3- Declare que houve ERRO DE JULGAMENTO por erro na interpretação e aplicação do disposto nos ARTsº 1251º, 1268º, 1278º n3, 1287º, 1311º, 1348º nº1 do C.C. do C.C. e violação dos institutos da posse e usucapião; 4- Declare que o tribunal “a quo” violou o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º da CRP, quando não valorou prova (nomeadamente documental) sem quaisquer fundamentos, violou as regras da experiência comum. Consequentemente, Deve a sentença em crise ser revogada nesta parte e substituída por outra, que considere procedentes os pedidos reconvencionais e improcedentes os pedidos formulados pelas autoras, Com isso fazendo V. Ex.ªs inteira e cabal Justiça!” Contra-alegaram os Autores, pugnando pela improcedência do recurso. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito meramente devolutivo – v. art.os 644.º, n.º 1, al. a), 645.º e 647.º, n.º 1 e n.º 3 a contrario sensu, todos do CPC. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - OBJETO DO RECURSO: Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes: - nulidade da sentença; - erro de julgamento da matéria de facto- modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação; - erro de julgamento na aplicação do direito e; - arbitrariedade na decisão e violação do direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º da CRP.
III-FUNDAMENTAÇÃO[1]: Na sentença, foram julgados provados os seguintes factos: 1. A autora AA adquiriu ¼ do prédio rústico denominado ..., sito no Lugar da ... da freguesia ... do concelho de Lousada, descrito na Conservatória do Registo predial de Lousada sob o n.º ...56-... e inscrito na respetiva matriz no artigos ...25 e ...27, por doação que lhe fez a sua avó, LL, por escritura realizada no cartório notarial de Lousada no dia 31 de julho de 1970, e o outro ¼ indiviso por ter sido adjudicado ½ do aludido prédio em comum a si e a sua irmã (a autora CC) na partilha realizada por óbito dos seus pais, II e MM, a qual teve lugar por escritura outorgada no dia 16 de março de 2015. 2. Por sua vez a autora CC adquiriu ¼ do aludido prédio por doação que lhe fizeram os seus pais, II e MM, por escritura realizada no cartório notarial de Lousada no dia 16 de novembro de 1988, e o outro ¼ por partilha por óbito dos seus pais. 3. A autora AA registou na Conservatória do Registo Predial a aquisição por doação da sua avó LL pela Ap. ... de 1972/2/23, e de ¼ daquele mesmo prédio que adquiriu por partilha da herança de seus pais, pela Ap. ...54 de 2015/05/06. 4. A autora CC registou na Conservatória do Registo Predial a aquisição de ¼ do prédio por doação de seus pais pela Ap. ...8 de 2015/02/05 e ¼ daquele mesmo prédio que adquiriu por partilha da herança de seus pais, pela Ap. ...02 de 2015/05/06. 5. Há mais de 20 anos que os autores, por si e antecessores, curam daquele prédio, dele retirando matos e lenhas e cortando árvores para madeira enquanto aquele esteve arborizado, e procedem à sua limpeza, suportando os respetivos custos. 6. Fazendo-o sem oposição, à vista de toda a gente, na convicção de que assim o foram fazendo porque o prédio lhes pertencia e que não prejudicaram nem prejudicam interesses ou direitos alheios. 7. A área do prédio referido em 1 tem a configuração constante da fotografia de satélite junta pelos autores como documento sete. 8. Na sua estrema nascente, retratada na imagem junta pelos autores como documento sete, o prédio referido em 1 termina na sua parte nascente em ponta aguda, confina a sul com o terreno do réu e outro e a ponte com a parte restante do prédio referido em 1, tendo uma linha divisória que segue a direção do muro localizado à esquerda na fotografia n.º 4 colhida na inspeção ao local, terminando no local indicado na fotografia n.º 3 do auto de inspeção, com referência a um carvalho, e tem uma área aproximada de 600 m2. 9. Nessa parcela de terreno os autores sempre agiram como na restante área do prédio mencionado em 1, como descrito em 5 e 6. (Dos trabalhos realizados pelo réu) 10. No final do ano de 2020 o réu empreendeu trabalhos de terraplanagem e nivelamento no prédio indicado em 14, alterando os terrenos da parcela referida em 8, modificando a sua cota e ligando o seu acesso àquele prédio. 11. Até esta obra, os autores agiam sobre esta parcela como se descreve em 5 e 6. 12. Em dezembro de 2020 o autor marido tomou conhecimento dos trabalhos descritos em 10, encontrando-se com o réu para discussão do ocorrido. 13. E com o referido em 10 e a subsequente lide os autores suportam despesas com o seu mandatário, deslocações ao local e ao escritório do mandatário e a repartições públicas, destinadas a obter certidões e consultar documentos, sendo o autor engenheiro mecânico de profissão e professor convidado da B..., mantendo a sua atividade. (Da reivindicação do réu) 14. Encontra-se registada a favor do réu a aquisição de terreno a mato com uma presa, sito na em ..., Concelho de Lousada, inscrito na respetiva matriz sob o n.º ...25, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob a descrição nº ...44/..., que confronta a norte com prédio das autoras e prédios rústicos do reconvinte e a poente com “A... Lda.” 15. O réu há mais de 20 anos que do referido prédio retira todas as utilidades que o mesmo lhe pode proporcionar, nomeadamente recolhendo matos e lenhas, semeando e retirando produtos da terra, e periodicamente fazendo a sua limpeza, suportando os respetivos custos, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e na convicção de que exerciam poderes sobre a coisa que lhes pertencia, e na convicção de não prejudicar interesses ou direitos alheios. 16. O réu efetuou os trabalhos referidos em com o convencimento de que a linha divisória entre o seu prédio e o referido em 1 se estabelecia como descrito em B. 17. O réu socorreu-se do apoio do topógrafo NN e do eng.º civil OO no âmbito da presente discussão, deslocando-se ainda ao município de Lousada e a repartições públicas para obtenção de elementos documentais. E foram julgados não provados, os seguintes factos: A. Que as despesas a que se alude em 18 excedem € 2.500,00, despendendo os autores € 25,00 de despesas por cada deslocação e que o autor recebe pelo menos € 60,00 hora pela sua atividade de consultor. B. Que a linha divisória linha divisória do terreno do réu referido em 14 do terreno das autoras sempre teve a configuração reproduzida na fotografia de satélite junta pelo réu como documento 2, definida por um primeiro ponto vermelho, representando o marco onde nasce a linha, na esquina do imóvel que se identifica como “A” pertencente a PP, retratado e apontado a vermelho na fotografia junta pelo réu como documento 5, e ainda visível na fotografia 4 retirada na inspeção ao local, e o ponto verde, um segundo marco, junto a uma carvalha, no alinhamento do muro mais a nascente do imóvel que se representa na figura como “C”, propriedade de EE, residente na Avenida ..., ..., e retratado na fotografia 5 colhida na inspeção ao local, tendo aquele terreno a área total de a área de 3.215 m2. C. Que o réu agiu sobre a parcela referida em 8 como descrito em 15. D. Que com o descrito em 17 o réu despendeu a quantia de € 3.659,25.
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO: 4.1 Da nulidade da sentença - artigo 615.º, n.º 1 do CPC. Defende o apelante a nulidade da sentença ora sob recurso com fundamento na falta de fundamentação. Alega que o Tribunal fundamenta a formação da sua convicção nos “depoimentos das testemunhas HH e GG” e bem assim nas “fotos”, “vídeo”, “planta” e “elementos camarários” trazidos pelas partes e bem assim o percecionado em “inspeção ao local.” Porém, não explica, o Sr. Juiz as razões da credibilidade ou a força reconhecida a esses meios de prova. Não analisou criticamente as provas, não especificou de forma racional, coerente e lógica os fundamentos que foram decisivos para a respetiva convicção em com respeito a esses meios de prova. Assim, afirma, face à atual relevância – constitucional e legal – da exigência de fundamentação, é cometida uma nulidade que sendo insuprível, deve ser determinada a nulidade da sentença e a anulação do julgamento com base numa omissão essencial e relevante de fundamentação. Vejamos. Os vícios determinantes da nulidade da sentença (elencados no art. 615º do CPC) correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). Dispõe o art. 615º nº 1 al b) do C.P.C., que é nula a sentença “que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. A nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607º, nº 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Mesmo que o CPC não o referisse, essa necessidade de fundamentação resultaria por imposição direta do art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP): “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Será esta fundamentação que assegura ao cidadão o controlo da decisão e permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. A fundamentação deve ser expressa e, ainda que sucinta, deve ser suficiente para permitir o controlo do ato. Acontece que, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, nestes casos só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade[2]. Como o próprio apelante reconhece, a decisão mostra-se fundamentada, pelo que não estamos seguramente na situação contemplada pela doutrina e jurisprudência da falta de fundamentação, geradora do vicio da nulidade. Aliás, no caso em apreço nem se compreende a afirmação do apelante perante uma sentença que observou criteriosamente o dever de fundamentação, indicando os meios de prova em que o decisor fundou a sua convicção e bem assim procedendo à analise crítica dos mesmos, expondo com clareza as razões da credibilidade de uns em detrimento de outros. Questão diversa é a de saber se ocorre erro de julgamento, na apreciação crítica das provas a que o tribunal de primeira instância procedeu e em que fundou a sua convicção, questão que será oportunamente apreciada aquando da apreciação do fundamento de recurso da impugnação da matéria de facto. O apelante, nas suas conclusões de recurso, alega também a existência, na sentença, de contradição entre a matéria dada como provada e a fundamentação (cfr. conclusões 38, 39, 62 e 63). Alega o apelante a este respeito que as áreas e confrontações que constam das cadernetas prediais e da descrição predial, são contraditórias entre si e com a descrição feita pelas autoras na petição inicial. Afirma que há manifesta contradição entre a matéria dada como provada e a fundamentação, desde logo porque o Tribunal dá como provado que a parcela de terreno objeto dos autos faz parte do prédio propriedade das AA sem qualquer prova que o sustente, com base em juízos e conclusões jurídicas. Por outro lado, não constando dos pedidos e da causa de pedir a fixação das estremas entre os dois prédios, não poderia o Tribunal considerar que “A área do terreno referido em 1 tem a configuração constante da fotografia de satélite junta pelos autores como documento sete”. Vejamos se ocorre a contradição apontada suscetível de inquinar por nulidade a sentença sob recurso. Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. c) CPC. que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Estamos também aqui perante um vício formal da sentença. Esta nulidade remete para o princípio da coerência lógica da decisão uma vez que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, i.e., a decisão proferida não pode seguir um caminho diverso daquele que apontava a linha de raciocínio plasmado nos fundamentos. Tem-se entendido que esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação de fundamentação da decisão prevista nos art. 154º e 607º nº 3 do CPC e, por outro, pelo facto da decisão dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Não há, porém, que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual). As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à autenticidade, à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade da decisão ou do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por ser destituída de mérito jurídico (ilegal). Neste sentido, o Prof. Antunes Varela[3] salienta que “…não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário …”. Lida a sentença, não vislumbramos qualquer contradição, entre os factos julgados provados e a fundamentação, sendo que, aquilo que nosso ver ocorre é o inconformismo e discordância do recorrente relativamente à valoração da prova que foi feita pelo tribunal. Com efeito, ao contrário do afirmado pelo recorrente, o Tribunal dá como provado que a parcela de terreno objeto dos autos faz parte do prédio propriedade das AA, discriminando os meios de prova produzidos em que fundamentou a sua convicção, mostrando-se a aplicação do direito aos factos, em consonância com os mesmos. Quanto às estremas do prédio dos autores que foi tida em consideração na decisão, não se olvida que, a ação de reivindicação e a ação de demarcação são estruturalmente diversas, com pedidos e causas de pedir distintas, apenas tendo usualmente de comum ser a decisão da ação de reivindicação elemento da causa de pedir da ação de demarcação. Na ação de reivindicação trata-se de averiguar da existência do direito de propriedade sobre um determinado imóvel,(no caso a que se arrogam os autores, ao passo que na ação de demarcação, o que releva é a propriedade (assente e aceite) sobre os prédios, confinantes e a indefinição ou falta de elementos que permitam a delimitação entre eles, com base em qualquer dos fundamentos previstos na lei, incluindo o residual, previsto no artigo 1354.º, n.º 2, do Código Civil. Não sendo esta questão a que se encontra em apreço nesta ação, não constando da causa de pedir, nem dos pedidos, quer na ação principal, quer na reconvenção, a fixação das estremas entre os dois prédios, pois não estamos no domínio de uma ação de demarcação, não poderia, porém, o Tribunal, para apreciar a questão do direito de propriedade da parcela reivindicada, deixar de atentar na sua localização e confrontações, já que, foi alegado que aquela parcela de terreno reivindicada, se situa junto “à estrema nascente, retratada na imagem junta pelos autores como documento sete, o prédio referido em 1 termina na sua parte nascente em ponta aguda, confina a sul com o terreno do réu”. Desta forma inexiste o vício apontado, sendo as questões suscitadas infra apreciadas, aquando da apreciação do invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto. 4.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto. Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa" (sublinhado nosso). A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”. Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”. O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação. Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados. Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pelo apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção. Haverá ainda que ter presente que não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança. Como refere Manuel de Andrade,[4] a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”. À luz destas considerações e princípios, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que se mostram impugnados. Compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, o réu impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida. Considerando-se cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso nesse segmento, importa verificar, pois, se se pode dar razão ao recorrente, quanto aos questionados pontos da matéria de facto. Com o presente recurso, o recorrente pretende alterar a matéria de facto provada, no sentido de dar como não provados os pontos 7 a 9 e 11 da matéria de facto provada e dar como provados os pontos B e C da matéria de facto não provada. É esta matéria de facto julgada provada que o apelante pretende ver julgada não provada: 7. A área do prédio referido em 1 tem a configuração constante da fotografia de satélite junta pelos autores como documento sete. 8. Na sua extrema nascente, retratada na imagem junta pelos autores como documento sete, o prédio referido em 1 termina na sua parte nascente em ponta aguda, confina a sul com o terreno do réu e outro e a ponte com a parte restante do prédio referido em 1, tendo uma linha divisória que segue a direção do muro localizado à esquerda na fotografia n.º 4 colhida na inspeção ao local, terminando no local indicado na fotografia n.º 3 do auto de inspeção, com referência a um carvalho, e tem uma área aproximada de 600 m2. 9. Nessa parcela de terreno os autores sempre agiram como na restante área do prédio mencionado em 1, como descrito em 5 e 6. 11. Até esta obra, os autores agiam sobre esta parcela como se descreve em 5 e 6. E esta é a matéria de facto julgada não provada, que o apelante pretende ver julgada provada: B. Que a linha divisória linha divisória do terreno do réu referido em 14 do terreno das autoras sempre teve a configuração reproduzida na fotografia de satélite junta pelo réu como documento 2, definida por um primeiro ponto vermelho, representando o marco onde nasce a linha, na esquina do imóvel que se identifica como “A” pertencente a PP, retratado e apontado a vermelho na fotografia junta pelo réu como documento 5, e ainda visível na fotografia 4 retirada na inspeção ao local, e o ponto verde, um segundo marco, junto a uma carvalha, no alinhamento do muro mais a nascente do imóvel que se representa na figura como “C”, propriedade de EE, residente na Avenida ..., ..., e retratado na fotografia 5 colhida na inspeção ao local, tendo aquele terreno a área total de a área de 3.215 m2. C. Que o réu agiu sobre a parcela referida em 8 como descrito em 15. Em primeiro lugar, afirma o apelante que os factos dos pontos 7 a 9 constituem conclusões e não factos, determinando que o Tribunal a quo não respeitou o disposto do artigo 5.º, nº 2, do C.P.C. e, consequentemente, não deviam ter sido dados como provados. Nos termos do disposto no art. 607º nº 4 do CPC, o tribunal, na sentença, “declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados”, pelo que, desta seleção devem ser expurgados todos os que constituem matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos. Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor. No caso em apreço, tal não ocorre relativamente aos pontos da matéria de facto apontados. Com efeito, nos pontos 7 e 8, pretende-se descrever a configuração e a área do prédio dos autores, nada impedindo que tal descrição seja feita por referência ou remissão para plantas, mapas, ou outros documentos, que constem do processo e tenham sido devidamente sujeitos a contraditório, dessa forma tornando mais facilmente apreensível e compreensível a descrição factual. Não se compreende ainda a referência ao artigo 5º nº 2 do CPC uma vez que estamos claramente perante factos essenciais e que foram oportunamente alegados pelos autores. Os autores, no artigo 13º da p.i descrevem a configuração geométrica da estrema nascente do seu prédio, precisamente por referência á imagem e satélite, documento que juntam. Aliás a mesma técnica é usada pelo réu na contestação/reconvenção (veja-se o artigo 122º daquele peça processual), [5] pelo que não se percebe a critica feita à sentença, onde o tribunal se limitou a acolher a forma de exposição dos factos relacionados com a configuração dos terrenos ou parcela do terreno, que foi utilizada por ambas as partes nos respetivos articulados. Como é sabido, na instrução da causa, os factos relevantes para a decisão dividem-se em factos essenciais e factos instrumentais. São factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à ação ou à exceção; estes factos dividem-se em essenciais ou complementares, sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer atuar em juízo, e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia jurídica necessária para fazer essa atuação. São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem diretamente a prova dos factos principais, servem indiretamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência. Os factos em causa, são factos essenciais à decisão da causa, pois da sua prova depende a procedência da ação. Com efeito, os autores apresentaram-se a juízo pedindo o reconhecimento de que integra o prédio de que se arrogam proprietários, uma parcela de terreno com uma área de 600 m2, por si identificada em 13 e 14 da sua petição, e que o réu teria ocupado e alterado com labores de movimentação de terras, pedindo a restituição dessa parcela. Por sua vez o réu, arrogando-se proprietários dessa mesma parcela de terreno, pede, em reconvenção o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios que descreve na contestação, em particular aquela área em disputa. Quanto ao facto 9, também nenhum juízo conclusivo encerra, tratando-se antes da utilização da técnica de remissão, (no caso para outros factos provados), que é usada para evitar repetições desnecessárias. Desta forma improcede o pedido de eliminação de tais factos. Vejamos então agora as razões de discordância invocadas pelo apelante, após audição da prova gravada, conjugada com a prova documental junta aos autos, em ordem a verificarmos se ocorre o alegado erro de julgamento. Como se refere no ac. da RG de 26.4.2018[6], “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios ou leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório ou evidente), seja também quando a apreciação e valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas excluindo este”. Quanto ao ponto 7, que pretende ver julgado não provado, indica como meios de prova que impõe decisão diversa, os seguintes:-prova documental, dizendo o apelante que, dos documentos 1, 2, 3 juntos com a petição inicial, o prédios dos autores tem a área de 12080 m2. O prédio constante do documento 7 tem, alegadamente, a área de 593,27 m2. Assim entre o prédio indicado no ponto 1 da sentença recorrida e o constante do documento 7 existe uma diferença de área correspondente a 11482,77 m2. Conclui o recorrente, desde logo, que não se pode estar a falar do mesmo prédio. Vejamos. Os autores arrogam-se donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “...”, situado no lugar de ... da freguesia ... do concelho de Lousada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada, sob o n.º ...56-... e inscrito na respetiva matriz nos artigos ...25 e ...27 (cfr. art. 1º da p.i). A área total do prédio dos Autores, é de 12080 ha, tal como consta da certidão da Conservatória do Registo Predial de Lousada junta aos autos e das respetivas cadernetas prediais – documentos 1, 2 e 3 da p.i. Ora na versão dos autores, a parcela ora reivindicada, tem uma área de cerca de 600 m2 (cfr. artigos 13º e 14º da pi), alegando ainda que a parcela reivindicada tem a configuração geométrica e a área que consta da fotografia de satélite que juntam. Os autores juntaram duas fotografias de satélite (extraídas do Google Earth), uma com a configuração da totalidade do prédio, de que se arrogam proprietários, outra com a indicação da área geométrica da parcela reivindicada. Quando na p.i. (art.11) referindo-se á totalidade do prédio, remetem para o documento 7, juntaram não a fotografia de satélite da totalidade do prédio, mas aquela em que assinalaram a área reivindicada e que erroneamente numeraram com o nº 7 (queriam ter numerado como doc. 8, a que se referem nos artigos 13 e 14º da p.i em que se referem á parcela de terreno em discussão). Ora, esse lapso foi por aqueles devidamente retificado no artigo 40 da réplica, onde juntam o “verdadeiro” documento 7 (passando-se a entender como sendo o nº 8, aquele que foi junto com a p.i). Desta forma, considerando o respetivo teor dos documentos, não há dúvida que é o documento 7, que foi junto pelos autores na réplica, o documento que retrata a configuração do prédio descrito pelos autores na p.i, e aquele a que se refere o facto provado no ponto 7, pelo que não se verificam as discrepâncias assinaladas pelo Apelante. Indica ainda como meios de prova que contrariam aquele facto:-prova testemunhal, nomeadamente o depoimento de GG, dizendo que resulta inequívoco do depoimento da testemunha em questão, que as limpezas de terreno que os autores lhe ordenavam para fazer e que a testemunha afirmou que fazia seguiam na direção da presa que a testemunha indicou, ou seja, no sentido e tendo como limite a linha traçada a amarelo, constante do documento junto pelo réu na audiência de 14 de fevereiro de 2023. Esta testemunha (em cujo depoimento, o tribunal a quo, fundou a sua convicção, em sentido contrário ao ora propugnado pelo recorrente), demonstrou conhecer muito bem o prédio dos autores, pois aqueles durante 12/13 anos contrataram-no para proceder á limpeza do terreno. Aquele demonstrou, ao longo do seu depoimento conhecer muto bem a delimitação do mesmo, não só porque precisava de saber que área deveria limpar, como referiu que procedia também á limpeza de outros prédios confinantes. Ora, curiosamente, foi esta testemunha, tal como relatou (e foi confirmado pelas declarações prestadas pelo autor BB) quem se apercebeu de que o réu invadira o terreno dos autores, na parcela ora reivindicada, ao proceder às obras no seu terreno, tendo alertado de imediato o autor dessa situação, relatando que até lhe perguntou se “lhe tinha vendido aquilo”. Declarou assertivamente que verificou que o réu estava a fazer obras “fora do alinhamento do que ele fazia”, sendo que sempre procedeu á limpeza do terreno dos autores até ao limite das suas estremas. Esta testemunha, no local que bem demonstrou conhecer, nomeadamente quanto aos limites do prédio dos autores, constatou que uma parte do terreno daqueles, relativamente á qual, há mais de 10 anos, limpava, estava a ser ocupada pelo réu, com as obras que aquele levava a cabo, no local. Referiu expressamente que o réu entrou pelo alinhamento que ele limpava. Carece pois de fundamento a impugnação feita com base no depoimento desta testemunha, baseado em afirmações desprovidas do necessário contexto, quando, ouvido o depoimento integral a testemunha foi clara na afirmação do contrário. O mesmo se diga relativamente ao depoimento prestado pela testemunha HH, sendo certo que este depoimento serviu também ao tribunal a quo para fundamentar a prova do facto 7. Afirma o recorrente que nunca poderia o Tribunal sustentar, com base no depoimento desta testemunha, que a área do prédio referido em 1 tem a configuração da fotografia satélite junta pelos autores como documento sete, pois a testemunha, quando muito, só pode afirmar que o terreno tinha aquela configuração, há 34 anos atrás. Não assiste razão ao recorrente, desde logo porque esta testemunha referiu que, pelo menos até aos seus 16 anos acompanhou o pai nas limpezas dos terrenos dos autores. Que após o seu pai ter deixado de ser caseiro para os autores, ainda andou com o pai a limpar as bordas daqueles terrenos, tendo demonstrado de forma segura e convincente bem conhecer a propriedade dos autores e os seus limites. Ouvidos os depoimentos destas testemunhas, não podemos assim deixar de concordar com a análise crítica da prova feita na sentença: “(…) Contudo, da audição das testemunhas HH, filho de um antigo caseiro do pai das autoras, anterior proprietário, conhecedor do local desde pequeno, que descreveu com detalhe e segurança o limite como sendo o que os autores invocam, e do tratorista GG, que ali costuma fazer limpezas de terrenos por conta dos autores há mais de dez anos, limpando a área até aos muros, foi o tribunal conduzido o tribunal a formar a convicção de que efetivamente o limite da confinância seria definido do modo invocado pelos autores BB e AA em audiência, conforme, aliás, o pai das autoras havia descrito no local, em vida, aos autores. Depondo estas testemunhas manifestando conhecimento direto e seguro da matéria em causa, e após audição dos autores, pôde o tribunal firmar uma convicção afirmativa quanto ao uso dado à parcela em discussão e aos prédios em causa.” Não se vê como é que estes depoimentos possam fundamentar o contrário. Afirma ainda o recorrente que a inspeção ao local, “não permite a mesma aferir se os pontos nela indicados pelas partes correspondem aos documentos que juntaram, desde o início do processo, não tendo portanto o dom de fazer corresponder qualquer um dos pontos aferidos no local com os pontos que se veem no documento sete, junto pelos autores.” Ora a inspeção ao local, é um meio de prova expressamente admitido no art. 490º do CPC, que tem por finalidade permitir ao julgador inspecionar pessoas ou coisas, tendo por finalidade o esclarecimento de qualquer facto que interesse à decisão da causa. O tribunal de primeira instância (ao contrário deste tribunal de recurso, que está limitado à visualização das fotografias tiradas no âmbito da inspeção e que constam com os respetivos esclarecimentos da respetiva ata), beneficiou da imediação da prova e do facto de se ter deslocado e observado o local, com os esclarecimentos prestados no local pelas partes, permitindo-lhe dessa forma melhor averiguar e interpretar os dados físicos do terreno e conjugá-los com os depoimentos prestados pelas testemunhas, assim como melhor compreender os argumentos e aa razões apontadas por ambas as partes em defesa das respetivas versões dos factos. Improcede pois a alteração do ponto 7 da matéria de facto. Quanto ao ponto 8, trata-se de um facto essencial, já que o mesmo reflete a versão trazida a juízo pelos autores, em detrimento da versão dos réu que consta do facto B dos factos não provados. Nesses factos (8 e B) é descrita a área a e configuração da parcela de terreno reivindicada, considerando a versão dos autores na p.i e a do réu na contestação/reconvenção, sendo que na versão do facto 8 implica que a parcela reivindicada se situe ainda dentro dos limites do terreno dos autores – na sua extrema nascente e, na versão dos réu, na versão do facto B), a mesma integra o prédio de que é proprietário. O tribunal julgou provado o facto 8 e consequentemente não provado o facto B, acolhendo dessa forma a versão trazida a Juízo pelos autores. O apelante discorda dessa prova, pelas seguintes razões: Alega que a prova documental, constituída pela descrição do registo predial, junta pelo autor com a petição inicial, como documento 1, não permite tal entendimento, atendendo ás confrontações prediais. O documento 1 é constituído pela descrição do prédio dos autores, com as inscrições em vigor, documento emitido pela Conservatória do Registo Predial de Lousada. Como se pode ler no Acórdão da RC de 3.12.2013[7] “as presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objeto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial). A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é suscetível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa.” Afirma de seguida o apelante que, o único depoente que se referiu às confrontações do prédio em questão foi o autor, BB, o qual questionado sobre as confrontações do prédio da Planície, concluiu que confina com quem o mesmo descreveu, na resposta dada. Sendo uma conclusão e não um facto, entende o recorrente que mal decidiu o Tribunal recorrido, nesta matéria. A verdade é que o julgamento realizado incidiu na sua maior parte, (como não poderia deixar de ser dada a relevância da questão a decidir), sobre a questão dos limites dos prédios, quer dos autores, quer do réu, que confrontam entre si, pela estrema nascente do prédio dos autores. Afirma o recorrente que são os seguintes os pontos concretos da prova que determinam decisão contrária à adotada:-Depoimento da testemunha GG, tendo a testemunha afirmado que as limpezas que realizou no terreno dos autores correspondem a uma linha reta, que se passa sensivelmente no mesmo sítio e no mesmo sentido da linha amarela assinalada pelo réu, no documento junto pelo mesmo na audiência de 14 de fevereiro de 2023, devia o Tribunal recorrido ter concluído que aquela é a linha divisória dos terrenos dos autores e do réu. Ora, como já tivemos oportunidade de referir a propósito do depoimento desta testemunha, o seu depoimento foi relevante para julgar provado o facto 8, atento o conhecimento que a mesma demonstrou ter do local e das delimitações do prédio dos autores. O que o réu ora afirma, constitui uma interpretação sua, das palavras da testemunha, mas que não tem respaldo do depoimento na sua integralidade prestado pela mesma, como vimos. Quanto à área de terreno julgada provada, a mesma resulta do documento junto sob o nº 8 com a petição inicial, (erroneamente aí identificado com o nº 7, como vimos), para além das declarações prestadas pelo autor. Tal documento mesmo mostra-se legível e o seu conteúdo perfeitamente apreensível. Alega ainda o apelante, agora quanto ao facto não provado B, que são os seguintes os meios probatórios concretos que impõem decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo: depoimento de parte do réu, depoimento da testemunha KK, e depoimento de GG, já supra indicado. Afirma que dos depoimentos em causa resulta inequívoco que o réu, por si e pelos respetivos antecessores, tem a posse do terreno sub iudice, pois há mais de 45 anos ali recolhe mato para o gado e limpa o terreno, de forma contínua, à vista de toda a gente e sem oposição seja de quem for, entende o recorrente que o Tribunal dispunha de factos resultantes dos depoimentos que dão corpo ao alegado pelo réu, nesta matéria, devendo ter dado como provados os pontos B e C da matéria de facto não provada. Relativamente ao réu, as declarações que prestou são naturalmente de parte interessada no desfecho da ação. Quanto á testemunha KK, cujo depoimento ouvimos, trata-se do irmão do réu, que veio “defendê-lo”, para usar as suas palavas, no início do depoimento. Tal como se afirma na sentença, “KK, irmão do réu, veio em grande medida corroborar o relato que o seu irmão já havia trazido, por conhecer o terreno desde pequeno, quando pertencia a seus pais. E, face à contradição com a prova apurada de cariz superior, no sentido da tese dos autores, não foi o seu depoimento relevante para alterar o convencimento do tribunal. Manifestou, contudo, que efetivamente existia no local uma presa com uma ramada. Recorde-se que o autor e as testemunhas GG e HH referiram que a carvalha que servia de marco se localizava junto a uma presa onde se situava ainda uma ramada. Este aspeto serviu para reforçar a convicção do tribunal de que a divisão se faz de acordo com o descrito pelos autores.” Ou seja, não foi feita contraprova, nomeadamente através destes meios de prova, suscetível de afastar a convicção formada relativamente aos factos 7 e 8, nos moldes supra analisados. Resta assim julgar improcedente a impugnação da matéria de facto feita. Resta apreciar o facto 11 dos factos provados, e o facto C dos factos não provados, referentes aos atos de posse praticados sobre a parcela de terreno em causa. Analisada a prova, não foi feita prova que, para além da recente ocupação feita pelo réu da parcela em causa, (quando em 2020 iniciou as obras de movimentações de terra, no seu prédio, ocupando aquela parcela), aquele tenha anteriormente praticado atos correspondentes à posse sobre a mesma. Ao contrário, os autores lograram demonstrar que sobre a parcela reivindicada, há mais de 20 anos que a mesma era limpa, primeiro pelos caseiros, depois pela testemunha GG, durante mais de 10 anos. Conclui-se assim que, não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelo ora recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência. Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido. 4.3 Arbitrariedade na análise da prova O recorrente afirma ainda que no seu entendimento “o processo lógico-indutivo na apreciação da prova não foi convenientemente acolhido pelo Tribunal, não correspondendo àquilo que resulta da prova, e daquilo que resulta chega a haver violação daquelas que são as regras de experiência comum e a perspetiva do homem médio na apreciação da prova”. Afirma mesmo que o Tribunal apreciou a prova de “forma arbitrária”. Conclui ao decidir como decidiu, sem ter fundamento para tal, o tribunal condicionou desde logo o direito do recorrente, sem fundamentar devidamente, o que não permite discernir quais os critérios objetivos, que permitiram estabelecer o substrato racional da convicção do Tribunal. Nem permite igualmente compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência. Por fim, violou o Tribunal “a quo” o artº 6º nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o direito a um processo equitativo quando valorou prova que não existe (nomeadamente das testemunhas HH e GG), não valorou outra (nomeadamente documental) sem quaisquer fundamentos, violou as regras da experiência comum, e os institutos da posse e usucapião. Vejamos. Depois da apreciação do julgamento feito pela primeira instância, que acabamos de fazer, mostra-se algo evidente a falta de razão do recorrente, nesta crítica que faz à sentença sob recurso. Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 607º nº 4, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”[8]. De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC). O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação não se confunda com arbitrariedade, porque a liberdade de apreciação mostra-se “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[9]. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica. Ora, a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova. Terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Conforme se pode ler no acórdão da RC de 01.02.2008,[10] “O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”. Mas, “A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.” A decisão em causa mostra-se fundamentada de forma coerente, sendo possível reconstituir o caminho lógico seguido pelo tribunal para chegar às conclusões a que chegou, tendo sido feita uma análise crítica da prova produzida, no confronto entre os vários meios de prova apresentados, que se mostra secundada por este tribunal de recurso, por não ter sido detetados os errors in judicando, que lhe foram apontados pelo recorrente. Não se vê ainda, (até porque o recorrente não as indica), que normas concretas de direito probatório tenham sido violadas, que regras da experiência comum tenham sido violadas ou outras, conducentes à imputada “arbitrariedade da decisão”. O que ocorre é que o recorrente não se conforma com a decisão e nada mais do que isso. Improcede pois também este fundamento de recurso.
4.4. Erro de julgamento de direito– concurso de posses. Invoca o Recorrente a existência de erro de julgamento na aplicação do direito. Para tanto alega que, os autores (petição inicial) e réu (reconvenção) alegam que a parcela de terreno de 600m2 faz parte integrante do respetivo prédio. Mais alegam, cada uma das partes, que há mais de 20 anos, detém o uso e fruição do seu prédio com a parcela de terreno em disputa, como parte da mesma unidade económica e predial. Uma e outra partes administraram-na e conservaram-na, dela recolheram proveitos ao longo desse tempo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente de uma ou de outra, qualquer delas na convicção de que lhe pertence por ser parte integrante do seu prédio. Aparentemente, afirma, estão reunidos os requisitos relativos à posse, necessários à aquisição da parcela por usucapião relativamente a qualquer das partes. Neste conspecto, afirma, a posse das AA. e a posse do R. coexistem, sobrepõem-se e são concorrentes e incompatíveis entre si, por serem duas posses de dois titulares singulares diferentes, nos termos do direito de propriedade exclusiva de cada uma das partes. Afirma que estamos no caso, perante um conflito de posses - a posse das AA. e a posse do R. sobre a parcela de terreno com 600 m2 como parte integrante do prédio de cada um deles - que se resolve pela prevalência da melhor, que, por regra, é a mais antiga quando ambas as posses são tituladas. Se Tiverem igual antiguidade a melhor posse é a atual – artº. 1278º nº3 do C.C. Ora, Que da comparação do ponto 5 com o ponto 15 dos factos provados resulta grande coincidência quanto ao modo como as AA. e o R. têm vindo a exercer a posse de cada um: em ambos os casos o Tribunal considera que, cada uma das partes “há mais de 20 anos que do referido prédio retira todas as utilidades que o mesmo lhe pode proporcionar, nomeadamente recolhendo matos e lenhas, semeando e retirando produtos da terra, e periodicamente fazendo a sua limpeza, suportando os respetivos custos, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e na convicção de que exerciam poderes sobre a coisa que lhes pertencia, e na convicção de não prejudicar interesses ou direitos alheios.” Considerou o Tribunal que o réu/reconvinte, pelo menos desde final de 2020, é possuidor da referida parcela. Pelo que, não existindo prova da posse mais antiga, a posse que deveria prevalecer era a posse do possuidor, ou seja o réu/reconvinte, por ser a atual, sendo que, como possuidor atual o réu sempre poderia juntar a sua posse à posse do seu antecessor (o seu pai) uma vez que adquiriu a posse por um dos modos de transmissão da posse que o direito reconhece, independentemente da validade do título de transmissão – artº 1268º e 1278º nº3 do C.C. Vejamos. A presente ação tem a configuração de uma ação de reivindicação. De acordo com o art. 1311º do C.C., o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. A ação de reivindicação, que tem a natureza de ação real, consubstancia-se numa ação de condenação que passa primeiro pelo reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiato) e depois pela restituição da coisa (condemnatio), constituindo esta afinal, o objeto desta ação. O pedido a formular em ação de reivindicação de propriedade divide-se assim em dos pedidos: o de reconhecimento do direito de propriedade e o de restituição do objeto desse direito. A ação de reivindicação é uma verdadeira ação de defesa da propriedade, em que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real alegado; o direito real de gozo, violado com a posse ou a detenção do demandado. Assim, o autor deve invocar nesta ação – e provar -, o facto jurídico aquisitivo do seu direito sobre a coisa, ou seja, o facto jurídico de que tal direito real deriva, assim como a detenção ou a posse pelo réu da coisa reivindicada, como factos constitutivos do seu direito (art.º 342º, nº 1 do C.C), a menos que beneficie de alguma presunção legal, caso em que se inverte aquele ónus da prova (art.º 344º nº 1do CC), ficando então o demandado onerado com o encargo da demonstração de que o autor não é titular do direito invocado. Alberto dos Reis[11] a este respeito esclarece que a acumulação é aparente. Sob o ponto de vista substancial o pedido é um só. A ação de reivindicação é uma ação de condenação, mas toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia, de natureza declarativa. De maneira que, ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de atividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da ação. Para lograr evitar a sua condenação na entrega da coisa reivindicada ao autor, terá o demandado de alegar nos seus articulados (em ordem a poder prová-lo em audiência de julgamento): a) ou que tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse (v.g., usufruto, penhor ou direito de retenção); b) ou que detém a coisa por virtude de um direito obrigacional que lhe confira a detenção da mesma (v.g. arrendamento). Na verdade, como resulta do art. 1311º, nº 2, do Cód. Civ., a restituição da coisa será, em princípio, consequência direta do reconhecimento do direito de propriedade do autor, salvo se a restituição puder ser recusada nos casos previstos na lei, ou seja «salvo se o poder de gozo do proprietário está suspenso ou modificado pela constituição de um direito real ou obrigacional de outrem, caso em que se deve respeitar tal situação jurídica, só devendo ordenar-se a restituição se, e enquanto, não colidir com ela».[12] A existência desses direitos reais ou obrigacionais, com relevância impeditiva da restituição da coisa ao proprietário, funciona assim, como obstáculo ao exercício pleno da propriedade e de gozo da coisa (ius utendi, fruendi e abutendi), isto é, como facto impeditivo do direito do proprietário de exigir a restituição da coisa. A invocação dos respetivos factos consubstancia, por isso, uma exceção perentória, recaindo o ónus da sua alegação e prova sobre o réu da ação de reivindicação (art. 342º, nº 2, do C. Civil). O autor tem de provar o facto jurídico de que deriva o direito real. Na ação de reivindicação é necessário ter em conta a forma de adquirir e neste particular a doutrina distingue entre aquisição originária e aquisição derivada. Na aquisição originária - como o é a acessão, ocupação e usucapião – o direito do proprietário reivindicante é um direito autónomo, um direito independente do direito do proprietário anterior, no qual não influem as condições de existência do direito deste. Na aquisição derivada há de ter-se em conta o direito do anterior proprietário na medida em que nestas situações como sejam as dos negócios translativos (compra e venda, doação) não criam a propriedade, apenas a transferem. O Autor terá nestes casos que demonstrar sempre que o direito existia no anterior proprietário. Como refere o Prof. Oliveira Ascensão[13], ligou-se a reivindicação a uma probatio diabolica. O autor teria de remontar a um título originário de aquisição do direito real, sem o que prevaleceria a posição do detentor, por mais frágeis que fosse as razões deste. Como tem sido porém, pacificamente entendido, a prova do direito, pode ser feita através de todos os meios admitidos em juízo, nomeadamente, poderá ser feita pela presunção resultante do registo. Dispõe o art. 7º do CRP que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. No caso concreto, os Autores invocaram como título de aquisição do direito: a presunção do registo, a aquisição derivada (por doação e sucessão) e ainda, a usucapião. Os aqui autores beneficiam da presunção de registo relativamente ao prédio de que se arrogam proprietários, encontrando-se assim dispensados da prova que remonte a um título originário de aquisição do direito real invocado, nomeadamente a prova por usucapião. Acontece que, como já tivemos ocasião de o afirmar, tal presunção não abrange a descrição física do prédio apenas incidindo sobre os factos inscritos. A área, composição e confrontações do prédio, portanto, a apresentação física do prédio não são atos que o conservador, munido do seu poder de autoridade, possa atestar ou certificar, já que o seu conhecimento dos factos limita-se à apreciação e análise dos documentos que instruem o pedido de registo, os quais podem não expressar a situação real dos prédios. Desta forma, podemos afirmar que, em relação à área do prédio, confrontações e limites, elementos complementares de identificação do prédio, os autores não beneficiam da presunção do registo. Recaía assim sobre os autores o ónus da prova dos factos que permitissem ao tribunal concluir (como concluiu), que o prédio indicado no ponto 1 dos factos provados engloba a parcela de terreno discutida nestes autos e que tal conjunto pertence em propriedade aos autores e faz parte do prédio registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial. Os autores, como vimos, lograram provar o que resulta dos factos 7 e 8, isto é que,: -a área do prédio referido em 1 tem a configuração constante da fotografia de satélite junta pelos autores como documento sete e que, . -na sua extrema nascente, retratada na imagem junta pelos autores como documento sete, o prédio referido em 1 termina na sua parte nascente em ponta aguda, confina a sul com o terreno do réu e outro e a ponte com a parte restante do prédio referido em 1, tendo uma linha divisória que segue a direção do muro localizado à esquerda na fotografia n.º 4 colhida na inspeção ao local, terminando no local indicado na fotografia n.º 3 do auto de inspeção, com referência a um carvalho, e tem uma área aproximada de 600 m2. Ou seja, lograram demonstrar que a parcela reivindicada é parte integrante daquele prédio referido no nº 1, significando isto que demonstraram, como lhes competia, serem os proprietários da parcela de terreno reivindicada, a qual se integra dentro dos limites do seu prédio. Desta forma, cabia ao réu, para evitar a restituição, fazer prova, como vimos: a) ou que tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse (v.g., usufruto, penhor ou direito de retenção); b) ou que detém a coisa por virtude de um direito obrigacional que lhe confira a detenção da mesma (v.g. arrendamento). O mesmo invocou ter sobre a coisa o mesmo direito real, já que alegou ser ele o proprietário da aludida parcela de terreno, por a mesma se encontrar integrada no prédio e que é proprietário, prédio supra descrito em 14, direito de propriedade esse que invocou como impeditivo do direito dos autores, pretendendo ainda vê-lo reconhecido no pedido reconvencional que formulou contra os autores. No confronto das duas versões, como resulta da matéria de facto, não logrou o réu, ora apelante fazer prova do direito de propriedade que invocou, isto que o seu direito de propriedade sobre o prédio descrito em 14, abrangesse a dita parcela de terreno. Assim sendo, a questão jurídica não se colocou nem coloca no confronto das posses entre autores e réu, como defende o apelante que afirma estarmos no caso, perante um conflito de posses - a posse das AA. e a posse do R. sobre a parcela de terreno com 600 m2 como parte integrante do prédio de cada um deles - que se resolve pela prevalência da melhor, que, por regra, é a mais antiga quando ambas as posses são tituladas, por aplicação do disposto no artº. 1278º nº3 do C.C. O que está em causa nesta ação é o reconhecimento da titularidade do direito de propriedade sobre a parcela reivindicada, prova que os autores lograram fazer. Aliás, mesmo que se fizesse tal confronto entre posses, tendo em consideração a matéria de facto provada, a posse do réu, é muito recente, data de 2020, data em que iniciou os trabalhos no seu prédio, no convencimento de que a linha divisória entre o seu prédio e o referido em 1 se estabelecia como descrito em B (facto supra 16). Desta forma, ficam prejudicadas as questões suscitadas pelo apelante relacionadas com a posse, confirmando-se a sentença recorrida.
V - DECISÃO Pelo exposto em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida. Custas pelo apelante.
Porto, 18 de junho de 2024 Alexandra Pelayo Artur Oliveira Márcia Portela ___________________________ [1] Assinalamos a bold os factos impugnados neste recurso. [2]Neste sentido, v. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, vol. V, pág. 140 e Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, pág. 669. [3] In “Manual de Processo Civil”, pg. 686. [4] Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191. [5] O artigo 122 da contestação/reconvenção é o seguinte : “O prédio do reconvinte referido “terreno de mato com presa” – artº ...25º - tem 3.215 m2 e a configuração constante da fotografia de satélite do “google earth pro” que se junta e se dá reproduzido para os devidos efeitos legais com DOC.6 e que se dá por integralmente reproduzido” [6] Relator, Maria Purificação de Carvalho, acórdão disponível in dgsi.pt. [7] Relator José Avelino Gonçalves, disponível in dgsi.pt.No sentido que a presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é suscetível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa, ver também os Acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, retirados, respetivamente, da CJ/STJ – III-II-75, V-II-126, VI-II,134, VII-I-150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003, Acórdão do STJ 30.09.2004, aí citados. [8] Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348. [9] Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211. [10] Disponível in dgsi.pt. [11] Comentário, vol. III, pág. 148. [12] Ver Acórdão da Relação do Porto de 3/3/1971, sumariado in BMJ nº 205, p. 263 [13] In Direito Civil Reais, 5º ed. Pg. 429. |