Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23326/17.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RECURSO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
HORÁRIO DE TRABALHO
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP2019100723326/17.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMITIDO EM PARTE, IMPROCEDENTE NA PARTE ADMITIDA, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 298, FLS 162-189)
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão não é passível de recurso quando, embora improcedendo os fundamentos invocados pela parte, procede todavia a sua pretensão ainda que com base em diferente fundamento, pelo que, tendo a sentença recorrida revogado a sanção disciplinar aplicada à trabalhadora com fundamento em que outra sanção, de grau inferior, seria suficiente, carece a trabalhadora de legitimidade para recorrer pois que não ficou vencida quanto ao pedido que havia sido formulado.
II - É possível prova testemunhal para prova da alteração das condições relativas ao período normal de trabalho e/ou ao horário de trabalho (ainda que diferentes das que inicialmente haviam sido acordadas no contrato de trabalho escrito) e, bem assim, para prova do contexto e/ou das razões que levaram à alteração dessas condições, designadamente de que o aumento da retribuição decorreu do aumento do período normal de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 23326/17.0T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1128)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, tendo formulado os seguintes pedidos:
a)ser declarado nulo o procedimento disciplinar movido contra a autora e anulada a sanção disciplinar aplicada de repreensão registada.
b)ser a ré condenada a:
I. reconhecer que a retribuição base mensal que tem sido paga à autora é inferior em € 194,75 (cento e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) à devida;
II. a pagar € 32.483,04 (trinta e dois mil, quatrocentos e oitenta e três euros e quatro cêntimos) a título de retribuições em falta por força da diminuição da retribuição paga à autora verificada desde Outubro de 2005;
III. a pagar futuramente € 821,64 como retribuição por mês de trabalho que venha a ser prestado pela autora;
IV. a pagar o valor de € 7.847,95 (sete mil, oitocentos e quarenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos) a título de juros de mora, à taxa do juro supletivo legal, calculado relativamente à data de vencimento de cada uma das parcelas de retribuição em falta;
V. a pagar uma compensação pelos danos não patrimoniais causados pela suspensão preventiva e pela sanção disciplinar de valor não inferior a € 5.000,00;
VI. a pagar o valor devido a título de subsídio de alimentação durante o período de suspensão preventiva, que se calcula em € 363,72.
VII. a pagar os juros vincendos, calculados à taxa do juro supletivo, sobre os valor indicados em II e V.
Alega, em síntese, que durante a vigência do contrato de trabalho que com a Ré celebrou esta lhe reduziu o valor da retribuição e ainda que foi objeto de processo disciplinar, formal e substancialmente ilícito.

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré contestou tendo, em síntese, impugnado os factos alegados pela Autora, pugnando pela licitude do procedimento disciplinar de que foi alvo aquela e ainda alegando não ter reduzido a retribuição da Autora.

Foi fixado o valor da acção (em €3.858,56) e proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.

A A. apresentou requerimento de retificação do valor da acção e, subsidiariamente, interpôs recurso da decisão que fixou tal valor, na sequência do que foi proferido despacho a corrigir o valor da acção, fixando-o em €45.694,91.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu nos seguintes termos:
“a)declaro anulada a sanção disciplinar aplicada de repreensão registada.
b)condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) acrescidos de juros contados desde a data da sua fixação e até efetivo e integral pagamento, a título de compensação pelos danos não patrimoniais;
c)condeno a Ré a pagar à Autora, a título de subsídio de alimentação durante o período de suspensão preventiva, de 1 de março a 12 de junho de 2017, em valor a apurar em sede de liquidação de sentença.
No demais, vai a Ré absolvida do pedido.
Custas por Autora e Ré na proporção de 4/7 e 3/7, respetivamente e sem prejuízo do apoio judiciário de que goze a Autora.”.

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª O tribunal a quo deu como provado o facto sob o n.º 56 da respectiva relação da douta sentença suportando-se exclusivamente no depoimento de duas testemunhas.
2.ª Por força do disposto no n.º 1 do artigo 394.º do CC, tal facto não pode ser dado como provado com base em prova testemunhal por ser contrário à convenção escrita constante de documento particular mencionado nos artigos 373.º a 379.º do mesmo código.
3.ª In casu que não se verifica qualquer das situações que têm fundamentado doutrinal e jurisprudencialmente a admissibilidade da prova testemunhal em violação aparente do artigo 394.º, n.º 1, do CC, nomeadamente quando haja qualquer princípio de prova escrita.
4.ª Impõe-se por isso, face à confissão da recorrida, bem como aos recibos de vencimento cujas cópias a recorrida juntou em requerimento (com a referência CITIUS 30150887) remetido aos autos no dia 20 de Setembro de 2018, que seja dado como provado que “Entre os meses de Janeiro e Junho de 2004, a autora auferiu uma retribuição base de € 491,13,” e como não provado que “nesse período [de Janeiro a Junho de 2004] (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente — que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.”
5.ª Tal alteração da matéria de facto trará por inerente a alteração da aplicação do direito aos factos provados, nomeadamente no sentido de sustentar a procedência do respectivo pedido da recorrente nos termos apresentado na respectiva petição inicial, uma vez que que traz por consequência a fixação de que à recorrente foi pago o salário de € 491,13 por 25 horas de trabalho semanal nos meses de Janeiro a Junho de 2004 e que pelo menos a partir da sua reintegração por decisão judicial a Recorrente passa a auferir a retribuição mensal de € 335,54 para o mesmo período de 25 horas semanais (facto provado n.º 57), demonstrando-se assim a diminuição unilateral da retribuição operada pela recorrida em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição em particular e das garantias constitucionais da retribuição decorrentes nomeadamente do n.º 3 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
6.ª O tribunal recorrido deu como provado o facto sob o n.º 69 da respectiva relação da douta sentença sustentado exclusivamente no depoimento da testemunha D…, que considerou claro, convincente e credível.
7.ª Contudo, o depoimento desta testemunha, nomeadamente no que se reporta aos excertos que se encontram entre os minutos 00:30 a 2:00, 2:50 a 3:27, 4:00 a 5:48, 6:11 a 7:28, 8:10 a 11:13, 13:00 a 16:18 e 17:30 a 18:10, afigura-se notoriamente comprometido, parcial e até insidioso.
8.ª Sendo tais excertos igualmente demonstrativos das inúmeras contradições enunciadas em sede de alegações no que se reporta ao episódio narrado.
9.ª Deste modo, é forçoso concluir que um depoimento desta qualidade (comprometido, parcial, insidioso e contraditório), prestado por alguém que assumidamente depende da recorrida (uma vez que é sua trabalhadora) e mantém um diferendo com a recorrente, não permite estabelecer, com a certeza necessária, a verificação do facto em causa.
10.ª Assim, o depoimento desta testemunha impõe decisão diversa sobre o ponto da matéria de facto ora impugnado no sentido de se dar como não provado o facto dado como provado sob o n.º 69, isto é, que seja indicado como facto não provado: “Que em dia que não foi possível apurar, na sequência de discussão com a colega D… que se encontrava sozinha no Bar, a Autora entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que o marido lhe passava o carro por cima — a quem já havia contactado para o efeito”.
11.ª Perante tal alteração na decisão sobre a matéria de facto, fica evidenciada a inexistência de matéria provada capaz de sustentar a censura disciplinar operada pela recorrida à recorrente, impondo-se a eliminação de qualquer sanção disciplinar aplicada à mesma.
Supletivamente
12.ª Não se concedendo que possa não proceder a impugnação nos termos acima formulados, mas aduzindo, por razões de cautela, uma hipótese alternativa, sempre se concluirá que o depoimento da aludida testemunha impõe, por força das afirmações que se encontram entre os minutos 00:30 a 00:40, 1:00 a 1:30, 4:00 a 4:25 e 14:00 a 14:20, que seja dado como provado que o episódio narrado ocorreu num período inicial da prestação laboral desta testemunha no C… em causa nos autos, tendo tal início ocorrido por volta do ano de 2015.
13.ª Admitindo-se generosamente que tal período inicial possa significar meio ano ou até um ano após o início dessa prestação, sempre se teria de concluir que o episódio em causa terá de ter ocorrido em data anterior a Setembro de 2016.
14.º E nunca em data contida entre este mês de Setembro de 2016 e o mês de Março de 2017, pois face aos excertos do depoimento indicados, nunca poderá ter ocorrido durante os meses de frio.
15.ª Assim, não sendo reconhecida razão à recorrente quanto à impugnação do facto dado como provado sob o n.º 69 nos termos expressos nas conclusões 6.ª a 11.ª, sempre terá de ser corrigida a matéria de facto dada como provada no sentido imposto pelo depoimento desta testemunha, isto é, passando tal facto a conter a circunstância temporal apurada face às respectivas declarações “Que em dia que não foi possível apurar, mas seguramente anterior a Março de 2016 ou a Setembro de 2016, na sequência de discussão com a colega D… que se encontrava sozinha no Bar, a Autora entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que o marido lhe passava o carro por cima — a quem já havia contactado para o efeito”.
16.ª Ficando assim demonstrada a extemporaneidade do exercício da acção disciplinar em questão, conforme decorre do artigo 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, com a consequente exigência de eliminação de qualquer sanção disciplinar à recorrente.
Ainda sem prescindir,
17.ª Caso não seja alterada a decisão quanto à matéria de facto no que concerne ao facto dado como provado sob o n.º 69, verifica-se que o tribunal a quo veio considerar regular o exercício do poder disciplinar da recorrida contra a recorrente, apenas ajustando a medida da respectiva sanção.
18.ª Contudo, o único facto que o tribunal considerou provado e consubstanciador de infracção disciplinar carece de qualquer concretização temporal.
19.ª Tal concretização temporal é condição sine qua non do exercício do poder disciplinar, desde logo pela exigência de situar a matéria em análise dentro dos limites temporais previstos pelos primeiros três números do artigo 329.º do CT.
20.ª Sabendo-se que a testemunha e a recorrente partilharam o local de trabalho pelo menos desde 2015, não se mostra que um “conflito” entre ambas tenha ocorrido necessariamente dentro daqueles limites temporais.
21.ª Tal decisão impossibilita em absoluto à recorrente o exercício do contraditório, bem como a sindicância da caducidade do poder disciplinar ou mesmo da sua prescrição.
22.ª Apesar da simplicidade com que o legislador entendeu regular o procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória, tal não permite que a decisão se abstenha de assegurar a concretização temporal da infracção em termos suficientes para permitir apreciar a legalidade da aludida acção disciplinar à luz dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 329.º do Código do Trabalho.
23.ª Normativos que saem violados perante a decisão do tribunal a quo que não elimina a condenação disciplinar da recorrente perante a circunstância da recorrida não ter cumprido o ónus de demonstrar que tal infracção ocorreu dentro dos limites legais de carácter temporal com vista à acção disciplinar.
Pelo exposto e pelo douto suprimento que se pede e espera na procedência do presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos acima expostos e substituindo-se por outra que elimine a sanção disciplinar aplicada à recorrente e que condene a recorrida nos pagamentos peticionados.

A Ré contra alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1) No caso em apreço, o tribunal a quo deu como provado “(…) entre os meses de Janeiro e Junho de 2004 a autora auferiu uma retribuição de base de € 491,13, porque nesse período (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora ré, tendente a suprir tarefas de uma colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas”
2) Os depoimentos das duas testemunhas (E… e F…) fizeram prova nos presentes autos do motivo e do fim que à data determinaram o acordo efectuado entre autora e ré no âmbito da relação laboral existente.
3) Resulta da leitura da sentença - alínea j) da “Motivação de Facto”:
- quanto ao depoimento da testemunha E…: “A testemunha referiu que inicialmente, a Autora foi contratada a termo e com horário parcial. Acontece que pouco tempo depois de a Autora ter sido contratada houve uma funcionária que ficou gravemente doente, o que as levou a pedir à Autora para fazer horário mais alargado até Junho de 2004, para suprir faltas daquela, tal foi aceite pela Autora o que contribuiu para o acréscimo das horas trabalhadas e, consequentemente da retribuição paga.”
- quanto ao depoimento da testemunha F…: “A testemunha referiu que a funcionária AE… esteve com problema de saúde. A mesma entrava de baixa, depois voltava e voltava a entrar ao serviço. Referiu a testemunha julgar que será por isso que a autora trabalhou mais horas, ou seja, em substituição daquela funcionária, deixando de o fazer em Julho de 2004 uma vez que, deixando de haver alunos, não há tanta necessidade de trabalho de auxiliares.”
4) Isto exposto, verifica-se que a prova testemunhal produzida não versou sobre qualquer conteúdo (por eventual acordo entre as partes) de qualquer cláusula, não se adequando, portanto, a produzir qualquer efeito contrário ou adicional às contidas no contrato de trabalho (junto como Doc N.º 1 da Contestação).
5) Com a prova testemunhal trazida a juízo, a ré não pretendeu contrariar nem completar algo que o contrato em vigor não declarasse – mas sim, repete-se, demonstrar o motivo e o fim que justificaram o acordo celebrado entre autora e ré naqueles meses de Janeiro a Junho de 2004.
6) Acordo esse que teve forma verbal, não tendo, aliás, qualquer pertinência legal a exigibilidade de forma especial, mormente, a sua passagem a escrito, contrariamente, à necessária e exigida no caso da celebração do contrato de trabalho a termo que sustentou a relação laboral entre autora e ré.
7) Não estando em causa na presente lide qualquer acordo simulatório ou negócio dissimulado – questão aliás nunca invocada pela autora/recorrente nos presentes autos - pergunta- se: o que fingiram as partes na sua relação laboral para criarem a aparência de um negócio que não quiseram?; que negócio celebraram as partes no mesmo âmbito para esconder outro ?; que terceiros visaram as partes enganar?
8) E não sendo, portanto, possível responder a tais questões – como não é – terá de se excluir a possibilidade de a recorrente fundamentar a sua pretensão no regime previsto no artigo 394.º do Código Civil.
9) A prova testemunhal produzida exibiu o circunstancialismo que clarifica as vicissitudes ocorridas na relação laboral entre autora e ré entre Janeiro e Junho de 2004, (e entre Setembro de 20013 e Fevereiro de 2006) no respeitante ao número de horas de trabalho e respectiva retribuição, e que constituíram os seguintes factos provados da douta sentença a quo: 55 a 59.
10) Existe, pois, um nexo lógico tal no respeitante à prova produzida que terá de conferir à factualidade (motivo e fim do acordo celebrado entre autora e ré) objecto de prova testemunhal um relevante fumus de credibilidade.
11) Na verdade, os depoimentos das testemunhas E… e F…, explicitando o fim e o motivo do acordo celebrado, vieram sedimentar a prova que resultou também da junção aos autos (na sequência de despacho do tribunal que assim o ordenou) dos documentos - referência citius 30150887, em 20 de Setembro de 2018 - recibos de retribuição de autora relativos aos meses de Setembro de 2003 a Agosto de 2004.
12) Para sustentar o seu pedido de irredutibilidade da retribuição a autora/recorrente teria que fazer prova de factos alegou na sua Pi e cuja prova lhe incumbia –o que não aconteceu – conforme resulta do segmento “Factos não Provados”, constante da sentença, designadamente os constantes das alíneas a) a h).
13) À Autora incumbia ainda demonstrar todos os factos por si alegados e relativos à sua relação com a Ré, a saber das reclamações apresentadas face aos valores que lhe eram pagos, o que não logrou fazer - como resulta da motivação de facto da sentença em crise.
14) A autora/recorrente terá de suportar as consequências decorrentes da falta de prova dos factos que trouxe a juízo, cabendo-lhe o ónus probatório respectivo.
15) Não merece, assim, qualquer reparo a decisão da matéria de facto quanto ao n.º 56 da relação da douta sentença a quo.
16) A liberdade na formação da convicção do julgador deverá assentar em elementos probatórios, em presunções judiciais, em regras da experiência comum e/ou em critérios lógicos que, de forma sustentada e segura e tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, permitam uma fundada convicção quanto à verificação dos factos que se tenham como provados – o que se verificou nos presentes autos, encontrando-se espelhado na Fundamentação da sentença ora em crise.
17) Ao contrário do pretendido pela recorrente deve manter-se o facto dado como provado sob o número 56: “Entre os meses de Janeiro e Junho de 2004, a Autora auferiu uma retribuição de base de € 491,13 porque nesse período e apenas nesse, foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas” improcedendo o pedido de alteração da matéria de facto.
18) Consequentemente, deve o presente recurso improceder no respeitante à peticionada alteração da aplicação do direito aos factos, por não ter a autora/recorrente demonstrado que a ré procedeu a uma diminuição unilateral da retribuição da autora em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
19) Pretende a recorrente demonstrar que o tribunal a quo esteve errado ao dar como provado o facto sob o N.º 69 por ter sido sustentado exclusivamente no depoimento da testemunha D….
20) Tudo para sustentar que o facto dado como provado sob o N.º 69 - “Que em dia que não foi possível apurar, na sequência de discussão com a colega D… que se encontrava sozinha no Bar, a Autora entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que o marido lhe passava o carro por cima – a quem havia contactado já pra o efeito” - deve ser dado como não provado.
21) Como consequência da pretendida alteração da matéria de facto retira a autora a evidência da inexistência de matéria provada capaz de sustentar a censura disciplinar, impondo-se a eliminação de qualquer sanção disciplinar aplicada à mesma.
22) Supletivamente, a recorrente, fazendo uma construção sobre as circunstâncias de tempo do evento disciplinar, situa-o, hipoteticamente, ocorrido em data anterior a Setembro de 2016 e conclui com a extemporaneidade do exercício da acção disciplinar em questão.
23) Duas reflexões se impõem quanto a este segmento do recurso da autora/ recorrente: a primeira quanto ao desempenho da testemunha e consequente convicção do tribunal a quo; a segunda quanto à inadmissibilidade do segmento recursivo referido por não poder confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
24) Quanto ao desempenho da testemunha, diga-se que a recorrente na presente alegação de recurso se socorre de palavras textuais do depoimento da testemunha D…, com o objectivo de que o tribunal de recurso acolha o que a testemunha disse e ignore a restante prova produzida.
25) Ora, a sentença em crise contém os fundamentos que explicam o percurso lógico que foi seguido na apreciação das provas e que levaram o tribunal formasse a sua convicção em determinado sentido. A reconstituição judicial dos factos, na sentença em apreço teve em conta que o momento dos factos, por já não ser presente, não pode ser temporalmente situado em toda a sua plenitude, competindo ao juiz a quo efectuar as suas valorações, seguindo as regras da lógica.
26) Foi assim que, relativamente ao depoimento da testemunha D…, a douta Sentença, refere – na alínea q) do segmento motivação de facto – “A testemunha depôs de forma clara e convincente, mostrando-se credível ao tribunal, tendo descrito as relações que mantém com a Autora e a discussão que esta com a testemunha teve ameaçando-a de que o marido lhe passaria o carro em cima”.
27) A credibilidade de uma testemunha refere-se aos resultados do seu desempenho consciente e a consistência à compatibilidade entre o depoimento e a demais prova produzida, designadamente a constante do processo disciplinar junto aos autos e a demais prova testemunhal produzida.
28) Lido o transcrito depoimento da testemunha D… percebe-se, ao contrário do entendimento da recorrente, que a mesma se mostrou persuasiva e persistente na narração do seu depoimento – permitindo ao tribunal formar a convicção do acontecimento que conduziu à verificação do facto em causa.
29) Neste mesmo segmento da sua alegação, a recorrente pretende valer-se da falta de rigor da concretização temporal do depoimento, localizando-o num período de tempo hipotético que conduziria à caducidade da acção disciplinar objecto dos presentes autos – o que não pode colher.
30) Da transcrição do depoimento levada a efeito pela recorrente no presente recurso, ressalta com clara evidência, que a precisão sobre a da data do evento não foi exigida à testemunha em nenhum momento da sua instância.
31) Isto dito, a verificação do facto sob o N.º 69 não poderá deixar de dar-se como provado, nos exactos termos fundamentados e formulados na douta sentença em crise, não tendo ocorrido qualquer erro de julgamento na livre apreciação da prova e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do presente pleito.
32) Na presente alegação de recurso, veio confrontar o tribunal ad quem com questões novas – o que não pode fazer.
33) Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova – não pode confrontar-se o tribunal de recurso com questões novas.
34) Na sua alegação a recorrente apresenta ao tribunal de recurso dois novos pedidos e dois efeitos jurídicos novos, a saber: a eliminação da sanção disciplinar aplicada à autora/recorrente; a extemporaneidade/prescrição do exercício da acção disciplinar subjacente.
35) A autora expôs, portanto, na sua petição inicial os factos e as razões de direito em que fundamentou a acção definindo assim a sua causa de pedir – esta exposição delimitou nos mesmos termos os poderes de cognição do tribunal a quo.
37) Não tendo a autora levado a ponderação da primeira instância qualquer facto e respectiva consequência jurídica, no âmbito da caducidade/prescrição do procedimento disciplinar, não pode agora, em sede de recurso validar tal construção, pois essa não poder ser tida com interesse para a discussão da causa – neste sentido artigo 130.º do CPC.
38) Pelo que, também, no respeitante à alegação de anulação da qualquer sanção disciplinar aplicada à recorrente o presente recurso não pode proceder.
39) Pelas razões supra expostas a sentença recorrida não padece de qualquer erro de Direito (como pretende a recorrente), com o argumento de que a mesma não teve em conta a alegada caducidade/prescrição do procedimento disciplinar que foi intentado contra a trabalhadora arguida – autora e ora recorrente.
40)Trata-se de um elemento novo que não foi trazido à lide pela autora na primeira instância e por isso de um elemento não ponderado por este mesmo tribunal - isto porque a própria autora não lhe atribuiu qualquer relevo em sede solução jurídica do pleito.
41) Tal está-lhe vedado por força das disposições conjugadas dos artigos 5, N.º1; 552 N.º 1 d) e 662 N.º 1 do Código de Processo Civil.
42) Os recursos têm por objecto a decisão impugnada tendo em conta os factos, os pedidos formulados e os efeitos jurídicos colocados ao junto do tribunal de decisão da causa.
43) Ora, com a presente alegação a recorrente violou tal princípio, devendo consequentemente o presente recurso ser rejeitado e improcedente quanto a este segmento.
TERMOS EM QUE, Vossas Excelências com Douto Suprimento, julgarão Improcedente a Apelação, (…)”.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância
É a seguinte a decisão matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
“1.A autora foi admitida ao serviço da ré em 15 de Setembro de 2003 para, sob a direcção e autoridade desta, exercer as funções de Auxiliar de Acção Educativa no C…, sito na Rua …, n.º .., da União de Freguesias … e …, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.A ré cumpriu a obrigação de pagamento da retribuição até transmitir à autora a não renovação do contrato de trabalho.
3.Sendo certo que a prestação de trabalho da autora não visava satisfazer uma necessidade temporária da ré, viu-se aquela obrigada a agir judicialmente contra esta de modo a obter a declaração de nulidade do aludido termo.
4.A ré prescindiu de contestar, nessa instância judicial, aceitando a reintegração da autora e sendo condenada nos pedidos formulados por esta.
5.No primeiro mês após tal reintegração, a ré pagou à autora a retribuição de € 149,32.
6.A autora manteve-se, porém, a trabalhar — sem interpor nova acção judicial —, uma vez que sempre necessitou do seu salário para assegurar a sua situação e a do seu agregado familiar e sentia a sua relação com a ré muito fragilizada por força da acção judicial que havia interposto.
7. Em Outubro de 2005, a Ré pagou à Autora o vencimento base de € 167,77, em novembro de 2005 pagou o vencimento base de € 335,54 e € 120,13 de diferenças de subsídio de férias e em dezembro de 2005 pagou o vencimento base de € 335,54 e igual quantia de subsídio de Natal, e em janeiro de 2006 pagou o vencimento base de € 335,54.
8.A 1 de fevereiro de 2006, a Autora e Ré acordaram nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 23 vº e 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9.A autora outorgou o aludido aditamento, no dia 1 de fevereiro de 2006, temendo perder o seu emprego caso não o fizesse e desejando evitar mais represálias — pois tinha já sentido os efeitos que quinze meses sem auferir o rendimento que tinha tido entre setembro de 2003 e junho de 2004 e sentia também o prejuízo da diferença salarial relativa aos meses e subsídios referidos em 7.
10.A Autora esteve de baixa médica entre 23 de junho e 29 de outubro de 2016.
11.Já regressada ao trabalho e após entregar o relatório de psiquiatria, a autora notou que a relação com a ré se degradou profundamente.
12.Notou também que algumas colegas de trabalho a passaram a evitar ou a lidar com ela de modo evasivo.
13.No dia 1 de março de 2017, a Autora recebeu da Ré a comunicação de instauração de processo disciplinar e suspensão preventiva, junta aos autos a fls. 28 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14.Tendo passado trinta dias sem que lhe fosse comunicada qualquer nota de culpa, apresentou-se a trabalhadora ao serviço.
15.Perante a recusa da ré em permitir que a autora prestasse o seu trabalho, esta exigiu que a primeira fizesse uma declaração escrita a atestar tal improbabilidade.
16.A autora não pagou à ré qualquer valor a título do subsídio de alimentação durante o período de suspensão.
17.Tendo a ré enviado por via postal registada, apenas no dia 17 de Abril de 2017, a nota de culpa com intenção de despedimento junta aos autos a fls. 24 vº a 27 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que a autora recebeu no dia seguinte (18 de Abril).
18.Os factos imputados à autora, de acordo com tal nota de culpa, foram:
«1. No dia 6 de Fevereiro, a trabalhadora infractora, omitiu a comunicação que se impunha, não diligenciando para que fosse dado conhecimento aos pais do aluno G… de que este havia danificado a tala e respectiva ligadura que suportavam uma lesão dos dedos da mão;
2. No dia 17 de Fevereiro, a trabalhadora infractora, omitiu a comunicação que se impunha, não diligenciando para que fosse dado conhecimento aos pais da aluna H…, que a mesma se havia lesionado num pulso (que se veio, posteriormente, a revelar tratar-se de uma fractura), não obstante ter colocado gelo no pulso da aluna e percebido que a mesma se queixava com dores;
3. Os pais dos alunos referidos, em 1 e 2 (I… e J…), reclamaram por escrito junto da Directora do C…, por entenderem “que o apoio prestado aos nossos filhos e alunos do C… ficou muito abaixo do esperado”;
4. No dia 22 de Fevereiro, pelas 15.00, a trabalhadora infractora, no pátio do C… sem que nada o justificasse, berrou com os alunos que lá se encontravam, bem como com os que se encontravam dentro da papelaria com a colega K…, dizendo num elevado tom de voz que os alunos não poderiam estar ali, tendo os empurrado na direcção das salas e dizendo que ninguém (referindo-se aos colegas) fazia o seu trabalho em condições;
5. No dia 22 de Fevereiro, na presença da colega D…, afirmou que a trabalhadora L… era mentirosa;
6. No dia 22 de Fevereiro, na sequência de um conflito a que a própria infractora deu início, tendo verificado que a colega D… se encontrava sozinha no Bar, entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que se contasse à Direcção o (anteriormente) sucedido, o marido lhe passava o carro por cima — a quem já havia contactado para o efeito;
7. No dia 15 de Fevereiro, a trabalhadora infractora, ao final da tarde, foi vista pela mãe de um aluno do C…, sentada num banco, ao lado de uma menina portadora de deficiência que frequenta o C… em regime de ATL, — enquanto no banco e nessa situação e durante cerca de meia-hora a trabalhadora infractora batia (sem força) nas mãos da criança e chamava-lhe má;
8. Este episódio, foi relatado por escrito à Directora do C…, pela mãe do aluno que presenciou o mesmo, com o objectivo de chamar a atenção da Directora do C… para factos que pudessem ser desconhecidos e dada a fragilidade da criança e atitude (que em face dos actos da trabalhadora infractora) não expressava qualquer reação — tendo-se repetido no dia seguinte ou dois dias depois.
9. A situação relatada em 7 e 8, foi igualmente relatada numa participação feita à Directora pela Assistente Educativa — colega da infractora: M… — e foi antecedida por outros factos protagonizados pela infractora que colocou a mesma menina — N… — de castigo sozinha na sala de jogos. A referida M… ao ver a criança isolada a chorar retirou-a do “Castigo”, mas foi impedida de o fazer pela trabalhadora infractora, que aos berros e segurando a menina pelo braço levou-a de novo para o castigo. Depois de a sentar no Banco a dar palmadas nas mãos mencionava que era assim que o O… lhe fazia quando ela se portava mal.
10. No dia 26 de Janeiro havia já chegado à Directora do C… uma participação da Assistente Educativa — P… — que se encontra de serviço no PBX do C…, dando nota da perturbação da trabalhadora infractora que não cumprindo os procedimentos instituídos invadiu o espaço do telefone e utilizou o microfone para chamar uma vigilante; a trabalhadora infractora referindo-se à mãe do aluno envolvido e que terá determinado o chamamento de outra vigilante (Q…), referiu que a mãe do mesmo aluno “era o Diabo”.
11. No dia 5 de Dezembro de 2016, havia já chegado à Directora do C… uma participação da Assistente Educativa — M… — que dava nota de ter a trabalhadora infractora usado de força física e verbal para colocar uma aluna de castigo, na sequência de um incidente que já tinha sido intervencionado e resolvido peão outra colega — A Assistente Educativa S….»
19.Encontravam-se no processo disciplinar os seguintes documentos:
a) a fls. 4 e 5 — comunicações electrónicas de I… e J… (com datas de 21 e 23 de Fevereiro de 2017);
b) a fls. 6 e 7 — declaração assinada de D… (sem data);
c) a fls. 8 — comunicação electrónica de K… (com data de 20 de Fevereiro de 2017);
d) a fls. 9 — declaração assinada de M… (sem data);
e) a fls. 10 — declaração assinada de P… (sem data);
f) a fls. 11 — declaração assinada de M… e S… (com data de 7 de Dezembro de 2016);
g) a fls. 16 — auto de declarações de M… (com data de dia 7 de Março de 2017, sem indicação de qualquer hora);
h) a fls. 17 — auto de declarações de T… (com data de dia 7 de Março de 2017, sem indicação de qualquer hora);
i) a fls. 18 — auto de declarações de U… (com data de dia 7 de Março de 2017, sem indicação de qualquer hora);
j) a fls. 19 — auto de declarações de P… (com data de dia 7 de Março de 2017, sem indicação de qualquer hora);
k) a fls. 20 — auto de declarações de D… (com data de dia 7 de Março de 2017, sem indicação de qualquer hora).
l) a fls. 22 — registo de ocorrências ou sinistros dos alunos do C… nos dias 16 e 17 de Fevereiro.
20.A autora defendeu-se, tendo apresentado a respectiva resposta à nota de culpa no dia 3 de Maio de 2017 na qual, além do mais, requereu diligências probatórias.
21.Em tal resposta a autora apresentou os seguintes esclarecimentos:
«Na realidade,
9.ºA arguida encontrou, de facto, o aluno G… com uma gaze solta de um curativo que tinha na mão,
10.ºtendo imediatamente procurado compor o dito curativo,
11.ºe, imediatamente, informado a sua colega de trabalho, mãe do aluno, J… do sucedido. Por outro lado,
12.ºno que concerne à aluna H… fica bom de ver que a arguida terá tido como única intervenção ter ido buscar gelo a pedido de alguém,
13.ºou não estivesse claro, graças ao documento a fls. 22, que a aluna se magoou em local vigiado por outra colega que não a arguida.
Sucede ainda que
14.ºa arguida não berrou, nem empurrou qualquer aluno, nem no dia 22 de Fevereiro, nem em nenhum outro dia.
15.ºtão-pouco entrou na papelaria, no citado dia, nem berrou ou empurrou qualquer aluno que lá estivesse,
16.ºmuito menos chamou a trabalhadora L… de “mentirosa”,
17.ºnem visou, de qualquer outra maneira, ofendê-la na sua honra ou apequenar a opinião que qualquer terceiro tenha sobre ela.
18.ºRoça o absurdo — e é absolutamente falsa — a imputação de que a arguida teria ameaçado a trabalhadora D… que o seu marido lhe iria passar com o carro por cima.
19.ºAliás, a entidade patronal tem de ter conhecimento que entre a dita trabalhadora D… e a arguida há muito que existe mau relacionamento por força da intervenção desta relativamente a um diferendo que existiu entre a arguida e a trabalhadora M….
20.ºApesar disso, a arguida apenas se distanciou de qualquer relacionamento pessoal com a trabalhadora D…, nunca a tendo ameaçado, e limitando-se a interargir com ela no estritamente necessário para a realização da sua prestação laboral.
Diga-se ainda que
21.ºA arguida mantém um relacionamento muito afectuoso com a aluna N…,
22.ºcom quem, por vezes, faz uma brincadeira infantil que consiste em darem palmadas (sem força) nas palmas das mãos uma da outra, enquanto se canta “lá vai uma, lá vão duas”…
23.ºSocorrendo-se de toda a ingenuidade possível, pode a arguida admitir que tenha havido alguma confusão de quem participou tal factos entre os vocábulos “lá” e “má”...
24.ºDiga-se ainda que a arguida nunca aplicou castigos à N… …
25.ºMuito menos o faria, fechando-a na sala de jogos (na qual os alunos se divertem, não são castigados)…
26.ºAcontece que a arguida foi confrontada com a circunstância da aluna N… ter feito as suas necessidades fisiológicas vestida, sujando a sua roupa toda,
27.ºPelo que a arguida, tratou de lhe dar banho e, para que a mesma não apanhasse frio, esteve com ela na sala de jogos — sendo esta a única circunstância que admite poder ter levado a que alguém, precipitadamente, se tenha apressado a ver no comportamento da arguida um castigo à aluna…».
22.A autora, além dos esclarecimentos ora reproduzidos, impugnou toda a factualidade em causa e apontou ainda a caducidade do exercício do poder disciplinar relativamente a todos os factos que chegaram ao conhecimento do empregador em data anterior a 17 de Fevereiro de 2017 — a saber, pelo menos, os constantes de 10.º e 11.º da nota de culpa.
23.A autora reclamou ainda das dificuldades em exercer a sua defesa por força da falta de concretização circunstancial dos factos de que vinha acusada, nomeadamente por:
«49.ºRelativamente ao facto vertido sob o artigo 1.º, fica por saber sequer como ou quando foi danificada a tala e ligadura do aluno,
50.ºnomeadamente nada é apontado no sentido de tal dano já existir quando a arguida arranjou a ligadura em causa, que se apresentava solta.
51.ºNo que concerne ao facto vertido sob o artigo 2.º, nada é dito sobre o modo como ocorreu a lesão da aluna ou sequer quanto à relação que a arguida teria com a referida lesão ou com o seu seguimento.
52.ºNão é indicado o nome de qualquer dos alunos alegadamente maltratados pela arguida no dia 22 de Fevereiro de 2017.
53.ºOs factos vertidos sob os artigos 5.º e 6.º não demonstram qualquer referência horária, sendo impossível à arguida comprovar, por exemplo, que estava noutro local do C… ou sequer se se encontrava nas instalações do C… no momento em que a colega D… diz ter tido aquelas interacções com ela...
54.ºJá relativamente à matéria indicada em 7.º a 9.º, fica ainda mais confundida a arguida, pois vem acusada de ter estado ao final da tarde do dia 15 e do dia 16 ou 17 de Fevereiro de 2017 [sic: “tendo-se repetido no dia seguinte ou dois dias depois”], sentada num banco a bater nas mãos da aluna N… durante meia hora!
55.ºSituação que teria sido antecedida — quando? — pela colocação da dita aluna de castigo na sala de jogos do C….
56.ºE nessa situação, da qual não se sabe a data, apura-se que a trabalhadora M… foi quem retirou a aluna do castigo, apenas para que a arguida a fosse lá pôr outra vez — isto é, dentro da sala de jogos.
57.ºMas, depois de a levar para o castigo, já aparece (como consta nos autos) a aluna sentada no banco a levar palmadas da arguida! [sic: “que aos berros e segurando a menina pelo braço levou-a de novo para o castigo.
Depois de a sentar no Banco a dar palmadas nas mãos mencionava que era ssim que o O… lhe fazia quando ela se portava mal.”].
58.ºNotando-se ainda também que não há qualquer referência ao momento do dia ou aos alunos envolvidos relativamente aos factos indicados sob os artigos 10.º e 11.º»
24.Estranhando, desde logo, as referências na própria nota de culpa a uma “convenção colectiva de trabalho” que enquadra as funções da sua categoria profissional, a autora requereu a junção de tal informação ao processo disciplinar.
25.Surpreendendo ainda a circunstância invulgar de todas as participações apresentadas contra si — por “pais de alunos” inclusive — serem subscritas por nomes que reconhece de actuais ou antigos colegas de trabalho, solicitou ainda informação a esse respeito.
26.Mais requereu, naturalmente, a junção de documentos médicos comprovativos das situações a que aludem os primeiros dois artigos relativos a factos da nota de culpa.
27.Requereu ainda que fossem juntos ao processo disciplinar os termos que definem os procedimentos a ser observados pelas trabalhadoras da sua categoria profissional relativamente aos alunos que sofram acidentes, à assistência a alunos portadores de deficiência ou quanto ao uso do microfone.
28.A autora com indicação dos respectivos temas.
29.A autora requereu ainda, como diligências probatórias, que fossem tomadas declarações a:
a)I…, pai dos alunos H… e G…;
b)J…, mãe dos alunos H… e G…;
c)V…, colega de trabalho que vem referida em 4.º dos factos indicados na nota de culpa;
d)K…, subscritora do documento a fls. 8 do processo disciplinar;
e)S…, subscritora do documento a fls. 11 do processo disciplinar;
f)W…, trabalhador daquele C…, pai da aluna N… (a que se reportam os factos vertidos em 7.º a 9.º da nota de culpa);
g)X…, trabalhadora daquele C…, referida no documento a fls. 10 do processo disciplinar;
h)mãe da aluna Y…, referida no documento a fls. 9 do processo disciplinar.
30.Por fim, requereu ainda a autora que fosse feita a acareação entre si e as trabalhadoras D…, M…, P…, U… e T….
31.A ré remeteu à autora uma comunicação datada de 8 de Junho de 2017 a comunicar a cessação da suspensão preventiva e a informar que esta poderia regressar ao trabalho no dia 12 de Junho.
32.A ré remeteu ainda à autora uma comunicação datada de 14 de Junho de 2017, por via postal, registada apenas no dia 16 de Junho e que foi recebida pela autora no dia 20 de Junho, a comunicar o desfecho do processo disciplinar com a decisão de aplicação de uma repreensão registada.
33.Tal decisão, como se lê na respectiva missiva, fundamenta-se no relatório final que acompanhou a mesma.
34.Relatório final esse que, após reproduzir a nota de culpa e a respectiva defesa da trabalhadora, indica as funções inerentes à categoria profissional da autora nos termos do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável — porém omitindo qualquer indicação concreta quanto ao mesmo.
35.Tal documento prossegue com a elaboração da gravidade das ocorrências porquanto a trabalhadora infractora:
«Omitiu o seu dever de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com o C… com urbanidade e probidade;
Omitiu o seu dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprindo ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho;
Omitiu o seu dever de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da sua entidade patronal;
Não atentou nos especiais cuidados destinados a crianças, obviando, portanto ao cumprimento do dever de prevenção relativamente a situações concretas susceptíveis de desencadear danos e lesões físicas;
Não cooperou com o C…, executando as suas funções de forma adequada e segundo as normas impostas pela função que exerce;
Não se absteve de comportamentos desadequados ao sector de actividade (ensino particular) em que desenvolve as suas funções e que podem por em causa bom nome e prestígio do C… enquanto instituição de ensino.»
36.Lendo-se, de seguida, no mesmo documento que:
«E carecendo de justificação, os comportamentos da trabalhadora infractora — quer os respeitantes aos métodos educativos, quer os respeitantes à provocação de repetidos conflitos com colegas de trabalho, quer a falta de atitude adequada em face das tarefas respeitantes às suas funções, quer o desrespeito pela Direcção do C…, colegas de trabalho, alunos e comunidade educativa no geral (designadamente por não respeitar o ambiente do local de trabalho e não se inibindo de ser desrespeitosa nos locais do C… de acesso aos vários membros da comunidade educativa), não pode deixar de considerar-se que os comportamentos da trabalhadora infractora são susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º do Código de Trabalho — n.º 1, 2, alíneas a), c), d), e) e i) e n.º 3.»
37.Pode ler-se ainda no aludido relatório que foi reconhecida a invocada caducidade do exercício do poder disciplinar relativamente a todos os factos que chegaram ao conhecimento do empregador em data anterior a 17 de fevereiro de 2017.
38.Ao contrário do que se passou com a falta de concretização dos factos apontada pela autora, concluindo a instrutora que:
«A acusação imputada foi devidamente circunstanciada em termos concretos e não genéricos e permitiram à trabalhadora saber a que concretas situações se reportava permitindo-lhe uma efectiva possibilidade de defesa.»
39.No que concerne às diligências probatórias requeridas, entendeu a instrução que: «Sobre a apreciação da relevância das diligências probatórias requeridas, entende-se serem as mesmas impertinentes (em face da decisão final do presente processo), porquanto para além de ser exigida a exibição de documentos cujo carácter sigiloso o impediria, também não se vislumbra como pode a arguida quer das declarações, quer das acareações que requereu, conseguir contribuir para a descoberta de uma verdade diferente da espelhada na factualidade apurada.
Na verdade, as diligências requeridas, com a confrontação directa dos respectivos intervenientes, desencadeariam, a total deterioração do ambiente de trabalho no âmbito do C…, determinado consequências no relacionamento da arguida com os demais colegas e pais de alunos que não sendo possível prever, não podem deixar de ser equacionadas para assim justificar a impertinência das mesmas.
Entende-se, assim, que em nome da serenidade do ambiente do C… e necessidade de o manter como pilar da sua missão educativa, não se deverá proceder à realização das mesmas que mais não serviriam para dar voz à obstinação da trabalhadora arguida que, aparentemente, não pretende reconhecer a violação de qualquer dos deveres laborais de que foi acusada.»
40.Para assim concluir:
«Mantêm-se os seguintes parâmetros constantes da nota de culpa:
— Os factos e omissões apurados integram comportamentos culposos da trabalhadora arguida e representam grave e reiterada violação dos deveres que lhe são impostos nos termos do artigo 128.º do Código de Trabalho, n.º 1, alíneas a), c), e), h) e i), não respeitando e tratando o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa com urbanidade e probidade; não realizando o trabalho com zelo e diligência; não cumprindo ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho; não promovendo ou executando os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e não cooperando com a entidade empregadora no exercício das condições necessárias para a realização das respectivas obrigações.
— A produtividade é um objectivo fundamental a atingir pela comunidade laboral, sendo assim que — como decorre, aliás, das regras de boa-fé que o trabalhador deve, no âmbito da relação laboral actuar de modo a melhorar tal produtividade da empresa, bem como a abster-se de comportamentos que prejudiquem tal objectivo.
— O dever de urbanidade representa um pilar essencial para o estabelecimento de um bom ambiente de trabalho reinvindicado pela comunidade empresarial. Tal dever apresenta-se em três planos de concretização:
- nas relações dos trabalhadores com outros companheiros de trabalho;
- nas relações dos trabalhadores com o empregador;
- nas relações dos trabalhadores com pessoas que estabeleçam quaisquer contactos com empresa — incluindo-se neste último grupo os alunos que frequentam o C… e respectivos pais e encarregados de educação.
— A trabalhadora infractora violou o dever de urbanidade quando, ofendendo a honra, a reputação e o bom nome de colegas e superiores hierárquicos, através de injúrias, ameaças e difamação como resulta da matéria fáctica apurada.
— A trabalhadora infractora violou o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, mostrando não estar disposta a executar actos próprios das suas funções com o grau de esforço exigível para determinar e executar a conduta que representa o cumprimento do dever.
— A culpa e a gravidade dos factos deve ser apreciada em função dos padrões comportamentais de exigência, respectivamente, correspondentes a um trabalhador médio e a um empregador normal nas mesmas circunstâncias.
— A conduta da trabalhadora deve ser apreciada globalmente, tendo em vista captar uma imagem global dos factos e deve verificar-se um nexo de causalidade entre a conduta do trabalhador e a impossibilidade (notória e imediata) da subsistência do contrato de trabalho.
— Os comportamentos da trabalhadora infractora - Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecta; Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador de empresa — tornam imediata e praticamente impossível a relação de trabalho revelando um grau de culpa grave e passível de despedimento com justa causa.
— A existência de justa causa pressupõe comportamento do trabalhador susceptível de constituir infracção disciplinar e que esse comportamento pela sua própria gravidade e consequências determine a inexigibilidade da manutenção da relação laboral pelo empregador, devendo o despedimento mostrar-se proporcional à gravidade da infracção.
— Tanto mais que, no caso concreto, os comportamentos da trabalhadora são susceptíveis de desencadear lesão da imagem pública e da confiança e segurança depositada na Instituição de Ensino por alunos presentes e futuros e respectivos pais e encarregados de educação, não podendo ser descurado o sector de actividade e a componente da confiança e segurança que impele o consumidor à escolha da Instituição. Na verdade, os comportamentos da podem por em causa a idoneidade da instituição e o equilíbrio do ambiente vivenciado por toda a comunidade educativa.
Não obstante, e tendo em conta:
As seguintes alegações da trabalhadora na sua defesa:
— A arguida é trabalhadora da acima referida entidade patronal desde 15 de Setembro de 2003.
— É uma trabalhadora aplicada e dedicada, apaixonada pela actividade que desempenha, com brio e atenção.
— Nunca recebeu qualquer tipo de sanção disciplinar durante os quase quinze anos de antiguidade que já leva nesta casa.
A ponderação sobre a verificação das seguintes circunstâncias:
— A suspensão preventiva imposta à trabalhadora arguida que se manteve entre 1 de Março 12 Junho — legitimada pela necessidade de evitar conflitos e em nome da paz no ambiente de trabalho do C… e ainda pela necessidade de evitar que se desencadeasse qualquer lesão na imagem pública e da confiança e segurança depositada na Instituição de Ensino por alunos presentes e futuros e respectivos pais e encarregados de educação — teve carácter punitivo que se considera adequado à desconformidade e intensidade da conduta da trabalhadora no sentido de a exortar para a necessidade de alterar o seu comportamento;
— Pedidos efectuados pela própria trabalhadora infractora — na pendência do processo disciplinar — dirigidos pessoalmente à direcção do C…, para que não fosse despedida;
— Ser entendimento da Direcção do C…, dar mais uma oportunidade à trabalhadora arguida;
ISTO DITO:
A invocada antiguidade da trabalhadora arguida sem antecedentes disciplinares deverá representar para a mesma um acréscimo de responsabilidades na medida em que o seu comportamento deveria servir de modelo para as mais recentes trabalhadoras do C… de igual função. O mesmo se diga quanto à sua especial obrigação de preservar o bom nome do C… enquanto Instituição de Ensino Particular de reconhecido mérito na cidade ….
Nesta conformidade, a decisão do presente processo disciplinar, terá, no mínimo, que consubstanciar uma Advertência, Aviso ou Censura dirigida à trabalhadora arguida admoestando-a severamente pelas infracções praticadas e alertando-o para a necessidade de executar correctamente os seus deveres.
Assim, deverá o presente relatório incluir a consequente exortação da trabalhadora arguida para o acatamento dos seus deveres, incutindo-lhe a necessidade de reposição da estabilidade da relação laboral em causa e de actuação conforme as exigências das suas funções, local e ambiente de trabalho, tendo em conta os pressupostos de boa educação, da serenidade e da correcção com toda a comunidade educativa.
A presente exortação, redunda na prática, a alcançar a sensibilização da trabalhadora infractora no sentido de não mais protagonizar comportamentos irreflectidos, gestos impulsivos e vozes de irritação, dirigidos a colegas, crianças, direcção e demais utentes do C….
Mais deverá a trabalhadora infractora ficar sensibilizada para o facto de que a repetição de comportamentos semelhantes aos praticados e constantes da Nota de Culpa poderão por em causa a sua idoneidade para a manutenção da relação de trabalho e vir a tomar inviável a relação de trabalho.
O parecer da Instrutora vai, assim, no sentido de ser aplicada à arguida a sanção disciplinar prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 328.º do Código de Trabalho — “Repreensão Registada”.»
41.Em suma, não só todas as diligências probatórias requeridas pela autora foram consideradas impertinentes, como também foi proferida a decisão de condenação disciplinar da autora sem que haja forma de conhecer o circunstancialismo fáctico que o empregador considerou como assente.
42.A autora aufere, actualmente, uma retribuição mensal de € 626,89.
43.A Autora sofreu com a suspensão preventiva de que foi alvo e com a decisão de repreensão registada que lhe foi aplicada.
44.Com a suspensão preventiva a Ré impediu a trabalhadora de cumprir com o seu trabalho, negando-lhe o acesso ao seu local de trabalho.
45.Fazendo-a sentir-se revoltada e angustiada por estar a ser tratada como se tivesse feito alguma coisa de mal.
46.Sentindo-se triste e afectada na sua honra como trabalhadora ao pensar nos colegas e clientes do estabelecimento que deixaram de a ver no seu local de trabalho,
47.A suspensão preventiva que lhe foi aplicada terá feito os mesmos pensar que a autora havia feito alguma coisa grave o suficiente para que fosse impedida de trabalhar.
48.Tendo ficado muito triste e com muitas saudades dos alunos com quem deixou de poder acompanhar.
49.A Autora ficou muito deprimida por força da solidão que caracterizou todo esse período de suspensão.
50.Os seus dias deixaram de contar com o convívio e a alegria das crianças com quem trabalha para serem horas que passavam com dificuldade até que a sua própria família regressasse a casa.
51.A Autora aguentou cento e quatro dias de suspensão com muita dor e motivada apenas pela certeza de que nada havia feito que merecesse censura disciplinar e que, por isso, ao final tudo ficaria esclarecido.
52.A Autora nunca havia sido objecto de qualquer censura disciplinar.
53.Tendo passado a dormir com dificuldade e a irritar-se com facilidade com o seu marido e com o seu filho, tudo porque se sente profundamente injustiçada, ofendida e com medo do futuro.
54.A autora tem medo que a presente situação se possa voltar a repetir — isto é, que a ré venha a suspendê-la durante largo período de tempo, instaurando novo processo disciplinar.
55.A retribuição mensal referida em 1) foi, assim, fixada para um contrato a tempo parcial.
56.Entre os meses de janeiro e junho de 2004, a Autora auferiu uma retribuição de base de € 491,13 porque nesse período (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora Ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.
57.Reintegrada por decisão judicial, a Autora regressa ao seu posto de trabalho em outubro de 2005 retomando a situação de trabalho a tempo parcial por um período de 25 horas, passando a retribuição a ser de € 335,54, para o mesmo tempo de trabalho.
58.Aquando o referido em 8), em fevereiro de 2006, entre Autora e Ré (e no interesse da ambas) é acordado, por escrito, a passagem da situação de trabalho a tempo parcial para trabalho a tempo completo, passando a retribuição mensal base para € 510,02.
59.No âmbito da organização da Ré, as retribuições dos colaboradores eram e são determinadas pelas tabelas constantes dos sucessivos Contratos Colectivos aplicáveis.
60.No mês de outubro de 2003 os colaboradores da Ré com a categoria profissional de Auxiliar de Acção Educativa (a mesma da Autora) – Z…, AB…, AC… e AD… – no regime de trabalho a templo completo auferiam a retribuição base de € 491,13 e a Autora – B… – em regime de tempo parcial a retribuição base de € 323,11.
61.No mês de fevereiro de 2006 os colaboradores Z…, B… (ora autora) e AD…, todos em regime de tempo completo auferiam a retribuição base de € 510,02.
62.O processamento de salários é executado por programas informáticos (mais ou menos complexos) que cada organização escolhe de acordo com as mais variadas oportunidades e conveniências.
63.A Autora, desde fevereiro de 2006, exerce funções de Auxiliar de Acção Educativa, a tempo completo.
64.A 1 de setembro de 2014, a Autora declarou escolher como instrumento de regulamentação coletiva o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF – Federação Nacional dos Professores e outros, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 98, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
65.A Autora é pessoa desconfiada e conflituosa.
66.Alguns colegas evitam contactos com a Autora.
67.A Ré não procedeu ao pagamento à Autora do Subsídio de Alimentação que lhe é devido pelos dias de Suspensão Preventiva.
68.I… e J…, pais dos alunos H… e G… remeteram à Ré a exposição de fls. 32, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
69.Que em dia que não foi possível apurar, na sequência de discussão com a colega D… que se encontrava sozinha no Bar, a Autora entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que o marido lhe passava o carro por cima — a quem já havia contactado para o efeito.”
*
Nos nºs 1 e 8 dos factos provados, a Mmª Juíz, ao invés de fazer constar o teor, pelo menos no que se poderá mostrar relevante, dos documentos ai referidos (denominado contrato de trabalho a termo e seu aditamento, respetivamente), limitou-se a dar como reproduzido o teor dos mesmos.
Assim, alteram-se os mencionados pontos por forma a deles fazer constar, no que poderá relevar, o teor dos mesmos:
1.A autora foi admitida ao serviço da ré em 15 de Setembro de 2003 para, sob a direcção e autoridade desta, exercer as funções de Auxiliar de Acção Educativa no C…, sito na Rua …, n.º .., da União de Freguesias … e …, nos termos constantes do denominado “Contrato a Termo Certo” junto aos autos a fls. 92, de cujas clªs consta o seguinte:
“1º O 2º Contraente é admitido ao serviço do 1º Contraente na categoria profissional de AUXILIAR DE ACÇÃO EDUCATIVA.
2º (…)
3º A retribuição mensal base é de €316,77.
4º (…)
5º O presente contrato tem o seu início no dia quinze de Setembro de dois mil e três e o seu término no dia catorze de Setembro de dois mil e quatro.
6º O período de trabalho será de vinte e cinco horas semanais.
(…)”
8.A 1 de fevereiro de 2006, a Autora e Ré acordaram nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 23 vº e 24, do qual consta o seguinte:
“ADITAMENTO AO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO CELEBRADO EM 15 DE SETEMBRO DE 2003
(…)
Considerando
1. Que em quinze de Setembro de dois mil e três, a Primeira Contraente celebrou com a Segunda Contraente um contrato de trabalho a termo certo;
2. Que, nos termos do referido contrato, a Segunda Contraente cumpria apenas vinte e cinco hortas semanais;
3 Que ambas as partes pretendem alargar o horário de trabalho da Segunda Contraente para trinta e oito horas semanais e, em consequência, aumentar a retribuição mensal base da Segunda Contraente.
São acordadas as seguintes cláusulas:
Primeira
1. A Primeira e Segunda Contraente acordam em alterar as cláusulas 3ª e 6 do Contrato de Trabalho a Termo existente entre ambas e celebrado em quinze de Setembro de dois mil e três, passando as mesmas, a partir da presente data, a rter a seguinte redacção:
Clausula 3ª
A retribuição mensal base é de €510,02
“Cláusula 6ª”
O período de trabalho semanal é de trinta e horas semanais.
Segunda
Em tudo o mais mantém as cláusulas do contrato a termo celebrado em quinze de Setembro de dois mil e três.”.
***
III. Delimitação do objecto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, face às conclusões do recurso, são as seguintes as questões suscitadas nele suscitadas pela Recorrente:
a. Da impugnação da decisão da matéria de facto: quanto aos nºs 56 e 69 dos factos provados;
b. Da diminuição da retribuição;
c. Da sanção disciplinar de repreensão registada: se não foi cometida a infracção disciplinar; subsidiariamente, “extemporaneidade”/caducidade do exercício do poder disciplinar; e impossibilidade do exercício do contraditório (por falta de localização no tempo da prática da infracção disciplinar).
***
IV. Questão prévia quanto à impugnação do nº 69 dos factos provados e às questões relativas à aplicação, pela Ré, da sanção disciplinar de repreensão registada [referidas, respectivamente, no ponto III.a) e c)]

A Recorrente impugna o nº 69 dos factos provados [69.Que em dia que não foi possível apurar, na sequência de discussão com a colega D… que se encontrava sozinha no Bar, a Autora entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que o marido lhe passava o carro por cima — a quem já havia contactado para o efeito.], que pretende que seja dado como não provado, argumentando, pelas razões que invoca, no sentido de que: i) não deverá ser valorizado o depoimento da testemunha D…, donde decorreria que a sanção disciplinar aplicada pela Ré deve ser eliminada; ii) subsidiariamente, pretende que tal ponto da matéria de facto seja alterado no sentido de o mesmo ser temporalmente situado em data anterior a setembro de 2016, para concluir no sentido da “extemporaneidade”, nos termos do art. 329º, nº 2, do CT, da sua aplicação; iii) subsidiariamente, diz ainda, o comportamento referido nesse nº 69 não se encontra situado no tempo, o que implica a impossibilidade do exercício do contraditório.
A Ré, no âmbito de procedimento disciplinar que instaurou à A., contra ela deduziu nota de culpa, vindo, no culminar daquele, a aplicar-lhe a sanção disciplinar de repreensão registada, entre outros, pelo facto descrito no nº 69 dos factos provados.
Na sentença recorrida, no que ora releva, referiu-se o seguinte:
“Dos autos e, relativamente aos factos imputados à Autora apenas ficou provado que a mesma, em dia que não foi possível apurar, na sequência de discussão com a colega D… que se encontrava sozinha no Bar, a Autora entrou no seu interior, fechou a porta, para que ambas ficassem a sós, e ameaçou-a de que o marido lhe passava o carro por cima — a quem já havia contactado para o efeito.
Relativamente a este episódio entendemos ser a conduta da Autora ilícita, na medida em que, conforme resulta do disposto na al. a) do nº 1 do artº 128º do Código do Trabalho, os trabalhadores devem respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.
Ora, a conduta adoptada pela Autora para com a colega de trabalho D… revela o desrespeito por tal dever de respeito, urbanidade e probidade.
Mostrando-se um ato isolado, no âmbito de uma discussão entendo que o grau de ilicitude da conduta é médio.
Aqui chegados há que ponderar da justeza da sanção aplicada pela Ré.
Estabelece o artº 328º do Código do Trabalho que no exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções disciplinares, independentemente de outras fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e sem prejuízo dos direitos e garantias gerais do trabalhador:
a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
f) Despedimento sem qualquer indemnização ou compensação.
Ora, de acordo com o artº 330º do mesmo diploma, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.
(…)
Ora no caso sub judice, a conduta da Autora mostra-se disciplinarmente repreensível tendo assumido a natureza de infracção média.
Por outro lado há a atender que a mesma trabalha para a Ré desde 15 de setembro de 2003, nunca tendo sido objeto de qualquer outro procedimento disciplinar.
A sanção aplicada pela Ré, no caso sub judice, foi a pena de repreensão registada.
Ora, esta sanção pela sua posição na hierarquia das sanções legalmente prevista e acima referida é uma pena apenas adequada a comportamentos em que se revele uma média intensidade de culpa e que não envolvam consequências gravosas.
Trata-se da sanção disciplinar imediatamente anterior à sanção de repreensão.
Assim sendo, face ao facto de se ter demonstrado apenas uma das condutas, das várias que eram imputadas à Autora, de a mesma não ter qualquer antecedente disciplinar, entendemos que, se mostrava mais adequada e proporcional a repreensão, motivo porque se entende, por motivos distintos dos invocados pela Autora, a mesma excessiva, devendo ser a mesma eliminada.[sublinhado e negrito da nossa autoria]
E, em sede de decisão, decidiu-se na sentença recorrida o seguinte: “ a)declaro anulada a sanção disciplinar aplicada de repreensão registada.[sublinhado nosso]
Ou seja, a Mmª Juiz, na sentença, considerou que, à exceção do que consta do mencionado nº 69, nada mais se provou relativamente ao que havia sido imputado à A. na nota de culpa e bem assim que, com base na matéria constante desse nº 69, a sanção de repreensão registada que havia sido aplicada pela Ré e impugnada pela A. nos autos, era excessiva, pelo que deveria ser “eliminada”, vinda a decidir, a final, no sentido da sua “anulação”.
Ou seja, a A./Recorrente, quanto a esse segmento decisório, não ficou vencida, tendo a sua pretensão, ainda que com fundamento diferente do que havia sido por si invocado, obtido provimento pela 1ª instância, importando também esclarecer o seguinte:
Na conclusão 17ª alega a Recorrente que: “17.ª Caso não seja alterada a decisão quanto à matéria de facto no que concerne ao facto dado como provado sob o n.º 69, verifica-se que o tribunal a quo veio considerar regular o exercício do poder disciplinar da recorrida contra a recorrente, apenas ajustando a medida da respectiva sanção.”, mais pretendendo que seja eliminada qualquer sanção disciplinar aplicada à Recorrente. [sublinhado nosso].
O Tribunal a quo, como decorre do acima referido, não aplicou à Recorrente qualquer sanção disciplinar e “não ajustou a medida da respectiva sanção”, sendo que não substituiu, o que aliás nem poderia fazer, a sanção de repreensão registada que havia sido aplicada pela Ré pela de simples repreensão. O tribunal, em sede de impugnação judicial de sanção disciplinar, não se pode substituir, nem no caso se substituiu, ao empregador no exercício do poder disciplinar, aplicando outra sanção. O que lhe cabe fazer, e que foi o que ocorreu nos autos, é ajuizar da adequabilidade e proporcionalidade da sanção disciplinar aplicada pelo empregador e, se concluir pela negativa, revogar a decisão do empregador. E foi isto que sucedeu no caso em apreço, em que a 1ª instância entendeu que a sanção aplicada era excessiva pois que, em seu entender, bastaria a da repreensão e, daí e nessa parte, julgou a ação procedente, tendo “anulado” a sanção aplicada. O que está pois em causa na decisão recorrida não é qualquer decisão no sentido de aplicar uma sanção disciplinar, mormente a da repreensão, mas sim a decisão que julgando procedente, nessa parte, a acção, “anulou” a sanção disciplinar que havia sido aplicada pela Ré.

Dispõe o art. 631º, nº 1, do CPC/2013 que “1. Sem prejuízo dos disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
Diga-se também que se recorre da decisão, não dos seus fundamentos. A decisão não é passível de recurso quando, embora improcedendo os fundamentos invocados pela parte, procede todavia a sua pretensão ainda que com base em diferente fundamento. Os fundamentos, desacompanhados da possibilidade de recurso da decisão por a parte não ter ficado vencida na sua pretensão, não são passíveis, de forma independente ou autónoma, de impugnação por via do recurso.
Ora, no caso, quanto à questão da sanção disciplinar de repreensão registada, a A., ora Recorrente, não ficou vencida, antes foi vencedora, pois que a acção, quanto à anulação dessa sanção, foi julgada procedente, ainda que por um diferente fundamento, assim carecendo a A. de legitimidade para, nessa parte, impugnar a sentença. E carece de legitimidade para a impugnar quer quanto à decisão da matéria de facto contida no nº 69 dos factos provados, quer quanto aos fundamentos que invoca em sede de recurso para sustentar que não lhe devia ter sido aplicada, pela Ré, tal sanção, para além de que essa impugnação não é admissível pois que, como referido, não se recorre apenas dos fundamentos. A sanção disciplinar de cuja aplicação, pela Ré, a Recorrente discordava, foi anulada pela sentença recorrida tal como havia sido peticionado e, tendo-o sido, do que a A. discorda é, tão só, dos fundamentos da sentença, mas não já da decisão.
Acresce dizer que, face ao referido, o conhecimento da impugnação da matéria de facto quanto ao nº 69 dos factos provados, porque sem qualquer reflexo a nível decisório, não tem utilidade alguma, sendo, nos termos do art. 130º do CPC, proibida a prática de atos inúteis.
E esclarece-se que tal impugnação também não tem qualquer reflexo relativamente aos demais pedidos em que a A. decaiu, ou em que decaiu parcialmente, designadamente quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, sendo que a sentença, quanto ao segmento decisório relativo à condenação da Ré na indemnização de €2.000,00 por tais danos, não é posta em causa no recurso.
Assim sendo, não se admite o recurso quer quanto à impugnação do nº 69 dos factos provados, quer quanto aos demais fundamentos jurídicos invocados pela Recorrente no recurso relativos à questão da sanção disciplinar que havia sido aplicada pela Recorrida, mas que veio a ser “anulada” pela sentença recorrida
***
V. Fundamentação

Face ao referido no ponto anterior resta apreciar das questões referidas no ponto III. a., este quanto à impugnação da decisão da matéria de facto relativa ao nº 56 dos factos provados e III.b., relativa à alegada diminuição da retribuição.

1. Da impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao nº 56 dos factos provados

No nº 56 dos factos provados foi dado como provado que “56.Entre os meses de janeiro e junho de 2004, a Autora auferiu uma retribuição de base de € 491,13 porque nesse período (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora Ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.[sublinhado nosso]
Pretende a Recorrente que seja, apenas, dado como provado que “Entre os meses de Janeiro e Junho de 2004, a autora auferiu uma retribuição base de € 491,13,” e como não provado o segmento sublinhado, de onde consta que “nesse período [de Janeiro a Junho de 2004] (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente — que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.”
Para tanto alega que “tendo as partes celebrado um contrato de trabalho escrito — junto a fls. 92 pela recorrida, como doc. n.º 1 da respectiva contestação — e constando desse documento que o período de trabalho da recorrente era de 25 horas semanais, o tribunal a quo não podia ter dado como provado com base na prova testemunhal produzida que as partes tinham acordado entre os meses de Janeiro e Junho de 2004 um número maior de horas de trabalho como período normal de trabalho da recorrente, por tal espécie de prova não ser admissível face ao disposto no n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil (CC), nos termos do qual a prova por testemunhas é inadmissível se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º do mesmo código, independentemente destas serem anteriores, posteriores ou contemporâneas da convenção escrita. Resulta certo in casu que não se verifica qualquer das situações que têm fundamentado doutrinal e jurisprudencialmente a admissibilidade da prova testemunhal em violação aparente do artigo 394.º, n.º 1, do CC, nomeadamente quando haja qualquer princípio de prova escrita. De facto, na presente questão, nada há para além do depoimento daquelas testemunhas que possa sequer admitir a possibilidade de ter havido um acordo entre as partes para que a recorrente trabalhasse mais horas do que as acordadas.”.
Entende assim que, face à aceitação da Ré, no art. 12º da contestação, do pagamento da retribuição mensal de € 491,13 entre Janeiro e Junho de 2004 e dos recibos de remunerações juntos, por um lado, mas, por outro, à impossibilidade de prova testemunhal que contrarie o mencionado contrato de trabalho (art. 394º do CC), deverá ser dado como provado apenas que, no mencionado período, lhe foi paga a retribuição mensal de €491,13, e como não provado o demais que consta desse nº 56.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença, quanto ao nº 56 dos factos provados, referiu-se o seguinte:
“j)quanto aos factos vertidos sob os nºs 56 e 57, teve o Tribunal por base o depoimento da testemunha E…, professora, membro efetivo da C… desde 1973 e diretora à data da contratação da Autora, tendo sido a mesma que assinou a carta de não renovação do contrato daquela.
A testemunha referiu que inicialmente, a Autora foi contratada a termo e com horário parcial. Acontece que, pouco tempo depois de a Autora ter sido contratada houve uma funcionária que ficou gravemente doente, o que as levou a pedir à Autora para fazer horário mais alargado até junho de 2004, para suprir faltas daquela. Tal foi aceite pela Autora o que contribuiu para o acréscimo das horas trabalhadas e, consequentemente, da retribuição paga.
Também a testemunha F…, técnica superior, que trabalha há 26 anos para a Ré, inicialmente na secretaria e depois na contabilidade descreveu o contrato inicial da Autora como sendo a tempo parcial - 5 horas por dia, 25 horas semanais, sendo que à data, a tempo completo eram 38 horas semanais.
A testemunha esclareceu ainda que a tabela salarial usada pela Ré é para as 38 horas e utilizaram tal tabela para encontrar o valor do vencimento para o trabalho em part-time.
Esclareceu a testemunha que a Autora foi admitida a 15 de setembro de 2003 – entrou a meio do mês, sendo-lhe aplicada tabela existente à data.
Esclareceu a testemunha que em dezembro de 2003 a Autora auferiu a quantia de € 401,13 que era o valor do horário completo, o que acontecia normalmente quando era pedido pela direção da Ré para darem mais umas horas.
A testemunha referiu que a funcionária AE… esteve com problema de saúde. A mesma entrava de baixa, depois voltava e voltava a entrar ao serviço. Referiu a testemunha julgar que será por isso que a Autora trabalhou mais horas, ou seja, em substituição daquela funcionária, deixando de o fazer em julho de 2004 uma vez que, deixando de haver alunos, não há tanta necessidade de trabalho das auxiliares.”.
A Recorrente não põe em causa que a prova testemunhal a que a Mmª Juiz alude na fundamentação corrobore o segmento ora impugnado do nº 56 dos factos provados. O que entende é que, pelas razões mencionadas (art. 394º do CC), no caso não seria admissível prova testemunhal sobre tal segmento.
Nos arts. 11 e 12 da contestação a Ré havia alegado que: “11. A Autora – como se disse – foi admitida em 15 de Setembro de 2003 e a ora Ré fez cessar o seu contrato (ainda que ilicitamente) em 15 de Setembro de 2004, período durante o qual a retribuição de base daquela correspondeu precisamente àquele valor de € 323,11. 12. Porém, entre os meses de Janeiro e Junho de 2004, a Autora auferiu uma retribuição de base de € 491,13 porque nesse período (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora Ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.”, correspondendo o nº 56 dos factos ao nº 12 da contestação.
A A. foi admitida ao serviço da Ré aos 15.09.2003 mediante a celebração do denominado “Contrato de Trabalho a Termo” a que se reporta o nº 1 dos factos provados, outorgado aos 15.09.2003, dele constando: como período de início e termo, respectivamente, 15.09.2003 e 14.09.2004 [clª 5ª]; que “a remuneração mensal base é de €316,71” [clª 3ª]; e que “o período de trabalho será de 25 horas semanais.”.
No caso, a Recorrente não põe em causa que, no nº 56 dos factos provados, tenha sido dado como provado que a A. recebeu, no período em causa, retribuição (no montante de €491,13) superior à que havia sido acordada, a qual aliás decorre de aceitação/confissão da Ré nos articulados e dos recibos de vencimento. Põe, todavia, em causa a razão desse pagamento, que ficou consignado em tal ponto, por entender que sobre ele não seria, nos termos do art. 394º do CC, admissível prova testemunhal.
Dispõem os arts. 393º e 394º do Cód. Civil que:
Artigo 393.º
(Inadmissibilidade da prova testemunhal)
1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.
Artigo 394.º
(Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele)
1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
Importa desde já referir que não está em causa nos autos qualquer acordo simulatório, pelo que não é aplicável o nº 2 do art. 394º.
Ao contrato de trabalho celebrado aos 15.09.2003 foi introduzida uma alteração, qual seja a relativa à retribuição que, de Janeiro a Junho de 2004, ou seja, em período posterior à celebração daquele, passou a ser superior à aí prevista. Ora, o facto que a Recorrente impugna tem a ver com a explicação ou razão de ser da mesma, e não com uma alteração contemporânea ao que as partes inicialmente haviam acordado no contrato de 15.09.2003 não se vendo que o segmento ora impugnado, que tem por objecto a explicação ou razão de ser de uma alteração que foi posteriormente introduzida ao mencionado contrato [alteração da remuneração] não pudesse ser objecto de prova testemunhal.
Aliás, o regime do art. 394º do CC não impede, como decorre do art. 393º, nº 3, a produção de prova testemunhal sobre o contexto e /ou motivação do convencionado por escrito e, muito menos, sobre o contexto/motivação da alteração verbal, que as partes no caso aceitaram por acordo das partes nos articulados (no caso, da retribuição), do que inicialmente havia sido convencionado por escrito. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág.342 “[a]dvirta-se, em todo o caso, que o artigo 394º se refere apenas às convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, não excluindo por conseguinte a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elementos, como o fim ou o motivo por que a dívida documentada foi contraída (…)”.
Por outro lado, no Acórdão do STJ de 25.06.2002, Proc 01S3722, in www.dgsi.pt, ainda que por maioria, considerou-se ser admissível prova testemunhal para prova de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a retribuição constante do clausulado no contrato de trabalho, nele se referindo, para além do mais, o seguinte:
“(…)
As questões da qualificação como formalidade ad substantiam ou ad probationem da exigência de menção da retribuição quer na generalidade dos contratos de trabalho a termo, quer no contrato de praticante desportivo (que é sempre, por imposição legal, um contrato de trabalho a termo, (…)) e da admissibilidade de prova, designadamente testemunhal, para demonstração de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito já foram objecto de diversas decisões dos tribunais superiores e nomeadamente deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que não se trata de formalidade ad substantiam e de que é admissível a prova da diversidade entre a retribuição efectivamente acordada e a retribuição exarada no escrito contratual, quer essa disparidade seja contemporânea da celebração do contrato quer resulte da evolução no tempo da componente retributiva.
Embora não sejam inteiramente transponíveis para a situação dos contratos de trabalho de praticante desportivo todos os argumentos esgrimidos a propósito dos comuns contratos de trabalho a termo, designadamente os que se estribam no propósito do legislador de desincentivar o recurso a esta forma de contratação e na diferenciação legal expressa das consequências da omissão das indicações elencadas no n.º 1 do artigo 42.º da LCCT, só algumas conduzindo à conversão do contrato com termo em contrato sem termo (argumentos inaplicáveis ao contrato de trabalho de praticante desportivo, que é sempre celebrado a termo e nunca se converte em sem termo), interessará recordar os traços fundamentais da apontada orientação jurisprudencial. A questão foi recentemente tratada, com algum desenvolvimento, no acórdão de 15 de Maio de 2002, processo n.º 2544/01, pelo que passaremos a sintetizar o que aí se explanou.
Atendendo a que as razões da imposição de forma escrita na celebração dos comuns contratos de trabalho a termo consistem, fundamentalmente, no propósito de reduzir a situação de instabilidade do trabalhador e de assegurar operacionalidade ao controle da genuinidade dos motivos invocados para a celebração desse tipo excepcional de vinculação laboral, dificultando dissimulações e fraudes à lei, o artigo 42.º da LCCT, após elencar, no n.º 1, as indicações que devem constar do contrato escrito, distingue, nos subsequentes n.ºs 2 e 3, os efeitos da falta dessas indicações, o que revela bem que nem todas revestem a mesma importância e dignidade: assim, só são sancionadas com a conversão do contrato celebrado em contrato sem termo (para além da falta de assinatura, nome ou denominação das partes) a falta da indicação do prazo estipulado ou do motivo justificativo da celebração deste tipo de contrato, e, "no caso de contratos a termo incerto, da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído". Se faltar a indicação da data de início do trabalho, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração, e só se faltar simultaneamente a indicação da data de início do trabalho e da data da celebração do contrato é que este também se considera celebrado sem termo. Por isso se concluiu que, perante este quadro legal, dentre as indicações elencadas no n. 1 do artigo 42 da LCCT, nem relativamente a todas a imposição da sua menção no contrato escrito assume a relevância de formalidade ad substantiam, isto é, de requisito de validade do contrato: sê-lo-á seguramente quanto às menções referidas na sua alínea e) (prazo estipulado e motivo justificativo), mas já não, por exemplo, quanto à menção da retribuição.
É este também o entendimento da doutrina e da jurisprudência, tendo-se transcrito, no citado acórdão, as opiniões de Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1999, págs. 631 a 633), Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra, 1999, pág. 310) e Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Coimbra, 2002, págs. 622 a 624).
No que se refere à jurisprudência, começou por referir-se que, inicialmente, este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 26 de Outubro de 1994, processo n.º 4061 (Acórdãos Doutrinais, ano XXXIV, n.º 399, Março de 1995, pág. 350, e Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, 1994, tomo III, pág. 279), decidiu que: "II - No contrato de trabalho a prazo são só elementos da sua validade as cláusulas ad substantiam do n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, além da sua redução a escrito, n.º 1 desse artigo, sendo ad probationem as restantes cláusulas, entre elas a remuneração ao trabalhador. III - Assim, dada a natureza desta cláusula, o pacto verbal contrário à remuneração do contrato é válido, mas, face ao artigo 394.º, n.º 1, do Código Civil, é inadmissível a prova por testemunhas, contra ao clausulado no contrato, pelo que a remuneração do autor é a constante desse contrato escrito".
Porém, o entendimento vertido no ponto III (inadmissibilidade de prova por testemunhas de pacto verbal contrário à remuneração mencionada no contrato escrito) não foi seguido nas posteriores decisões deste Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo os acórdãos de 12 de Março de 1997, processo n.º 204/96 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo I, pág. 296), de 16 de Abril de 1997, processo n.º 221/96 (cujo texto integral consta de www.dgsi.pt n.º do documento: SJ199704160002214), e de 18 de Novembro de 1999, processo n.º 200/99 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, 1999, tomo III, pág. 278; também publicado e anotado em José Manuel Meirim, O Desporto nos Tribunais, Lisboa, 2001, pág. 221).
Esta última orientação, que se pode considerar dominante, assenta em duas grandes linhas de argumentação.
Por um lado, mesmo no estrito domínio do direito civil, por natureza mais formalista, tem sido sustentado que a norma do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil ("É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores") não pode ser lida como implicando a proibição absoluta da admissibilidade da prova testemunhal, sendo antes de considerar que tal prova é de admitir, pese embora a redacção do preceito, de forma a obstar a graves iniquidades a que a "regra do n.º 1 do artigo 394.º, bem como a aplicação que dela é feita no n.º 2 do mesmo artigo, poderiam dar lugar, quando aplicadas sem restrições" (Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1973, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, pág. 311). Como se refere no citado acórdão de 16 de Abril de 1997: "(...) a aplicação irrestrita da regra do n.º 1 (tal como do n.º 2) do artigo 394.º pode suscitar graves iniquidades, mesmo no domínio puro do direito civil. Por isso, conforme dá conta Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, págs. 311 e seguintes), os Códigos francês e italiano que consagram regra semelhante lhe formulam várias excepções. Não obstante a formulação irrestrita da regra do n.º 1 (e do n.º 2) do artigo 394.º, Vaz Serra (e também, no seu seguimento, Mota Pinto, Colectânea de Jurisprudência, ano X, 1985, tomo III, págs. 11 e seguintes) propugna a admissibilidade da prova testemunhal nas situações excepcionais admitidas naqueles Códigos a) quando haja um começo ou princípio de prova por escrito; b) quando tenha sido impossível, moral ou materialmente, ao contraente obter uma prova escrita; e c) quando se tenha perdido, sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova."
A outra linha argumentativa assenta na natureza específica do direito de trabalho e, dentro deste, da garantia da retribuição (considerando a importância decisiva que ela assume para quem presta a sua actividade a outrem e tem nela a base principal, muitas vezes única, do seu sustento e dos seus dependentes) e dos poderes do tribunal na sua determinação. A este respeito, dispõe, com efeito, o artigo 90.º da LCT que: "1. Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato. 2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador". Ora - argumenta-se no citado acórdão de 12 de Março de 1997 -:
"Se são cometidas ao julgador as apontadas tarefas, parece seguro que o desempenho delas, por definição correcta, é incompatível com uma limitação dos meios de prova admissíveis, questão que se coloca quando a retribuição respeitar a contrato a termo, reduzido a escrito.
(...)
Ora, a especificidade do regime que preside à fixação da retribuição, que, sendo essencial, como se viu, não tem de ficar ab initio determinada, como bem evidencia o transcrito artigo 90.º da LCT, não é compatível com a observância do regime probatório restritivo do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil.
Daí que tenhamos por inaplicável a regra do citado artigo 394.º, n.º 1, à hipótese dos autos e consideremos que não era vedada a audição de testemunhas no apuramento da retribuição que o motorista auferia e que se apurou ser bem superior aos 74500 escudos mensais que ficaram consignados no escrito.
É óbvio que se o recurso à prova testemunhal se impõe quando as partes não deixaram fixada no escrito a retribuição, semelhantemente há que admitir a produção de uma tal prova na demonstração de que o valor que ficou consignado não corresponde ao que efectivamente a entidade patronal acordou pagar como retribuição."
Ou seja, resulta do mencionado aresto que a convenção, no contrato de trabalho escrito, de determinada retribuição não obsta a que seja feita prova testemunhal de que é outro o valor da retribuição acordada e/ou paga, o que vale, dizemos nós, especialmente tendo em conta que, face à perenidade do contrato de trabalho e consequente longevidade da sua execução, as condições de trabalho, mormente a retribuição, se vão alterando ao longo do tempo. E se tal sucede em relação à alteração da retribuição, afigura-se-nos que, pela mesma razão, poderão ser alteradas as condições relativas ao período normal de trabalho e/ou ao horário de trabalho, alterações que poderão ser provadas por via testemunhal ainda que diferentes das que inicialmente haviam sido acordadas no contrato de trabalho escrito. O que, e por maioria de razão, vale também para a prova do contexto e/ou das razões que levaram à alteração dessas condições, designadamente retribuição e período e/ou horário normal de trabalho.
Não se nos afigura, pois, que proceda o argumento da Recorrente, centrado no art. 394º do CC, de que não seria admissível prova testemunhal sobre o facto que ora impugna.

No entanto, o Tribunal não está vinculado às alegações das partes em matéria de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do CPC/2013), pelo que, embora sem prejuízo do que acima se disse, importa ainda referir o que de seguida se dirá.
O contrato de trabalho celebrado entre as partes aos 15.09.2003, além de consubstanciar um denominado contrato de trabalho a termo (embora posteriormente considerado como sem termo), consubstancia simultaneamente um contrato de trabalho a tempo parcial, sujeito, a essa data, ao regime da Lei 103/99, de 26.07, dele constando a indicação do número de horas semanais e a retribuição acordadas (€316,77).
Decorre, contudo, do nº 56 dos factos provados que, no período de janeiro a junho de 2014, a Ré passou a pagar à A. a retribuição mensal de € 491,13, facto este não impugnado, e bem assim que tal sucedeu “porque nesse período (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora Ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.”, este o segmento impugnado com fundamento em que, sobre ele, não poderia incidir prova testemunhal.
À data dessa alteração já estava em vigor o CT/2003, aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08 e que entrou em vigor aos 01.12.2003, diploma este o aplicável a tal alteração.
O trabalho a tempo parcial encontra-se regulado nos art. 180º e segs, estipulando o art. 184º que: “1. Do contrato de trabalho a tempo parcial deve constar a indicação do período normal de trabalho diário e semanal com referência comparativa ao trabalho a tempo completo. 2. Quando não tenha sido observada a forma escrita, presume-se que o contrato foi celebrado por tempo completo. 3. Se falta no contrato a indicação do período normal de trabalho semanal, presume-se que o contrato foi celebrado para a duração máxima do período normal de trabalho admitida para o contrato a tempo parcial pela lei ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável.”
E, no art. 186º, nº 1, determina-se que: “1. O trabalhador a tempo parcial pode passar a trabalhar a tempo completo, ou o inverso, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com o empregador.”
Tendo em conta que é exigido que o período normal de trabalho deve constar do acordo escrito, tal como a passagem do trabalho a tempo parcial para tempo inteiro (ou vice-versa), poder-se-ia questionar se, face ao disposto no art. 364º do Cód. Civil, seria admissível prova testemunhal sobre o segmento do nº 56 dos factos provados ora impugnado [o referido art. 364º dispõe que: “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. 2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contando que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”]
Luís Miguel Monteiro, in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, 2005, Almedina, em anotação ao art. 184º do CT/2003 refere o seguinte: “(…). A forma escrita não constitui, porém, formalidade ad substantiam, pois a sua inobservância não determina a invalidade do contrato, nem do regime de tempo parcial escolhido pelas partes. A falta de forma escrita determina tão-somente que se presume, ilidivelmente como é regra (nº 2 do artigo 350º do CC), a celebração do contrato de trabalho a tempo inteiro, cabendo ao interessado fazer a prova do contrário. Esta prova admite qualquer meio, não se aplicando, por isso a limitação decorrente do nº 2 do artigo 364º do CC.”
Ou seja, em caso de contrato de trabalho a tempo parcial não reduzido a escrito, não é afastada a prova testemunhal para ilidir a presunção, decorrente do art. 184º, nº 2, da existência de um contrato de trabalho a tempo completo. E muito menos o é para prova do período normal de trabalho acordado, pois que, como decorre do nº 3 do art. 184º, se no contrato escrito faltar tal indicação, há apenas que presumir [presunção ilidível] que o foi pelo período máximo admitido para o contrato de trabalho parcial [que, no âmbito do CT/2003, correspondia a 75% do praticado a tempo completo – cfr. art. 180º, nº 1].
Do referido se conclui, pois, ser admissível a prova testemunhal para prova do segmento, ora impugnado, do nº 56 dos factos provados, ou seja, para prova da razão por que, no período de janeiro a junho de 2004, a A. auferiu a retribuição de €491,13, qual seja a celebração de “um acordo entre a mesma e a ora Ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.
Assim, e concluindo, improcede a impugnação aduzida quanto ao nº 56 dos factos provados.

2. Da diminuição da retribuição

Na petição inicial a A. reclamava o pagamento total da quantia de € 32.483,04 a título de retribuições em falta por força da diminuição da retribuição paga à autora verificada desde Outubro de 2005, para tanto invocando o princípio da irredutibilidade da retribuição e alegando que: “77.º Dúvidas não pode haver, face à matéria exposta acima de 2.º a 10.º, que a ré procedeu unilateralmente à redução da retribuição da autora do valor horário de € 4,28 para € 3,10. 78.º Tendo a autora passado, como se disse, desde Outubro de 2005, a auferir um salário ilíquido mensal de € 335,54 ao invés dos € 491,13 que auferia anteriormente. 80.º Sendo de € 155,59 [= € 491,13 - €335,54] a diferença a considerar relativamente aos meses de Outubro de 2005 a Janeiro de 2006 e respectivos subsídios de férias e Natal. 81º. Resultando assim em € 933,54 [= € 155,59 x 6] (novecentos e trinta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos) o valor de retribuição não paga relativa aos meses de Outubro de 2005 a Janeiro de 2006 e respectivos subsídios de férias e Natal. Porém, 82.º em Fevereiro de 2006, a ré veio aumentar o período normal de trabalho da autora, estabelecendo o aumento proporcional da sua retribuição mensal — de 25 horas para 38 horas e de € 335,54 para €510,02. 83.º Ora, não sendo lícito à ré proceder à redução unilateral da retribuição da autora, como fez em Outubro de 2005, sempre teremos de concluir que o aumento proporcional da retribuição desta face ao aumento do seu período normal de trabalho, teria de ser estabelecido com respeito pela retribuição de € 491,13 que esta auferia por 25 horas de trabalho semanais. 84.º Pelo que tal aumento proporcional teria de alcançar, no mínimo, o valor ilíquido mensal de €704,77 [= ((€ 4,28 x 38) x 52) / 12] (…). Na verdade, 85.º se atendermos à retribuição mensal que deveria ser auferida, nos termos da lei, pela autora após a respectiva reintegração — isto é € 491,13 por 25 horas de trabalho semanais — logo se conclui que o pagamento de € 510,02 por 38 horas de trabalho semanais significa praticamente a manutenção da retribuição da autora face a um aumento muito substancial das horas de trabalho prestadas. 86.º Assim, com respeito pelo disposto nos artigos 263.º e seguintes do Código do Trabalho em vigor à data, tem de se concluir que a autora passou a auferir uma retribuição inferior, uma vez que passou a trabalhar, pelo menos, mais cerca de 58 horas por mês e a auferir apenas mais € 18,89 por igual período. 87.º Como acima se expôs, apenas com a fixação de uma retribuição ilíquida mensal de € 704,77 é que não se verificaria a redução da retribuição da trabalhadora, aqui autora, resultando assim em € 194,75 o valor mensal em falta. 88.º Tal valor está em falta, como se disse, desde Outubro de 2005 e até à presente data, num total de 143 meses, acrescido de 13 subsídios de férias e de 12 subsídios de Natal. 89.º O que resulta num valor de € 32.718,00 [= (143 + 13 + 12) x € 194,75] (…).”.
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“(…). Ora, dos autos resultou apurado que a autora foi admitida ao serviço da ré em 15 de Setembro de 2003 para, sob a direcção e autoridade desta, exercer as funções de Auxiliar de Acção Educativa no C…, sito na Rua …, n.º .., da União de Freguesias … e …, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Da leitura desse contrato resulta que Autora e Ré acordaram um período de trabalho de 25 horas semanais – contrato de trabalho a tempo parcial - e uma retribuição mensal de € 316,77.
Assim, resulta que a retribuição acordada pelas 25 horas semanais a prestar pela Autora era de € 316,77.
Ao contrário do que pretendia a Autora, a mesma não acordou com a Ré, conforme resulta do contrato de trabalho celebrado e atrás referido, a quantia de € 4,28 por hora mas sim a retribuição mensal de € 316,77. Apurou-se sim que, entre os meses de janeiro e junho de 2004, a Autora auferiu uma retribuição de base de € 491,13 porque nesse período (e apenas nesse), foi celebrado um acordo entre a mesma e a ora Ré, tendente a suprir tarefas de um colega que se encontrava ausente – que implicou, portanto, maior número de horas trabalhadas.
Temos pois que, conforme ficou apurado, uma vez que tal foi alegado pela Autora e aceite pela Ré (artº 3º da PI), a Ré cumpriu a obrigação de pagamento da retribuição até transmitir à Autora a não renovação do contrato de trabalho.
Acontece que a Autora impugnou judicialmente tal decisão e veio a ser reintegrada, sendo que, primeiro mês após tal reintegração, a ré pagou à autora a retribuição de € 167,77.
Assim, em outubro de 2005, a Ré pagou à Autora o vencimento base de € 167,77, em novembro de 2005 pagou o vencimento base de € 335,54 e € 120,13 de diferenças de subsídio de férias e em dezembro de 2005 pagou o vencimento base de € 335,54 e igual quantia de subsídio de Natal, e em janeiro de 2006 pagou o vencimento base de € 335,54.
Apurado ficou que, a 1 de fevereiro de 2006, a Autora e Ré acordaram nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 23 vº e 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo acordado que a Autora passaria a trabalhar 38 horas mensais – contrato de trabalho a tempo integral – passando a auferir a quantia mensal de € 510,02.
Temos pois, sem mais, que, face às retribuições mensais acordadas e constantes do contrato celebrado a 15 de setembro de 2003 e do aditamento celebrado a 1 de fevereiro de 2006, a Ré pagou sempre à Autora o que com a mesma acordou, não reduzindo à mesma a retribuição.”. [fim de transcrição]
Decorre do alegado pela A. na p.i. que a causa de pedir das diferenças salariais peticionadas assentava, apenas, na circunstância de, segundo ela: ter passado a auferir a retribuição mensal de €491,13 correspondente às 25 horas de trabalho semanal que haviam sido acordadas no contrato de trabalho celebrado aos 15.09.2003, sendo que, a partir de outubro de 2005, para o mesmo número de horas, lhe foi paga retribuição mensal inferior (de €335,54); e que, a partir de fevereiro de 2006, o período de trabalho semanal, que até então era de 25 horas semanais, foi aumentado para 38 horas semanais, sendo que o aumento da retribuição então verificado não foi proporcional ao aumento do período normal de trabalho [sendo a retribuição de €491,13 para 25 horas de trabalho semanal, aquela foi apenas aumentada para €510,02 para 38 horas de trabalho semanal].
Considera assim a A. ter havido diminuição de retribuição, o que violaria o princípio da irredutibilidade da mesma, posição esta que reitera no recurso.
A pretensão da A. e sua fundamentação passava, pois, pela pretendida alteração do nº 56 dos factos provados de modo a que dele passasse a constar, tão-só, que de janeiro a junho de 2004 auferiu a retribuição de €491,13 [para, depois, poder concluir que esta corresponderia apenas às 25 horas de trabalho semanal e não a um aumento do número de horas de trabalho e, daí, segundo a Recorrente, a subsequente diminuição da retribuição].
Ora, tendo improcedido a pretendida alteração do nº 56 dos factos provados, impõe-se concluir no sentido da improcedência do recurso, sendo que, no período de janeiro a junho de 2004, a A. passou a auferir a retribuição de €491,13 uma vez que, por acordo entre as partes, foi aumentado, apenas nesse período, o período normal de trabalho semanal, correspondendo a retribuição de €491,13 a esse aumento do tempo de trabalho.
Ou seja, tendo em conta o nº 56 dos factos provados e a improcedência da alteração pretendida pela Recorrente, falece o pressuposto em que a mesma fez assentar a sua pretensão, qual seja o de que a retribuição mensal de €491,13 corresponderia apenas a 25 horas de trabalho semanal.
Acrescente-se que a retribuição auferida pela A. no citado período de janeiro a junho de 2004, bem como após fevereiro de 2006 correspondeu à que era auferida pelos trabalhadores a tempo inteiro, como decorre dos nºs 60 e 61 dos factos provados.
Por fim, e ainda que tal não constitua a causa de pedir invocada, sempre se dirá o seguinte:
Nos termos do art. 186º do CT/2003 [diploma em vigor à data da alteração verificada em janeiro de 2004], o trabalhador a tempo parcial pode, por acordo entre as partes, passar a trabalhar a tempo inteiro por período determinado [assim como, ainda que sempre a tempo parcial e por acordo das partes, pode o período normal de trabalho ser alterado, designadamente aumentado].
É certo que tal alteração deve ter lugar por acordo escrito do trabalhador [art. 186º, nº 1] e que, devendo do contrato de trabalho a tempo parcial constar a indicação do período normal de trabalho [art. 184º, nº 1], da sua alteração também deverá constar o novo período normal de trabalho.
No caso, a alteração verificada de janeiro a junho de 2004 não foi reduzida a escrito ou, pelo menos, tal não decorre dos facos provados, nem isso foi invocado pela Ré. Não obstante, e como já se disse em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente citando a anotação ao art. 184º do CT/2003 feita por Luís Miguel Monteiro in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, tal não determina a invalidade do acordo, mas, antes, a verificação das presunções a que se reportam os nºs 2 e 3 do art. 184º, susceptíveis pois de prova em contrário.
Ora, no caso, foi feita prova de que a alteração verificada no período de janeiro a junho de 2004 se destinou, por acordo, a vigorar apenas nesse período e, bem assim que, nesse período, a retribuição paga corresponde a um período de trabalho superior a 25 horas de trabalho semanal. Aliás, da conjugação do nº 56 com os nºs 60 e 61 dos factos provados decorre que a retribuição de €491,13 e de €510,02 corresponde à retribuição que era paga aos trabalhadores a tempo inteiro mencionados em tais pontos da matéria de facto.
Assim, e em conclusão, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
***
VI. Decisão

Em face do exposto acorda-se em:
A. Não admitir o recurso no que toca às questões nele suscitadas relativas à sanção disciplinar por falta de legitimidade da Recorrente [dado que, não tendo a sanção de repreensão registada que havia sido aplicada pela Recorrida sido mantida pela sentença recorrida, a Recorrida não ficou vencida quanto a tal segmento decisório da sentença];
B. Quanto ao mais impugnado no recurso, julgá-lo improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 07.10.2019
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes