Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12001/22.3T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: ALCOOLÍMETRO
HOMOLOGAÇÃO
PRAZO DE VALIDADE
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
VALIDADE DO TESTE
Nº do Documento: RP2024111312001/22.3T9PRT.P1
Data do Acordão: 11/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Decorrido o prazo de validade de um determinado aparelho alcoolímetro, por a respetiva aprovação de modelo não ter sido renovada, o mesmo poderá permanecer em utilização desde que se mostre cumprido o regime das verificações metrológicas periódicas ou extraordinárias, previstas no art.º 7º, nºs 2 e 7, do DL nº 29/2022, de 07/04.
II – Estabelecendo o art.º 9º, nº 2, do DL nº 29/2022 que “A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável”, e o nº 4 do mesmo artigo que, tratando-se de verificação periódica, a mesma deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico realizada, e ainda do art.º 7º, nº 3, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, que a verificação periódica é anual, a conclusão a tirar é a de que perderá validade a permanência em utilização do alcoolímetro cuja última verificação metrológica tenha ocorrido há mais de um ano, contado a partir da data em que foi efetuada a última verificação periódica do aparelho, dando-se o termo de tal prazo, de harmonia com o estabelecido no art.º 279º, al. c), do Código Civil, às 24 horas do dia que corresponda ao ano seguinte à data da última verificação.
III – Tal interpretação é a única consentânea com a vontade do legislador, manifestada no preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, por sua vez concordante com as recomendações da OIML (Organização Internacional de Metrologia Legal), assim como do fabricante do aparelho em causa, e, sobretudo, com o disposto no art.º 8º, nº 1, da Portaria nº 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, e assume a natureza de uma norma interpretativa, retroativamente aplicável (ademais porque mais favorável ao arguido), ao vir estabelecer, de forma clarificadora, que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”.
IV – Podendo acrescentar-se que, face à letra e ao espírito da lei, sobretudo após a entrada em vigor do novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, que relativamente ao prazo de 10 anos para a validade da aprovação do alcoolímetro, se fizesse a contagem do prazo, nos termos previstos no art.º 279º, al. c), do Código Civil, e num prazo de duração de apenas um ano, como o que está em causa, sem qualquer apoio na letra e no espírito da lei, se atirasse o termo do mesmo para o último dia do ano civil seguinte, o que implicaria a possibilidade de em vez de a revisão ser anual, passar a ser quase bienal ou mais bienal que anual, e assim a ver perdurada a sua validade por quase o dobro do prazo legalmente previsto.
V – Sendo a prova da taxa de álcool no sangue, obtida através de analisadores quantitativos, uma prova técnico-científica, e assim colocada num patamar análogo ao da prova pericial, a validade ou invalidade dos respetivos resultados dependerá da validade dos próprios aparelhos utilizados, e sendo estes inválidos, inválidos serão os seus resultados, ficando subtraída a possibilidade de qualquer juízo de valoração probatória por parte do juiz, com o qual procurasse determinar a taxa de álcool no sangue, que só através daqueles aparelhos seria possível validamente determinar.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 12001/22.3T9PRT.P1 – 4.ª Secção

Relator: Francisco Mota Ribeiro


*

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1.1 Após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 12001/22.3T9PRT, que corre termos no Juízo Local Criminal do Porto, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença de 09/05/2024, depositada na secretaria do tribunal na mesma data, foi decidido o seguinte:

“a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros).

b) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos dos artigos 69º, n.º 1, alínea a), 2 do Código Penal.

c) Condeno o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.”

1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição apenas das que poderão traduzir um resumo das razões do pedido, nos termos previstos no art.º 412º, nº 1, do CPP):

“(…)

5ª- A falta dos factos alegados pelo arguido e ausência do Relatório Social, integra, salvo o devido respeito a nulidade consubstanciada na al. a), do nº. 1, do art.º 379º, por referência ao art.º 374º, nº. 2, ambos do C.P.P. – tal falta de referência expressa aos factos alegados na contestação, leva à necessária conclusão de que tais factos não foram, sequer objeto de decisão, houve, quanto a eles omissão de pronúncia. O que, face à sua relevância, implica também a nulidade do artº. 379, nº. 1, al. c) do C.P.P., “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

6ª- Devendo a douta sentença recorrida ser declarada nula e o processo reenviado para novo julgamento, declarando nulos todos os atos posteriores, porque dependentes de ato nulo (art.ºs 374º e 379º, do C.P.P.).

7ª - Salvo o devido respeito, entende-se que a Sentença recorrida não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a sua “convicção”, violando o disposto no art.º 374º, nº 2, do C.P.P. o que leva à nulidade da Sentença, nos termos do art.º 379, nº 1, al. a), do C.P.P.

8ª - O recorrente foi seriamente afetado no seu direito de defesa, tendo sido violado o disposto no art.º 32º, nºs 1 e 5, da C.R.P. e o art.º 97, nº 4, do C.P.P., já que o tribunal fez errada interpretação da norma constante do art.º 97, nº 4, do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos art.ºs 32º, nº 1, e 205, da C.R.P., o que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no art.º 72º, da Lei do Tribunal Constitucional.

9ª - Tal nulidade, de falta de fundamentação quanto aos factos provados e não provados é insanável e afeta a validade da Sentença, devendo ser declarada com todas as legais consequências.

10ª - Não consta dos factos provados que o arguido conduzia na via pública, que lhe foi dada ordem de paragem e ordem de efetuar o teste de despiste, quem lhe deu a ordem, nem o equipamento utilizado.

11ª - Da Decisão recorrida, não consta a forma da Recolha, qual o Alcoolímetro utilizado, se de Despiste ou qualitativo, se evidencial ou quantitativo.

12ª – Não consta da Sentença qual o equipamento usado para a recolha e para a medição da Taxa de Álcool, a fim de se apurar se o mesmo estava homologado e há quanto tempo tinha sido verificado, o que acarreta nulidade da Sentença.

13ª – Também não consta se o Alcoolímetro foi sujeito a calibração (ajuste periódico recomendado), a data em que havia sido calibrado, a fim de se apurar se foram ou não cumpridas todas as formalidades legais, mormente as constantes na Lei nº 18/2007, de 17/05, na sua atual redação.

14ª – Assim, ao não constar nos factos provados o Alcoolímetro utilizado, a forma de recolha, e sua homologação, e a data em que foi calibrado, comete a Sentença uma nulidade.

15ª – Não consta da Sentença recorrida a Aprovação e Homologação pelo IPQ do Aparelho utilizado, nem a data da publicação no Diário da República, o que é essencial, para se apurar da conformidade do Aparelho, pois é desta data que se deve contar o prazo da validade desta Aprovação e Homologação.

16ª – Também não consta da Sentença, em concreto, a data da Certificação pela ANRS, nem se a mesma tinha ocorrido nos seis meses anteriores à prática dos factos, não estando, assim, garantida a sua fiabilidade.

17ª – A Sentença recorrida não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a sua “convicção” violando o disposto no nº 2, do art.º 374º, do C.P.P., o que leva à nulidade da Sentença, art.º 379º, nº 1, al. a), do C.P.P.

18ª - Por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, assim como omissão de diligências de prova, mormente a Ausência do Relatório Social, essenciais à descoberta da verdade (art.º 387, nº 2, al. b), do C.P.P.), erros e omissões, deve a Sentença recorrida ser declarada nula, pois foi violado o disposto nos art.º 32º, nº 1 e nº 5, e 205, da C.R.P. e o art.º 97, nº 4, do C.P.P.

19ª - Pois, a convicção do julgador deve ser objetiva e motivada de forma lógica e racional, o que, salvo o devido respeito, não acontece na decisão recorrida, padecendo, ainda, a Sentença da nulidade prevista no art.º 120º, nº 2, al. d), do C.P.P.

20ª – Ficou o arguido prejudicado seriamente, no seu direito de defesa, tendo sido cometida, desde logo, uma nulidade, com relevo para a decisão, que tempestivamente, se está a arguir, devendo ser declarada, com todos os efeitos legais (art.ºs 358º e 359º; art.º 379º, nº 1, al. a), todos do C.P.P.).

(…)

23ª - Por falta de fundamentação, ausência dos factos alegados, erros e omissões, deve a Sentença recorrida ser declarada nula, por violação, entre outros, dos art.ºs 32, nºs 1 e 5, e 205, da C.R.P., e art.º 97, nº 4, do C.P.P., já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes do art.º 97, nº 4, do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios constitucionais, o que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no art.º 72, da Lei do Tribunal Constitucional.

(…)

25ª - Por mera cautela, invoca-se aqui o seguinte: é inconstitucional a norma do nº 2, do art.º 374, do C.P.P., quando interpretada no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples conclusão dos depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, por violação do dever de fundamentação precisa das decisões dos Tribunais previsto no nº 1, do art.º 205º, da C.R.P.

26ª – E se é certo, não nos ser lícito questionar, sindicar a livre convicção do julgador, é preciso reafirmar que só pela via da fundamentação da decisão se pode chegar à conclusão que esta não é produto do livre arbítrio. Deve ser declarada a nulidade, com todas as legais consequências, mormente anulação de toda a Sentença e reenvio para novo Julgamento (art.ºs 426 e 426-A, do C.P.P.).

27ª - Em consequência o Tribunal a quo não respeitou os requisitos necessários à formação da convicção através de prova indireta, e violou o princípio da presunção de inocência do Recorrente, colmatando com uma injusta decisão da causa.

28ª – Salvo o devido respeito, faltam factos e a prova dos mesmos, para que se possa dar como provado taxa de álcool no sangue tão elevada, sem se saber as condições e circunstâncias da recolha e o equipamento utilizado.

29ª - Incorreu assim o tribunal a quo no vício do erro notório e, por força dele, a violação do princípio In dubio pro reo. Verifica-se igualmente, quanto a esta matéria, não ter o Tribunal “a quo” se pronunciado sobre factos, essenciais para a decisão da causa, por isso, padece também a Sentença recorrida do vício da al. a), do nº 2, do art.º 410, do C.P.P.

31ª - No caso concreto não existia prova bastante para condenar o Recorrente por tão elevada taxa, sem se saber a forma de quantificação e da recolha da amostra, não se sabendo também porque não foi realizada a contra prova prevista na legislação, tendo tal só sido possível pela formação de convicção com recurso à prova indireta, sem respeito pelos seus requisitos, tudo conforme melhor consta da motivação supra, cujo teor se dá aqui, por integralmente reproduzido.

32ª - Padece, assim, a decisão recorrida dos vícios do art.º 410, nº 2 al.s a); b) e c), do C.P.P., o que deve conduzir à nulidade e reenvio do Processo para novo Julgamento (art.ºs 426; 426-A, ambos do C.P.P.).

(…)

36ª- Deve reconhecer – se a existência dos vícios do art.º 410, nº. 2, do C.P.P., Anulando-se a Sentença recorrida e em substituição declarar-se a Acusação improcedente, por não provada e absolver-se o recorrente do crime de que estava acusado.

37ª – No caso concreto não existia prova bastante para condenar o Recorrente.

38ª - O arguido está integrado social, familiar e profissionalmente, que desfruta de uma dinâmica de relacionamento intrafamiliar coesa e afetuosa, entre outros factos que são essenciais à apreciação da culpa do arguido e fixação da medida da pena.

39ª – É de concluir pela existência de erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no art.º 127 do C.P.P., este encontra no princípio “In dubio pro reo” o seu limite normativo.

40ª – O fundamento a que alude a al. a), do nº 2, do art.º 410, do C.P.P., é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, Este vício verifica-se quando há omissão de pronúncia pelo Tribunal relativamente aos factos alegados pelo recorrente, e bem assim, à forma de recolha da Amostra e equipamento utilizado, o que aconteceu no caso dos autos.

41ª – São vícios que inquinam a decisão recorrida, que deve ser alterada, absolvendo-se o Recorrente, ou ordenando a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento, quanto à totalidade do seu objeto.

42ª – Acresce que, se é dado como provado que o arguido tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,564 g/L, não pode ser dado como provado que o arguido estava livre, ciente e consciente e que detinha plena capacidade de avaliar a sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação.

43ª – Pois, ainda que temporariamente, a sua consciência e a sua vontade estavam toldadas e condicionadas pelo álcool.

44ª – A decisão recorrida viola o princípio da legalidade, o princípio da presunção de inocência e o princípio In dubio pro reo, constitucionalmente consagrados, que o recorrente deve presumir-se inocente; e que na dúvida deve ser Absolvido.

45ª - Deve, pois, reconhecer-se a existência dos vícios do art.º 410, nº 2, do C.P.P., absolvendo-se o recorrente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor – art.º 69, nº 1, al. c), do C.P., ou declarando-se a nulidade e reenviando-se o processo para novo Julgamento.

46ª – Discorda o arguido da medida da pena de multa, por ultrapassar a medida da culpa, não concorda com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

47ª - recorrente foi condenado, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de quatro meses.

48ª – Considerando que a moldura abstrata da pena é de prisão de 1 mês até 1 ano ou pena de multa entre 10 a 120 dias (art.º 292, nº 1, do C.P.).

49ª - Com o devido respeito, entendemos ao contrário da decisão recorrida, que esta pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € é excessiva e bem assim é desadequada e desproporcional à culpa, devendo esta ser reduzida para uma pena de 30 (trinta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€.

50ª – Sendo também excessiva a pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos a motor, devendo ser reduzida para 3 meses.

51ª - Com o devido respeito, entendemos ao contrário da decisão recorrida, que esta pena de multa, assim como a sanção acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos a motor devem ser suspensas na sua execução pelo período de 1 ano e que a simples censura do facto e a ameaça de ser condenado a pagar multa e de ser acessoriamente proibido de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

52ª - Salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal “a quo” deve manter o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recorrente, no sentido de que a ameaça da pena de multa e a ameaça da sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 3 meses são adequadas e suficientes para realizar as finalidades de punição, assim existe um juízo de prognose favorável ao arguido, devendo ser suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, a pena concreta aplicada.

53ª - Acresce que o recorrente, está imbuído de vontade bastante para se socializar, encontra-se inserido social, profissional e familiarmente.

54ª - Estamos convictos, que no caso ora em apreço, a simples censura do facto e a ameaça da pena de multa e da sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

55ª - O arguido encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente, de referir que o Tribunal “a quo” não atentou, nem valorou esta inserção social, nem valorou o hiato temporal entre o crime do outro processo e este.

56ª - O arguido não tem processos pendentes, nem praticou qualquer crime posteriormente ao destes autos, razão porque é incompreensível que o Tribunal “a quo” entenda que importa prevenir a prática de crimes futuros.

57ª - O Tribunal “a quo” não solicitou o Relatório Social, para atestar o caráter e a personalidade do arguido, assim como confirma a inserção social, familiar e profissional, o arguido cumpriu a pena aplicada em outro processo anterior, o que demonstra reflexão e interiorização do desvalor praticado e vontade em afastar-se da criminalidade.

58ª - Assim, no presente caso, deve fazer-se um juízo de prognose favorável, de que o arguido, no futuro, acate a Lei.

59ª - Assim sendo, deve a pena de multa ser reduzida para 30 (trinta) dias, no valor diário de 5,50€, sendo a execução desta pena de multa assim como a execução da sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo prazo de 3 meses, suspensas pelo período de 1 ano.

60ª – O Recorrente/ arguido não tem antecedentes criminais, apesar de ter 78 anos de idade, o que demonstra ser possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido.

61ª - Tudo ponderado, cremos estarem preenchidos os pressupostos de factos e de direito para a suspensão da execução da pena de multa e da sanção acessória, pelo período de 1 ano.

62ª - A prevenção especial é de pouca intensidade, atento o tempo entretanto decorrido e o bom comportamento posterior ao facto ilícito típico.

63ª - Deve alterar-se a decisão recorrida, suspendendo-se a mesma na sua execução pelo período de 1 ano, este regime é mais adequado e ainda suficiente, respondendo às suas necessidades de socialização e evitando que reincida.

64ª - A pena de multa de 70 (setenta) dias no valor de 6,00 € ao dia excessiva e desproporcional à culpa e necessidades de prevenção, sendo também excessiva a pena acessória de 4 meses, que devem ser reduzidas.

65ª - O arguido, atualmente, tem ocupação laboral e estabilidade financeira.

66ª Sendo o veículo e a condução de veículos, instrumento imprescindível ao exercício da sua atividade profissional.

67ª - Entendemos que a pena concreta aplicada ao crime, e bem assim a pena acessória, pecam por excessivas e ultrapassam a culpa do Recorrente evidenciada na prática dos factos.

68ª - O Tribunal “a quo” valorou os antecedentes criminais para fixação da medida da pena e voltou a valorar os mesmos antecedentes para determinar a pena de multa e ainda para a fixação do quantum da pena acessória.

69ª - Desta forma, visa-se impedir, uma dupla valoração da culpa e de prevenção, fatores já ponderados. O respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração é basilar na ponderação do quantum e da forma de cumprimento.

70ª - Os antecedentes criminais por factos praticados há mais de cinco anos, não devem ser duplamente valorados, agravando amplamente a condenação e a pena acessória.

71ª - O arguido encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente, de referir que o Tribunal “a quo” não atentou, nem valorou esta inserção social, nem a ausência de antecedentes criminais.

72ª - Porquanto, o arguido não tem processos pendentes, nem praticou qualquer crime posteriormente ao destes autos, razão porque é incompreensível que o Tribunal “a quo” condene em pena de multa tão elevada.

73ª - Estamos convictos, que no caso ora em apreço, a simples censura do facto e a ameaça da pena de multa realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

74ª - Assim sendo, deve ser reduzida a pena de multa de 70 (setenta) dias, à taxa diária de 6,00 €, a uma pena de multa de 30 (trinta) dias, à taxa diária de 5,50 €, sendo suspensa na sua execução, pelo período de um ano, sendo também reduzida a pena acessória para o período de 3 meses, sendo suspensa na sua execução, pelo período de um ano.

75ª - Deve alterar-se a decisão recorrida, reduzindo-se a pena reduzindo-se a pena a uma pena de multa de 30 (trinta) dias, à taxa diária de 5,50€, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, este regime é mais adequado e ainda suficiente, respondendo às suas necessidades de socialização e evitando que reincida.

76ª - O arguido foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. pelo art.º 69, nº 1, al. a), do C.P., pelo período de 4 (quatro) meses, devendo ser reduzida ao período de 3 meses e suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

77ª - O arguido não se conforma com a aplicação de tal pena acessória, nos termos infra expostos, por entender ser excessiva, desproporcional e desadequada.

78ª - No caso dos autos, a Sentença não contém fundamentação suficiente, para aplicar a pena acessória em 4 meses.

79ª - Na nossa modesta opinião, o art.º 69, do C.P. não tem aplicação no caso dos autos.

80ª - O arguido tem 78 anos de idade, e tem hábitos de trabalho.

O rendimento advindo da sua atividade é imprescindível para si.

No exercício da sua atividade profissional, o arguido tem necessidade de efetuar deslocações por todo o país, para fazer deslocar mercadorias em carrinhas de trabalho.

81ª - O título de condução constitui assim um instrumento essencial para o exercício da atividade profissional do arguido, pois é imprescindível para a sua deslocação, que é Motorista.

82ª - O arguido necessita de todos os dias se deslocar com as carrinhas de trabalho para a empresa da empresa para os locais onde tem de entregar as mercadorias.

83ª - Pelo que carece absolutamente da habilitação legal para conduzir para exercer a sua atividade profissional e gerir a sua vida pessoal e familiar.

84ª - A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir afigura-se demasiado gravosa e desproporcionada ao caso “sub judice”, impedindo o arguido de trabalhar e de obter o seu sustento.

85ª - Por se verificarem todos os pressupostos do artigo 74º do CP, deve determinar-se a dispensa da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir.

86ª - A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, revela-se radical e demasiado pesada face aos factos, princípios gerais e normas aplicáveis ao caso.

87ª - Ora, considerando que a inibição de conduzir pelo período de 4 meses, coloca em risco o provento dos únicos rendimentos do arguido, impedindo-o de exercer a sua atividade profissional, facilmente se conclui não haver qualquer proporcionalidade entre a aplicação da pena principal e a pena acessória, motivo pelo qual deverá a aplicação desta última ser dispensada.

88ª - A condução do veículo automóvel é para o arguido imprescindível para o exercício da profissão.

89ª - À cautela, para a eventualidade de virem os mesmos a ser considerados provados, deve ser dispensada a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, já que o arguido agiu sem culpa e a mesma implica para o arguido uma lesão superior à que resulta da aplicação da própria sanção principal.

90ª - Deve alterar-se a decisão recorrida, aplicando-se uma pena de multa de 30 dias à taxa de 5,50€ por dia, mas suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e suspendendo-se também na sua execução, a pena acessória, por igual período.

91ª - Quanto à pena acessória de proibição de condução, esta não deverá ser aplicada ao arguido ou, caso assim não se entenda, deverá ser suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, a pena acessória de proibição de condução de veículos a motor, este regime é mais adequado e ainda suficiente, respondendo às suas necessidades de socialização e evitando que reincida.

92ª - Por via da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, muitos jovens tiveram as suas penas amnistiadas e outros viram às suas penas ser-lhes perdoado 1 ano, o que não sucedeu com aqui condenado, assim sendo, tal situação pode configurar uma Inconstitucionalidade por violação do Principio da Igualdade previsto no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, porquanto, não estarão todos a ser tratados de forma igual perante a Lei, em especial o aqui condenado, uma vez que se encontra a ser penalizado pela não aplicação da amnistia ao seu caso.

93ª - Gerou-se no Recorrente a legitima expectativa de que à pena de multa e à sanção acessória a que o mesmo havia sido condenado pelo tribunal “a quo” lhe seria perdoada a pena de multa e a sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor, expectativas estas que com a sua condenação por via da douta sentença da qual se recorre foram completamente defraudadas, verificando-se assim uma Inconstitucionalidade por violação do Principio do Estado de Direito; Princípio da Segurança e paz Jurídica; Princípio da Confiança, princípios estes que derivam do art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa.

94ª - Esta não aplicação da Lei da Amnistia ao aqui recorrente, e o conhecimento por parte deste de que muitos outros jovens condenados como ele estão a beneficiar da amnistia e ou do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, fará com que se gere no jovem condenado um tremendo sentimento de injustiça e de frustração o que levará a que em vez de se conseguir com esta decisão alcançar uma prevenção das necessidades especiais e uma ressocialização do condenado, se obtenha precisamente o oposto das necessidades especiais.

95ª - Assim sendo, jamais se estará a prosseguir o objetivo da ressocialização do condenado.

96ª - Para dar cumprimento aos princípios do Tribunal Constitucional, aqui expressamente se alega que é inconstitucional a não aplicação ao caso sub judice, por parte do tribunal “a quo” da Lei 38-A/2023 de 02-08 no sentido de ser perdoado ao Recorrente a pena de multa e sanção acessória de proibição de condução de veículos a que foi condenado.

97ª - Por violação dos princípios constitucionais já referidos, inerentes a um Estado de Direito Democrático, o que aqui se deixa expresso também para cumprimento do art.º 72º da Lei do Tribunal Constitucional.

98ª - Pelo Princípio da igualdade; do Princípio da proporcionalidade; Principio do estado de direito; Princípio da segurança Jurídica; Princípio da confiança, deve alterar a decisão recorrida sendo substituída por outra que aplique a Lei n.º 38-A/2023 de 02-08, beneficiando o arguido do perdão da pena de multa de 70 dias à taxa diária de 6,00 € e do perdão da pena acessória de proibição da condução de veículos a motor, pelo período de 4 meses, a que foi condenado pela sentença de que ora se recorre.

99ª - A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os art.ºs 312; 313; 332; 119; 120; 355; 358; 359; 374; 379; 127; 163; 48; 49; 410 nº 2; 412; 426; 426-A, todos do C.P.P., violou os art.ºs 14; 22, nº 1 e nº 2, al. c); 23, nºs 1 e 2, 40 nº 2; 43; 49; 50; 68; 69; 71; 73, nº 1, als. a) e c); 77; 72 e 292, todos do C.P., violou também, os princípios da Legalidade; da Acusação; da Investigação; do Contraditório; da vontade do prosseguimento criminal; In dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (art.º 32º nº 2 da C.R.P.), com a interpretação dada ao art.º 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no art.º 32, nº 1, e 5 e art.ºs 202 e 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no art.º 72 da Lei do Tribunal Constitucional.”

1.3. O Ministério Público respondeu, concluindo pela negação de provimento ao recurso, nos seguintes termos:

“1- Contrariamente à posição do recorrente, o Tribunal a quo concluiu e bem que o teste de álcool realizado pelo arguido não padece de nenhum vício que obste à valoração do talão emitido pelo alcoolímetro.

2- Pois estando em causa um alcoolímetro sujeito a verificação periódica (como foi o caso dos autos), e constante do talão emitido pelo alcoolímetro o valor de 1,70 g/l, o erro máximo admissível correspondente a 8% do mesmo, o qual corresponde ao valor obtido de1,564 g/l.

3- A acusação contém os factos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, pelo que não padece de qualquer nulidade, assim como a douta sentença igualmente não padece de qualquer nulidade.

4- Mais conclui a douta sentença que, em suma, atendendo à prova testemunhal produzida em sede de audiência e à prova documental constante dos autos, não resultam dúvidas ao Tribunal sobre a prática dos factos dados como provados por parte do arguido.”

5- Então, não tendo o Tribunal a quo, ficado com dúvidas sobre a prática dos factos, não poderia lançar mão do invocado princípio in dubio pro reo, por o mesmo não ter no caso em concreto qualquer aplicação.

6- Igualmente, se extrai da douta sentença que inexiste qualquer nulidade ou nem sequer se alcança que se verifique algum dos vícios constantes do artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal, e assim improcede o invocado pelo recorrente.

7- Por outro lado, não obstante a discordância do recorrente quanto à pena de multa e ao período da pena acessória, concluímos que as penas se encontram corretamente alcançadas, na douta sentença recorrida, não assistindo qualquer razão ao recorrente.

8- E, igualmente, deve ser improcedente o pedido de suspensão da execução da pena acessória por inadmissibilidade legal e consequentemente improcedente.

9- Por último, e quanto à inconstitucionalidade da decisão por causa da não aplicação da Lei do Perdão n.º 38-A/2023, concluímos, igualmente, não assistir razão ao recorrente, por um lado porque, o mesmo, não se enquadra na idade legalmente prevista, e por outro lado, por o crime de condução em estado de embriaguez se encontrar excluído pelo artigo 7.º da mencionada Lei da aplicação do perdão e ou da amnistia, improcede igualmente tal questão que o recorrente invoca.

10- A douta sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada e não violou ou sequer colocou em causa qualquer direito ou princípio de direito penal ou de direito processual penal ou princípio ou direito constitucional.

11- Nesta conformidade e, em face do supra exposto, não merecendo provimento, pugnamos pela improcedência do recurso do arguido, mantendo-se a douta sentença integralmente, com a condenação do arguido, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p., pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o montante de €420.00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses.

12- Por tudo o supra exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão do tribunal recorrido nos seus precisos termos.”

1.4. Pelo Senhor Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal, foi proferido douto parecer, no qual, acompanhando a resposta do Ministério Público na primeira instância, concluiu pela negação de provimento ao recurso.

1.5. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:

1.5.1. Nulidade da sentença prevista no art.º 379º, nº 1, al. a) do CPP;

1.5.2. Vício de insuficiência para a decisão a matéria de facto provada, a que alude o art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP;

1.5.3. Validade da prova da taxa de álcool no sangue apurada nos autos, em função da utilização de um alcoolímetro para além do seu período de validade, tendo em conta a data da última verificação metrológica sobre as suas condições de funcionamento.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. Na sentença condenatória proferida nos autos foi considerada provada a seguinte factualidade:

“1. No dia 09/08/2022, pelas 19 horas, o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro de passageiros da marca BMW, modelo ..., de cor preta, com a matrícula OQ-..-.., na Estrada Nacional ..., Porto, tendo sido interveniente em acidente de viação, do qual resultaram danos num outro veículo.

2. Submetido a exame para deteção de álcool no sangue, apurou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,564 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível do instrumento de medida.

3. Antes de iniciar o exercício da condução, o arguido ingerira bebidas alcoólicas em quantidade que sabia influenciar a sua capacidade para conduzir veículos.

4. Tendo representado que a quantidade de bebidas alcoólicas por si ingerida era idónea a determinar-lhe uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.

5. Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo ser proibida a sua conduta e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

6. O arguido encontra-se reformado, auferindo mensalmente a quantia de € 1.000,00.

7. Encontra-se separado de facto do seu cônjuge, vivendo sozinho em casa arrendada, pelo valor mensal de € 400,00.

8. Tem três filhos, todos eles maiores de idade.

9. O arguido não possui antecedentes criminais.

10. A taxa de álcool no sangue mencionada no ponto 2 foi obtida mediante a utilização do alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK IIIP, n.º ARCO-0030, aprovado pela ANSR através do despacho n.º 19684/2009, de 25 de junho de 2009, publicado em DR 2.ª Série a 27 de agosto de 2009, e aprovado pelo IPQ através do despacho n.º 11037/2007, de 24 de abril de 2007, publicado em DR 2.ª Série a 6 de junho de 2007.

11. O alcoolímetro identificado no ponto 10 foi sujeito a verificação periódica a 27.05.2021.”
2.1.2. O Tribunal a quo motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:

Para a formação da sua convicção, na indicação dos factos provados e não provados acima transcritos, o tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento de acordo com o art.º 127.º do C.P.P., respeitando os critérios da experiência comum e da lógica.

Deste modo, foram tidos em conta:

Os documentos juntos aos autos, e cuja genuinidade ou veracidade não foi posta em causa, nomeadamente, a participação de fls. 3/4, o auto de notícia de fls. 5, o talão de fls. 6, o certificado de verificação do alcoolímetro de referência 59676058 e o certificado de registo criminal atualizado do arguido.

O arguido não prestou declarações quanto aos factos de que vinha acusado, tendo feito uso do seu direito ao silêncio, confirmando somente as suas condições pessoais, sociais e económicas, de modo que se afigurou credível.

Consequentemente, a convicção do Tribunal acerca da atuação imputada ao arguido assentou dos acima descritos elementos documentais em conjugação com os depoimentos prestados pelas testemunhas BB, agente da PSP, e CC, condutor do restante veículo no acidente de viação tido pelo arguido aquando da ocorrência dos factos, os quais prestaram depoimentos que se afiguraram sinceros, descomprometidos e credíveis.

A testemunha BB revelou ter sido chamado para uma ocorrência (acidente de viação), tendo aí procedido à identificação do arguido como sendo o condutor do veículo de matrícula OQ-..-.., tendo sido este quem na altura se assumiu como tal, colaborando inclusive na elaboração da participação de fls. 3/4, ao proceder ao relato do modo como se deu o sinistro, sendo que, na altura, não se encontravam no local outras pessoas a não ser os condutores dos dois veículos.

Por sua vez, a testemunha CC declarou que na altura era o condutor do outro veículo envolvido no sinistro, asseverando ao Tribunal que efetivamente era o arguido quem conduzia o veículo, seguindo inclusive sozinho no mesmo.

Quanto à validade do teste de álcool realizado nos autos (questão essa que foi suscitada pela defesa do arguido em sede de contestação), considera-se que o aparelho utilizado não padece de qualquer limitação legal que inquine a sua utilização e, consequentemente, que impeça a valoração do resultado obtido no teste de pesquisa de álcool.

Senão vejamos:

O regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se estatuído no DL n.º 291/90, de 20 de setembro, estabelecendo o seu art.º 2.º, n.ºs 2 e 7, que “a aprovação de modelo será válida por um período de dez anos, findo o qual carece de renovação”, sendo que “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis.

No que aos alcoolímetros diz respeito, cumpre ainda atender à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. Este regulamento define, no seu art.º 2.º, n.º 1, os alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos como os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.

O Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas foi aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, impondo o seu art. 14.º que “nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária” e que tal aprovação é “precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”.

Tal como a este respeito refere o Acórdão da Relação de Évora de 08.09.2015, disponível em www.dgsi.pt:

“Ou seja, há uma vinculação probatória, a prova da alcoolémia só pode ser feita da forma vinculada prevista na legislação reguladora, por aparelhos aprovados e por exames de sangue ou médicos.

Assim e para o uso de alcoolímetro exige-se: a homologação ou aprovação de características técnicas pelo IPQ; a aprovação de uso pela DGV ou ANSR.

Aquela é prévia a esta. Só se aprova o já homologado pelo IPQ.”

No caso dos autos, o alcoolímetro utilizado (Drager Alcotest MK IIIP) foi homologado pelo IPQ pelo despacho nº 11.307 (modelo nº 211.06.07.3.06), publicado em Diário da República em de 6 de junho de 2007 e, posteriormente, aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho nº 19.684/2009, de 25 junho de 2009, publicado em Diário da República em 27 de agosto de 2009.

Temos assim que, só a partir de tal data de publicação (27.08.2009) foi legalmente permitido às autoridades fiscalizadoras utilizarem o alcoolímetro em causa nos autos, e, consequentemente, só a partir de tal data se inicia o prazo de 10 (dez) anos de validade previsto no art.º 6.º, n.º 3, do DL n.º 291/90, de 20 de setembro.

Tal mostra-se aliás consentâneo com o disposto no art.º 2.º, n.º 1, al. f), do DL n.º 77/2007, de 29 de março, e na alínea q), do n.º 1, do art.º 2..º da Portaria n.º 340/2007, de 30 de março, dos quais decorre que incumbe à ANSR aprovar o uso de equipamentos de controlo e de fiscalização de trânsito.

Consequentemente, temos que o alcoolímetro em causa nos autos poderia ser utilizado sem necessidade de nova aprovação até 27.08.2019.

Neste sentido decidiu aliás o Acórdão da Relação de Évora 08.09.2015 (acima referido), o qual se pronunciou no sentido de que o prazo de dez anos legalmente previsto apenas se inicia após a publicação do despacho de aprovação da sua utilização por parte da ANSR, e não da sua homologação/aprovação prévia do modelo por parte do IPQ, tendo sido tal acórdão sumariado nos seguintes termos:

“1 - “Alcoteste 7110 MK III” e “Alcoteste 7110 MK III-P” são aparelhos diversos na medida em que houve “alterações complementares do alcoolímetro” (o MK III-P). Daqui se pode deduzir que existiram dois aparelhos daquela marca, ambos homologados pelo IPQ, o primeiro em 1996, o segundo em 1998. O primeiro, o MK III, veio a ser aprovado para uso pela DGV em 1998 - despacho de 06-08-1998. O segundo aparelho, o aparelho Drager Alcoteste 7110 MK III-P não consta como aprovado pela DGV nos despachos de 2003 e 2007. Portanto a DGV nunca aprovou o modelo com alterações (o MK III-P).

2. Tal aparelho – o MK III-P – veio de novo a ser homologado pelo IPQ pelo despacho nº 11.307 (modelo nº 211.06.07.3.06), publicado no DR nº 109, 2ª série, de 6 de Junho de 2007. E viria a ser aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho nº 19.684/2009, de 25 Junho de 2009, mas apenas publicado em 27 de Agosto de 2009 (DR nº 166, 2ª Série, de 27-08-2009).

3. E impõe-se esclarecer que o “P” não é de “Aprovado” nem de “Portugal” (!!!). A não ser assim todos os aparelhos em uso no país depois de aprovados teriam ao menos um “P”, o que não ocorre. Assim, “P” corresponde a um designativo complementar de um modelo de aparelho, para o distinguir do “modelo” Mark III.

4. Ou seja, só após aquela data – 27-08-2009 – era lícito às entidades fiscalizadoras fazerem uso de tal aparelho de forma probatoriamente útil. E é a partir de tal data que se conta o prazo de 10 anos. Prazo que só termina em 2019” (sublinhado nosso).

Pese embora, no caso dos autos, tenha já decorrido o referido prazo de dez anos aquando da ocorrência dos factos, o certo é que sempre temos igualmente de atender ao disposto no art. 2.º, n.º 7, do DL n.º 291/90, segundo qual “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”, do qual resulta que o alcoolímetro pode ser utilizado pelas autoridades fiscalizadores. Isto porque, conforme resulta dos elementos documentais juntos aos autos e dos factos acima dados como provados, o alcoolímetro em causa nos autos satisfaz as operações de verificação aplicáveis, tendo o mesmo sido devidamente verificado no decurso do ano de 2021, mais concretamente a 27.05.2021, em data anterior à realização do teste por parte do arguido, permitindo tal verificação periódica a utilização do alcoolímetro em causa até 31.12.2022.

Temos assim que o teste de álcool realizado pelo arguido não padece de nenhum vício que obste à valoração do talão emitido pelo alcoolímetro.

Neste sentido, aliás, entre outros:

- O Acórdão da Relação do Porto de 18.12.2018, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado: “I - Em conformidade com o disposto no art.º 153º, n.º 1, do Cód. Estrada “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.

II - O Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17/05, estatui no seu art.º 1º que “a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuada em analisador qualitativo” (n.º 1) e que “a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue” (n.º 2).

III - O aparelho tem de obedecer às características fixadas na respetiva regulamentação e a sua utilização fica dependente de aprovação por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

IV - O regime do controlo metrológico dos instrumentos de medição foi harmonizado com o direito comunitário, pelo DL 291/90, de 20/09, compreendendo uma ou mais das seguintes operações:

- Aprovação de modelo;

- Primeira verificação;

- Verificação periódica;

- Verificação extraordinária

V - A aprovação de modelo é válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.

VI - Ainda que tal prazo tenha sido excedido relativamente ao aparelho que foi usado no teste, não se verifica a nulidade deste, desde logo porque não é a homologação do aparelho mas a sua submissão a operações de verificação que atesta a fiabilidade do resultado obtido, depois porque a pretensão do nulo valor probatório do alcoolímetro cujo prazo de homologação do modelo tenha sido ultrapassado, é frontalmente contrariada pelo n.º 7, do art.º 2º do DL 291/90, de 20/09.

VII - Estando garantida - pela operação de verificação - a fiabilidade do alcoolímetro, o mesmo cumpria o requisito da aprovação e manutenção em uso, pelo que nenhum óbice se coloca à ponderação e ratificação da TAS detetada ao arguido.”

- O Acórdão da Relação de Lisboa de 28.11.2018, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado: “1. O despacho de aprovação/homologação realizado pelo I. P. Q. (Instituto Português da Qualidade) relativamente aos alcoolímetros Dräger Alcotest visa testar a sua qualidade de fabrico, bem como a confirmação de que o mesmo traz de fábrica todos os requisitos legalmente exigíveis, a garantia de bom funcionamento e capacidade de utilização nas fiscalizações.

2. Já o despacho levado a cabo pela ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária), visa conceder a respetiva autorização para colocar ao serviço das autoridades os respetivos aparelhos, sem o qual os mesmos não podem ser utilizados.

3. O prazo de 10 anos de validade dos aparelhos Dräger Alcotest utilizados para fiscalização do estado de condução sob influência do álcool, (a que se reportam o art.º 2º, nº 2 do Regime Geral do Controlo Metrológico aprovado pelo D. L. nº 291/90, de 20 de Setembro e art.º 7º, nº 2 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto), só se deve contar a partir da data de publicação no Diário da República do despacho de aprovação pela ANSR dos respetivos alcoolímetros, pois só a partir daí, se pode iniciar a utilização de cada um desses aparelhos como um meio permitido de prova.

4. Esgotados esses 10 anos, por força do disposto no art.º 7º da Portaria nº 1556/2007 de 10 de dezembro, a verificação metrológica periódica destes aparelhos é anual e válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art.º 7º, nº 2, da Portaria 1556/2007 e art.º 4º, nº 5, do D. L. nº 291/90, de 20 de setembro).”

- O Acórdão da Relação de Coimbra de 24.10.2018, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado: “I – Os alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a uma verificação periódica anual, ou seja, a realizar todos os anos civis.

II – Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua efetivação.”

Por outro lado, temos que o valor de 1,564 g/l, acima dado como provado, corresponde à efetiva TAS com que se encontra o arguido na altura dos factos, uma vez que, conforme resulta do auto de notícia de fls. 5 e do talão emitido pelo alcoolímetro de fls. 6, tal valor foi já obtido após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos alcoolímetros, conforme art.º 170.º, n.º 1, al. b), do Código da Estrada e Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro. Decorre desta que, estando em causa um alcoolímetro sujeito a verificação periódica (como foi o caso dos autos), e constante do talão emitido pelo alcoolímetro o valor de 1,70 g/l, o erro máximo admissível correspondente a 8% do mesmo, o qual corresponde ao valor obtido de € 1,564 g/l.

Em suma, atendendo à prova testemunhal produzida em sede de audiência e à prova documental constante dos autos, não resultam dúvidas ao Tribunal sobre a prática dos factos dados como provados por parte do arguido.

Para as condições sociais e económicas do arguido foram tidas em conta as declarações prestadas pelo arguido em conjugação com a testemunha DD, filho do mesmo, o qual prestou depoimento de modo que se afigurou credível.

Quanto à inexistência de antecedentes criminais, o certificado de registo criminal junto aos autos.”

2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos

Diz o recorrente que a falta de fundamentação e a omissão dos factos alegados pelo arguido e também a ausência do Relatório Social, afetam o seu direito de defesa, o que leva à nulidade da sentença, a que alude o art.º 379, nº. 1, al. a), do C.P.P.

Entende ainda que a sentença recorrida não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a “convicção” do Tribunal, violando assim o disposto no art.º 374, nº 2, do C.P.P., tornando a sentença nula, nos termos do art.º 379º, nº 1, al. a), do C.P.P.

Acrescenta ainda que “Não consta dos factos provados que o arguido conduzia na via pública, que lhe foi dada ordem de paragem e ordem de efetuar o teste de despiste, quem lhe deu a ordem, nem o equipamento utilizado, pois o arguido, não foi visualizado a conduzir o veículo automóvel.”

O recurso nesta parte é manifestamente improcedente.

O recorrente, para além das afirmações de caráter conclusivo que produz, não alega um único facto concreto que devesse ter sido apurado nos autos, por ser relevante para a decisão do mérito da causa, e assim possuir a virtualidade de vir a integrar o objeto da prova, nos termos previstos nos art.ºs 124º, 368º, nº 2, e 369º do CPP, cuja ausência na decisão de facto recorrida implicasse uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constitutiva do vício previsto no art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP. Sendo que seria este o vício verdadeiramente em causa.

Por outro lado, relativamente ao relatório social que diz faltar, não aventa uma única e concreta razão que pudesse justificar a sua realização, sabendo nós que com o mesmo se visa obter informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido com o objetivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade daquele, para os efeitos e nos casos previstos na lei – art.º 1º, al. g), do CPP –, sendo certo que tal informação foi carreada e dada como provada nos pontos 6 a 9, já acima transcritos e que aqui damos agora por reproduzidos. Sendo que, além de o arguido não ter referido qualquer concreta razão, também nós não vislumbramos que seja necessária para a determinação da sanção a solicitação da realização de relatório social, nos termos previstos no art.º 370º do CPP, tanto mais quanto entendemos que a solução do mérito da causa e, consequentemente, do presente recurso, passará essencialmente pela resolução prévia da questão da culpabilidade, no âmbito da qual, como melhor veremos adiante, o arguido terá de ser absolvido do crime de que vinha acusado.

Fechando, porém, o ciclo de questões postas pelo recorrente, de conhecimento prévio, porque respeitantes à validade da própria sentença proferida, importará dizer que também não vislumbramos onde esta possa padecer de falta de fundamentação.

No estrito âmbito do direito processual penal vigente, o vício de falta de fundamentação implica a nulidade da sentença, nos termos do art.º 379º, nº 1, al. a), do CPP, ao dizer que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na al. b) do nº 3 do art.º 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas al. a) a d) do nº 1 do art.º 389º-A e 391º-F. Significando isso que, à luz do art.º 374º, nº 2, do CPP, a falta de fundamentação corresponderá à ausência de menção da enumeração dos factos provados e não provados, ou da exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, ou a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Analisando as disposições normativas citadas e os concretos fundamentos alegados na arguição da nulidade pelo recorrente, ou a própria sentença recorrida, não descortinamos onde tal falta de fundamentação possa ocorrer, nomeadamente no segmento desta em que se impunha, como diz a lei, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, a qual está bem patente na sentença recorrida, desde logo na transcrição que dela fizemos supra, da qual resulta o cumprimento dos requisitos respeitantes à sua elaboração. Sendo que só a falta de algum desses requisitos é que poderia inquinar a sentença, fazendo-a incorrer no vício de falta de fundamentação.

Face à letra e ao espírito da lei, esta no art.º 379º, nº 1, al. a), do CPP, onde se fala em a sentença não conter as menções referidas no art.º 374º, nº 2, e não já, contendo-as, que estas se mostrem insuficientes[1], então, apenas uma tal falta (de fundamentação) poderia gerar nulidade, que não já a sua insuficiência ou mediocridade, a qual, nas palavras do Professor Alberto dos Reis, apenas afeta “o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso [2].

Sendo ademais espúria, assim como contraditória com a realidade fáctica concretamente dada como provada, a argumentação do recorrente, de que não consta dos factos provados que o mesmo conduzisse o veículo dos autos na via pública, sendo certo que no ponto 1 dos factos dados como provados resulta que o arguido conduzia o veículo automóvel aí identificado, com o qual veio a intervir num acidente de viação na Estrada Nacional ..., ou seja numa estrada nacional portuguesa, que é do conhecimento geral, pelo menos de quem vive naquela parte do país, que a mesma liga ... à ..., sendo assim uma via pública afeta a circulação pública de todos os veículos, cujos condutores possam ou queiram nela circular. Sendo irrelevante, no âmbito dos factos a apurar para a boa decisão da causa, ou seja aqueles que devem ser dados como provados ou não provados, porque atinentes ao objeto do processo, isto é, aos factos constitutivos do crime imputado, ou à punibilidade ou não punibilidade do arguido e à determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, fazer constar dos factos provados quem é que concretamente deu ordem de paragem e ordem de efetuar o teste de despiste de álcool no sangue, porquanto tal é matéria que serve à instrução da causa, subjaz ao apuramento da realidade dos factos controvertidos relevantes, e atine aos meios de prova produzidos nos autos, os quais resultam meridianamente referidos na motivação da decisão de facto recorrida, já acima transcrita. Sendo que relativamente ao equipamento utilizado parece que o recorrente não atendeu à factualidade dada como provada nos pontos 10 e 11 dos factos provados.

Ou seja, nem a sentença padece de qualquer vício que implique a sua nulidade, nem nela foi omitido qualquer facto que agora impeça o conhecimento do mérito do recurso, no tocante à matéria de direito, desde logo a atinente à questão da culpabilidade do arguido, a qual passaremos a abordar de seguida.

Comecemos por dizer que a sentença recorrida, na abordagem que fez da validade do teste de pesquisa de álcool no sangue, assente na precípua apreciação da validade da verificação periódica do alcoolímetro utilizado para a realização desse teste, teve em conta legislação e jurisprudência que a nosso ver não corresponde à correta interpretação das normas aplicáveis, e sobretudo face à Portaria nº 366/2023, de 15/11 (que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros), a qual entretanto entrou em vigor, contendo norma que deve ser considerada de natureza interpretativa, porque ademais favorável ao arguido, não podendo assim deixar de ser considerada pelo julgador.

Por este Tribunal da Relação do Porto, a 28/02/2024, no âmbito do processo nº 266/23.8GBAND.P1,[3] foi proferido acórdão, que teve como relator o mesmo relator do presente acórdão, cuja fundamentação, por ser plenamente aplicável ao presente caso, e por economia da decisão a proferir, passamos de seguida a reproduzir:

«Ora, o alcoolímetro em referência foi aprovado pelo Despacho nº 19684/2009 da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, de 25/06/2009, para utilização na fiscalização do trânsito – Diário da República, 2ª Série, nº 166/2009, de 27/08/2009. E tinha obtido uma aprovação do modelo n.º 211.06.07.3.06, do Instituto Português da Qualidade, através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de abril de 2007, no qual se fez constar que a validade de tal aprovação era de 10 anos.

Àquela data vigorava o DL nº 291/90, de 20/09, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelecia que “Aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respetivo fabricante ou importador”. Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que “A aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação”.

Não era, porém, uma imposição normativa de caráter absoluto, no sentido de que o mesmo não pudesse continuar a ser utilizado decorridos esses 10 anos, pois no nº 7 do mesmo artigo também se dizia que “Os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”. Transferindo assim a confirmação dos pressupostos de validade da utilização do aparelho inicialmente aprovado para o cumprimento do regime das verificações metrológicas periódicas ou extraordinárias, a que aludiam, designadamente, os art.ºs 4º e 5º do mesmo diploma.

Tais disposições normativas passaram, entretanto, a estar previstas, com o mesmo exato sentido normativo, no art.º 7º, nºs 2 e 7, do DL nº 29/2022, de 07/04, diploma que veio estabelecer um novo regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição, revogando no seu art.º 29º aquele DL nº 291/90.

Assim sendo, somos levados a concluir, sem desnecessárias complexificações, que a validade dos resultados metrológicos obtidos com o aparelho dos autos dependerá do cumprimento das exigências legais quanto às referidas verificações metrológicas. E elas sucederam-se, a última das quais em 07/06/2022.

Por seu turno, o art.º 7º, nº 1, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro, referindo-se às verificações metrológicas dos alcoolímetros, determinava que “A primeira verificação é efetuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano”, e o nº 2 do mesmo artigo que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo”.

Resta agora saber se, com base nesta norma, como pretende o recorrente, se pode considerar “inapto” o aparelho alcoolímetro quantitativo DRÄGER ALCOTEST 7110 ML IIIP ARPN0072, usado no exame de alcoolemia que lhe foi efetuado, por nessa data ter já decorrido o prazo de um ano, contado a partir da última verificação metrológica efetuada pelo IPQ, isto é, em 07/06/2022.

De facto, resulta dos autos que o aparelho alcoolímetro utilizado para efetuar o teste de álcool no sangue ao recorrente havia sido verificado pelo IPQ em 07/06/2022, sendo que o teste efetuado ao arguido teve lugar no dia 25/06/2023. Ou seja, um ano e 18 dias depois daquela última verificação, e assim para além do período em que uma nova verificação metrológica devesse ter lugar.

Como bem refere o recorrente, o despacho de aprovação do modelo de alcoolímetro nada diz em contrário da norma citada, razão por que será na anualidade da verificação periódica que teremos de analisar a viabilidade da sua pretensão.

Para nos situarmos, importa dizer que a questão posta respeita à prova resultante de um aparelho alcoolímetro devidamente aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, em harmonia com o estabelecido no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12, segundo critérios técnico-científicos, à luz dos quais se definem os requisitos metrológicos que permitem assegurar a “qualidade metrológica estabelecida nos respetivos regulamentos de controlo metrológico legal, de harmonia com os atos legislativos da União Europeia ou, na sua falta, nas recomendações emitidas pela Organização Internacional de Metrologia Legal, aplicando-se sempre as definições constantes do Vocabulário Internacional de Metrologia e do Vocabulário Internacional dos termos de Metrologia Legal” – cf. art.º 3º, nº 1, do Decreto-lei 29/2022, de 07/04, e já antes o art.º 1º, nº 1, do DL 291/90, de 20 de setembro.

O problema posto pelo recorrente atine, portanto, à fiabilidade da prova produzida por um alcoolímetro em que o exame efetuado para determinação da taxa de álcool no sangue é realizado em data posterior ao período de validade do controlo metrológico periódico efetuado àquele aparelho, com o qual se visa assegurar que este mantem uma série de características e que continua a cumprir os métodos e requisitos metrológicos cientificamente aprovados e testados.

Por outro lado, é sabido que, como garantia da objetividade e assim da validade dos resultados dos testes efetuados, são estabelecidas margens de erros máximos admissíveis, que constam em anexo à Portaria nº 1156/2007, de 10/12, visando não a determinação da existência de um erro efetivo, real, exato, mas sim de um erro concretamente indeterminado (indeterminável) dentro de um intervalo de erro possível, dado por um limite mínimo e máximo convencionado. Isto por não ser cientificamente possível estabelecer, através de tais aparelhos metrológicos, com uma exatidão absoluta qual a exata taxa de álcool no sangue e, logicamente, qual a margem de erro exata que pudesse resultar da sua utilização, mas apenas uma margem de erro máximo e mínimo admissíveis. Este princípio de indeterminabilidade é necessariamente transponível para o momento em que se estabelece a validade temporal da verificação metrológica anual, no sentido de que não será cientificamente possível afirmar que 365 dias ou 366 dias, se se tratar de um ano bissexto, após a realização da última verificação metrológica do aparelho o mesmo deixou ou não de ter as características que os dados técnico-científicos permitiam considerar que tinham um dia antes. Mas essa é também a razão por que existem recomendações, baseadas em estudos de caráter científico, que claramente apontam para um momento em que se entra no campo do risco de as qualidades metrológicas dos instrumentos aprovados, sobretudo no tocante às suas margem de erro, inicialmente ponderadas, poderem começar a afetar a fiabilidade dos resultados dos exames com eles efetuados, nomeadamente por referência ao intervalo em que deve ser efetuado “um conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao modelo respetivo”. Sendo precisamente isso o que se pretende com a verificação metrológica periódica, que deve ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição” – cf. art.º 9º, nº 1, do DL nº 29/2022, de 07/04, que aprovou o regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição. E deve ser requerida dentro desse período de um ano.

Findo esse intervalo de tempo, a lei é clara ao prescrever que a verificação periódica deixa de ser válida. É o que resulta do nº 2 do art.º 9º do DL nº 29/2022, ao dizer que “A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável”. E a regulamentação específica aplicável para os alcoolímetros, é, como já deixámos referido, a que resulta da Portaria nº 1556/2007, e mais exatamente do seu art.º 7º, nº 2.

Mas mais do que isso, resulta do DL nº 29/2022 que, tratando-se, como se trata, de aparelho metrológico de modelo cuja aprovação não foi renovada, a sua utilização como instrumento metrológico só se torna possível, de uma forma válida, se estiverem cumpridas as operações de verificação metrológica legalmente aplicáveis, nomeadamente as de verificação periódica – art.º 7º, nº 7, do mesmo diploma, que reproduz a norma do art.º 2º, nº 7, do DL nº 291/90, de 20/09, entretanto revogado. E tratando-se de verificação periódica a mesma deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico realizada – art.º 9º, nº 4, do DL nº 29/2022.

Ora, o art.º 7º, nº 3, da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros para o qual se considerava remeter o art.º 2º, nº 7. do DL nº 291/90 e posteriormente o art.º 7º, nº 7, do DL nº 29/2022, diz, voltamos a repeti-lo, que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo. E não resultando do despacho que aprovou o modelo de alcoolímetro em causa nos autos nada em contrário, então a verificação metrológica periódica desse alcoolímetro deveria ter ocorrido no prazo de um ano a contar da data da última verificação, e ter sido requerida 30 dias antes de esse prazo terminar. É esse, e só pode ser este, o sentido do termo anual consignado na lei, isto é que dura o período de um ano. Um ano que só pode ser contado a partir da data em que foi efetuada a última verificação periódica do aparelho, com a consequência, nos termos previstos no art.º 279º, al. c), do Código Civil, de o termo de tal prazo ter ocorrido às 24 horas do dia que correspondeu no ano seguinte a essa data, ou seja, no nosso caso, às 24 horas do dia 07/06/2023. Interpretação que é a única consentânea com o propósito do legislador, manifestado no preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, ao afirmar que se verificava “a necessidade de atualizar as regras a que o respetivo controlo metrológico deve obedecer com vista a acompanhar, tecnicamente, o que vem sendo indicado nas Recomendações da Organização de Metrologia Legal”.

Ora, no ponto 5.11 da R 126 (2012), da OIML (Organização Internacional de Metrologia Legal), sobre os analisadores de álcool no sangue através de ar expirado, diz-se que os alcoolímetros devem ser concebidos de modo a manterem características metrológicas estáveis por um período (a ser especificado pelo produtor) o qual deve ser tão longo como o de verificação periódica. E no caso específico do aparelho Dräger Alcotest 7110 MK III, o respetivo fabricante estabelece ser recomendável a realização de inspeções de 12 em 12 meses (“every 12 months”) e apenas na própria marca ou por técnicos credenciados[4].

Este sentido interpretativo tornou-se ainda mais claro com a entrada em vigor da Portaria nº 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, revogando a Portaria nº 1556/2007, de 10/12, em cujo art.º 8º, nº 1, veio dizer que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”. Duração de validade que, em nosso entender, já resultava com meridiana linearidade do art.º 7º, nº 3, da Portaria anterior, norma relativamente à qual esta última deve ser, por isso, considerada uma norma interpretativa, no sentido e alcance dados pelo art.º 13º, nº 1, do Código Civil, porquanto, e usando as palavras do Professor J. Baptista Machado, veio “consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado”, sobre um ponto ou questão em que a norma anterior pudesse ser considerada “incerta” ou com o seu sentido “controvertido”[5].

Já na vigência do DL nº 291/90, era esse, em nosso entender, o sentido interpretativo mais acertado, desde logo por estar suportado em recomendações de caráter técnico-científico e, como vimos supra, nas do próprio fabricante do aparelho, as quais estiveram e têm estado na base da elaboração da própria Lei.

Por outro lado, como bem foi referido no voto de vencido do acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 18/01/2012[6], que com a devida vénia passamos a citar: “Sendo a verificação periódica ‘… o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo…’ – art.º 4º 1 DL 291/90, - quer-nos parecer que considerar que a verificação anterior, para os alcoolímetros, é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, equivaleria a dizer que: - a verificação periódica não é anual (quando têm de ser anualmente revistos, e essa revisão deve ser efetuada entre janeiro e novembro de cada ano), e que - os alcoolímetros não têm regulamentação especifica, e assim cremos em desconformidade com a regulamentação estabelecida (e a validade da inspeção periódica podia até chegar aos quase dois anos – caso a verificação se realizasse no inicio de um dado ano – e no caso especifico dos autos já vai quase em ano e meio), e se lhe for aplicável o art.º 4º5 DL 291/90 então é destituído de sentido a afirmação legal de que a verificação periódica é anual, uma vez que nunca o será, dado que aquela norma imporia que todas as verificações periódicas (seja qual for a sua periodicidade), sejam elas quais forem têm como termo de validade o dia 31/12 do ano seguinte ao da sua realização” (referia-se à norma de caráter geral, e de aplicação subsidiária, do art.º 4º, nº 5 do DL nº 291/90, entretanto revogado, que dizia: “A verificação periódica é válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”, e a regulamentação específica em contrário era a que precisamente resultava do art.º 7º, nº 2, da Portaria nº 1556/2007 para os alcoolímetros, que estabelecia o caráter anual daquela verificação).

Ora, é este entendimento, equivocamente baseado numa norma relativa aos instrumentos metrológicos em geral, mas que era claramente afastada na sua significação normativa pela especificamente referida no art.º 7º, nº 2, do diploma relativo aos alcoolímetros, isto é, da Portaria nº 1556/2007, como bem assinala aquele douto voto de vencido, que a decisão recorrida pretende recuperar ou repristinar, olvidando ademais, como acima já deixámos mencionado, que tal norma, assim como o respetivo diploma, há muito que se encontra revogada.

E se era então, muito mais o é agora, porquanto, face à legislação em vigor, designadamente o art.º 9º, nº 4, do DL nº 29/2022, ao estabelecer que a verificação periódica deve ser requerida 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico, que nos alcoolímetros é anual[7], e que é interpretativa a norma do art.º 8º, nº 1, da Portaria nº 366/2023, e assim de aplicação retroativa, nos termos do art.º 13º, nº 1, do Código Civil, ao estabelecer que a verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização, tornou-se impossível sustentar, como vinha fazendo a jurisprudência maioritária, que a verificação periódica seria válida até 31 de dezembro do ano seguinte ou até ao fim do ano civil seguinte, sendo que um tal entendimento levaria a que a verificação periódica pudesse ocorrer quase dois anos depois da anteriormente efetuada, em contrário das recomendações da OMI e do fabricante do aparelho que estabeleciam uma periodicidade de 12 meses.

Assim sendo, tendo o teste de álcool no sangue dos autos sido realizado através de analisador que se encontrava fora do prazo de validade da verificação metrológica ultimamente realizada, impossibilitada estava a sua utilização, porquanto esta só seria válida, como resulta do art.º 2º, nº 7, do DL nº 291/90, e atualmente do art.º 7º, nº 7, do DL nº 29/2022, se relativamente a ele tivessem sido cumpridas as operações de verificação metrológica no período de tempo legalmente exigido. E no caso do aparelho dos autos elas não foram cumpridas.

A prova que está em causa, isto é, a determinação da taxa de álcool no sangue através de analisadores quantitativos, como o que foi concretamente utilizado, é técnico-científica, e assim colocada num patamar análogo ao da prova pericial, estando por isso os seus resultados subtraídos à possibilidade de qualquer juízo de valoração probatória por parte do juiz, não podendo este produzir qualquer juízo com o qual procurasse determinar a taxa de álcool no sangue que só aqueles aparelhos, validamente aprovados e inspecionados podem apurar. Ou seja, no caso dos autos, quando muito, face à prova concretamente produzida, poderia o juiz concluir que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas, mas não que uma tal ingestão tivesse representado uma concreta taxa de álcool no sangue, porquanto para a determinar necessário seria que tivesse sido realizado um teste no ar expirado, através de analisador quantitativo, ou por análise de sangue – art.º 1º, nº 2, Lei n.º 18/2007, de 17/05, que aprovou Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas -, que fosse válido.

Não tendo sido realizada qualquer análise ao sangue, e não sendo o aparelho utilizado no teste quantitativo efetuado ao arguido passível de qualquer utilização, por não ter sido submetido a controlo metrológico válido, e em vigor, isso faz com que o respetivo resultado também não possa ser considerado válido. E não o sendo, não podia o Tribunal a quo, nem pode este Tribunal de recurso considerar como provada a taxa de álcool que aquele alcoolímetro invalidamente acusou.

E desconhecendo-se qual a taxa de álcool de que o arguido seria validamente portador, impossível se torna também afirmar que a mesma era igual ou superior a 1,2 gramas por litro de sangue, para que a sua conduta pudesse ser considerada crime. Faltando assim um dos pressupostos do crime de condução em estado de embriaguez, previsto no art.º 292º, nº 1, do CP, assim como do crime de desobediência qualificada, previsto nas disposições conjugadas dos art.º 348º do CP e 154º, nº 1, do Código da Estrada, e já que o resultado positivo neste último referido, de harmonia com o disposto no art.º 153º, nº 1, teria de se basear em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. E no caso dos autos, como vimos supra, o aparelho utilizado não teve a sua aprovação renovada, e a possibilidade que havia da sua utilização, que advinha do cumprimento das verificações metrológicas periódicas legalmente impostas, tinha deixado de existir, devido ao facto de a última efetuada ter perdido validade.

Ora, no caso dos autos o alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK IIIP, n.º ARCO-0030, foi aprovado pela ANSR através do despacho n.º 19684/2009, de 25 de junho de 2009, publicado em DR 2.ª Série a 27 de agosto de 2009, e aprovado pelo IPQ através do despacho n.º 11037/2007, de 24 de abril de 2007, publicado em DR 2.ª Série a 6 de junho de 2007. Nos termos do nº 2 do art.º 2º do DL nº 291/90, perdeu a sua validade de utilização decorridos 10 anos a contar da data em que foi publicada aquela aprovação. Porém, como decorre do nº 7 do mesmo artigo, o mesmo aparelho poderia permanecer em utilização, decorridos esses 10 anos, caso relativamente a ele continuassem a ser realizadas as operações de verificação aplicáveis, isto é, as verificações metrológicas periódicas ou extraordinárias, a que aludiam, designadamente, os art.ºs 4º e 5º do mesmo diploma.

A última verificação efetuada, nos termos dados como provados, ocorreu no dia 27/05/2021.

O teste de álcool no sangue em causa nos presentes autos foi realizado com aquele mesmo aparelho a 09/08/2022, isto é mais de um ano depois da data da anterior verificação realizada, fazendo com que o analisador quantitativo utilizado, sobretudo na interpretação decorrente da entrada em vigor da Portaria nº 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, revogando a Portaria nº 1556/2007, de 10/12, se encontrasse fora do prazo de validade, contado a partir da verificação metrológica ultimamente realizada, impossibilitando desse modo a sua válida utilização.

Sendo de acrescentar que seria incompreensível, face à letra e ao espírito da lei, sobretudo após a entrada em vigor do novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, que relativamente ao prazo de 10 anos para a validade da aprovação do alcoolímetro, se fizesse a contagem do prazo, nos termos previstos no art.º 279º, al. c), do Código Civil, como aconteceu, por exemplo nos ac. do TRE, de 17/06/2010 e do TRL, de 17/03/2009[8], onde se considerou o termo final do prazo desses 10 anos nas 24 horas do dia que no respetivo ano corresponda àquela data (no Ac., do TRL, face à publicação da aprovação a 06/08/98, até se considerou caducada a sua validade a 05/08/2008), e num prazo de duração de apenas um ano, como é o que está em causa nos autos, sem qualquer apoio na letra e no espírito da lei, se atirasse o termo do mesmo para o último dia do ano civil seguinte, o que implicaria a possibilidade de em vez de a revisão ser anual, passar a ser quase bienal ou mais bienal que anual, e assim a ver perdurada a sua validade por quase o dobro do prazo legalmente previsto (bastaria que a verificação metrológica se desse a 01 de janeiro de um determinado ano, e a possibilidade da próxima verificação ficasse diferida para 31 de dezembro do ano seguinte).

No sentido do ora decidido, ver ainda Maria Teresa Lume, para quem, “se um alcoolímetro tiver sido submetido a verificação periódica em 8 de maio de 2017 deverá ser realizada a próxima até dia 7 de maio de 2018, sob pena da prova extraída do mesmo ser inválida por não se encontrar aprovado nos termos regulamentares. Aliás, noutros países, como nos EUA ou na Alemanha, por indicação da própria Drager, a calibração, como lhe chamam, ou verificação periódica deve ser efetuada de 5 em 5 meses (EUA) e de 6 em 6 meses na Alemanha”[9].

Razão por que, tendo ademais em conta a fundamentação constante do acórdão deste Tribunal da Relação do Porto acima citado, irá ser concedido provimento ao recurso, ainda que com fundamentação diversa da deduzida pelo recorrente, absolvendo-se este do crime de que vinha acusado.
2.3. Da responsabilidade pelo pagamento das custas

Uma vez que o recorrente obteve vencimento, não terá de suportar as custas do recurso - art.º 513º, nº 1, a contrario sensu, e 514º, nº 1, do CPP.
3. Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, absolvê-lo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, n.º 1, 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, de que vinha acusado nos presentes autos.

Sem custas


Porto, 2024-11-13
Francisco Mota Ribeiro
José António Rodrigues da Cunha
Maria dos Prazeres Silva
_______________
[1] Exceto se uma tal insuficiência, pela sua extensão e gravidade redundasse numa verdadeira falta de fundamentação, porque por via dela se teria de concluir estar em falta alguma das menções referidas no art.º 374º, nº 2.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, LIM., Coimbra 1984, p. 139 e 140.
[3] Disponível em www.dgsi.pt.
[4] Página 36 do Manual (Instructor Training Manual) disponível em https://duiform.weebly.com/uploads/1/2/0/1/12016444/7110_instructor_manual.pdf
[5] J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1987, p. 246 e 247.
[6] Proc. nº 273/10.0GAALJ.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] E o rigor da anualidade, no seu exato sentido de período de um ano como agora o mandam contar as normas dos artigos referidos, e o art.º 279º, al. c), do Código Civil, resulta do facto de ele ser exigível para um aparelho metrológico que, ao contrário de qualquer outro, abrangido por aquela norma geral do art.º 4º, nº 5, do anterior DL nº 291/90, terá implicações na liberdade das pessoas, pelas consequências penais que necessariamente representará.
[8] Proc.ºs nºs 89/07.1GTABF.E1 e 178/2009-5, respetivamente, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Maria Teresa Lume, Código da Estrada Anotado, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 159.