Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1899/18.0T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RECUSA DE CUMPRIMENTO
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
Nº do Documento: RP202009241899/18.0T8PRD.P1
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Só há lugar à sanção estabelecida no art.442º, nº2º, do Código Civil mediante resolução do contrato-promessa, necessariamente fundada em incumprimento definitivo e culposo da contra-parte.
II - O incumprimento definitivo do contrato pode ser configurada por diversas vias: impossibilidade de cumprimento, falta de cumprimento de obrigação que, pelas circunstâncias que a rodeiam, revele a clara intenção de não cumprir; falta de cumprimento depois de ter sido expressamente interpelado para o efeito; recusa de cumprimento e desinteresse objetivo da parte.
III - O conceito de recusa de cumprimento não se restringe à declaração expressa de não querer cumprir, antes se compreendendo, em geral, nesse conceito todo e qualquer comportamento concludente que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser, sem mais, considerado inadimplente de forma definitiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1899/18.0T8PRD.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 2

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõe o Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
B…, na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C… e D…, na qual pede que sejam os Réus condenados a reconhecer a validade e a eficácia da resolução contratual declarada pelos Autores perante os Réus relativa ao contrato promessa de compra e venda que celebraram; a reconhecer o direito de fazer seu o sinal entregue pelos Réus; condenar os Réus à restituição do imóvel objeto do contrato-promessa de compra e venda livre e devoluto de pessoas e bens; e a condenar os Réus no pagamento do montante de € 2.800,00 (€ 400,00 x 7 meses), correspondente ao valor locativo mensal que venha apurar-se até à entrega efetiva do imóvel acrescido dos correspondentes juros legais.
Alega para tato e em suma que em 11 de Agosto de 2015, o Autor e o Réu marido celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda que tinha por objeto o prédio urbano situado na Rua …, nº. …, da freguesia …, concelho de Paredes, no distrito do Porto, propriedade da herança indivisa de E….
Em 6 de Outubro de 2016, o Autor informou, por carta registada com aviso de receção, os Réus tanto da documentação já disponível como do agendamento da escritura pública para o dia 27 de Outubro de 2016. Os Réus não compareceram na data e hora agendadas e após várias comunicações entre a mandatária do autor e mandatária dos Réus, vieram os Réus informar que não tinham disponibilidade financeira para cumprir o contrato-promessa de compra e venda e que, teriam de pedir um empréstimo em nome dos filhos para cumpri-lo.
Numa derradeira tentativa de cumprimento do contrato-promessa, em 12 de Julho de 2017, o Autor interpelou os RR por carta registada com aviso de receção e por carta simples a marcar nova data da escritura pública. Na data agendada para a celebração da escritura pública, em 26 de Julho de 2015, os Réus uma vez mais não compareceram.
Por isso, em 28 de Dezembro de 2017, por carta registada com aviso de receção e por carta com registo simples foi comunicado aos réus o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, tendo-lhes sido comunicado que deveriam entregar o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens até 5 de Janeiro de 2018, tendo verificado que até à data da entrada da presente ação os Réus não cumpriram o contrato-promessa de compra e venda, não justificaram o seu incumprimento e nem devolveram o imóvel.
A ocupação abusiva do imóvel pelos réus verifica-se pelo menos desde o dia 5 de Janeiro de 2018, devendo pois indemnizar os Autores por esta ocupação abusiva até à sua entrega efetiva.
Por fim alegam que o imóvel tem o valor locativo de € 400,00/mensais, considerando a sua localização e condições físicas que apresenta e nos demais termos alegados que aqui se dão por reproduzidos.
Regularmente citados os Réus defenderam-se, tendo por exceção invocado a nulidade da citação; a ilegitimidade para a ação – preterição do litisconsórcio necessário ativo (herança indivisa) - alegando que o Autor não é parte legítima por não ser mais do que o cabeça-de-casal da herança indivisa de E….
Vieram ainda excecionar a ineficácia e invalidade da resolução contratual e da inexistência do incumprimento do contrato, sustentando que a procedência os pedidos dos autores pressupõe que a resolução tenha sido lícita e eficaz para produzir o efeito pretendido e os autores só poderiam resolver o contrato, quando a mora fosse convertida em incumprimento definitivo, o que não ocorreu, concluindo que não há direito de resolução e não havendo direito de resolução, a declaração resolutiva é ineficaz para extinguir o contrato.
Quanto ao mais impugnam os réus toda a factualidade alegada nos termos expostos e que aqui se dão por reproduzidos.
O autor respondeu às exceções, por requerimento escrito, no qual deduziu o competente incidente processual de intervenção principal espontânea, por mera adesão dos herdeiros habilitados na herança indivisa da falecida E…, nos termos e para os efeitos que aqui se dão por reproduzidos.
Os réus deduziram a competente oposição e os intervenientes admitidos aderiram todos aos articulados anteriormente apresentados.
Após despacho saneador veio a ser realizada a audiência de julgamento e no final, o tribunal proferiu sentença que decidiu a causa nos seguintes termos:
“Face ao exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência:
- Julgo válida e eficaz a declaração de resolução do contrato promessa celebrado entre o autor e os réus e melhor identificado no ponto 1) da matéria de facto da presente decisão, improcedendo a matéria da exceição inominada deduzida;
- Reconheço ao autor e intervenientes o direito de fazerem seu o sinal entregue pelos réus
- Condeno os réus a procederem à entrega imediata do imóvel objeto do contrato promessa de compra e venda livre e devoluto de pessoas e bens;
No mais, improcede o pedido formulado na alínea d) da petição inicial.
Custas pelos Réus, conforme o disposto no artigo 527º., nº. 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que são os mesmos beneficiários.”
Inconformados, os Réus C… e D…, interpuseram o presente recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões:
“I. Consideram os aqui Recorrentes que a sentença ora posta em crise padece de erro de julgamento, na medida em que assenta numa incorreta subsunção da factualidade sub judice às disposições legais aplicáveis, porquanto considerou terem sido provados todos os pressupostos legais para que possa operar a resolução, válida e eficaz, do contrato promessa por incumprimento dos Réus/Recorrentes.
II. Com a celebração do contrato promessa e pagamento do sinal pelos Réus, houve imediatamente a traditio do prédio urbano, tendo os Réus, desde essa data, passado habitar no imóvel pro metido vender.
III. O contrato promessa em causa incide sobre um prédio urbano que constitui a casa de morada de família dos Réus, aqui Recorrentes.
IV. Por tal motivo, o presente recurso deve ter efeito suspensivo, uma vez que os presentes autos respeitam à posse ou propriedade da casa de habitação dos Réus, conditio sine qua non para ser aplicável o artigo 647º, nº 3, alínea b), 2.ª parte do C.P.C.
V. Os aqui Apelantes impugnam a decisão relativa à parte da matéria de facto dada como “Não Provados”, concretamente no que se refere aos pontos 39 e 77 dos factos da contestação, dados como não provados, ínsitos na sentença de que se recorre, uma vez que os mesmos se encontram em contradição com os factos dados como provados pelo tribunal a quo, designadamente, com os pontos 11). e 22). da matéria de facto dada como provada.
VI. No ponto 11). dos “Factos Provados” da sentença, o tribunal a quo deu como provado que “Na carta datada de 6 de Outubro de 2016, enviada pela mandatária do Autor aos Réus, informa estes últimos da reunião documentação exigível para a celebração do contrato prometido, bem como, do agendamento de escritura pública para o efeito missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher”.
VII. Não se compreende como considera depois o Tribunal como facto não provado o facto 39 da Contestação, que diz “Missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher”, existindo clara contradição entre estes dois pontos.
VIII. Por outro lado, consta como “Facto Provado” o ponto 22).: “Os Réus realizaram obras no imóvel, designadamente a pintura de paredes interiores, colocação de tetos, repararam o telhado e o chão do imóvel”. Contudo,
IX. É assente como facto “Não Provado” o ponto 77. da Contestação: “Razão pela qual, e uma vez que o imóvel em Agosto de 2015 não estava pronto habitar, no sentido de que apresentava necessidade de obras, os Réus realizaram obras no imóvel, designadamente pintura de todas as paredes interiores, colocação de tecos, colocaram um telhado novo, bem como o chão de todo o imóvel”.
X. Resulta do exposto a existência de uma contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e não provada, pelo que, por este motivo, a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) C.P.C.
XI. A primeira questão jurídica que o presente recurso coloca é justamente sobre a (in) existência de incumprimento definitivo imputável aos ora Recorrentes.
XII. Na fundamentação da sentença proferida e objeto de recurso, concluiu o tribunal a quo “que o incumprimento do contrato e a perda objetivamente verificada de interesse dos promitentes vendedores é imputável aos réus”.
XIII. Conforme alegado pelos Réus em sede de contestação, não decorre do contrato que o “prazo” para a formalização da escritura do contrato definitivo, constituísse um prazo fixo ou absoluto, de modo que, sendo desrespeitado, tal equivaleria ao incumprimento definitivo do contrato-promessa.
XIV. Considerando a produção da prova testemunhal, bem como os factos provados, é imperativo concluir que o Autor e Terceiros Intervenientes/Promitentes-Vendedores acompanharam sempre ativamente os Réus/Promitentes-Compradores, durante todo o período de três anos que decorreu após a celebração do contrato-promessa de compra e venda.
XV. Sendo forçoso concluir que, por tal motivo, no contrato-promessa não foi convencionado um prazo final e essencial para a reunião de toda a documentação exigível, nem para a outorga da escritura.
XVI. Os adiamentos sucessivos para a celebração do contrato definitivo foram sempre anuídos entre as partes, uma vez que os Recorridos tinha conhecimento das dificuldades dos Recorrentes obterem financiamento, o que é indiciador da não essencialidade do prazo definido no contrato para a outorga do contrato definitivo, bem como, indiciador do contínuo interesse em celebrar o mesmo.
XVII. Tais adiamentos e/ou prorrogações do prazo para a realização da escritura pública, foram acontecendo por não se terem reunido as condições necessárias à celebração do contrato prometido, que eram bem conhecidas dos Recorridos, conforme foi dado como provado nos factos 1)., 7)., 13)., 14). e 23) da sentença.
XVIII. Da conduta das partes, ao longo de todo aquele período depreende-se que todos interpretavam o referido prazo como relativo, não implicando necessariamente a caducidade ou o incumprimento definitivo do contrato- promessa.
XIX. Ao contrário do decidido na douta sentença, nunca se verificaria o desinteresse na celebração do contrato definitivo por parte do Autor e demais Intervenientes, porquanto nunca desistiram do negócio ou sequer mostraram intenção de não o querer cumprir, muito pelo contrário.
XX. A mora, conforme decorre do artigo 804º, nº1 do C. Civil, consiste no retardamento ou atraso no cumprimento da obrigação e pressupõe a possibilidade de cumprimento desta, bem como a subsistência do interesse do credor no cumprimento.
XXI. Pretendendo o credor converter, legitimamente, a referida mora no incumprimento definitivo, a lei atribui-lhe o poder de fixar ao devedor um prazo razoável, para além do qual deixa de lhe interessar mais a prestação.
XXII. No presente caso, nunca houve qualquer ação da parte dos aqui Recorridos que tivesse convertido o comportamento dos Réus em incumprimento definitivo, quer porque nunca lhes concederam um prazo razoável e perentório para a celebração do contrato definitivo, nos termos do artigo 808º do C. Civil, quer porque nunca manifestaram falta de interesse objetivo no cumprimento e realização de tal contrato.
XXIII. A mora dos Réus nunca foi convertida em incumprimento definitivo pelos Recorridos, não se mostrando legítimo que o Tribunal se substitua a estes para fazer operar tal conversão.
XXIV. A simples mora, só por si, não confere ao credor o direito de resolver o contrato.
XXV. Os Recorrentes apenas se constituíram em mora, por nunca os Recorridos lhes dirigiram uma interpelação admonitória, nos termos do artigo 805º, nº 1 do C. Civil, capaz de converter essa mora em incumprimento definitivo.
XXVI. Assim, inexistindo pressupostos idóneos a desencadear o nascimento daquele direito potestativo, não há direito de resolução.
XXVII. Não havendo direito de resolução, a declaração resolutiva é ineficaz para extinguir o contrato.
XXVIII. A segunda questão jurídica que o presente recurso coloca é justamente sobre a verificação dos pressupostos para a válida e eficaz declaração de resolução do contrato promessa celebrado entre Autor e Réus sobre o imóvel em causa nos autos.
XXIX. Foi entendido pelo tribunal a quo na sentença recorrida que o contrato promessa em causa nos autos havia sido lícita e eficazmente resolvido pelos Recorridos.
XXX. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo bastou-se com a mera alusão à lei e à existência de alegação nesse sentido por parte do Autor, tendo tal questão sido apreciada tão-só na perspetiva alegada por aquele na petição inicial.
XXXI. A eficácia da declaração resolutiva depende do preenchimento prévio dos pressupostos da constituição do direito potestativo na esfera jurídica do declarante.
XXXII. A interpelação admonitória consiste na concessão de um prazo suplementar razoável ao devedor, com a advertência de que, caso não cumpra, se considerará definitivamente incumprida a obrigação, conforme dispõe o artigo 808º, nº1 do C. Civil.
XXXIII. Incorrendo o devedor em mora, a lei atribui ao credor a faculdade de fixar ao devedor um prazo suplementar razoável – mas perentório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio.
XXXIV. Da matéria de facto dada como provada, existem três cartas:
- a missiva que os Autores enviaram aos réus através da carta datada de 06.10.2016, através da qual lhes informaram que reuniram a documentação exigível para a celebração do contrato, bem como do agendamento da escritura (doc. nº11 junto com a P.I.);
- uma nova carta datada de 12.07.2017, comunicando-lhes que deveriam comparecer no Cartório no dia 26 de Julho de 2017, para outorgarem a escritura de compra e venda (notificação esta sem qualquer cominação e que não foi rececionada por nenhum dos Réus, conforme o facto provado 16.);
- a última missiva, datada de 20.12.2017, consta, além do mais, o seguinte: «Verificando-se o incumprimento definitivo, objetivo, do contrato promessa de compra e venda, veem-se os promitentes vendedores no direito de fazer seu o sinal entregue por V.Exas.».
XXXV. Da conjugação das missivas enviadas, resulta claro que em nenhuma delas é feita expressamente a advertência de perda de interesse no negócio por parte do Autor e demais Intervenientes, não é declarado em nenhuma das missivas que a obrigação se terá definitivamente não cumprida se não se verificar o seu cumprimento, nem tão pouco é fixado ou concedido um prazo para o cumprimento da obrigação com a cominação expressa de que findo tal prazo deixa de existir interesse no negócio.
XXXVI. Na contestação apresentada à matéria da ação, os Réus desde logo consideraram que aquelas missivas (com especial relevo a última) nunca poderia ter o efeito pretendido, uma vez que não continha, de forma clara e inequívoca, a determinação de celebrar o contrato prometido sob pena de perda de interesse (interpelação admonitória).
XXXVII. Prescreve o nº2 do artigo 808º do C. Civil que a perda de interesse na prestação é apreciada objetivamente.
XXXVIII. A perda de interesse não pode ser uma perda subjetiva, tendo de ser analisada e avaliada objetivamente, não bastando apenas a diminuição de interesse do credor, impondo-se uma perda efetiva desse interesse.
XXXIX. No caso dos autos, não houve desaparecimento do interesse do Autor e demais Intervenientes no cumprimento do contrato-promessa, sendo, contudo de reconhecer que, não obstante a duração da mora dos Réus, o interesse no cumprimento do contrato-promessa subsistia.
XL. O que se verificou foi, pois, uma mora de duração prolongada dos Réus/Recorrentes, à qual o Autor e demais Intervenientes/Recorridos foram anuindo.
XLI. Tal ficou provado em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme se pode ler do exposto na convicção do tribunal a quo, quando do depoimento de uma testemunha ouvida, na qualidade de filha do Autor, confirma que «pessoalmente desenvolveu contactos com os réus, Mandatária dos réus e gestor do banco em diferentes ocasiões e que, a determinada altura, a cedência de posição contratual a um dos filhos do réu, foi ponderada pelos herdeiros interessados no negócio, assim como, o reforço do sinal em mais € 2.500,00 que nunca ocorreu porque não havia dinheiro, condições aceites por todos os herdeiros que somente pretendiam celebrar o contrato definitivo» (sublinhado nosso).
XLII. Reitera-se ainda que, o Autor e demais Intervenientes/Recorridos não converteram a mora em incumprimento definitivo através de uma qualquer interpelação admonitória.
XLIII. As missivas que o Autor e demais Intervenientes tentam sustentar como verdadeiras interpelações, não fixavam um prazo final, terminante e categórico, decorrido o qual, deixavam de estar interessados no cumprimento do contrato-promessa, não sendo idóneas para operar tal resultado.
XLIV. A natureza das missivas enviadas são ineficazes para efeitos de interpelação admonitória, tratando-se de meras convocações, pura e simples, para uma data, hora e local para a realização da escritura.
XLV. Acresce que, é àquele que se prevalece da faculdade de resolver o contrato que incumbe provar a perda do interesse suscetível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir por já lhe não interessar o cumprimento.
XLVI. Salvo melhor opinião, tal não ocorreu no caso dos presentes autos, tendo, ao invés, resultado clara a ausência de demonstração da perda de interesse (objetiva) por parte do Autor e demais Intervenientes/Recorridos na celebração do contrato definitivo.
XLVII. O contexto em que se verificou a declaração de resolução levada a efeito pelo Autor – na sequência da não comparência no cartório para a realização da escritura por parte dos Réus - não permite reconduzir ao incumprimento culposo do contrato por parte dos recorrentes.
XLVIII. Face ao supra exposto, consideram os Recorrentes que a sentença de que ora se recorre não apreciou devidamente a matéria de facto dada como provada, tendo decidido em contradição com a mesma, violando consequentemente os artigos 432º, 436º, 805º e 808º, nº 1 todos do C. Civil.
XLIX. Em face de tudo quanto se expôs, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente, e, consequentemente, absolva os Réus dos pedidos, com o que farão V. Exas. inteira justiça.”
O Autor B… respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma.
“1. Por contrato celebrado em 11 de Agosto de 2015 os recorrentes prometeram comprar um prédio situado na Rua …, n.º …, na freguesia …, concelho de Paredes pelo preço de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), tendo entregue a título sinal o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) existindo a tradição do imóvel para os recorrentes nessa data.
2. Foi dado como provado pelo Tribunal a quo o incumprimento do contrato promessa por factos imputáveis aos recorrentes, concatenada toda a prova carreada e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, declarando resolvido o contrato-promessa e a perda do sinal a favor dos autores.
3. Os recorrentes ao discordarem desta decisão pedem o efeito suspensivo do recurso por entenderem ter havido a tradição da coisa e ser a casa morada de família. Discordamos que se possa atribuir efeito suspensivo ao presente recurso.
4. Primeiro porque a posse não é confundível com a mera detenção.
O contrato-promessa não é suscetível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador, pois que este apenas adquire o corpus possessório e não o corpus possidendi.
5. Em segundo e, só em determinadas situações concretas e analisadas casuisticamente, em que tenha havido o pagamento na íntegra do preço acordado, acompanhado da intenção de transmitir em definitivo o direito prometido, não tendo as partes o propósito de celebrar o negócio definitivo e o promitente comprador atua e exerce sobre a coisa diversos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade é que o promitente comprador atua, neste caso com uti dominus.
Remetemos para o que foi explanado no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 2586/15.4T8LOU-B.P1, disponível no sítio da internet da DGSI e supra citado.
6. Nada disto se verificou nos presentes autos. Confessadamente os recorrentes não pagaram a totalidade do preço no ato da celebração do contrato-promessa e nem foi intenção dos promitentes vendedores transmitir em definitivo o direito real prometido. Os recorrentes são por isso, meros detentores do bem imóvel.
7. Em segundo lugar, nesta ação não se discute o direito de propriedade da casa de habitação. Discute-se o incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de determinado bem imóvel e enquanto tal estamos perante um direito obrigacional e não perante um direito real. Como ensina Lebre de Freitas: “a posse do promitente comprador é exercida na expectativa duma aquisição futura, mas enquanto esta não tiver lugar, não terá nunca como suporte um direito real, cuja presunção de titularidade tão pouco fará sentido (…)”. Da celebração de um contrato-promessa emerge apenas para os contraentes a obrigação de facto positivo de contratar. Nada mais.
8. Da impugnação da matéria de facto estamos em crer que existiu um lapso de escrita do Tribunal no que diz respeito ao facto dado como provado 11 e o 39.º não provado da contestação. Bastará atentar na redação do facto para facilmente se perceber que se tratou de lapso, retificável por simples despacho nos termos do art. 614.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sendo no nosso entendimento uma falácia a alegação de contradição insanável.
9. Quanto ao facto dado como provado 22.º e 77.º não provado da Contestação, entendemos que não existe qualquer contradição insanável. A M. Juíza do Tribunal a quo valorou corretamente a prova produzida e por esse motivo nunca poderia dar como provado que os recorrentes tenham colocado um telhado novo no imóvel nem colocaram um chão novo em todo o imóvel nem pintaram todas as paredes interiores. As testemunhas e declarações de parte prestadas, que para além de ser selectivas, demonstraram à saciedade que a factualidade alegada não ficou demonstrada, nem na totalidade provada.
10. No terceiro ponto do recurso é abordada a temática do incumprimento definitivo imputável aos recorrentes e a verificação dos pressupostos para a válida e eficaz declaração de resolução do contrato-promessa. Não podemos deixar de expressar aqui a nossa estupefação quanto ao alegado, fazendo a alegação tábua rasa da prova produzida em sede de julgamento, branqueando todo um comportamento inadimplente, de total aproveitamento da boa fé do autor e intervenientes num claro abuso de direito por parte dos recorrentes.
11. O recorrente marido, nas suas declarações de parte, afirmou perentoriamente que não tinha interesse no negócio, que por ele saia no dia imediatamente seguinte se lhe pagassem pelas alegadas obras que realizaram no imóvel:“… não vou sair assim com as mãos a abanar, gastei muito dinheiro lá!...Sr.ª Dr.ª Juíza, por mim, pela minha esposa eu saia de lá! Ele tem de me pagar o que eu fiz!”
12. Por isso, para os recorrentes e apesar das suas alegações (estribadas em aspetos meramente formais desprovidos de substância), este é um não problema. O contrato-promessa foi objetivamente incumprido por eles e nenhum interesse têm em realizar o contrato prometido. Só querem dinheiro para sair do imóvel. Litigam e continuarão a litigar, com benefício do apoio judiciário, para que lhes paguem o que sabem não ter direito e para continuarem a residir num imóvel a custo zero!
13. Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato, deve tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte – art. 227.º, n.º 1 do Código Civil -. O que assistimos ao longo destes cinco anos (praticamente) à sistemática violação deste princípio basilar por parte dos recorrentes.
14. Os recorrentes assinaram um contrato-promessa de compra e venda ficando incumbidos do agendamento da escritura de compra e venda. As assinaturas dos outorgantes foram reconhecidas pela mandatária que na data os representava. O teor do contrato foi deviamente explicado aos intervenientes e nenhuma dúvida para eles subsistia, por isso, assinaram.
15. Na data da celebração do contrato, alegadamente tinham a verba monetária para pagar a totalidade do preço mas, por escolhas pessoais, decidiram investir noutros negócios.
16. Toda a documentação foi reunida pelo autor e tal facto foi comunicado aos recorrentes. Não agendaram a escritura. Nada comunicaram. Quem agendou foi o autor. Quem se dirigia a casa dos recorrentes pedindo explicações e querendo ajudar era o autor! No dia e hora acordado ninguém compareceu à escritura – 27 de Outubro de 2016.
17. Confrontados com a falta de comparência foi o autor informado pelos recorrentes que já não tinham dinheiro para celebrar o contrato prometido. Não podiam recorrer ao crédito bancário porque não tinham rendimentos. Foi proposto que o mesmo fosse realizado em nome de um dos filhos.
18. Foram realizadas diligências junto dum Banco, por parte do autor, para ajudar os réus na obtenção do crédito para financiar a aquisição do imóvel em Novembro de 2016 em nome de um dos filhos. O crédito não foi concedido e disso não informaram os recorrentes o autor.
19. Numa última tentativa foi agenda nova data e hora para a realização da escritura: 26 de Julho de 2017, volvidos que estavam mais seis meses tempo suficiente para aprovação de um crédito bancário.
20. Uma vez mais os recorrentes não compareceram, nada disseram ou contestaram tal agendamento. Permaneciam em silêncio como vinha sendo seu apanágio.
21. Foram novamente interpelados, o autor aguardou mais meio ano e nada sucedeu. Os recorrentes nada fizeram ou demonstraram fazer para lograr a obtenção do valor remanescente para a celebração do contrato prometido.
22. Naturalmente que o autor considerou o contrato-promessa de compra e venda resolvido por incumprimento por parte dos recorrentes. Estes não se dignariam a comunicar a sua perda de interesse na celebração do contrato.
23. Ora interpretando a postura dos recorrentes à luz dos preceitos legais e da nossa jurisprudência, - comportamento concludente - citada nas nossas alegações, a mesma pode e deve ser interpretada como uma declaração antecipada de não cumprimento da obrigação.
24. A mora debitória, independentemente de interpelação, assim como é tratada na nossa doutrina, existirá sempre, para além das hipóteses do art. 805.º, n.º 2 do Código Civil, se o devedor declarar ao credor, inequívoca, definitiva, conscientemente e de forma perentória, a sua intenção de não cumprir, sendo que esta declaração pode ser expressa ou tácita, devendo neste último caso ser fundada em factos que com toda a probabilidade a revelam.
25. A doutrina, como bem assinala o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, diverge quanto aos efeitos jurídicos a atribuir a esta declaração antecipada de não cumprimento: se uma simples mora ou incumprimento definitivo.
26. No caso dos presentes autos, ficou cabalmente demonstrado que o efeito jurídico a retirar desta declaração tácita antecipada de não cumprimento é o incumprimento definitivo do contrato por banda dos recorrentes. Objetiva e confessadamente os recorrentes não praticaram, (nem provaram que o tivessem feito), atos que lhes permitissem celebrar o contrato prometido antes pelo contrário.
27. Remeteram-se sistematicamente ao silêncio, recusavam levantar correspondência, se tinham dinheiro quando celebraram o contrato depressa o dissiparam como confessou o recorrente marido, por isso faltavam a escrituras, davam desculpas de que estavam a diligenciar para obter um empréstimo bancário, (primeiro em nome dos recorrentes e depois em nome de um dos filhos, quando o que ficou provado foram as diligências realizadas pela testemunha E… para a obtenção desse empréstimo).
28. Objetivamente comunicaram que não iriam cumprir o contrato porque não tinham dinheiro, por isso não agendariam, como a isso estavam obrigados, a escritura. A forma que escolheram de o comunicar foi o silêncio. Houve uma desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa de compra e venda dos recorrentes, revelando a sua postura ao longo destes anos um claro abuso de direito.
29. Mas mesmo que assim não se considerasse, que o comportamento dos recorrentes não poderia desta forma ser interpretado, sempre se diria que a conduta dos recorrentes é uma clara violação do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações – art. 762.º, n.º 2 do CC – configurando aquilo a que a doutrina e jurisprudência tem vindo a denominar como situação de justa causa objetiva de resolução do contrato promessa como o dos presentes autos.
30. Este recurso é, na nossa opinião, um expediente dilatório, com o benefício do apoio judiciário, que em muito tem lesado o autor e intervenientes pois que estes sempre estiveram de boa fé e tudo fizeram para ajudar os recorrentes para celebrar o contrato prometido, mas estes tudo fizeram para não o honrar alheando-se às responsabilidades obrigacionais assumidas, confessando que a única coisa que querem é dinheiro para entregar o imóvel pois que interesse nenhum têm na celebração do contrato prometido num claro abuso de direito.
Admitido o recurso, como apelação com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II—OBJETO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a dirimir no presente recurso, delimitadas pelas conclusões do recurso apresentadas consistem em saber se ocorre nulidade da sentença por existência de contradição na factualidade julgada provada e não provada e saber se inexiste incumprimento definitivo do contrato promessa imputável aos Recorrentes, com a consequente ineficácia da resolução contratual operada pelo Autor.

III-FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal julgou provados os seguintes factos:
1). No dia 11 de Agosto de 2015, entre Autor e Réus foi celebrado um “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, através do qual os Réus prometeram comprar ao Autor o prédio urbano situado na Rua …, nº …, freguesia …, do concelho de Paredes, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3388 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número 71 da freguesia … e concelho de Paredes, distrito do Porto, propriedade da herança indivisa de E…, conforme resulta do teor dos docs. 1 a 3 e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido pelo preço global de € 32.000,00 (Trinta e dois mil euros), a ser pago da seguinte forma (Cláusulas Segunda e Terceira do contrato):
a) Como sinal e princípio de pagamento a quantia de € 5.000,00 (Cinco mil euros), e efetivamente pago pelos Réus;
b) A restante quantia de € 27.000,00 (Vinte e sete mil euros) seria paga no ato da outorga do contrato prometido.
No artigo 2. da Cláusula Quarta do contrato ficou estipulado que o contrato prometido seria realizado quando se mostrasse reunida toda a documentação exigível para o mesmo, e elencada no artigo 1. da citada Cláusula, tendo o promitente-vendedor o prazo de oito dias para fazer chegar toda essa documentação aos promitentes-compradores.
Nos termos do disposto no artigo 3. daquela Cláusula Quarta, a marcação da escritura de compra e venda seria efetuada pelos promitentes-compradores, que, para o efeito, deveriam avisar o promitente-vendedor da hora, dia e local da realização da sua celebração.
2). Com a celebração do contrato promessa (e o pagamento do sinal pelos Réus) o Autor permitiu e autorizou que os Réus passassem a habitar com um dos filhos o imóvel prometido vender, tendo em vista a celebração do contrato prometido, aí permanecendo, comendo, dormindo, recebendo os seus familiares e amigos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, isto é, aí instalaram até hoje a sua casa de morada da família, de acordo com a cláusula sétima do contrato.
3). O que os réus têm feito pelo menos desde o dia 12 de Agosto de 2015 até aos dias de hoje.
4). No dia 29 de Março de 2006 faleceu o proprietário do prédio objeto do contrato promessa descrito em 1)., F… que deixou como únicos herdeiros os seus pais: E… e G…, conforme documento n.º 4 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
5). No dia 23 de Junho de 2006 faleceu o patriarca G…, pai e herdeiro de F…, deixando como herdeiros a sua mulher E… e os seus restantes 11 filhos, conforme teor do documento n.º 5 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
6). No dia 5 de Fevereiro de 2012, faleceu a matriarca da família E…, conforme documento n.º 6 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
7). Tendo em conta a al. a), do n.º 1 da Cláusula Quarta a autorização de venda do imóvel por parte do Ministério Público referente à menor H… foi obtida em 26 de Setembro de 2016, conforme teor do doc. 8 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
Com relevo da discussão da causa resultaram ainda provados os seguintes factos:
8). A certificação energética do imóvel foi obtida em 13 de Julho de 2016, conforme teor do doc. 9 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
9). Em 27 de Julho de 2016 foi cumprida a al. c) do n.º 1, da Cláusula Quarta como se pode verificar pelo documento n.º 10.
10). Em 6 de Outubro de 2016, por carta registada com aviso de receção e recebida pela ré mulher, o autor informou os réus tanto da documentação já disponível como do agendamento de escritura pública para o dia 27 de Outubro de 2016, conforme teor do doc. 11 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
11). Na carta datada de 6 de Outubro de 2016, enviada pela mandatária do Autor aos Réus, informa estes últimos da reunião documentação exigível para a celebração do contrato prometido, bem como, do agendamento de escritura pública para o efeito missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher.
12). Na data e hora agendada para escritura pública os réus não compareceram.
13). Após várias comunicações entre mandatária do autor e mandatária dos réus, vieram os réus informar que não tinham disponibilidade financeira para cumprir o contrato-promessa de compra e venda pelo que teriam que pedir um empréstimo em nome dos filhos para cumpri-lo.
14). Em 18 de Novembro de 2016, a mandatária do autor, na tentativa de auxiliar os réus, enviou toda a documentação do imóvel para o Sr. I… gestor de conta dos réus no Banco J…, agência …, tendo os autores ficado a aguardar pela aprovação do crédito e agendamento da escritura pública o que não sucedeu, conforme teor do doc. 12 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
15). Em 12 de Julho de 2017, numa última tentativa, de cumprimento do contrato promessa por parte dos réus, o autor interpelou-os por carta registada com aviso de receção e por carta com registo simples da marcação de nova data de escritura pública, conforme teor do doc. 13 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
16). Por seu turno, na carta datada de 12 de Julho de 2017, enviada pela mandatária do Autor aos Réus, apesar destes não terem rececionado tais missivas, continha informação de novo agendamento de escritura pública para o contrato prometido.
17). No dia 26 de Julho de 2017, data agendada para a escritura pública, os réus, uma vez mais, não compareceram, conforme teor do doc. 14 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
18). Em 28 de Dezembro de 2017, por carta registada com aviso de receção e por carta com registo simples foi comunicado aos réus o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e que deveriam entregar o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens até ao dia 5 de Janeiro de 2018, conforme teor do doc. 15 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
19). Toda a correspondência e comunicações anteriormente efetuadas entre o Autor e Réus foram sempre remetidas para a morada “Rua …, … (….-… … Paredes)”, como se pode verificar dos documentos como Doc. 11, Doc. 13 e Doc. 15 e juntos aos autos.
20). As missivas referidas em 11). 16). e 19) foram respetivamente enviadas por carta registada com aviso de receção e por carta com registo simples, não foram recebidas pelos Réus.
21). Na carta datada de 28 de Dezembro de 2017, enviada pela mandatária do Autor aos Réus, consta designadamente o seguinte: “Verificando-se o incumprimento, objetivo, do contrato promessa de compra e venda, vêem-se os promitentes vendedores no direito de fazer seu o sinal entregue por V.Exas” (...) “Pelo exposto deverão V.Exas entregar o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens até dia 5 de Janeiro de 2018” (...) “Caso não o façam, naturalmente que acionaremos os meios judiciais ao nosso dispor”.
22). Os Réus realizaram obras no imóvel, designadamente a pintura de paredes interiores, colocação de tetos, repararam o telhado e o chão do imóvel.
23). Os Réus comunicaram ao autor que tinham dificuldade em obter um empréstimo bancário.
24). Através da carta datada de 28 de Dezembro de 2017, o Autor fixa uma data (5 de Janeiro de 2018) para os Réus entregarem o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, sob pena de acionar “os meios judiciais ao nosso dispor”.
25). Os réus ocupam de forma abusiva o imóvel objeto do contrato-promessa, desde o dia 5 de Janeiro de 2018.
E julgou não provados os seguintes factos:
- Da Petição inicial: - 25 e 26.
- Da Contestação:- 13, 18, 39 (este eliminado conforme decisão que segue), 40, 41, 43, 44, 46, 47, 49, 53, 56, 57, 58, 59, 68, 69, 77,79, 80. 81, 82, 83, 84, 87, 89, 95.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO
4.1 Da nulidade da sentença
Defendem os Apelantes que ocorrem nulidade da sentença proferida, por força do que dispõe o artigo 615º, nº 1, al. c) C.P.C., por se verificar a existência de uma contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e não provada.
Alegam os aqui Apelantes que os pontos 39 e 77 dos factos da contestação, dados como não provados, se encontram em contradição com os factos dados como provados pelo tribunal a quo, designadamente, com os pontos 11). e 22). da matéria de facto dada como provada.
Que no ponto 11). dos “Factos Provados” da sentença, o tribunal a quo deu como provado que “Na carta datada de 6 de Outubro de 2016, enviada pela mandatária do Autor aos Réus, informa estes últimos da reunião documentação exigível para a celebração do contrato prometido, bem como, do agendamento de escritura pública para o efeito, missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher”.
Já no facto não provado o facto 39 da Contestação, diz-se; “Missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher”, pelo que existe clara contradição entre estes dois pontos.
Por outro lado, consta como “Facto Provado” o ponto 22).: “Os Réus realizaram obras no imóvel, designadamente a pintura de paredes interiores, colocação de tetos, repararam o telhado e o chão do imóvel”. Contudo, é assente como facto “Não Provado” o ponto 77. da Contestação: “Razão pela qual, e uma vez que o imóvel em Agosto de 2015 não estava pronto habitar, no sentido de que apresentava necessidade de obras, os Réus realizaram obras no imóvel, designadamente pintura de todas as paredes interiores, colocação de tecos, colocaram um telhado novo, bem como o chão de todo o imóvel”.
Vejamos.
Nos termos do art. 615º, nº1, alínea c) do CPC, “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), ora invocada pelos Apelantes, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
O vício da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC é um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir-se, em conflito ou em contradição com tal fundamentação.
Esta nulidade verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual.
Ora, não é isto o que os Apelantes invocam. Os Recorrentes alegam que existe contradição, não entre a decisão e a fundamentação da sentença, mas sim entre factos julgados provados e facto julgados não provados.
A contradição da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto não integra tal causa de nulidade, constituindo antes uma situação a ser apreciada em sede de erro de julgamento.
A existência de contradição na matéria de facto constitui um vício de conhecimento oficioso (veja-se a alínea c), do nº 2, do artigo 662º do Código de Processo Civil), estando inclusivamente a parte que invoca tal patologia desonerada da observância dos ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto e previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Analisemos então, as apontadas contradições.
A primeira contradição parece-nos manifesta.
Com efeito, no ponto 11) dos “Factos Provados” da sentença, o tribunal a quo deu como provado, referindo-se á carta datada de 6 de Outubro de 2016, (em que se informa que se encontra reunida a documentação necessária para a celebração do contrato prometido), que esta missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher.
Já no facto não provado o facto 39 da Contestação, o tribunal julga não provada, referindo-se á mesma carta que “Missiva que apenas foi rececionada pela Ré mulher”.
Porém, já o autor, no artigo 12 da petição inicial referia que a carta em questão foi “recebida pela Ré mulher”.
Este Tribunal de recurso dispõe de elementos que permitem sanar esta contradição. Basta atentar na fundamentação feita pelo Tribunal a quo, daquele facto provado, e no documento 11 da petição inicial, para se perceber que a inclusão do facto não provado em causa, terá ocorrido por mero lapso.
Assim, o tribunal para julgar provado aquele facto faz referência ao documento nº 11 junto com a petição inicial, dizendo que “as cartas datadas de 06.10.2016, enviada aos réus, a comunicar o agendamento da escritura de compra e venda e ainda eram solicitados documentos para a realização da escritura, com os comprovativos do registo e o A/R, com a particularidade da carta remetida ao réu ter sido devolvida”.
Daí que a inclusão no elenco dos factos não provados do facto 39 da contestação deva ser eliminado.
Quanto á segunda contradição apontada, não cremos que verdadeiramente estejamos perante uma contradição, sendo certo que a factualidade em causa relacionada com obras feitas no imóvel prometido vender constitui matéria totalmente irrelevante para a decisão a proferir neste recurso.
Não obstante, constata-se que o Tribunal julgou provada a realização de obras no imóvel, que consistiram designadamente na pintura de paredes interiores, colocação de tetos, repararam o telhado e o chão do imóvel.
É o facto 22 do elenco dos factos provados, que o afirma.
Simultaneamente o tribunal a quo incluiu na matéria de facto não provada o facto 77 da contestação, o qual tem a seguinte redação: “Razão pela qual, e uma vez que o imóvel em Agosto de 2015 não estava pronto habitar, no sentido de que apresentava necessidade de obras, os Réus realizaram obras no imóvel, designadamente pintura de todas as paredes interiores, colocação de tecos, colocaram um telhado novo, bem como o chão de todo o imóvel”.
Este facto alegado pelos Réus na contestação refere-se assim às razões que levaram os Réus a realizaram obras, isto é porque o imóvel não estava pronto a habitar e necessitava das mesmas.
Sob pena de contradição tem de entender-se que a inclusão do art. 77 da contestação no elenco dos factos não provados, se refere ao estado do imóvel em Agosto de 2015 e às razões que levaram á realização das obras, e não que estas não tenham sido realizadas.
Assim sendo, quanto a esta questão recursória, conclui-se não existir a nulidade de sentença apontada, encontrando-se sanadas as contradições apontadas, ao abrigo do disposto no art. 662º nº 2 al c) do C.P.C.
4.2 Da resolução contratual
O contrato-promessa traduz-se na convenção pela qual "ambas as partes se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados determinados pressupostos, a celebrar determinado contrato. Cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido- é a chamada prestação de facto positivo" (v. artigo 410.º do C.Civil.) e Varela, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, págs. 289-290.
A jurisprudência e doutrina largamente maioritárias defendem que só no caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa e não de simples mora, há lugar à resolução do contrato e à aplicação das sanções previstas no artigo 442.º do C.Civil.
Assim, segundo o artigo 442.º n.º 2, do Código Civil “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
E exige-se a extinção do contrato, ou seja, “não pode (…) o tradens exigir o dobro do sinal (ou o valor da coisa), sem destruir prévia ou contemporaneamente o contrato, do mesmo modo que o accipiens não pode fazer seu o sinal recebido sem, também, prévia ou contemporaneamente, destruir o contrato”. Ver João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, Almedina, pág.299.
De acordo com a factualidade provada, em 28 de Dezembro de 2017, por carta registada com aviso de receção e por carta com registo simples foi comunicado aos réus que em face do “incumprimento objetivo do contrato-promessa de compra e venda” viam-se os promitentes-vendedores “no direito de fazerem seu o sinal entregue” e solicitam a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens até ao dia 5 de Janeiro de 2018, conforme teor do doc. 15.
Nessa carta, o Apelado expõe as razões de tal incumprimento, invocando nomeadamente as diversas situações em que os promitentes-compradores não compareceram às escrituras públicas marcadas e a alegação por banda daqueles que não tinham dinheiro para realizar a compra.
Defendem os Apelantes a invalidade da resolução contratual operada pelo Autor mediante a carta datada de 28 de Dezembro de 2017, por carta registada com aviso de receção e por carta com registo simples em que foi comunicado aos réus que, em face do “incumprimento objetivo do contrato-promessa de compra e venda” viam-se os promitentes-vendedores “no direito de fazerem seu o sinal entregue” e solicitam a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens até ao dia 5 de Janeiro de 2018.
Defendem a ineficácia desta declaração resolutiva do contrato, já que reconhecem apenas que se encontram em mora quanto ao cumprimento da obrigação, salientando que a simples mora só por si, não confere ao credor o direito de resolver o contrato e que, no presente caso, nunca houve qualquer ação da parte dos aqui Recorridos que tivesse convertido o comportamento dos Réus em incumprimento definitivo, quer porque nunca lhes concederam um prazo razoável e perentório para a celebração do contrato definitivo, nos termos do artigo 808º do C. Civil, quer porque nunca manifestaram falta de interesse objetivo no cumprimento e realização de tal contrato.
Vejamos.
A resolução, nas palavras de Antunes Varela, in das Obrigações em Geral, II, pg.265 é a destruição da relação contratual operada por um dos contraentes, com base num facto posterior á celebração do contrato. É a destruição da relação contratual operada por ato posterior de vontade de um dos contraentes que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado.
Como salienta Brandão Proença, in “A resolução do Contrato no Direito Civil”, pg. 171, o exercício fundado do direito de resolução, origina à luz dos arts. 433º, 289º, 434º nº 1 primeira parte, do C.C., uma eficácia retroativa entre as partes contratantes consubstanciada numa relação de liquidação em que a normal reposição entre as partes da situação vigente ao tempo da celebração contratual deve obedecer ao princípio da restituição integral e ao princípio da simultaneidade do cumprimento dessa obrigação de restituição.
O direito de resolução tanto pode resultar da lei, como da convenção entre as partes (art. 432º nº 1 do CC).” “As mais das vezes a resolução assentará num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento previsto na convenção das partes ou na lei que justifica a destruição unilateral do contrato”.
O direito de resolução do contrato, traduzido no ato de um dos contraentes, dirigido à dissolução do vínculo contratual contemplado no artigo 432.º, do Código Civil, assumindo pleno cabimento no âmbito do contrato-promessa (já que o incumprimento deste contrato é regido pelos preceitos de carácter geral atenta a equiparação estabelecida pelo n.º1 do artigo 410.º relativamente ao contrato prometido), constitui um direito potestativo com eficácia extintiva dependente de um fundamento legal, que é a situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), ou da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual).
Daí que inexista direito de resolução sem o “juízo de inadimplemento”.
Porque, no caso, o direito de resolução não foi convencionado entre as partes, a validade da destruição do vínculo contratual firmado mostra-se dependente da verificação de fundamento legal legitimado na situação de incumprimento definitivo do contrato que pode ser configurada por diversas vias: impossibilidade de cumprimento, falta de cumprimento de obrigação que, pelas circunstâncias que a rodeiam, revele a clara intenção de não cumprir; falta de cumprimento depois de ter sido expressamente interpelado para o efeito; recusa de cumprimento; desinteresse objetivo da parte (que poderá ser caracterizado pelo decurso de um prazo excessivo revelador da falta de vontade de cumprir ou do desinteresse da contraparte) - cfr. artigos 801 e 808.º, n.º1, do Código Civil.
Assim sendo, a resolução do contrato enquanto exercício de um direito potestativo vinculado impõe à respetiva parte o ónus de alegar e demonstrar o fundamento justificativo da desvinculação contratual.
Sendo inquestionável que o Autor, na qualidade de promitente vendedor remeteu, com data de 28.12.2017, a carta de resolução contratual aos Apelantes, restará pois saber se o promitente vendedor logrou ou não demonstrar o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos Apelantes suscetível de fundar a declaração resolutiva do contrato.
A interpretação da declaração rescisória não parece suscitar dúvidas quanto ao fundamento da rescisão: incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte das Autoras pela recusa das mesmas em celebrarem o contrato definitivo. Nessa medida, importará averiguar se, no caso, ocorreu efetivo incumprimento definitivo do contrato imputável aos Réus, ou se, tal como estes defendem ocorre apenas uma situação de mora ou atraso do cumprimento.
4.3.Do incumprimento do contrato promessa
Como é sabido, as partes devem cumprir pontualmente o contrato, na medida do que se obrigaram, (cfr. artigos 405º e 406º e do Código civil), visto que o contrato vale como lei em relação aos contraentes.
Genericamente, o contrato promessa pode ver o seu fim negocial frustrado por força do incumprimento unilateral ou bilateral dos contraentes, por força de uma impossibilidade de cumprimento, de um incumprimento definitivo, de uma recusa de cumprimento, o incumprimento de alguns deveres contratuais.
Qualquer uma dessas situações poderá preencher o conceito de “não cumprimento do contrato”.
Com efeito, no que aos contratos em geral concerne existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso na prestação e o cumprimento defeituoso (Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, 9ª ed., II, págs.62 e segs.).
A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida por se tornar impossível (art.ºs 801º e 802º do C.Civil).
O incumprimento definitivo do contrato promessa tem de ser aferido pelas regras gerais do não cumprimento das obrigações estabelecidas no art. 808º do C.C.
Não resultando dos autos que as partes tivessem convencionado entre si um prazo fixo, perentório, ou absoluto, a não celebração do contrato prometido nas datas agendadas pelo Autor, por si só, configurará, á partida, apenas uma situação de mora no cumprimento da prestação.
A mora, enquanto modalidade do incumprimento contratual latu sensu pressupõe que a prestação, sendo ainda possível, não tenha sido realizada no prazo certo acordado no contrato cfr. arts. 804º nº 2 e 805º nº 2 al a) do C Civil.
Tal incumprimento não é ainda definitivo e como tal mostra-se insuficiente para fundamentar a resolução contratual.
Porém, a mora poderá converter-se em incumprimento definitivo.
Isto ocorre através dos mecanismos previstos no art. 808º do C.C, aos quais a jurisprudência acrescenta ainda a recusa categórica do devedor em cumprir.
A obrigação considera-se definitivamente não cumprida, se o devedor fizer uma declaração, clara, inequívoca e perentória de que não cumprirá o contrato. (Ver Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, p. 88, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª edição, p. 142 e 143, Nuno Manuel Pinto Oliveira, Estudos Sobre o Não Cumprimento das Obrigações, 2ª edição, pp. 73 e 74. Baptista Machado, na anotação ao Acórdão do S.T.J. de 8/11/1983, n a RLJ, Ano 118, a pp. 274, maxime p. 332, nota 35, adverte que no conceito de recusa do cumprimento deve compreender-se não só a declaração de não querer cumprir como em geral o comportamento do devedor suscetível de indicar que não quer ou não pode cumprir.
Entendemos, na verdade, que o conceito de recusa de cumprimento não se restringe à existência de uma declaração expressa do devedor de não querer cumprir a obrigação, antes se compreendendo, em geral, nesse conceito, todo e qualquer comportamento concludente, que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser, sem mais, considerado inadimplente de forma definitiva.
Neste sentido, ver a mero título exemplificativo os seguintes acórdãos do STJ, disponíveis in www.dgsi.pt,: de 31 de março de 1998, com o seguinte sumário: “I - Há incumprimento definitivo de contrato-promessa de compra e venda, para efeitos do disposto no art. 442 do Código Civil, no caso de recusa perentória e sistemática do promitente-vendedor, comunicada ao promitente-comprador, de celebrar o contrato prometido. II - A aplicação das sanções previstas no artigo 442 do Código Civil pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa e não a simples mora.”; de 3 de março de 2005. “III - O conceito de recusa de cumprimento não se restringe à declaração expressa de não querer cumprir, antes se compreendendo, em geral, nesse conceito todo e qualquer comportamento que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser, sem mais, considerado inadimplente de forma definitiva”; de 15 de março de 2005: “I- Revelando os factos uma vontade séria e determinada dos recorrentes (promitentes-vendedores) não quererem cumprir, tal conduta constitui "recusa de cumprimento", o que permite considerá-los inadimplentes de forma definitiva, sem necessidade de notificação admonitória.”
Revertendo estes ensaiamentos para o caso em apreço, contata-se que o contrato promessa foi celebrado entre Autor e Réus no dia 11 de Agosto de 2015, tendo os ora Apelantes prometido comprar ao Autor o prédio urbano situado na Rua …, nº …, freguesia …, do concelho de Paredes, propriedade da herança indivisa de E…, pelo preço global de € 32.000,00 (Trinta e dois mil euros), a ser pago da seguinte forma (Cláusulas Segunda e Terceira do contrato):
a) Como sinal e princípio de pagamento a quantia de € 5.000,00 (Cinco mil euros), e efetivamente pago pelos Réus;
b) A restante quantia de € 27.000,00 (Vinte e sete mil euros) seria paga no ato da outorga do contrato prometido.
Quanto á celebração do contrato prometido – escritura pública de compra e venda – ficou estipulado no artigo 2. da cláusula Quarta do contrato que o mesmo seria realizado quando se mostrasse reunida toda a documentação exigível para o mesmo, e elencada no artigo 1. da citada Cláusula.
Nos termos do disposto no artigo 3 daquela cláusula Quarta, a marcação da escritura de compra e venda seria efetuada pelos promitentes-compradores, que, para o efeito, deveriam avisar o promitente-vendedor da hora, dia e local da realização da sua celebração.
O Apelado logrou demonstrar, tal como lhe competia, que reuniu a documentação necessária elencada no contrato promessa, onde se incluía a obtenção de autorização de venda por parte da menor H…; a disponibilização da certificação energética do imóvel e a obtenção da licença de utilização ou de documento camarário a atestando a isenção de tal licença.
E em 6 de Outubro de 2016, por carta registada com aviso de receção o autor informou os réus tanto da documentação já disponível.
A partir desta data, decorria para os ora Apelantes a obrigação de marcarem a escritura de compra e venda, devendo ainda avisar o promitente-vendedor da hora, dia e local da realização da sua celebração, de acordo com o citado artigo 3 daquela cláusula Quarta.
Como vimos, as partes devem cumprir pontualmente o contrato, na medida do que se obrigaram, (cfr. artigos 405º e 406º e do Código civil), visto que o contrato vale como lei em relação aos contraentes.
Esta obrigação pressupõe dois postulados indispensáveis à segurança do comércio jurídico e corolários da liberdade contratual: pontualidade (o contrato deve ser executado ponto por ponto, em todas as suas cláusulas) e estabilidade (que se traduz na irrevogabilidade do vínculo e na intangibilidade do respetivo conteúdo) contratuais.
Por outro lado, tendo em conta que no negócio jurídico bilateral emergem direitos e deveres para cada uma das partes, a avaliação do incumprimento contratual não se confina aos deveres principais adstritos às respetivas partes, estendendo-se, necessariamente, aos deveres acessórios ou complementares ínsitos nas estipulações contratuais e aos que decorrem do desígnio da própria vinculação contratual, isto é, aos deveres inerentes à dinâmica negocial assentes no princípio de boa-fé e num critério ético-normativo de razoabilidade.
Daí que, na avaliação das situações de não cumprimento há que proceder a uma análise circunstanciada do caso concreto levando em conta o tipo de negócio e os interesses em jogo, a qualidade das partes e os usos gerais do comércio jurídico.
No caso em apreço, constata-se, que o promitente vendedor procedeu á entrega da chaves do imóvel, facultando aos promitentes-compradores, desde a celebração do contrato promessa, o gozo da coisa; reuniu toda a documentação que se mostrou necessária para a celebração do contrato prometido e, tal como resulta da factualidade provada, quando informado por aqueles que não tinham disponibilidade financeira para cumprir o contrato-promessa de compra e venda e que teriam que pedir um empréstimo, logo prestou a necessária colaboração para o efeito, tendo sido enviada a documentação do imóvel para o gestor de conta dos réus no Banco J…, agência …, ficando a aguardar pela aprovação do crédito e o agendamento da escritura pública o que não sucedeu.
Os promitentes-compradores por seu turno, e até hoje, não procederam á marcação da escritura pública, tal como se haviam comprometido.
E mais, não só não diligenciaram pela marcação da escritura pública, como lhes competia, como nunca comparecerem no Cartório Notarial nas datas agendadas pelo Apelado para o efeito de ser celebrado o contrato prometido: o primeiro agendamento foi feito para o dia 27 de Outubro de 2016 e os Réus não compareceram e o segundo para o dia 26 de Julho de 2017, no qual também se verificou a ausência daqueles.
Os ora Apelantes que se mantém no gozo do imóvel, desde a celebração do contrato promessa, vêm recusando celebrar o contrato definitivo, não procedendo á marcação da data da escritura, bem como recusando comparecer á mesma, quando marcada pelo outro contraente.
Considerando o tempo decorrido desde Outubro de 2016, data em que estavam reunidas as condições para a celebração do contrato, tal é demonstrativo da falta de vontade de cumprimento do contrato por parte dos aqui Apelantes.
E, se dúvidas houvessem quanto ao facto dos Réus, ora Apelantes não poderem/quererem cumprir o contrato-promessa, mediante a celebração do contrato de compra e venda, recusando-se a tal, as mesmas ficam dissipadas com as declarações prestadas pelo Réu em audiência de julgamento, aquando da prestação do depoimento de parte, (que se encontram gravadas, a cujas audição procedemos), quando afirma que há-de haver quem fique com a casa, porque “A mim não me interessa já”; quando diz, tal como o Apelado refere nas contra-alegações de recurso: “… não vou sair assim com as mãos a abanar, gastei muito dinheiro lá!...Sr.ª Dr.ª Juíza, por mim, pela minha esposa eu saia de lá! Ele tem de me pagar o que eu fiz!” e finalmente quando revela que gastou noutros negócios o dinheiro que tinha destinado para a compra daquele imóvel.
O Apelante afirmou perante o Tribunal que não tem qualquer interesse no negócio, declarações categóricas que na verdade, confirmam e explicam o comportamento dos Réus ora Apelantes até á data, em que recusaram cumprir o contrato de compra e venda prometido celebrar, não agendando nem comparecendo ás escrituras públicas nas datas designadas pelo promitente vendedor, sem qualquer justificação válida, já que não dispor de dinheiro para esse efeito, não pode ser incluído em tal conceito.
Com base naquelas declarações, apenas se pode concluir que, com a contestação da ação e a interposição do recurso apenas pretenderam os RR/Apelantes dilatar a entrega do imóvel aos proprietários, imóvel que foi colocado na imediata disposição dos ora Recorrentes aquando da celebração do contrato promessa, no pressuposto da realização do contrato prometido.
Esta situação configura por parte dos Apelantes incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa que permite dá-lo por validamente resolvido através da carta resolutiva supra analisada.
Em face do exposto, carecem de razão os Apelantes nos fundamentos deste recurso, mantendo-se por isso o decidido na sentença sob recurso.

V-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de Apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Porto, 24 de Setembro de 2020
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró