Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | EFICÁCIA EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS ÓNUS DA PROVA INVERSÃO PRESUNÇÕES JUDICIAIS | ||
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Nº do Documento: | RP202507101078/24.7T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Em face da prova produzida pela parte a quem caiba o ónus, pode a contraparte opor contraprova, que se destina a tornar duvidosa a ocorrência do facto visado: art.º 346º do CC. II - Já a prova do contrário destina-se a tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado por prova legal plena: art.º 347º do CC. III - Portanto, a contraprova só é admissível na exata medida dos factos sujeitos ao princípio da livre convicção ou “prova livre”; no caso da “prova legal plena” já se exige a prova do contrário (art.º 347º CC) e, nas situações de “prova legal pleníssima”, o seu valor probatório não pode ser destruído por qualquer outro meio. IV - Estas regras do ónus probatório podem ainda inverter-se nos casos de existir presunção legal, dispensa/liberação do ónus da prova, ou convenção válida, sempre que a lei o determine, bem como se a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova do onerado: art.º 344º CC. V - Já as presunções judiciais, são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para afirmar factos desconhecidos e só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal: art.º 519º CPC.VI - Na passagem do facto conhecido para a aquisição do facto desconhecido intervêm as regras da experiência, os princípios da lógica ou juízos de probabilidade que permitam fundadamente afirmar que determinado facto (antes não conhecido nem provado) é a consequência natural de um outro facto (conhecido). VI - As regras da experiência são um conceito aberto, que faz apelo a padrões da normalidade, àquilo que acontece na grande maioria dos casos, no sentido de que em circunstâncias idênticas o ser humano tende a ter um comportamento idêntico, os designados “padrões de comportamento”. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1078/24.7T8VNG.P1 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha do processado
1. AA instaurou ação contra BB pedindo a sua condenação a pagar ao autor a quantia de 96.831,41 € referente a metade de cada um dos valores referidos em 4 e 13, acrescida de juros já vencidos, no montante de 24.853,40 €, e vincendos, contados desta data e até efetivo e integral pagamento. Como fundamento, alegou que, ainda solteiros (entretanto casaram, mas o casamento já foi dissolvido por divórcio), compraram um imóvel, tendo o preço sido integralmente pago com dinheiro da exclusiva propriedade do Autor, suportando ainda os impostos e despesas inerentes à compra. Na altura, a Ré era proprietária exclusiva de uma outra fração e prometeu ao Autor que a venderia para, com o produto da venda, custear metade do preço, o que não aconteceu. Após o divórcio, o Autor instaurou ação de divisão de coisa comum relativamente ao imóvel e nessa ação a fração foi avaliada no valor de 376.500,00 €. Considerou-se nessa ação de divisão de coisa comum que a compra foi efetuada em regime de compropriedade e, dado que na escritura nada foi estipulado em sentido diverso, não se podia considerar a quota do Autor como 100%, “quando muito, caso não seja possível o entendimento com a ré nos presentes autos, poderá o autor lançar mão de uma outra ação onde peticione o ressarcimento de metade quantias eventualmente pagas por si.” Em consequência, o imóvel veio a ser adjudicado ao Autor, que pagou à Ré, a título de tornas, metade daquele valor, 188.250,00 €. Assim, e dado que a Ré nada despendeu para a compra da fração, pretende o Autor que ela lhe pague agora metade do valor de aquisição. Em contestação, a Ré impugnou a factualidade alegada. Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe € 36.000,00, devidos pela privação do uso do imóvel e seu recheio. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que decidiu: A) Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 96.831,41 euros (noventa e seis mil oitocentos e trinta e um euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, nos seguintes termos: i) A calcular sobre a quantia de 93.750,00 euros desde 3 de Janeiro de 2024 e até efectivo pagamento; ii) A calcular sobre a quantia de 3.081,41 euros, desde a data da citação e até efectivo pagamento; B) Julgo improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo o autor do pedido correspondente.
2. Para assim decidir, foram considerados os seguintes factos: Factos provados a) A 8 de Setembro de 2017, autor e ré, ainda solteiros, declararam comprar a "A..., S.A.", a fração autónoma "C", do prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo ...93, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº. ...67, pelo preço de 187.500,00 euros, nos termos e condições constantes dos documentos 2, 3 e 4 anexos à petição inicial, cujo teor se tem por reproduzido; b) O preço referido na alínea a) foi pago com dinheiro do autor, sem recurso a crédito, nos seguintes termos: - A 8 de Agosto de 2017, a quantia de 60.000,00 euros, a título de sinal, por meio de transferência bancária de conta bancária exclusivamente titulada pelo autor na “Banco 1..., S.A.”, para conta titulada pela vendedora; - A 8 de Setembro de 2017, a quantia de 127.500,00 euros, por meio de cheque bancário com o número ...58, datado de 4 de Setembro de 2017, sacado sobre conta bancária exclusivamente titulada pelo autor na “Banco 1..., S.A.”, emitido a favor da vendedora; c) O montante de 187.500,00 euros, referido na alínea a), foi retirado de certificados do tesouro e outros fundos e troca de dólares que o autor detinha em exclusivo, tendo sido creditados na conta bancária referida na alínea b) os seguintes montantes para aquele efeito: - 60.000,00 euros a 31 de Julho de 2017; - 53.302,43 euros a 30 de Agosto de 2017; - 8.818,04 euros a 4 de Setembro de 2017; - 22,111,84 euros a 4 de Setembro de 2017; - 50.000,00 euros a 4 de Setembro de 2017; d) O autor suportou na totalidade e em exclusivo, com dinheiro seu, as seguintes despesas relativas à aquisição referida na alínea a); - A 8 de Agosto de 2017, o Imposto Municipal sobre Transmissões, no valor total de 4.037,82 euros, pago individualmente nos montantes de 2.018,91 euros e 2.018,91 euros; - a 8 de Setembro de 2017, o Imposto de Selo, no valor total de 1.500,00 euros, pago individualmente nos montantes de 750,00 euros e 750,00 euros; - A 8 de Setembro de 2017 o montante de 375,00 euros, relativo às despesas com a escritura pública; - O montante de 250,00 euros, relativo ao registo provisório da aquisição da fracção autónoma; e) O autor antecipou pela ré dinheiro para aquisição da fracção autónoma identificada na alínea a), conforme entre ambos acordado; f) O autor, entre 2006 e 2015, trabalhou em África como engenheiro civil, em ..., Moçambique e Angola, recebia, para além da remuneração, prémios e não tinha despesas com habitação, alimentação e veículo automóvel, as quais eram pagas pela entidade empregadora; g) A ré é enfermeira; h) A ré é, desde 1997, proprietária da fração autónoma “G”, de um prédio sito na Praceta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1ª. Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº. ...28 e aí registada a favor da Ré, pela ap. ...3, de 27.08.1997; i) Quando o autor e a ré se conheceram, aquele estava desempregado e, pouco depois do início do relacionamento amoroso entre ambos, o autor passou a residir com a ré, em união de facto, na fracção autónoma identificada na alínea anterior até mudarem para a fracção autónoma identificada na alínea a); j) O autor e a ré casaram um com o outro, a ../../2017, sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio, por sentença de ../../2019, transitada em julgado nessa data; k) A ré, antes do facto referido na alínea a), disse ao autor que venderia a fracção autónoma identificada na alínea h) para custear metade do preço mencionado naquela alínea (187.500,00 euros); l) A ré não vendeu a fracção autónoma e nada pagou ao autor; m) Por sentença proferida a 3 de Maio de 2021, no processo comum singular n.º ..., do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, junta com a contestação como documento n.º 2, cujo teor se dá aqui por reproduzido, designadamente os factos dados como provados, o autor foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º a, alínea a), n.º 2, alínea a), n.º 4 e n.º 5, do Código Penal, na pena acessória de: A - proibição de contactos com a vítima, pelo período de 3 anos; B - obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, contra mulheres, programa para agressores organizado pela DGRSP; C - proibição de uso e porte de armas; n) A execução da pena de prisão foi suspensa por igual período de 2 anos e 6 meses, com a condição de o autor entregar o montante de 500,00 euros à Associação de Apoio à Vítima (APAV), no prazo de suspensão da execução da pena, tendo, ainda, sido julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB, com a consequente condenação do demandado civil, AA, no pagamento àquela da quantia de 10.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais pela prática do crime de violência doméstica, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a data da notificação e até efetivo e integral pagamento; o) O autor pagou à ré a quantia de 10.000,00 euros, referida na alínea anterior; p) No âmbito do processo identificado nas alíneas anteriores foi realizado o Relatório Social junto como documento n.º 3 da contestação; q) A ré, por via dos factos descritos na sentença referida na alínea m), a 1 de Dezembro de 2018, decidiu deixar de residir na fracção autónoma identificada na alínea a); r) Nessa altura, a ré não conseguiu levar consigo os seus bens e os animais de estimação e teve de recorrer à ajuda e protecção de terceiros, incluindo da polícia, para o efeito; s) O autor instaurou contra a ré processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o qual correu termos com o n.º ..., do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 3; t) Na tentativa de conciliação realizada a ../../2019, o autor e a ré manifestaram o propósito de converter o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, o que fizeram mediante os acordos constantes da acta junta com a petição inicial, os quais damos aqui por reproduzidos, tendo sido proferida sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre o autor e a ré e homologou tais acordos; u) Aquando do divórcio, a fração referida em a) foi atribuída ao autor, como casa de morada de família deste, até à partilha dos bens do dissolvido casal; v) A ré enviou ao autor a carta registada com A/R junta como documento n.º 5 da contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido, datada de 1 de Julho de 2020, onde se lê o seguinte: “Serve a presente para informar V. Exa. de que a Signatária pretende, na sequência do divórcio ocorrido em ../../2019, proceder à divisão dos bens comuns existentes, nomeadamente do imóvel sito na Rua... (…), Vila Nova de Gaia, cuja utilização ficou atribuída a V. Exa. Não obstante, e até ser realizada a respetiva partilha, deverá V. Exa., uma vez que usufrui exclusivamente do imóvel, proceder ao pagamento de uma renda mensal à aqui Signatária, cujo montante será estipulado com base no valor patrimonial do imóvel, mas nunca inferior a €600,00 (…), pagamento que deverá ser realizado imediatamente após a receção desta missiva.”; w) O autor, através da sua mandatária, respondeu por carta registada datada de 6 de Julho de 2020, junta como documento n.º 1 da resposta, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde se lê o seguinte: “Desde a data da conferência do Divórcio que diligenciei junto do meu ilustre Colega (…) a resolução da questão legal da divisão dos bens. (…) Na sequência destas diligências, apresentou uma proposta quanto à sua pretensão de divisão do único bem imóvel (de metade do valor de imóvel que foi a casa de morada de família, adquirido antes do casamento). Contudo, como a mesma não representa a realidade da aquisição do bem, o meu constituinte não aceita a proposta, como de imediato transmiti ao colega. Assim sendo, e caso mantenha os termos da pretensão já expressa, actuará em conformidade, tendo presente que no acordo do Divórcio, quanto ao destino da casa de morada de família, ficou acordado e consta da ata da conferência, que o meu cliente ficou com o direito a habitar a mesma, até resolução da divisão dos bens.”; x) A ../../2022, após o divórcio, o autor instaurou ação de divisão de coisa comum, relativa à fração identificada em a), para pôr termo à indivisão do imóvel, ação que correu termos sob o nº. ..., pelo Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, onde peticionava uma quota de 100% sobre o imóvel, atento o pagamento integral na compra do bem; y) A ré apresentou a contestação junta como documento n.º 2 da resposta, cujo teor se dá aqui por reproduzido; z) A 7 de Abril de 2023 foi proferida a decisão cuja cópia foi junta com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido; aa) Na ação de divisão de coisa comum, a fração "C", melhor identificada em a) foi avaliada no valor de 376.500,00 euros, nos termos que constam do relatório junto com a petição inicial e com a contestação; bb) No contexto da referida ação de divisão de coisa comum, a fração "C”, por sentença proferida a 11 de Setembro de 2023, foi adjudicada ao autor, que pagou à ré, a título de tornas, metade daquele valor, 188.250,00 euros, como segue: 50.000,00 euros, a 21 de Setembro de 2023, e 138.250,00 euros, a 31 de Dezembro de 2023; cc) CC e DD instauraram contra os aqui autor e ré a acção com processo comum n.º ..., do Juízo Local Cível do Porto – Juiz 5, com os fundamentos que constam do documento n.º 4 junto com a contestação, os quais damos aqui por reproduzidos, tendo os aqui autor e ré, no âmbito do acordo realizado, procedido ao pagamento de 10.000,00 euros cada um; dd) A 28 de dezembro de 2023, por carta registada dirigida à ré, por esta recebida em 2 de janeiro de 2024, o autor dirigiu à ré a comunicação correspondente ao documento n.º 20 anexo à petição inicial, cujo teor se tem por reproduzido, não tendo obtido resposta. Factos não provados Não se provaram os demais factos alegados nos artigos 7º (“porque, na altura, beneficiava dos proventos que auferira”) e 11º (“prometeu”) da petição inicial e nos artigos 57º (o autor não emprestou à ré dinheiro, nem a ré se comprometeu a devolver o que quer que fosse), 70º (o que apenas aconteceu após o casamento), 72º (provado apenas o que consta do documento), 76º (na data da decisão da compra da fracção autónoma o autor estava desempregado; à excepção de um contributo para uma despesa de condomínio, nunca contribuiu para as despesas do apartamento ou do prédio, nem dos consumos e alimentação de ambos), 84º (estando em causa coisas como sauna e jacuzzi), 85º (numa única prestação), 89º (quanto à inibição), 90º (desde “receosa” até “para efeitos de divórcio”), 93º (não saiu voluntariamente, nem concordou com a utilização que o autor se encontrava a fazer da fracção e dos bens comuns), 94º, 95º, 102º (a ré mudou todos os seus bens para a fracção autónoma identificada na alínea a); “forçada à fuga”, 103º, 104º da contestação.
3. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Ré, formulando as seguintes conclusões: X. A Apelante não se conforma com aquela decisão, por entender que o Tribunal a quo: - foi inexato na enunciação do quadro factual tido por relevante para efeito de apreciação do pedido, proferindo decisão digna de censura a este nível; - pela incoerência da decisão em crise perante a falta de prova documental sob a existência de um acordo de dívida entre as partes e o preconceito e tendência patente da prova testemunhal valorada a este respeito. - fez aplicar o disposto do art. 1405 nº 1 fora do seu âmbito no que ao pedido do Apelado diz respeito e afastou a sua aplicação à reconvenção da Recorrente onde era devida. XI. Numa ação onde recaia sobre o Apelado o ónus da prova dos factos alegados na petição inicial que integravam a causa de pedir, a Apelante é confrontada com uma decisão que procede a uma evidente inversão do ónus da prova. XII. Quando ao pedido reconvencional que apresentou a Apelante, a prova documental é relevante e bastante para a justa decisão, bem como foi complementada por prova testemunhal de relevo e com conhecimento direto sobre os factos, pelo que a decisão proferida é igualmente censurável. XIII. Por isso não pode concordar com a decisão proferida. XIV. O objeto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões da Recorrente, pelo que esta abordará: - a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e - reapreciação da decisão de mérito e do direito aplicável II. a - Da ALTERAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO (art.º 662.º, n.º 1 do CPCivil) PEDIDO DO APELADO XV. O tribunal a quo diz que o Apelado veio “peticionar o ressarcimento de metade das quantias eventualmente pagas pelo mesmo” (linha 1 e 2 de fls 12 da sentença em crise) pelo preço e despesas de aquisição de imóvel em compropriedade com a Apelante. XVI. Tendo entendido cumprido o ónus provatório que sobre o mesmo pendia, Mas XVII. Com o devido respeito, que é muito, entende a Apelante que, atenta a prova produzida, existem factos que não poderiam ter sido julgados como provados, nem o ónus que recai sobre o Apelado pode ser dado por cumprido. Senão vejamos Alínea e) dos factos provados XVIII. O tribunal deu por provado haver um acordo sobre dinheiro entre Apelante e Apelado e que esse acordo se consubstanciava na “antecipação” de dinheiro do Apelado pela Apelante para a aquisição da fração autónoma. XIX. Tratam-se de dois factos de maior relevância para a causa: - a existência de um acordo sobre dinheiro e - que o dinheiro objeto de acordo entre as partes visava pagar o preço da fração e tinha de ser restituído XX. Sobre a existência do acordo e dos seus termos não existe confissão da Apelante, nem prova documental. XXI. Da prova testemunhal produzida só os pais do Apelado afirmaram conhecer algum acordo entre as partes. XXII. Não há uma mensagem ou correio eletrónico, não há um escrito, não há indício. XXIII. Nada. XXIV. Nada resulta efetivamente provado sobre a existência de um acordo entre as partes, pela qual a Apelante se confessou devedora do Apelado de quantidade certa de dinheiro. Antes pelo contrário, XXV. Existe uma assumida falta de conhecimento pessoal e direto das testemunhas EE e consequentemente da testemunha FF sobre os termos definidos pelas partes para a compra da fração. XXVI. Resulta do depoimento da testemunha EE, extraída do ficheiro Diligencia_107824.7T8VNG_2024-11-07_14-27-22.mp3, que se transcreveu parcialmente nos art. 33, 41 e 43 supra que aquele não esteve na última reunião realizada com os vendedores para a compra da fração e assume o desconhecimento dos pormenores do que ali foi acordado e que com o que conhece discorda. XXVII. A testemunha demonstra, no depoimento prestado, o quanto tendencioso e inclinado é no que ao seu filho e a dinheiro diz respeito, XXVIII. O que se compreende e até se justifica pela relação paternal existente e pelo notório apego a dinheiro que já havia ficado patente no processo ... e que resultou em anotação na sentença. Mas, XXIX. O que existe na realidade é um elevado número de indícios que contrariam a tese do Apelado. XXX. O depoimento desta testemunha, atendendo a relação familiar e a posição de quase supervisor de dinheiro, encontra ainda uma profunda exposição a extrapolações e fabulações gratuitas. Pois que, XXXI. No enredo que a testemunha descreve, existe um inegável distanciamento entre factos e realidade, Note-se que, XXXII. O Apelado nunca alegou que tivesse pedido compromisso escrito da Apelante. Mas XXXIII. A testemunha EE quando inquirido sobre os episódios de violência doméstica que culminou com a condenação constante do processo ..., disse a Apelante “trabalhou, trabalhou, trabalhou para o que está a acontecer” que “quando não quis assinar o documento, arranjou maneiras de fazer o que fez”. XXXIV. A testemunha não tem qualquer distanciamento ou isenção, pelo que a sua credibilidade é reduzida ao contrário do que parece ter entendido o tribunal a quo. XXXV. A versão do Apelado e dos seus pais é mais próxima de uma tentativa de reinvenção dos fatos, do que o relato real e sincero dos acontecimentos. Até porque, XXXVI. Os demais indícios chegados aos autos contrariam repetidamente a tese do Apelado, Veja-se Crédito resultante do desfecho processo ... XXXVII. Ficou a constar dos pontos m) a o) dos factos provados que por sentença proferida a 3 de Maio de 2021, no processo nº ..., do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, o Apelado ficou condenado a pagar à Apelante €10 000,00 (dez mil euros) e procedeu àquele pagamento. Ora, XXXVIII. Fosse o Apelado detentor de crédito sobre a Apelante e teria procedido à sua compensação. XXXIX. Não o fez. Mas, XL. Esta não foi nem a única, nem a última vez que o Apelado, enquadrado na posição de devedor da Apelante, agiu sem a invocação de contracrédito ou créditos recíprocos que diz agora existir. Pagamento feito no desfecho do processo ... XLI. Ficou a constar do ponto “CC” dos factos provados que Apelante e Apelado pagaram €10 000,00 (dez mil euros) cada aos vendedores da fração autónoma, por obrigações assumidas na aquisição daquela, XLII. Naquele contexto e naquele momento o Apelado não levantou qualquer objeção ao acordo nos termos alcançados, nem invocou qualquer dívida ou obrigação da Apelante por força do pagamento que alega ter sido feito pela compra da fração que a afasta-se do negócio com os vendedores. XLIII. O Apelado pagou dez mil euros e aceitou que a Apelante procedesse ao pagamento de outro tanto, sem invocar à data qualquer direito exclusivo sobre a fração ou o negócio com os vendedores, XLIV. Nem se insurgiu contra o pagamento pela Apelante da referida quantia, alegando a inexistência de direitos daquela sobre o negócio concretizado com os vendedores, nem temeu que tal pagamento pudesse ser interpretado como tendo havido até ali paridade no pagamento do devido aos vendedores. XLV. Nem cuidou de prever nos termos de transição daqueles autos ou paralelamente aqueles, qualquer acordo sobre aquele montante específico ou outros pagos aos vendedores, XLVI. Procurando ali, naquele momento/contexto, perante a intervenção de advogados conhecedores da causa, colocar por escrito o tal “acordo” e a sua eventual forma de quitação. XLVII. Tal não aconteceu. Mas, mais uma vez não foi o último acontecimento Após o desfecho do ... XLVIII. Ficou a constar dos pontos V e W) dos factos provados a troca de correspondência entre mandatários das partes após estar concluído o divorcio, XLIX. Resultando provada a existência de diligências preparatórias à divisão da fração autónoma e a pretensão e expectativa da Apelante de receber metade do valor daquela. L. Ali o Apelado não reivindica crédito, acordo ou a compra da fração pela totalidade. LI. Porque negociar se a convicção do Apelado era que o imóvel era seu ou integralmente pago por si? Acresce que, LII. Este não é, também, o último indício contrario ao direito alegado pelo Apelante. Processo ... LIII. Resulta do ponto X) dos factos provados que no âmbito do processo ..., o Apelado peticionou o reconhecimento de uma quota de 100% sobre o imóvel, com o argumento de que havia procedido ao pagamento integral na compra do bem. Ora LIV. O Autor foi ali confrontado com decisão que não reconheceu o direito invocado, bem como, com a determinação do quinhão das partes em ½ para cada um, LV. Tendo aceite tal decisão, sem dela recorrer ou reclamar. LVI. Conformando-se com o decurso de um processo que teria um desfecho que em tudo contrariava o direito invocado e cujo reconhecimento pedira. LVII. Sem entrarmos na discussão se a decisão em causa foi ou não a mais ajustada, não deixa de ser menos verdade que só aqui, só nestes autos, só em finais de 2022, LVIII. Pela primeira vez, LIX. O Apelado invoca a existência de direitos decorrentes da forma como foi pago o preço pela fração autónoma adquirida cerca de 5 anos antes. LX. Termos em que tem de ser eliminado do elenco de factos provados o ponto e) e acrescido ao elenco de factos não provados. “O autor antecipou pela ré dinheiro para aquisição da fracção autónoma identificada na alínea a), conforme entre ambos acordado; Pontos K e parte final do ponto L LXI. Pelos mesmos argumentos, também os pontos K e a parte final do ponto L, tem de ser eliminados do elenco de factos provados e acrescentados aos elencos de factos provados: - A ré, antes do facto referido na alínea a), disse ao autor que venderia a fracção autónoma identificada na alínea h) para custear metade do preço mencionado naquela alínea (187.500,00 euros); - ... nada pagou ao autor; LXII. Atendendo a ausência de prova do acordo entre as partes pelo qual a Apelante se assumiria devedora do Apelado teria o pedido desde de improceder Contudo LXIII. Assim não aconteceu na decisão em crise. LXIV. O tribunal entendeu valorar movimentações bancárias juntas com a PI e mais tarde com o requerimento de 6 de Novembro de 2024, em conjugação com o depoimento da testemunha EE para concluir no sentido alegado pelo Apelado Ou seja, LXV. Para concluir que o preço e as despesas indicadas foram pagos com dinheiro do autor. Ponto “d” DESPESAS LXVI. A decisão não tem suporte legal, doutrinal ou jurisprudencial (p. ex Acórdão da Relação do Porto de 24/09/2018 para o processo 552/15.0T8FLG.P1) LXVII. Além da falta de prova bastante, uma vez não se encontra aos autos qualquer guia de liquidação de imposto, qualquer recibo, qualquer fatura que permita atestar que certa instrução de pagamento liquidou certa responsabilidade. LXVIII. Acresce que a folhas 3 dos documentos juntos pelo Apelado em 6.11.2023 é absolutamente visível a transferência da quantia de €1 050,00 (mil e cinquenta euros) da Apelante para o Apelado: LXIX. O que denota que a Apelante transferiu para o Apelado valores que entendia devidos, não havendo por isso qualquer justificação para a inexistência de qualquer escrito que pudesse atestar, pelo menos, a existência de registo de débito e crédito entre as partes, especialmente para valores tão elevados como os que são peticionados. Fase ao exposto, LXX. Atenta a total ausência de prova sobre guias de impostos, faturas ou recibos de despesas notariais e registais tem o ponto “d” do elenco de factos provados de ser dali suprimido e adicionado aos fatos não provados. Preço Pontos b e C LXXI. Consta também da decisão em crise que o pagamento do sinal e depois do remanescente foi pago com dinheiro do Apelado a partir de uma conta bancária exclusivamente titulada por aquele. Contudo, LXXII. Tal conclusão resulta de uma valoração muito seletiva e esforçada da prova produzida. LXXIII. Desde logo porque todos os documentos juntos pelo Apelado são de fraca qualidade, rasurados, anotados ou parcialmente superpostos, cortados e poucos provenientes de entidade bancária oficial. LXXIV. Dos documentos juntos com a PI no documento 6 folha 2, talão bancário de €60 000,00, o nome ali indicado é EE, não o do Apelado. LXXV. O comprovativo não numerado no valor de €12 000,00 junto com a PI é de uma movimentação posterior à data de emissão do cheque levado para a escritura, que se encontrava datado de 04.09.2017. LXXVI. Já dos documentos junto na véspera do inicio de julgamento, 6.11.2024, o doc 2 apenas atesta que em Novembro de 2024 o Apelado é titular de determinada conta, nada esclarecendo sobre a existência de outros ou, qual a titularidade da conta à data da compra. Acresce que, LXXVII. Não seria difícil a obtenção de uma declaração bancária a atestar a lista de titulares ou autorizado da referida conta, pelo menos, em data próxima à da promessa e depois da compra definitiva da fração autónoma, LXXVIII. O Apelante optou por não produzir tal prova. LXXIX. Como tal, o facto estabelecido pelo tribunal a quo de que conta bancária identificada é apenas titulada pelo Apelante não tem suporte provatório bastante. LXXX. Diz o tribunal a quo que a referida conta bancária é a mesma conta através da qual o Apelado pagou à Apelante as tornas que lhe eram devidas no âmbito da acção de divisão de coisa comum. LXXXI. Não sendo percetível em que medida tal facto auxiliou na decisão proferida, atendendo a distância temporal entre os 2 eventos. LXXXII. Impõe-se a alteração da redação dos factos provados para que nestes fiquem apenas a constar os fatos suportados por prova capaz e a titularidade da conta bancário e do dinheiro naquela movimentado não é um facto provado, retirando os factos provados e fazer acrescer aos fatos não provados, a redação que se sugere: b) O preço referido na alínea a) foi pago com dinheiro do autor a partir de conta bancária exclusivamente titulada pelo autor c) O montante de 187.500,00 euros, referido na alínea a), foi retirado de certificados do tesouro e outros fundos e troca de dólares que o autor detinha em exclusivo II. b - Da ALTERAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO (art.º 662.º, n.º 1 do CPCivil) PEDIDO DA APELANTE (pedido reconvencional) Factos provados Casa de Morada de Família LXXXIII. Deu o tribunal a quo por provado que: u) Aquando do divórcio, a fração referida em a) foi atribuída ao autor, como casa de morada de família deste, até à partilha dos bens do dissolvido casal [alínea c) dos factos assentes]; LXXXIV. Acontece que não resulta da prova produzida, nomeadamente do doc. 5 da Pi que o uso da fração tenha sido atribuída ao Apelado “até à partilha dos bens do dissolvido casal”. LXXXV. Da ata da tentativa de conciliação no processo 4950/19.2T8VNG ficou a constar apenas que a casa de morada de família foi atribuída ao autor, LXXXVI. Não “até à partilha”, como ficou a constar dos fatos provados, pelo que tem aquele ponto de ser alterado, sugerindo-se a redação conforme à prova produzida, que é: u) Aquando do divórcio, a fração referida em a) foi atribuída ao autor, como casa de morada de família deste. Factos não provados Art. 57 – contestação LXXXVII. Já nos fatos não provados ficou a contar o alegado pela Apelante no artigo 57º da sua contestação: - “(o autor não emprestou à ré dinheiro, nem a ré se comprometeu a devolver o que quer que fosse)”. Contudo, LXXXVIII. Conforme já amplamente exposto supra quando ao alegado “acordo” estabelecido entre as partes, não existe prova documental, não existe prova testemunhal coerente ou convincente nem indícios diretos ou indiretos que confirmar a existência da transferência de património do Apelado para a Apelante e o compromisso desta o devolver. LXXXIX. Razão pela qual tem aquele ponto de ser suprimido dos factos não provados e adicionado aos factos provador. XC. O que se requer. Art. 76 - pedido reconvencional XCI. Decidiu o tribunal a quo não dar por provado que: - na data da decisão da compra da fracção autónoma o autor estava desempregado; à excepção de um contributo para uma despesa de condomínio, nunca contribuiu para as despesas do apartamento ou do prédio, nem dos consumos e alimentação de ambos), XCII. Não se compreende porque, uma vez que o afirmado não foi impugnado pelo Apelado na sua resposta de 22.04.2024 sob a ref 48865169, estando por isso confesso. XCIII. Além de fazer parte da prova produzida no processo ..., cuja sentença foi junta como doc. 2 da contestação XCIV. Razão pela qual tem o referido ponto de ser suprido dos fatos não provados e de ser adicionado aos factos provados. XCV. O que se requer. Art. 93º - pedido reconvencional XCVI. A decisão em crise avança depois com a determinação que dá por não provado que a Apelante - (não saiu voluntariamente, nem concordou com a utilização que o autor se encontrava a fazer da fracção e dos bens comuns) – o que se assume incompreensível e contrário à prova produzida e a todas as regras da experiência. XCVII. É prova do alegado: - a sentença produzida no processo ..., cuja sentença foi junta como doc. 2 da contestação, - o doc. 5 da contestação; e - os depoimentos das testemunhas GG, HH e II como decorre do sumário do seu depoimento registado na sentença em crise. XCVIII. Razão pela qual tem o referido ponto de ser suprido dos fatos não provados e de ser adicionado aos factos provados. XCIX. O que se requer. 102º, 103 e 104º - pedido reconvencional C. O mesmo acontece os fatos não provados dos artigos 102, 103 e 104 da contestação com reconvenção – “102º (a ré mudou todos os seus bens para a fracção autónoma identificada na alínea a); “forçada à fuga”, 103º, 104º da contestação. CI. Também eles suportados pela prova trazida aos autos pela Apelante, nomeadamente com a sentença produzida no processo ..., junta como doc. 2 da contestação e os depoimentos das testemunhas GG, HH e II como decorre do sumário do seu depoimento registado na sentença em crise. CII. Bem como, no particular da “mudança de todos os bens” resulta do depoimento da testemunha JJ conforme ficou sumariado na sentença em crise. CIII. Razão pela qual tem o referido ponto de ser suprido dos fatos não provados e de ser adicionado aos factos provados. CIV. O que se requer. CV. Ainda a respeito dos factos alegados nos artigos 94º, 95º, 103º e 104º da contestação com reconvenção diz o tribunal a quo que “Não resulta, porém, da prova produzida o alegado pela ré” (...) “não tendo a ré identificado qualquer bem móvel (recheio)” (2º paragrafo, fls 15 da sentença), CVI. O que não corresponde à verdade por se encontrar junto ao doc. 5 da PI lista de bens comuns que ocupa as fls 3 a 5 do referido documento. CVII. Além de não fazer correto enquadramento provatório dos factos alegados pela Apelante. CVIII. Além de reconhecer ao Apelado o direito de ocupar a fração até divisão da coisa comum sem suporte para tal, CIX. O tribunal julga improcedente o direito reivindica pela Apelante com o argumento daquela não ter provado o valor locativo da fração, bem como o valor do recheio. CX. Acontece que o valor locativo da fração é estabelecido no doc. 5 junto com a contestação, valor que, sublinhe-se, não foi contrariado pelo Apelado na resposta à interpelação. CXI. Acresce que as objeções levantadas pelo tribunal são justificam o sentenciado. CXII. A procedência do pedido é fundamentado pela disposição prevista no art. 1405, nº 1 CPC. CXIII. Outra questão é a quantificação do dano, o que poderia tomar forma em incidente de liquidação subsequente à sentença de condenação do Apelado no pedido. CXIV. O título de aquisição, a ocupação da coisa comum por apenas um dos comproprietários, os motivos de saída da coisa pela Apelante e a prova produzida documental e testemunhal de que a Apelante tudo deixou para traz são prova suficiente para a procedência do pedido, fixando-se a existência de dano. CXV. A especificação e quantificação não são limitadoras da procedência do pedido e podem ser preenchidas em incidente de liquidação subsequente, razão pela qual decidiu mal o tribunal a quo, impondo-se a revogação da sentença nesta parte. CXVI. Determinando a procedência do pedido com especificação e quantificação do dano em incidente próprio. CXVII. O que se requer C - Da FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO C.1 PEDIDO DO APELANTE Aplicabilidade da previsão legal do art. 1405 nº 1 CXVIII. A decisão em crise enquadra a situação de direito da seguinte forma: “O autor, através da presente acção declarativa de condenação, com processo comum, pretende ver reconhecido a seu favor um direito de crédito sobre a ré, por força da desigualdade na contribuição para aquisição da fracção autónoma CXIX. Entendendo que a mesma se resolve pela previsão legal que regular as vantagens e os encargos de coisa detida em compropriedade, em proporção das suas quotas: art. 1405º, nº 1, do Código Civil, CXX. Fazendo, na sequência deste raciocínio, operar a inversão do ónus da prova e cita jurisprudência o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Junho de 2014. CXXI. Comete contudo o erro de tratar igual, situações profundamente diferentes. - no acórdão as obrigações dos comproprietários são confessas, não discordantes entre as partes: - os comproprietários recorreram ao crédito bancário para a aquisição da coisa, tendo daquele contexto não só confesso a dívida, mas fazeram-no solidariamente, o que nestes autos não acontece; - o vencimento do empréstimo ocorria mensalmente e após a aquisição da coisa em compropriedade, pelo que a prova do fluxo financeiro do reclamante para o banco estava suportado pela confissão da reclamada perante aquele. CXXII. As realidades em julgamento nos 2 processos são absolutamente diferentes. CXXIII. Nestes autos, a alegação do Apelado é da existência de um acordo prévio à compra mas cujos termos e obrigação assumida pela Apelante não conseguiu provar. CXXIV. Neste contexto a aplicação do disposto no art. 1405 nº 1 não pode resultar sem mais, pois a prova da obrigação assumida pela Apelante mantem-se como prioritária e determinante. CXXV. A jurisprudência dominante apoia este entendimento da Apelante, a saber: - Acórdão nº 500/08.4TBMNC.G1 do tribunal da Relação de Guimarães (in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/cb96324374f38f2380257b1a0050d70a?OpenDocument); - Acórdão do Supremo tribunal de Justiça com o nº 123/07.5TJVNF.S1 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/df33a09237b8751f802575ed00315e62?OpenDocument, - Acórdão da Relação do Porto de 24/09/2018 para o processo 552/15.0T8FLG.P1. - Acordão de 12.09.2017 do tribunal da Relação de Coimbra para o processo 1229/14.0T8LRA.C1 - No acórdão de 02.03.2023 do Tribunal da Relação de Lisboa para o processo 102/22.2T8VLS.L1-2 Assim, CXXVI. Não se concebe que seja admissível a solução preconizada pelo tribunal de proceder à aplicação do art. 1405 nº 1, retroativamente e prescindido/em detrimento das formalidades essenciais e legal estabelecidas no art. 1143 do Código Civil. CXXVII. Fase ao exposto, a decisão em crise padece de vicio no enquadramento do direito que aplicou. CXXVIII. Impondo-se a sua revogação por não ser admissível: i) a aplicação retroativa daquela disposição à formação da compropriedade, ii) se mostrar insuficiente para afastar a prova do cumprimento de formalidades essências à constituição de obrigações, nomeadamente escritura pública ou sem documento particular autenticado. Abuso de direito CXXIX. Ainda que assim não se entenda, o que apenas se extrapola, por dever de patrocínio, sempre teria o pedido do Apelado de improceder por notório abuso de direito. CXXX. A Apelante acredita que, mais uma vez, o tribunal, também para apreciação deste instituto, não se mostrou capaz de ponderar todos os fatos provados à luz de critérios de razoabilidade e ao abrigo das regras de experiência e senso comum, que são; - À data do suposto acordo alegado pelo Apelado aquele encontrava-se desempregado, a residir no apartamento propriedade da Apelante, sem contribuir significativamente para as despesas da vida comum; - O negócio de promessa e depois transmissão da coisa foi assistido por advogados e por conservador, os quais produziram vários contratos. - Foram produzidos à data dos factos e para o negócio todos os contratos que as partes entenderam necessários para assegurarem os seus direitos, sem que o Apelado tivesse cuidado de deixar escrito o “acordo” ou reconhecida a dívida que alega que a Apelante assumiu; - No título de aquisição de propriedade não resulta qualquer confissão da Apelante, assunção de dívida ou obrigação de restituir o que fosse devido; - Ficou provado que o pai do Apelado tratou da transferência do sinal e cheque para entrega da escritura, mostrando um total alheamento e um distanciamento atípico das partes quanto ao pagamento do preço da coisa. - Para o negócio de compra da coisa foram feitos pagamento por movimentação bancária e por entregas em dinheiro (depoimento do Sr. EE) tendo a Apelante assegurado os segundos; - O Apelado, frequentemente colocado na posição de devedor quer da Apelante, quer do negócio da fração autónoma nunca invocou contra-crédito, nem exigiu reconhecimento de dívida pela Apelante. - O Apelante aceitou encetar negociações sobre a divisão da coisa sem invocar o pagamento integral do preço e aceitou acordo com os vendedores da coisa a pagar em igual proporção com a Apelante. - Só em 2022, pela primeira vez, 5 anos após a compra o Apelado vem invocar um direito de crédito sobre a Apelante. CXXXI. Neste contexto, age com abuso de direito quem invoca crédito. CXXXII. Podem ser muitas as explicações pelas quais o alegado acordo não foi reduzido a escrito ou invocado antes de 2022. CXXXIII. As testemunhas EE e FF, bem como o Apelado ofereceram apenas um: a confiança alicerçada no sentimento que as partes tinham à data dos fatos. CXXXIV. Do depoimento das testemunhas EE e FF fica patente que o pedido de “papeis” era quase tabu, “de que valeria a relação que fossem pedidos papeis”. Ora, CXXXV. Tal argumento não releva. CXXXVI. Não releva porque a lei exige forma para tal comprometimento CXXXVII. Não releva porque não ficou sequer provado qualquer exigência da/o Apelante/Apelado quanto à fração, participação no negocio ou determinação da quota. CXXXVIII. Nada. CXXXIX. Não resulta das regras de experiência que da descrição do negócio, tal como foi concretizado e no concreto contexto, a Recorrente tivesse sequer a percepção ou consciência que o Apelado reivindicaria um direito de crédito no futuro. CXL. Para além do lapso de tempo decorrido entre a alegada formação da obrigação e a reivindicação do seu comprimento que levou anos, CXLI. Como tal sim, age com abuso de direito, o Apelado que reivindica direito de crédito avultado sem que tivesse cuidado de estabelecer ab inicio, perante a Apelada, de forma certa e clara, quais os direitos que entendia lhe assistiam e aqueles que contava que a Apelante cumprisse e quando. CXLI. Como tal, também por via deste instituto decidiu mal o Tribunal a quo ao reconhecer ao Apelado o direito ao pagamento do montante de 96.831,41 euros pela Apelante. Decisão em beneficio da Apelante CXLIII. Ainda que assim não fosse, na eventualidade de dúvida, terá sempre de ser decidido o pedido do Apelado nos termos do artºs 342º e 346º do CC, isto é, sem prova categórica dos factos alegados pelo Autor o pedido é decidido em seu desfavor não resultando qualquer ónus de prova para a RR. CXLIV. O que prudência de patrocínio também se invoca para todos os efeitos. Em face de todo o exposto, deve a decisão proferido pelo tribunal a quo ser objeto de revogação, desde logo na parte em que determina a procedência o pedido do Apelado, sendo substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, alterando o juízo sobre a matéria de facto e de direito nos termos propugnados nas conclusões do presente recurso, determine a improcedência daquele, Sem prescindir, caso assim não entendam, Deve a decisão proferida pelo tribunal a quo ser objeto de revogação na parte em que determina a improcedência o pedido reconvencional feito pela Apelante, sendo substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, alterando o juízo sobre a matéria de facto e de direito nos termos propugnados nas conclusões do presente recurso, determine a procedência daquele (ainda que com especificação e quantificação do dano em incidente próprio.) Assim se realizando JUSTIÇA!
4. O Autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). No caso, são as seguintes as questões a decidir: · Reapreciação da matéria de facto, por errada aplicação das regras probatórias de direito material · Errada aplicação do direito
5.1. Sobre a reapreciação da matéria de facto § 1º - São duas as regras básicas em termos de direito probatório material: ao Autor compete a prova dos factos constitutivos do seu direito e ao Réu a dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor: art.º 342º nº 1 e 2 do Código Civil (CC). Em face da prova produzida pela parte a quem caiba o ónus, pode a contraparte opor contraprova, que se destina a tornar duvidosa a ocorrência do facto visado: art.º 346º do CC. Já a prova do contrário destina-se a tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado por prova legal plena: art.º 347º do CC. Portanto, a contraprova só é admissível na exata medida dos factos sujeitos ao princípio da livre convicção ou “prova livre”; no caso da “prova legal plena” já se exige a prova do contrário (art.º 347º CC) e, nas situações de “prova legal pleníssima”, o seu valor probatório não pode ser destruído por qualquer outro meio. Estas regras do ónus probatório podem ainda inverter-se nos casos de existir presunção legal, dispensa/liberação do ónus da prova, ou convenção válida, sempre que a lei o determine, bem como se a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova do onerado: art.º 344º CC. Já as presunções judiciais [[1]], são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para afirmar factos desconhecidos e só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal: art.º 519º CPC. Na passagem do facto conhecido para a aquisição do facto desconhecido intervêm as regras da experiência, os princípios da lógica ou juízos de probabilidade que permitam fundadamente afirmar que determinado facto (antes não conhecido nem provado) é a consequência natural de um outro facto (conhecido). «Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, diretamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido». [[2]] O Autor não indicou na PI qual o fundamento jurídico em que estribava a sua pretensão. Não obstante, o Tribunal não fica inibido de decidir, dado não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito: art.º 5º nº 3 do CPC. «III. Incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada.» [[3]] Daqui se infere a umbilical relação entre as regras do ónus de alegação/prova e a relação jurídica em litígio, pois só através desta se saberá quais os seus factos constitutivos ou impeditivos/modificativos/extintivos que competem a uns e a outros. Ora, segundo as circunstâncias de facto alegadas na PI, podemos considerar, como a sentença recorrida, que o Autor exerce um direito de crédito sobre a Ré já que, tendo ambos intervindo na escritura pública como compradores, a Ré não pagou nessa altura a sua parte do preço porque teria de vender primeiro um prédio seu; assim, o Réu adiantou a totalidade do preço; porém, a Ré nunca pagou a sua metade. Nessa perspetiva, ao Autor competia provar a existência do acordo e que fez o pagamento integral do preço.
§ 2º - Posto isto, vejamos: Quanto à alínea e) dos factos provados: “O autor antecipou pela ré dinheiro para aquisição da fracção autónoma identificada na alínea a), conforme entre ambos acordado” A existência dum “acordo”, enquanto acordo de vontades pode ser feita por qualquer meio de prova em direito permitida. Não confundir a existência do acordo com a validade do mesmo. E efetivamente, de acordo com as regras probatórias de direito material, recaía sobre o Autor o ónus de provar a existência desse acordo, porque facto constitutivo do seu direito. Mas já discordamos da Apelante quando refere inexistir o mínimo indício de prova desse acordo. Começaremos por referir que nos termos da lei, o julgador deve obediência a princípios e prova plasmados na lei e será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção sobre a matéria de facto que se lhe depara: art.º 607º nº 4 e 5 do CPC. As regras da experiência são um conceito aberto, que faz apelo a padrões da normalidade, àquilo que acontece na grande maioria dos casos, no sentido de que em circunstâncias idênticas o ser humano tende a ter um comportamento idêntico, os designados “padrões de comportamento”. A verdade processual pode não coincidir com a verdade material, mas deve aspirar-se e procurar-se um alto grau de probabilidade ou, pelo menos, que nesse juízo de probabilidade o facto tido por provado se afigure mais consentâneo com a realidade do que a realidade inversa. Nessa operação racional, crítica e dialética, não pode deixar de se formular juízos de relação entre factos, as ditas presunções judiciais, no sentido de que uns consubstanciam a possibilidade de afirmação da existência de outros. Sem escamotear que essas mesmas regras da experiência também nos ensinam que o ser humano não é “padronizado”, pelo que o “inverosímil”, “invulgar” ou “anormal” pode muitas vezes acontecer. Porém, nesses casos, já não basta a simples contraprova destinada a criar a dúvida no espírito do juiz; perante circunstâncias invulgares, exatamente porque estamos fora das regras da “normalidade”, será necessária a explicação dessa “diferença”; por exemplo, que aquela pessoa tem determinada faceta de personalidade/temperamento ou que, para determinado acontecimento ocorreram circunstâncias anómalas. Atentos tais princípios de valoração, podemos começar por dizer que as circunstâncias invocadas pelo Autor coincidem com o padrão de comportamento desse tipo de situações. O normal é que duas pessoas solteiras que decidem comprar uma casa em conjunto (compropriedade) na perspetiva de viverem juntos, o façam custeando o preço e demais despesas pela metade. Mormente quando o início do relacionamento amoroso tinha cerca de um ano apenas. Não é sequer credível que, se um deles vai suportar sozinho o pagamento do preço, faça intervir o outro na escritura, quando tal é absolutamente desnecessário legalmente. Principalmente se já era divorciado. Se tal ocorresse, estaríamos perante uma compra com doação, pois que quem nada pagou iria adquirir metade do imóvel. E essa intenção/vontade donatória não foi alegada nem demonstrada. E, porque a Ré o convocou, ficou provado no processo crime que uma das razões para a violência exercida sobre a Ré residiu no facto de o Autor querer controlar os alimentos que compravam; o mesmo se diga perante a alegação da Ré que quando se conheceram, e antes da compra da casa, ele foi viver com ela na sua própria habitação, nunca tendo contribuído para as despesas, o que consideramos indiciador duma personalidade muito controladora “dos dinheiros”. Ou seja, as circunstâncias de facto alegadas pelo Autor correspondem, ab initio, aos padrões da normalidade: ambos queriam comprar o imóvel, mas a Ré não tinha o capital disponível, necessitando antes de vender a sua própria casa. O Autor esperaria por essa venda para fazerem o encontro de contas. Invoca a Recorrente que existe “um elevado número de indícios que contrariam a tese do Apelado”. Vejamos. O facto de não existir documento escrito sobre esse acordo situa-se ainda dentro dos padrões da normalidade, sabido como é que durante o “período de namoro” muitas pessoas sentem constrangimentos em pedir documento escrito com receio de que o outro veja nisso “desconfiança” perturbadora duma relação conjunta que se vai iniciar e se deve basear exatamente na confiança, na transparência e união de esforços. Não haveria de trazer à colação o processo em que o Autor foi condenado por violência doméstica, e condenado a pagar-lhe dez mil euros. E não se diga que nesse processo crime o Autor não invocou a compensação com este crédito sobre a Autora pois que tal seria completamente inusitado e inviável num processo crime. Quanto ao desfecho do processo ..., em que os vendedores da fração adquirida acionaram Autor e Ré para o pagamento de 20 mil euros, pois retiramos uma ilação contrária à da Recorrente; ou seja, se nesse processo cada um pagou 10 mil euros, apesar de já casados, fica o indício de que o relacionamento não era de “comunhão conjugal”, mas de “compropriedade”. No que toca ao processo ..., processo de divórcio instaurado pelo Autor, acabaram as partes por acordar em converter o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, o que fizeram mediante os acordos necessários, designadamente ficando a constar o imóvel aqui em causa como bem comum. E não vemos como tal possa configurar um indício em contrário, posto que o imóvel constava como comprado em compropriedade. E porque num divórcio não se faz a partilha, não seria esse o momento próprio para “reivindicar crédito, acordo ou a compra da fração pela totalidade”. Por fim, o processo ..., divisão de coisa comum, único aceitável para a divisão de um imóvel em compropriedade. E também aí, o Autor mantinha a sua versão de ter sido ele a custear inteiramente a compra, razão por que peticionou o reconhecimento de uma quota de 100%. Também não vemos aqui indício em contrário, pois a solução encontrada decorre do funcionamento dos regimes legais. O que fica sem se entender é como a Ré, sabedora de que nada pagou, e sem invocar uma qualquer doação, pretendeu nessa ação que detinha uma quota de 50% no imóvel. Naturalmente que essa quota lhe advinha apenas do teor da escritura pública, formalidade que pretendeu fazer vingar. Razão também por que nessa ação se atribuiu uma quota de 50% a cada um, tendo-se esclarecido na sentença que na escritura nada foi estipulado em sentido diverso, pelo que não se podia considerar a quota do Autor como 100%, “quando muito, caso não seja possível o entendimento com a ré nos presentes autos, poderá o autor lançar mão de uma outra ação onde peticione o ressarcimento de metade quantias eventualmente pagas por si.”. Improcede, portanto, a pretendida eliminação do facto provado e). Quanto aos factos K e parte final do L A ré, antes do facto referido na alínea a), disse ao autor que venderia a fracção autónoma identificada na alínea h) para custear metade do preço mencionado naquela alínea (187.500,00 euros); A ré não vendeu a fracção autónoma e nada pagou ao autor; No que toca ao “acordo”, invocam-se as mesmas razões, pelo que damos aqui por reproduzido o que se disse quanto ao facto provado e). Quanto ao pagamento em exclusivo pelo Autor, que a Ré nunca negou, ficou comprovado pelos documentos por ele juntos. E a Ré não juntou qualquer documento comprovativo de lhe ter pago a referida “metade” do preço. Razões para improceder a pretendida eliminação. Sobre o facto provado d) O autor suportou na totalidade e em exclusivo, com dinheiro seu, as seguintes despesas relativas à aquisição referida na alínea a); - A 8 de Agosto de 2017, o Imposto Municipal sobre Transmissões, no valor total de 4.037,82 euros, pago individualmente nos montantes de 2.018,91 euros e 2.018,91 euros; - a 8 de Setembro de 2017, o Imposto de Selo, no valor total de 1.500,00 euros, pago individualmente nos montantes de 750,00 euros e 750,00 euros; - A 8 de Setembro de 2017 o montante de 375,00 euros, relativo às despesas com a escritura pública; - O montante de 250,00 euros, relativo ao registo provisório da aquisição da fracção autónoma; Invoca-se inexistir nos autos qualquer guia de liquidação de imposto, qualquer recibo, qualquer fatura que permita atestar que certa instrução de pagamento liquidou certa responsabilidade. Que os pagamentos foram feitos, é sabido que nenhum serviço público ou cartório notarial realiza uma escritura pública sem tais impostos estarem pagos. Isso mesmo o atesta a certidão da escritura pública efetuada no “casa Pronta”. No que toca a saber “quem” pagou, face aos documentos juntos pelo Autor da conta da Banco 1... por si titulada, deve considerar-se prova bastante. Acresce que a Ré não contrariou tal prova, nem demonstrou idêntica prova documental da transferência de dinheiros para o Autor. Não se podia ter limitado a dizer que os documentos do Autor da Banco 1... só demonstram o “poder de ordenar, mas não prova a titularidade do dinheiro lá depositado”. Sendo isso verdade como princípio, o certo é que teria então que ter alegado e demonstrado que os dinheiros existentes nessa conta também lhe pertenciam. E a Ré nem sequer o alegou. Sobre os factos provados b) e c): b) O preço referido na alínea a) foi pago com dinheiro do autor, sem recurso a crédito, nos seguintes termos: - A 8 de Agosto de 2017, a quantia de 60.000,00 euros, a título de sinal, por meio de transferência bancária de conta bancária exclusivamente titulada pelo autor na “Banco 1..., S.A.”, para conta titulada pela vendedora; - A 8 de Setembro de 2017, a quantia de 127.500,00 euros, por meio de cheque bancário com o número ...58, datado de 4 de Setembro de 2017, sacado sobre conta bancária exclusivamente titulada pelo autor na “Banco 1..., S.A.”, emitido a favor da vendedora; c) O montante de 187.500,00 euros, referido na alínea a), foi retirado de certificados do tesouro e outros fundos e troca de dólares que o autor detinha em exclusivo, tendo sido creditados na conta bancária referida na alínea b) os seguintes montantes para aquele efeito: - 60.000,00 euros a 31 de Julho de 2017; - 53.302,43 euros a 30 de Agosto de 2017; - 8.818,04 euros a 4 de Setembro de 2017; - 22,111,84 euros a 4 de Setembro de 2017; - 50.000,00 euros a 4 de Setembro de 2017; Valem aqui as razões expendidas para o ponto anterior. A “fraca qualidade” dos documentos não é de molde a infirmá-los, sendo que a Ré não suscitou a obrigação de junção com melhor qualidade. O facto de um dos talões ter o nome EE, não o do Apelado, ficou bem explicado em audiência; trata-se do pai do Autor, sendo ele quem estava autorizado a gerir as contas. Mostrando-se a conta epigrafada pelo Autor, não se vê necessidade de o obrigar a juntar declaração bancária a atestar a lista de titulares ou autorizado da referida conta. Por fim, esqueceu a Recorrente que antes do julgamento foi junta essa pretendida declaração bancária atestando ser o Autor o único titular da conta. Concluindo, improcede totalmente a pretendida alteração da matéria de facto no tocante à matéria da ação.
§ 3º - A factualidade inerente à matéria da reconvenção Quanto ao facto provado u) u) Aquando do divórcio, a fração referida em a) foi atribuída ao autor, como casa de morada de família deste, até à partilha dos bens do dissolvido casal [alínea c) dos factos assentes]; Pretende a Recorrente que se retire a expressão “até à partilha dos bens do casal” por tal não constar do aludido documento. Tal facto foi considerado provado com esse teor em sede de despacho saneador, devidamente notificado às partes. E a ora Recorrente logo deduziu reclamação, a qual foi indeferida por se ter considerado que o facto correspondia à alegação do Autor na PI, que a Ré não impugnou. Nos termos do art.º 596º nº 3 do CPC, e pese embora tal ser indiferente para a sorte da ação/reconvenção, cumpre agora apreciar. E neste âmbito assiste razão à Recorrente. Na verdade, tendo-se logrado os acordos do divórcio em sede de tentativa de conciliação, trata-se de um facto que só poderia ser provado por documento autêntico, ou seja, a respetiva Ata. Assim, independentemente do alegado pelo Autor, o facto tem de coincidir com o que consta como declarado nessa Ata perante o juiz, já que não foi suscitada a falsidade do documento: art.º 369º nº 1, 371º nº 1 e 372º nº 1 do CC. Assim, perante o documento autêntico, há que acolher a pretensão da Recorrente, passando o facto provado u) a ter a seguinte redação: u) Aquando do divórcio, a fração referida em a) foi atribuída ao autor, como casa de morada de família deste. Sobre o facto não provado o autor não emprestou à ré dinheiro, nem a ré se comprometeu a devolver o que quer que fosse Pretende a Recorrente que se elimine dos factos não provados e passe a facto provado. E para tanto invoca as razões expostas para a impugnação do facto provado e). Também nós, remetemos para a argumentação expressa para esse facto, improcedendo esta pretensão da Recorrente. Relativamente ao facto não provado alegado em 76 da contestação na data da decisão da compra da fracção autónoma o autor estava desempregado; à excepção de um contributo para uma despesa de condomínio, nunca contribuiu para as despesas do apartamento ou do prédio, nem dos consumos e alimentação de ambos. Invoca a Recorrente que tal facto deve ser julgado provado, por não ter sido impugnado na resposta à reconvenção. O facto foi efetivamente alegado pela Ré em 76 da sua contestação. Mas não o foi como substrato do pedido reconvencional. Antes se tratou duma impugnação motivada [[4]] à petição inicial do Autor, pretendendo demonstrar que o contexto da compra da fração foi diferente do alegado. Os factos inerentes ao pedido reconvencional constam dos pontos 88 a 107 da contestação/reconvenção e reportam-se a circunstâncias posteriores à compra da fração aqui em causa. Segundo o articulado da Ré, os factos pertinentes à reconvenção encontram causa de pedir no que a Ré entendia ser a indemnização devida por 60 meses em que esteve privada do uso real do imóvel e do seu recheio, por ter tido que sair de casa em virtude da conduta do Autor. Nada têm a ver com o momento da compra da fração, nem com a forma como as partes pautaram o seu relacionamento enquanto viveram na casa da Ré. Nessa medida, integrando o alegado em 76 um facto de impugnação atinente à contestação, e não facto da reconvenção, o Autor não tinha qualquer ónus de sobre ele se pronunciar. E nem sobre ele se poderia pronunciar pois a réplica versa apenas sobre a matéria da reconvenção: art.º 584º e 587º do CPC. Donde, o facto alegado em 76 da contestação não poder ser considerado como admitido por acordo (o que sempre seria diferente de confissão, como parece entender a Recorrente). Na verdade, «A negação motivada não envolve para quem a faz o ónus da prova dos factos que a constituem, sob pena de colocar o réu em posição mais desfavorável do que acontece na negação simples, em que lhe não pertence o respetivo ónus da prova» [[5]]. Sobre o argumento de tal facto fazer parte da prova produzida no processo ... (processo crime) também não colhe. Aliás, não podemos deixar de registar estupefação com a invocação dessa sentença, pois tal facto não costa lá, sento toda a matéria crime respeitante ao ocorrido após o casamento, já na casa de morada de família. O facto aqui em crise reporta-se ao tempo anterior, em que o Autor viveu na casa da Ré. Razão porque nunca ficaria a coberto da eficácia probatória plasmada no art.º 623º do CPC pois que o facto não só não consta da sentença, como a falta de contribuição para as despesas familiares, mormente estando desempregado, não é integrador da prática do crime por que foi julgado. A questão também não se subsume ao art.º 421º do CPC, na medida em que ele prevê apenas a possibilidade de uso dos depoimentos e perícias produzidos noutro processo, e não a factos nele provados. «V. Apesar do princípio da eficácia extraprocessual das provas consagrado no art.º 421º do Código de Processo Civil, a matéria de facto provada numa sentença não tem força de caso julgado noutra sentença intentada contra a mesma parte, na medida em que os fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial.» [[6]] Quanto ao facto não provado alegado em 93 da contestação: não saiu voluntariamente, nem concordou com a utilização que o autor se encontrava a fazer da fracção e dos bens comuns Quanto ao argumento do processo crime, remetemos para o que acabamos de dizer sobre o facto anterior. Em particular, o que ficou provado nessa sentença foi que a Ré, em virtude da violência doméstica de que era vítima, “decidiu deixar de partilhar residência com o arguido e pôr termo à relação que mantinha nessa data”. Ou seja, foi uma decisão voluntária. E nada se refere sobre o uso da fração e dos bens comuns. Quanto ao documento 5, trata-se duma carta enviada pela Ré ao Autor, que apenas prova a sua posição sobre a utilização da casa. Quanto ao depoimento das testemunhas, dele apenas se pode extrair o que ficou provado em q) e r). Quanto aos factos não provados alegados em 94º, 95º e 102º a 104º da reconvenção: 94. Na realidade, após a conclusão do processo crime e trânsito em julgado da sentença, no início de 2022 e enquanto ainda se encontrava em vigor a pena acessória de proibição de contactos, a R. procurou uma solução para a co-propriedade, nomeadamente pela venda da sua quota-parte e direitos sobre a fração e recheio, ao A. ou a terceiro. 95. Encontrado interessado para a compra, a mandatária da R./Reconvinte contactou a mandatária do A./Reconvindo para informar a decisão e pedir tomada de posição sobre a intensão de venda. 102. Ao contrario da R./Reconvinte que tendo mudado todos os seus bens para a fração que adquiriu com o A./Reconvindo, quando se viu forçada à fuga ao seu agressor, o fez sem nada conseguir trazer consigo, nem os animais de estimação, tendo de recorrer à constituição de advogados e ao apoio policial ou à proteção de terceiros para se aproximar do imóvel. 103. Foi forçada a, em pleno trauma e no desgaste dos processos judiciais em curso, re-equipar e re-mobilar o seu apartamento de solteira. 104. Perdendo a possibilidade de arrendar aquele, tal como o A./Reconvindo fazia com o seu apartamento de divorciado. Os factos 94 e 95 são inócuos para estribar a causa de pedir, alicerçada na privação do uso real do imóvel e do seu recheio. A procura de uma solução para o destino da casa, naturalmente que teria de passar por ambos, nada obrigando que o Autor concordasse com a proposta. Quanto aos demais, e sobre o relevo da sentença do processo crime, já atrás dissemos o que lá consta e a sua eficácia probatória. Do depoimento das testemunhas nada se extrai de relevante, ou até infirma o teor dos factos. Assim, JJ referiu ter estado no apartamento da ré para preparar a despedida de solteira, e que “a casa estava em rebuliço, ela ia doar algumas coisas”. Já GG pronunciou-se em sentido de “chegou a ir buscá-la a casa e acompanhou-a quando foi buscar as suas coisas (roupas), para as retirar em segurança. A ré deixou de ter acesso ao imóvel (o autor mudou a fechadura)”. A testemunha HH depôs em sentido divergente, “Ao que sabe, a ré, quando saiu de casa, não conseguiu levar as suas coisas e deixou de conseguir entrar lá (parece que foi mudada a fechadura)”. Acompanhou a ré numa das deslocações a casa, em que esteve presente a polícia, altura em que conseguiu levar os gatos e alguma roupa (também estiveram presentes o irmão e um amigo)”. Por fim, II que disse que “depois de a ré sair de casa, acompanhou-a lá duas vezes para retirar as suas coisas (uma vez com o irmão e a Dra. GG e outra com a polícia). A ré tocou à campainha, pelo que não devia ter acesso ao imóvel, não lhe pareceu que tivesse a chave”. Como se pode pretender extrair destes depoimentos que a Ré mudou todos os seus bens para a fração em que passou a viver com o Autor? E que nada conseguir trazer consigo, nem os animais de estimação? Ou que foi forçada a reequipar e remobilar o seu apartamento de solteira? Ou que perdeu a possibilidade de o arrendar? Não o vislumbramos. Ninguém falou ou identificou os bens móveis, quais foram, se foram ou não os da casa da Ré, a quem pertenciam ou quem os comprou… O documento 5 também nada prova para o contexto pretendido. Trata-se da referida carta em que a Ré manifesta a sua posição, e só, bem como quanto pretendia a título de renda, que é realidade diversa do valor locativo do imóvel. Concluindo, ressalvada a alteração que se operou quanto ao facto provado u), improcede toda a demais impugnação da matéria de facto.
5.2. Sobre a errónea subsunção dos factos ao direito § 1º - Sobre o mérito da ação Como bem se referiu na sentença recorrida, o Autor pretende ver reconhecido um direito de crédito sobre a Ré, por força da desigualdade na contribuição para a aquisição que efetuaram duma fração autónoma. Consta efetivamente da escritura pública que o Autor e a Ré se apresentaram como compradores e declararam aceitar a compra e que iriam destinar o imóvel a habitação própria permanente. Não foi invocada simulação, reserva mental ou qualquer tipo de erro vício sobre o negócio. Estamos assim perante a figura da compropriedade, que ocorre quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. E, desde que nada fique a constar do título de aquisição, as quotas de cada um dos comproprietários presumem-se iguais: art.º 1403º do CC. Aquando da aquisição, nenhum vínculo jurídico unia Autor e Ré, que apenas tinham na altura uma relação amorosa. Essa circunstância tem toda a relevância. Na verdade, se Autor e Ré fossem casados à data, em regime de comunhão total de bens ou de adquiridos, já não estaríamos perante uma compropriedade, mas perante uma comunhão conjugal. Atendendo à especial afetação dos bens comuns, eles constituem uma massa patrimonial que pertence “em bloco” a ambos os cônjuges, considerando-se que são os dois titulares de um único direito sobre os bens. Enquanto na compropriedade cada um dos consortes tem direito a uma quota definida ou presumidamente igual, da qual pode dispor em negócio autónomo, na comunhão conjugal o direito dos cônjuges é um direito uno, que não comporta divisão, mesmo ideal. Como referem Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito de Família”, vol. I, 5ª edição, pág. 595-599: «Enquanto, pois, esta é uma comunhão por quotas aquela é uma comunhão sem quotas.» São efeitos essenciais da compra e venda que o vendedor entregue a coisa e que o comprador pague o preço: art.º 879º do CC. Regressando então à compra em compropriedade, em quotas presumidamente iguais de 50%, Autor e Ré teriam de pagar metade do preço e das respetivas despesas, nos termos conjugados do art.º 879º e 1405º nº 1 do CC. Tendo-se provado que na altura da compra a Ré ainda não dispunha de liquidez para a compra e que acordaram que o Autor adiantaria a parte dela, que ela lhe pagaria depois de vender a fração autónoma que tinha, tem de se reconhecer ao Autor o direito de crédito invocado. A não ser assim, não se teria tratado duma compra e venda em compropriedade, mas duma compra e doação. Mas, como já referido, não foi invocada simulação, reserva mental ou qualquer tipo de erro vício sobre o negócio. Não se trata, como pretende a Recorrente de fazer uma aplicação retroativa da formalidade do mútuo à formação da compropriedade ou de a escritura pública se mostrar insuficiente para dar cumprimento às formalidades exigidas para o mútuo, negócio jurídico que não constitui causa de pedir da ação. Assim, a decisão da 1ª instância mostra-se correta, ao considerar estar em causa o crédito resultante dos encargos com a coisa comum. E encontra todo o cabimento a similitude do acórdão da Relação de Lisboa lá invocado, proferido no processo nº 2548/12.5TJLSB.L1-1, de 17/06/2014. Também aí, tratando-se de um imóvel comprado em compropriedade no estado de solteiros, pretendia o Autor obter a quota-parte da responsabilidade da Ré no pagamento das despesas que ele suportou sozinho “antes de contraírem casamento e após ser decretado o divórcio”. Sobre o abuso de direito, também não vingou, e bem, a nosso ver. Os factos provados não demonstram os respetivos requisitos. O que está provado é que o Autor se tem vindo a ver compelido à instauração de diversos processos. Foi ele quem intentou a ação de divórcio, seguida da ação de divisão de coisa comum onde invocou uma quota de 100% logo referindo ter sido ele quem pagou tudo e, agora a presente ação. Não podemos deixar de estranhar a invocação do abuso de direito por parte da Ré. Na verdade, sabedora de que, pese embora tenha intervindo na escritura, o certo é que nada pagou do preço do imóvel (€ 187.500,00); sendo que no âmbito da ação de divisão de coisa comum invocou a sua quota de 50% e que os encargos eram satisfeitos por ambos (o que não se mostra provado), suscitou ainda a avaliação do imóvel, cujo valor subiu para € 376.500,00. E assim, tendo-se considerado essa quota de 50%, a Ré acabou por receber de tornas o valor € 188.250,00, valor superior à totalidade do preço da compra do imóvel para o qual em nada contribuiu! A indemnização pelo clima de violência doméstica que sofreu durante o casamento já foi objeto do processo crime e já lhe foi pago.
§ 2º - Quanto ao mérito da reconvenção Como já se referiu, a reconvenção foi estribada na privação do uso do imóvel e do respetivo recheio. E foi julgada improcedente. A pretensão de alteração do decidido, agora invocado em recurso, passava pela alteração da matéria de facto e da improcedência do pedido do Autor, que já vimos não ter vingado. Bem fundamentada se mostra a sentença ao fazer apelo ao art.º 1406º nº 1 do CC. E, como resulta da factualidade provada, pese embora motivada pelo clima de conflito e violência a que era sujeita (e pelo qual já foi indemnizada), o certo é que foi a Ré a abandonar a casa de morada de família por decisão própria em 01/12/2018. E, logo em ../../2019, na tentativa de conciliação em que aceitaram converter o divórcio, exprimiram o acordo em atribuir a casa de morada de família ao Autor, sem qualquer condicionalismo. Donde, fica por se perceber onde encontrava a Ré suporte para uma privação do uso pelo período de 60 meses (5 anos). E ainda menos do pretendido valor locativo de € 600,00 mensais. A indemnização pela privação do uso encontraria nexo de causalidade em duas vertentes: (i) ou se estava a referir à casa de morada de família que, como tal, não podia ser arrendada, exceto se ambos assim o decidissem, dividindo o rendimento entre si; (ii) ou então referia-se ao valor que teve de pagar para encontrar outra casa para viver. Mas, se bem o percebemos, não foi isso. A Ré argumenta que perdeu o valor da renda que podia ter usufruído se tivesse arrendado a sua casa de solteira, o que deixou de poder efetuar por para lá ter ido viver de novo. Se era assim, nunca poderia ter ganho de causa, pois que nunca invocou ou demonstrou que pretendeu arrendar a sua casa, e não o fez enquanto esteve casada e a viver com o Autor. Sempre inexistiria a demonstração do dano e do nexo de causalidade. Concluindo, pese embora ter vingado a alteração ao facto provado u), a apelação improcede in totum, pois que a alteração desse facto em nada obsta à solução de direito do mérito da ação ou da reconvenção.
6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) …………………………………………………………. …………………………………………………………. ………………………………………………………….
III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em: 7.1. alterar o facto provado u), para a seguinte redação: u) Aquando do divórcio, a fração referida em a) foi atribuída ao autor, como casa de morada de família deste. 7.2. no mais, negar provimento à apelação, confirmando-se a decisão recorrida. 7.3. tendo sucumbido no recurso, ficam a cargo da Ré Apelante as respetivas custas: art.º 527º nº 1 e 2 do CPC.
Porto, 10 de julho de 2025 Relatora: Isabel Silva 1º Adjunto: Isoleta Almeida Costa 2º Adjunto: Ana Vieira
____________________ [[1]] Também chamadas presunções naturais, de facto, judiciais, simples ou de experiência, praesumptiones hominis.[[2]] Acórdão do STJ, de 21/06/2016, processo nº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. [[3]] Acórdão do STJ de 19/01/2017, processo nº 873/10.9T2AVR.P1.S1. [[4]] Como ensinavam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, 1985, Coimbra Editora, pág. 288: «A negação dos factos integradora de impugnação pode ser uma negação directa (frontal, rotunda, completa) ou ser apenas uma negação indirecta (qualificada ou per positionem). O réu, neste último caso, reconhece a realidade dos factos (ou de parte deles) invocados pelo autor, mas dá-lhes uma versão diferente, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor.» [[5]] Acórdão do STJ de 29/04/2014, processo nº 246/12.9T2AND.C1.S1. [[6]] Acórdão do STJ de 03/03/2021, processo nº 11661/18.4T8PRT.P1-A.S1. No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 14/01/2021, processo nº 3935/18.0T8LRA.C1.S1. |