Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042565 | ||
Relator: | MARIA GRAÇA MIRA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO ÓNUS DA PROVA CONCESSIONÁRIA DA VIA | ||
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Nº do Documento: | RP200905050827903 | ||
Data do Acordão: | 05/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 309 - FLS. 160. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Era à Recorrida que cabia provar a proveniência do objecto indicado, uma vez que só ela tem (e, se não tem, deveria ter) os meios idóneos a responder a isso, por ser a concessionária da via, com as inerentes obrigações, designadamente, as de permanentemente garantir uma via desobstruída e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida dos veículos em total segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite, aos respectivos utentes pagadores da correspondente taxa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº7903/08-2 – Apelação Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto: Em acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária, veio B……………, S.A.” demandar “C………….., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €3.809, 37 (três mil, oitocentos e nove euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação, bem como os vencidos, até integral pagamento.* Para tanto alegou, em síntese, que: - celebrou com D……………. um contrato de seguro do ramo automóvel, nos termos do qual este transferiu para si a responsabilidade civil emergente de acidente de viação decorrente da circulação do seu veículo; - entretanto, ocorreu um acidente de viação com intervenção da mencionada viatura, em auto-estrada, devido a um embate com um bloco de cimento, que se encontrava na via, na sequência do qual o veículo seguro sofreu danos cujo pagamento foi efectuado pela autora. Regularmente citada a R. apresentou contestação, onde impugnou a versão apresentada pela A. . Nos termos art.º 787º, nº1, parte final, não foi fixada base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal. Oportunamente, foi proferida a respectiva sentença pela qual foi a acção julgada improcedente, por não provada, termos em que foi decidido absolver a ré “C………….., do pedido. Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação, apresentando, oportunamente, alegações, em cujas conclusões, defendeu o seguinte: 1– Não concorda que se entenda ser de responsabilidade extracontratual que se trata, cabendo o ónus da prova da culpa ao lesado, nos termos do art.º 342º, nº1, do C.C.. 2– A utilização deste tipo de vias, em que se paga uma portagem, pressupõe a existência de uma relação contratual. 3- Os contratos de concessão de auto-estradas, independentemente de haver ou não pagamento de portagens, são autênticos contratos a favor de terceiros, inicialmente indeterminados. 4 – A partir do momento em que um utente entra numa auto-estrada e/ou paga a portagem devida, existe da sua parte uma declaração de vontade, que será expressa no momento em que paga a referida taxa, que corresponde ao preço pelo uso da auto-estrada, pressupondo-se a obrigação da concessionária de zelar pela segurança e comodidade do utente da auto-estrada. 5- Em caso de acidente originado por uma anormalidade presente na estrada, sendo a concessionária responsável perante o lesado. Isto é, o utente, caberá àquele o ónus da prova de que agiu com a diligência que se lhe exige e que a ocorrência não decorre de culpa sua. 6- Assim, impende sobre a Apelada a presunção legal de culpa consagrada no art.º 799º, do C.C.. 7- No caso dos autos, cabia à Apelada providenciar para que a circulação na auto-estrada se fizesse em condições de segurança, de modo a que os utentes daquela via, in casu o condutor do veículo seguro pela Apelante, não ficasse exposto a um factor imprevisível do seu ponto de vista e apto à produção do acidente do caso em concreto. 8- A Apelada tem de provar que foi diligente, neste caso, que procedeu à fiscalização rotineira da auto-estrada, naquele dia e local concretos, mas também qual foi, em concreto, o modo como o dito bloco de cimento apareceu em plena faixa de rodagem. 9- Ora, ela limitou-se a provar que dispõe de serviços que percorrem toda a via com vista à verificação e manutenção das infra-estruturas da mesma. 10- Por sua vez, a Apelante, logrou provar a existência de um acidente provocado pelo bloco de cimento que se encontrava na faixa da direita e o nexo de causalidade entre este e o dano. 11- De acordo com o disposto no art.º 493º, do C.C., o ónus da prova cabe ao lesante, neste caso a Apelada, tal como já foi estabelecido pelo art.º 12º da Lei 24/2007. 12- No entanto, ao contrário do que foi decidido, Apelada não demonstrou, em concreto, ter cumprido a sua obrigação de proporcionar aos utentes da via as condições indispensáveis à circulação rodoviária. 13- Perante o supra exposto, considera a Apelante que deverá a Apelada ser responsabilizada pelos danos verificados no acidente dos autos. 14- Houve violação do disposto no artºs 483º, 493º, nº1 e 799º, do C.C. e 12º, da Lei 24/2007, pelo que, deve ser revogada a decisão recorrida. Contra alegou a Apelada, defendendo que não assiste qualquer razão à Recorrente, não merecendo censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida, em conformidade. II – Corridos os vistos, cumpre decidir. É em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (artºs 684º, nº3, 690º, nº3, 660º, nº2 e 713º, nº2, todos do CPC), sem prejuízo das que são do conhecimento oficioso. Assim, cabe apreciar: - qual o tipo de responsabilidade da R., bem como o ónus da prova e a sua repartição. Factos provados: 1. A A . exerce a actividade seguradora. 2. No exercício da sua actividade celebrou com D………….., um contrato de seguro do Ramo Automóvel, referente ao veículo ligeiro de passageiros de marca Mercedes-Benz, modelo Classe E 270 CDI, de matrícula ..-..3-RG, titulado pela apólice 0045.10.053715, conforme documento junto a fls. 15, cujo teor está dado por integralmente reproduzido. 3. Pelo referido contrato de seguro, o proprietário do veículo ..-..-RG, doravante apenas designado por RG, transferiu para a ora A., a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo supra mencionado. 4. No dia 10 de Junho de 2004, cerca das 04 horas e 45 minutos, ocorreu um acidente de viação no IC-1, no concelho de Ovar. 5. Tendo apenas como interveniente o veículo automóvel, seguro na A., propriedade de D…………… e conduzido na altura do acidente por E…………., conforme documento junto a fls. 16 e 17, cujo conteúdo está dado por integralmente reproduzido. 6. O acidente objectivou-se no embate do veículo RG num bloco de cimento. 7. No local do acidente a via configura uma recta e possui 7,20 metros de largura. 8. Era de noite e o tempo estava bom. 9. No circunstancialismo de tempo e lugar referidos, o veículo RG circulava no IC-1, no sentido Espinho / Ovar. 10. O condutor do veículo seguro na A. conduzia de forma prudente e atenta, imprimindo ao seu veículo uma velocidade não superior a 90 km/hora. 11. Na zona de Ovar, ao km 28, o veículo RG seguia pela faixa de rodagem mais à direita, atento o seu sentido de trânsito quando de forma imprevista, embate contra algo que se encontrava na faixa por onde seguia. 12. Vindo-se a despistar. 13. Apenas conseguindo imobilizar o seu veículo na berma direita da via, atento o seu sentido de trânsito. 14. Só posteriormente ao acidente é que o condutor do veículo RG teve a percepção de que objecto em que tinha embatido se tratava de um bloco de cimento. 15. Encontrando-se este intacto, não mostrando sinais de fragmentação. 16. Este objecto encontrava-se na via, na faixa de rodagem mais à direita, atento o sentido Espinho/Ovar. 17. No local do acidente o acesso à via encontrava-se vedado por rede, no entanto, nos terrenos que circundam a via, existia um túnel, cujas margens não se encontravam totalmente vedadas, conforme fotografias juntas a fls. 19, que aqui se dão por reproduzidas. 18. O bloco de cimento contra o qual embateu o veículo RG encontrava-se no meio da via. 19. Encontra-se junta a fls. 20 dos autos uma carta enviada pela R. à A., datada de 10/05/2005, cujo conteúdo aqui se dá integralmente por reproduzido, onde consta que a pedra foi “…colocada intencionalmente por alguém que não foi possível identificar…”. 20. A seguir ao acidente, foi chamada ao local a Brigada de Trânsito da G.N.R de Aveiro, a qual elaborou a respectiva participação de acidente de viação, junta sob documento de fls. 16 e 17, cujo conteúdo está dado por integralmente reproduzido, e submeteu o condutor do veículo RG ao teste de alcoolémia, não tendo acusado qualquer presença de álcool no sangue. 21. Em consequência directa e necessária do sinistro resultaram danos materiais no veículo RG. 22. Os danos causados no veículo RG foram vistoriados por um Gabinete Técnico de Peritagens, tendo os peritos concluído que a referida reparação iria custar € 2.126,73, conforme documento junto a fls. 22 a 24, cujo teor está dado por integralmente reproduzido. 23. Em 16/08/2004 a A. entregou à F……………., L.da., o montante de € 2.126,73 (dois mil cento e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos) pela reparação do veículo, conforme documento junto a fls. 25 e 26, cujo teor é dado por integralmente reproduzido. 24. Devido a um necessário aditamento no carro de uma peça que ficou inutilizada aquando do acidente, mais concretamente, a unidade de comando da ignição, a A., em 06/09/2004 pagou o montante de €1.464,87 (mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos) à F………….. a título deste aditamento, conforme documento junto a fls. 27 a 28, cujo teor aqui é dado por integralmente reproduzido. 25. Devido à paralisação do veículo RG, resultante do acidente, a A. entregou um veículo de substituição ao proprietário do veículo acidentado, D……………., enquanto não foi possível a reparação do mesmo. 26. A este título a A. despendeu o montante de € 217,77 (duzentos e dezassete euros e setenta e sete cêntimos), conforme documento junto a fls. 29 a 31, cujo teor é dado por integralmente reproduzido. 27. A A. despendeu o montante total de € 3.809, 37 (três mil oitocentos e nove euros e trinta e sete cêntimos) com a regularização do sinistro. 28. Aquele pagamento foi efectuado pela A. em virtude do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0045.10.053715. 29. No referido contrato de seguro foi estipulada a cobertura de danos próprios da viatura ..-..-RG. 30. Tal quantia foi solicitada pela autora à R., conforme documento junto a fls. 32 a 35, dado por integralmente reproduzido. 31. Até ao momento a R. não pagou o montante despendido pela A.. 32. Na madrugada do dia do acidente os funcionários da R. efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão da R., passaram por diversas vezes no local onde ocorreu o sinistro e não detectaram qualquer bloco de cimento nas imediações daquele local. 33. De acordo com os registos dos patrulhamentos efectuados pelos colaboradores da R. na madrugada do acidente, juntos sob documento de fls. 54, cujo conteúdo aqui se dá integralmente por reproduzido, estes efectuaram diversas passagens no local onde ocorreu o acidente, uma delas pelas 4.14 horas. 34. Tais patrulhamentos são efectuados pelos funcionários da R., em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano. * Debrucemo-nos sobre o suscitado.Sendo uma questão há muito debatida e geradora de controvérsia, quer na jurisprudência, quer na doutrina, com soluções díspares, a verdade é que, com a entrada em vigor da Lei nº 24/2007, designadamente, o seu art.º 12º ( “1-Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”, a mesma está ultrapassada. Com efeito, esta norma interpretativa (que, dada a sua natureza, tem aplicação imediata, uma vez que se integra na lei interpretada) veio solucionar o problema, pondo fim à apontada controvérsia (com três posições diferentes: - uma defendia que estávamos perante um contrato inominado, celebrado entre o utilizador da via que pagava, por isso, uma taxa à concessionária, fornecedora desse serviço; - outros, ainda dentro da linha contratualista, entendiam que existia responsabilidade contratual originada pelo contrato, celebrado entre a concessionária e o Estado, a favor de terceiro, no caso - o utente da via e, finalmente, - os defensores da responsabilidade extracontratual, que alegavam ser a concessionária responsável a titulo de dolo ou mera culpa, nos termos dos pressupostos contidos no art.º 483º, do C.C.. Abraçar uma ou outra, destas teses, tinha grande relevância, para efeitos da repartição do ónus da prova da culpa. Enquanto que, para as duas primeiras – contratualistas -, a presunção de culpa tinha resposta no estabelecido no art.º 799º, do C.C. e, assim, era à respectiva concessionária que caberia alegar e provar factos que a afastasse; já para os defensores da responsabilidade regulada pelos artºs 483º e segs., do mesmo Código – extracontratual, aquiliana ou delitual - , era ao lesado que incumbia o ónus de alegar e provar a culpa da concessionária da via, por força do estabelecido no nº1, do art.º 487º, do mesmo diploma), até aí na ordem do dia. Assim, de acordo com o normativo citado, actualmente, cabe à respectiva concessionária elidir a presunção de incumprimento, da sua parte. Ou seja, é ela que tem o encargo, o ónus, de alegar e provar que cumpriu com as suas obrigações de segurança, em toda a linha (e não só os casos de força maior), de maneira a afastar essa presunção. In casu, da matéria de facto assente, extrai-se que, meia hora antes do acidente, mais precisamente às 4h e 14m (33.), ocorreram patrulhamentos a toda a extensão da concessão da R., que passaram por diversas vezes no local onde ocorreu o sinistro e não detectaram qualquer bloco de cimento nas imediações daquele local (32.) estando a R. convencida (?) que a pedra encontrada no local, foi ali “…colocada intencionalmente por alguém que não foi possível identificar…”, conforme resulta do que se mostra provado em 19.. O que não significa que, efectivamente, assim tenha acontecido. No entanto, era à Recorrida que cabia provar a proveniência do objecto indicado, uma vez que só ela tem (e, se não tem, deveria ter) os meios idóneos a responder a isso, por ser a concessionária da via, com as inerentes obrigações, designadamente, as de permanentemente garantir uma via desobstruída e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida (dada a natureza da via) dos veículos em total segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite, aos respectivos utentes pagadores da correspondente taxa – cfr. Bases anexas ao DL n.º 87-A/2000, de 13/5, nomeadamente: - as Bases – VIII; XXX, nº4, al. a; XLV, nº1; LIII, nº3; LIV, nº1. Acontece que, quanto ao caso concreto, chegamos à conclusão que não o fez, revelando-se a apurada periodicidade do patrulhamento efectuado, notoriamente insuficiente evitar o sucedido. Tendo o acidente analisado ocorrido da forma apurada, é bom de ver que lhe cabia ter feito algo mais (designadamente, a colocação de uma vedação adequada que impossibilitasse ou, pelo menos, dificultasse substancialmente a entrada de estranhos – se é que foi disso que se tratou - na referida via), de forma a inviabilizar o aparecimento de um objecto como aquele que se mostra mencionado em 6. e 14., dos factos provados, no meio da via (18.). Pelo que, conforme bem defende a Apelante, a Apelada não demonstrou, em concreto, ter cumprido a sua obrigação de proporcionar aos utentes da via as condições indispensáveis à circulação rodoviária. Logo, conclui-se que a presunção referida não foi ilidida pela Recorrida, como lhe competia ter feito. Assim, e face à restante factualidade apurada, há que concluir pela responsabilidade da Recorrida na eclosão do acidente, sendo sua obrigação reparar os danos dele decorrentes, devidamente apurados, por força do contido no art.º 562º, do C C. (aplicável quer à responsabilidade contratual, quer à extracontratual, como é sabido), o que nos leva a dar razão à Recorrente, atendendo, também, à sub-rogação que lhe assiste. * III- Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e, em sua substituição, julgando procedente por provada a acção, condenam a Recorrida/Ré no pedido formulado pela Recorrente/Autora, na p. i.. Custas pela Recorrida. * Porto, 5 de Maio, de 2009Maria da Graça Pereira Marques Mira Mário António Mendes Serrano António Francisco Martins |