Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLOS GIL | ||
| Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA FACTO NÃO PROVADO RESOLUÇÃO DO CONTRATO ÓNUS DA PROVA CONTRATO DURADOURO | ||
| Nº do Documento: | RP202502242494/18.9T8PNF.P1 | ||
| Data do Acordão: | 02/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O erro na elaboração da sentença, resultante da infração das regras adjetivas que disciplinam esse labor (vejam-se os artigos 153º, nº 1, 607º, nºs 2, 3, primeira parte do nº 4 e nº 6, 608º e 609º, todos do Código de Processo Civil) gera a sua nulidade, enquanto o erro na apreciação da prova, na identificação e interpretação da ou das normas ou princípios jurídicos aplicáveis e na qualificação jurídica dos factos determina a ilegalidade da mesma peça processual. II - A contradição de factos provados não determina a nulidade da sentença, antes constitui o vício passível de remoção nos termos previstos na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil. III - É jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário e donde resulta que não pode ocorrer contradição entre factos não provados. IV - De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 432º do Código Civil, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. V - Na falta de uma cláusula resolutiva expressa no contrato que se pretende resolver, a pretensão resolutória tem que ser aferida à luz das regras que disciplinam em geral a resolução contratual, seja em sede de impossibilidade culposa (artigo 801º, nº 2 do Código Civil), seja em sede de perda do interesse do credor ou de recusa do cumprimento (artigo 808º, nº 1 do Código Civil). VI - Incumbe ao contraente que exerce o direito de resolução o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos desse direito potestativo extintivo (artigo 342º, nº 1, do Código Civil), não se incluindo entre estes a culpa do contraente inadimplente. VII - A doutrina tem entendido que o figurino típico do direito de resolução vertido nos artigos 801º e 808º do Código Civil está especialmente talhado para os contratos de cumprimento instantâneo, razão pela qual se impõem alguns ajustamentos quando estejam em causa contratos duradouros, seja porque o incumprimento tem valor sintomático relevante na aferição da manutenção ou não da confiança entre as partes na consecução da finalidade contratual, seja por via da justa causa enquanto fundamento autónomo de resolução contratual nos casos em que se coloca a questão da exigibilidade da manutenção da relação contratual. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 2494/18.9T8PNF.P1
Sumário do acórdão proferido no processo nº 2494/18.9T8PNF.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… *** * *** Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório[1] Em 27 de agosto de 2018, no Juízo Central Cível de Penafiel, Comarca do Porto, a Assembleia de Compartes dos Terrenos Baldios da Freguesia ..., representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ... instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra A..., Lda. pedindo: a) que seja declarado extinto por caducidade o contrato atípico celebrado em 16 de janeiro de 1985, no Cartório Notarial de Amarante, nos termos do qual autorizou AA, hoje gerente da ré, ou quem por ele for nomeado, concretamente a sociedade a constituir oportunamente e de que o mesmo seja sócio a partir dessa data, exclusivamente para exploração de águas de mesa e mineromedicinais e seus derivados nos termos do disposto no artigo 1051º, alíneas b), e) e g), do Código Civil. b) declarada a referida caducidade deve a ré ser condenada a desocupar o prédio e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens à autora, prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., talhão ..., da Freguesia ...; c) consequentemente, condenar-se a ré a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia mínima de € 500,00 (quinhentos euros), por cada dia de atraso na entrega do imóvel em causa à autora; Subsidiariamente: d) que seja declarada a caducidade do contrato por força da expiração do período de duração máxima do contrato permitida pelo artigo 1025º do Código Civil; e) declarada essa caducidade, que seja a ré condenada a desocupar o prédio e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens à autora, prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., talhão ..., da Freguesia ...; f) consequentemente, a condenação da ré a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia mínima de € 500,00 (quinhentos euros), por cada dia de atraso na entrega do imóvel em causa à autora; E, ainda, subsidiariamente: g) que seja declarada a resolução do contrato em causa, por via dos factos supra expostos, por incumprimento exclusivo da ré, designadamente, nos termos dos artigos 432º, 437º, 1072º, nº 1[2] e 1083º, nº 2, alínea d), todos do Código Civil; h) declarada a resolução, seja a ré condenada a desocupar o prédio e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens à autora, prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., talão ..., da Freguesia ...; i) consequentemente, a condenação da ré a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia mínima de € 500,00 (quinhentos euros), por cada dia de atraso na entrega do imóvel em causa à autora. Em qualquer dos casos: j) a condenação da ré a pagar à autora a quantia que resultar quantificada em incidente de liquidação referido no artigo 29º da petição inicial, que nunca deverá ser inferior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros). Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, que o Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ..., em representação da Assembleia de Compartes da mesma freguesia, em observância de deliberação tomada em reunião realizada no dia 31 de outubro de 1984, outorgou no dia 16 de janeiro de 1985 contrato mediante o qual autorizou AA, ou quem por ele for nomeado, concretamente a sociedade a constituir oportunamente e de que o mesmo seja sócio a, partir dessa data, na área da zona de baldio delimitada, exclusivamente para exploração do solo e subsolo, com trabalhos de pesquisa, captação e exploração das águas de mesa e mineromedicinais e seus derivados, nela proceda à instalação de equipamentos e edificações necessárias à exploração, designadamente edifícios comerciais ou industriais e acessos aos mesmos, com vista à industrialização e comercialização daquelas águas. Em contrapartida, AA obrigou-se a pagar ao Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ..., a quantia anual que resultar da aplicação do fator sete mil avos aos lucros líquidos apurados em cada ano civil, nos primeiros dez anos, mas só após início da laboração da fábrica e nunca menos de 150.000$00 e, dez mil avos nos quarenta anos seguintes, ao fim dos quais será revista e atualizada. Foi, ainda, convencionada a obrigação do segundo outorgante a admitir preferencialmente o pessoal da Freguesia ..., necessário ao funcionamento da fábrica e demais trabalhos de exploração, em condições de igualdade com quaisquer outros concorrentes. Ficou a constar do referido contrato que essa autorização terá a duração do aludido alvará de concessão, mas será sempre revista aos cinquenta anos se o alvará exceder esse prazo. Desde o ano de 2010, a ré deixou de proceder ao pagamento das retribuições mensais, subsídios de férias e Natal, aos seus trabalhadores, sendo que alguns deles, com fundamento na falta de pagamento pontual das suas retribuições e, por via de outras circunstâncias, suspenderam os contratos individuais de trabalho e outros instauraram um processo de insolvência contra a ré, que terminou por desistência do pedido dos requerentes, tendo todos os trabalhadores deixado definitivamente de exercer quaisquer funções ao serviço da ré. Desde o Verão do ano de 2009, a ré suspendeu/parou/cessou de desenvolver a atividade para a qual foi constituída. Com o início das obras de construção do túnel ..., a ré reclamou dessa construção por entender que a mesma interferia com os aquíferos que suportam as captações da água por si explorada, alterando e afetando a sua qualidade, contaminando-a, tornando-a imprópria para consumo e para comercialização e, naturalmente, tornaria inoperacional a fábrica. A partir daquela data, a ré decidiu deixar de proceder à captação da água, ao seu engarrafamento e à sua comercialização, tendo efetuado um acordo com a empresa que estava a efetuar a construção do túnel, tendo recebido uma indemnização de mais de € 3 000 000,00. A ré continua a pagar à autora o valor mínimo fixado no ponto 3º do contrato que atualmente é de € 748,20 deixando de proceder ao pagamento da contraprestação reportada à quantia anual que resultar da aplicação do fator sete mil avos aos lucros líquidos apurados em cada ano civil. A inatividade da ré tem causado à autora prejuízos, relegando para incidente a sua quantificação, mas que nunca será inferior a € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros). O contrato em causa extinguiu-se por caducidade, nos termos do disposto no artigo 1051º do Código Civil, por ter caducado o alvará que permitia à ré explorar a água e em consequência da sua inatividade, sendo que o contrato de arrendamento não pode celebrar-se por mais de 30 anos, nos termos do artigo 1025º do Código Civil, pelo que, tendo o contrato sido celebrado no dia 16 de janeiro de 1985, extinguiu-se dia 15 de janeiro de 2015. Na eventualidade de se vir a entender que tal factualidade não leva à caducidade do contrato, a mesma é causa de resolução do contrato, já que o artigo 1072º, nº 1, do Código Civil impõe ao arrendatário a obrigação “de usar efetivamente a coisa para o fim contratado”, dispondo o artigo 1083º, nº 2, alínea d), que é fundamento da resolução do contrato “o não uso do locado por mais de um ano”, sendo que a ré não usa o imóvel para os fins visados pelo contrato, há pelo menos 9 anos. Por outro lado, a água ficou imprópria para consumo, por conseguinte, imprópria para ser comercializada, pelo que o fim visado pelo contrato em causa, deixou de ter qualquer interesse ou utilidade. Não sendo verdade que a água está imprópria para consumo, a inatividade da ré demonstra de igual forma o desinteresse no cumprimento do contrato. Citada a ré, autora e ré vieram requerer a prorrogação do prazo para a ré contestar, pretensão que foi deferida. A ré contestou arguindo a ilegitimidade da autora e impugnando os factos invocados pela autora, referindo, em síntese, que o contrato em causa não é um contrato de arrendamento, já que a autora não cedeu o gozo da coisa (prédio rústico), apenas se limitou a autorizar a instalação de equipamentos e edificações necessárias à exploração das águas, enquanto durasse o alvará de concessão para exploração, captação e comercialização de água, não existindo retribuição devida pela cedência do gozo da coisa, na medida em que a contrapartida económica só seria devida após o início de laboração da fábrica, tendo daí resultado que durante vários anos nenhuma contrapartida económica foi paga pela ré à autora. Na perspetiva da ré, o contrato em causa é um contrato atípico, regendo-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo ficado acordado que a duração inicial do contrato fosse de 50 anos renovável, acrescida do número de anos iniciais até ao início da comercialização, sendo apenas revisto em 2043, já que a ré iniciou a laboração em 1993. Quando as partes referem expressamente que a autorização dada tinha a duração do alvará de exploração, nada mais se referindo no contrato sobre a duração da autorização, daqui se infere que a única causa de caducidade do contrato que as partes previram e quiseram prever, foi a da caducidade da licença de exploração, pelo que o contrato não caducou. Por força das obras de construção do túnel ..., a ré foi forçada a reduzir a sua atividade ao mínimo para estabilizar os aquíferos, a fim de garantir a mesma qualidade e quantidade da água aos clientes, acabando por perder comercialmente a maior parte dos seus clientes nacionais e as parcerias comerciais internacionais ainda em curso exigem garantias de caraterísticas e quantidade de água que a ré ainda não pode assegurar, sendo necessário aguardar pela estabilização dos aquíferos. A menor atividade resulta da construção do túnel ... que a própria autora ajudou a criar ou, pelo menos, nada fez para o evitar. A autora atua em abuso do direito por receber a contraprestação relativa aos anos de 2015, 2016 e 2017 e em 2018 invocar que o contrato cessou por caducidade em 2015. Para o caso de procedência da ação, tem o direito de ser indemnizada por todas as benfeitorias realizadas no prédio em questão, sob pena de existir um enriquecimento sem causa por parte da autora. Termina pugnando pela improcedência da ação e, assim não se entendendo, a título reconvencional, a autora deve ser condenada a pagar-lhe a indemnização de € 3.500.000,00, pelas benfeitorias realizadas, acrescida de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento, pedindo ainda a condenação da autora a indemnizá-la pelos danos provocados pela presente ação, no montante que vier a ser apurado em execução de sentença. Notificada da contestação, a autora impugnou os documentos oferecidos pela ré e subsidiariamente, na eventualidade de o contrato ajuizado não ser qualificado como de locação/arrendamento, alterou o pedido eliminando os que havia formulado nas alíneas d), e) e f) do petitório inicial, alterando a redação do pedido deduzido na alínea g)[3] do mesmo petitório e mantendo os restantes pedidos. A autora replicou suscitando a ilegitimidade da ré para o pedido de indemnização por benfeitorias pois que alguns dos trabalhos foram realizados pela pessoa singular com quem a autora contratou e impugnou a ressarcibilidade das alegadas benfeitorias pois, por um lado, não constituem benfeitorias e, se acaso assim devessem ser consideradas, não é alegado que o seu levantamento importa detrimento para o prédio da autora; além disso, não foram alegados factos integradores da falta de causa do alegado enriquecimento sem causa da autora, o que inviabiliza a pretensão reconvencional fundada em tal instituto; alega ainda a autora a ineptidão do pedido reconvencional, por não se preencherem nenhuma das alíneas do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil; impugna os danos que a ré pretende ver ressarcidos em via reconvencional alegando que a existirem são de todo alheios a qualquer conduta da autora e pediu a condenação da ré como litigante de má-fé em multa e indemnização que afirma não poder liquidar mas que deverá ser de montante não inferior a cem mil euros, metade para si e outra metade para o Estado; finalmente, suscita a existência de abuso do direito por parte da ré e da consequente obrigação de indemnizar a autora em espécie e, não se mostrando isso possível, em quantia pecuniária. Em 08 de janeiro de 2019 admitiu-se o requerimento da autora de alteração dos pedidos. Em 01 de fevereiro de 2019 a autora foi convidada a instruir os autos com ata contendo a deliberação no sentido de instauração desta ação. A autora ofereceu atas que na sua perspetiva respondem ao convite, as quais foram impugnadas pela parte contrária. Em 27 de março de 2019 admitiu-se a reconvenção deduzida pela ré, fixou-se o valor da causa no montante de € 3.557.446,00, proferiu-se despacho saneador julgando-se improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa arguida pela ré e de ilegitimidade passiva para a reconvenção arguida pela autora, julgando-se “preterida” a exceção de ineptidão do pedido reconvencional suscitada pela autora em consequência da admissão da reconvenção; identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios, relegando-se a designação da audiência final para momento ulterior à conclusão da prova pericial. A ré requereu a realização de audiência prévia. Realizou-se audiência prévia e subsequentemente aditou-se um tema da prova. Os Senhores Peritos ofereceram o relatório pericial, tendo ambas as partes requerido esclarecimentos que foram prestados por escrito. Em 22 de junho de 2020, realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação, designando-se seguidamente audiência final. Na data designada para realização da audiência final as partes requereram a suspensão da instância por três meses, suspensão que foi deferida. Em 09 de fevereiro de 2021 realizou-se nova infrutífera tentativa de conciliação, tendo-se declarado suspensa a instância ao abrigo da legislação especial editada no tempo da pandemia COVID 19. Declarada cessada a suspensão da instância, designou-se nova tentativa de conciliação para 12 de abril de 2021, diligência que de novo foi infrutífera, tendo as partes requerido a suspensão da instância por trinta dias, pretensão que foi deferida. Expirado o prazo de suspensão da instância, designou-se nova tentativa de conciliação para 14 de junho de 2021, diligência que de novo se frustrou, tendo-se declarado suspensa a instância por quinze dias na sequência de requerimento das partes e designando-se logo data para realização de nova tentativa de conciliação para 12 de julho de 2021. De novo se frustrou a tentativa de conciliação e a requerimento das partes logo foi marcada nova tentativa de conciliação para 20 de setembro de 2021, designando-se data para realização da audiência final para a eventualidade de a tentativa de conciliação não ser frutuosa. A tentativa de conciliação frustrou-se de novo e a requerimento das partes designou-se nova tentativa para data anterior à já marcada para realização da audiência final, mantendo-se este agendamento. A tentativa de conciliação de novo se frustrou. Na data designada para a audiência final foram tomados esclarecimentos aos Senhores Peritos, tendo as partes requerido de seguida a suspensão da instância por trinta dias a pretexto de almejarem a resolução do litígio mediante transação, pretensão que foi deferida, designando-se logo dia para continuação da audiência final na eventualidade da pretendida solução consensual não se concretizar. A sessão da audiência final designada para continuação dos trabalhos foi dada sem efeito por doença de uma das Sras. Advogadas que patrocina a autora, tendo sido logo designada mais duas sessões para continuação dos trabalhos, sessões que também vieram a ser dadas sem efeito, a requerimento do Sr. Advogado da ré e em virtude de no dia anterior ao da primeira sessão para continuação dos trabalhos a autora ter oferecido prova documental e de carecer de examinar essa prova antes do prosseguimento da audiência. Dois dias antes da primeira data designada para continuação dos trabalhos, as partes requereram a suspensão da instância por trinta dias em virtude de estarem em vias de chegarem a acordo, pretensão que foi deferida, dando-se sem efeito as datas designadas para prosseguimento dos trabalhos e, prevenindo a hipótese do pretendido acordo não ser alcançado, designaram-se logo duas novas datas para o efeito. Antes da primeira data designada para continuação dos trabalhos, com a alegação de se manterem os pressupostos do precedente requerimento para suspensão da instância, as partes vieram requerer a suspensão da instância por sessenta dias e que o prosseguimento dos trabalhos não fosse marcado antes do final de setembro de 2022, pretensões que foram deferidas. Com fundamento em terem sido designadas continuações de audiências em processos urgentes para os dias agendados para o prosseguimento dos trabalhos nestes autos, a requerimento do Sr. Advogado da ré foram dadas sem efeito as sessões designadas para 20 e 21 de outubro de 2022, agendando-se, em substituição, os dias 15 e 16 de dezembro de 2022. Na primeira das datas designada para prosseguimento dos trabalhos, as partes requereram a suspensão da instância por noventa dias, com fundamento na complexidade da transação em curso e na necessidade da sua aprovação pela assembleia de compartes, pretensão que foi deferida e com o acordo dos Ilustres Mandatários das partes agendaram-se duas novas datas para a continuação da audiência, datas que vieram a ficar sem efeito por força da greve dos Senhores Oficiais de Justiça, designando-se em substituição duas novas datas. Depois de mais algumas vicissitudes, realizaram-se sessões da audiência final nos dias 25 de setembro de 2023 e 31 de outubro de 2023 e no dia 19 de dezembro de 2023. Em 03 de fevereiro de 2024 foi proferida sentença[4] que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, decide-se: a) absolver a Ré, “A..., Lda.”, de todos os pedidos deduzidos pela Autora, Assembleia de Compartes dos Terrenos Baldios da Freguesia ..., representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ..., na pessoa do seu Presidente, BB. b) absolver a Ré do pedido de condenação como litigante de má fé.” Em 19 de março de 2024, inconformada com a sentença cujo dispositivo precede, Assembleia de Compartes dos Terrenos Baldios da Freguesia ..., representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[5]: (…) A..., Lda. respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência. Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da nulidade da sentença por erro de julgamento da matéria de facto e por omissão de pronúncia; 2.2 Da impugnação da decisão da matéria de facto[6]; 2.3 Da resolução do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985 com fundamento em incumprimento[7]. 3. Fundamentos 3.1 Da nulidade da sentença por erro de julgamento da matéria de facto e por omissão de pronúncia Ao longo da denominada impugnação da decisão da matéria de facto, em diversas ocasiões[8], a recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade por erro de julgamento da matéria de facto, citando em abono desta arguição o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. Além desta imputação, a recorrente afirma que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia já que não conheceu do pedido de resolução contratual que formulou no requerimento de 26 de outubro de 2018, com a referência 30519498 (referência citius 4847840), pedido que foi admitido por despacho de 08 de janeiro de 2019 e passou a substituir o que constava da alínea g) do petitório inicial[9]. Cumpre apreciar e decidir. O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis. Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Regista-se ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios. Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[10]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas, enquanto os argumentos são as razões ou fundamentos aduzidos para sustentar uma certa resposta a uma questão jurídica. Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões. Vejamos então se a sentença recorrida enferma das nulidades que a recorrente lhe imputa. No que respeita à alegada nulidade por erro de julgamento, os termos da própria arguição denunciam claramente o equívoco em que a mesma assenta. Na realidade, se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, como na perspetiva da recorrente se verifica, o caso não é de nulidade da sentença recorrida mas sim de erro de julgamento da matéria de facto passível de correção, nomeadamente[11], através da impugnação da decisão da matéria de facto. A patologia da nulidade da sentença está talhada para casos em que o julgador erra na construção da sentença, abstendo-se, nomeadamente, de discriminar os factos que sustentam a aplicação do direito e bem assim quando não referencie as razões jurídicas que suportam a decisão tomada, quando exista contradição entre a decisão tomada a final e os fundamentos da mesma decisão, sempre que incorra em impropriedades de expressão geradoras de ambiguidade ou obscuridade que tornem a decisão ininteligível, quando não conheça de todas as questões de que devesse conhecer ou conheça de questões que não foram suscitadas pelas partes e que não são passíveis de conhecimento oficioso e, finalmente, sempre que condene em montante superior ao que foi peticionado ou em objeto diverso do que foi pedido. Diverso do erro na elaboração da sentença, resultante da infração das regras adjetivas que disciplinam esse labor (vejam-se os artigos 153º, nº 1, 607º, nºs 2, 3, primeira parte do nº 4 e nº 6, 608º e 609º, todos do Código de Processo Civil), é o erro na apreciação da prova, na identificação e interpretação da ou das normas ou princípios jurídicos aplicáveis e na qualificação jurídica dos factos. No caso dos autos, de acordo com o que a recorrente expõe na sua apelação, o tribunal recorrido deu como provados factos que se acham em contradição entre si, vício passível de remoção nos termos previstos na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil e, além disso, errou na apreciação da prova, erro que a ocorrer, deve ser removido por esta instância na sequência de uma procedente impugnação da decisão da matéria de facto com reapreciação da prova (artigo 640º e 662º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil). Pelo exposto, conclui-se que a sentença recorrida não enferma da nulidade que a recorrente lhe imputa e que decorreria do preenchimento do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil. Vejamos agora se, como afirma a recorrente, a decisão recorrida não conheceu do pedido de resolução contratual formulado na alínea g) do petitório inicial, com a alteração resultante do seu requerimento de 26 de outubro de 2018. Depois de qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato atípico e de julgar improcedente o pedido da autora de declaração de caducidade[12], o tribunal recorrido conheceu do pedido subsidiário de resolução contratual, iniciando a cognição desta pretensão nos seguintes termos: “Cumpre apreciar o pedido subsidiário de declaração da resolução do contrato em causa, por incumprimento exclusivo da Ré, com a consequente desocupação do prédio e a sua entrega ao Autor livre e devoluto de pessoas e bens. O contrato pode ser resolvido se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.” A referência ao incumprimento exclusivo da ré pode levar a concluir que o tribunal recorrido se debruçou sobre o primitivo pedido de resolução contratual que constava da alínea g) do petitório inicial, assente no pressuposto da aplicabilidade ao caso das regras que disciplinam o contrato de arrendamento. Porém, seguindo a análise jurídica do tribunal a quo no que respeita esta pretensão resolutória constata-se que foram aplicadas as regras gerais que disciplinam a resolução contratual e não as regras específicas que disciplinam a resolução do contrato de arrendamento, como era pretendido pela autora na alínea g) do seu petitório inicial. Assim, pode concluir-se, com segurança, que o tribunal recorrido conheceu do pedido subsidiário formulado pela autora na alínea g) do petitório final, na redação decorrente do seu requerimento de 26 de outubro de 2018, pelo que a sentença sob censura não enferma de nulidade por omissão de pronúncia. 3.2 Da impugnação da decisão da matéria de facto A recorrente pretende a alteração da decisão da matéria de facto de diversos pontos de facto provados (pontos 6, 8, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 39 e 40) e não provados (alíneas a), b), c,) d), e), f) e v)) com fundamentos distintos. Assim, a recorrente começa por invocar uma contradição entre os pontos 39 e 40 e ainda dos pontos 41, 42, 48 e 49, todos dos factos provados[13], pretendendo que os pontos 39 e 40 obtenham deste tribunal ad quem a seguinte resposta: - As obras executadas apenas porque necessárias ao desenvolvimento da atividade que a ré pretendia levar a cabo no prédio em causa, podem ser levantadas, sendo que o seu levantamento, não obstante implicar a destruição das edificações e construções que integram as instalações da unidade fabril, não tendo a generalidade dos materiais aplicados aproveitamento, devem ser transportados a vazadouro e/ou sucata licenciadas sem direito a ser indemnizadas”. Para fundamentar a resposta pretendida a recorrente alega assertivamente que as obras e equipamentos são passíveis de ser levantados, que no termo do contrato a ré sempre terá de restituir o imóvel que foi autorizada a ocupar para exploração de água mineral, no estado em que se achava aquando da negociação entre as partes, que tais obras e equipamentos não constituem benfeitorias, pois tinham em vista criar condições para a exploração da água mineral que nasce no prédio da autora e que a ré foi autorizada a explorar por aquela mediante contrapartida pecuniária e que, a equacionar-se uma indemnização pelas obras necessárias à execução do contrato, nunca a autora teria aceitado celebrá-lo. Seguidamente, a recorrente alega contradição da alínea c) dos factos não provados com o ponto 19 dos factos provados[14], pretendendo que seja eliminada a alínea c) dos factos não provados e que o ponto 19 dos factos provados passe a ter a seguinte redação: - Desde 2014 até à presente data, a ré deixou de explorar, transformar, engarrafar e comercializar a A.... Para tanto refere que a alegação do ano de 2009 na petição inicial é um erro de escrita, como resultou da instrução do processo e da audiência final, pois que o encerramento da atividade ocorreu no ano de 2014, que “não se pode extrair de um facto provado (“deixou de explorar,…” o seu oposto – o facto não provado (“deixando de proceder …”)”[15]. Afirma a recorrente que a alínea d) dos factos não provados[16] se acha em oposição com os pontos 10 a 13[17] e 19 dos factos provados e que deve ser dada como provada no seguimento dos pontos 10 a 13 e 19 dos factos provados, sob pena de, assim não se entendendo, não se compreender a forma como o tribunal apreciou livremente a prova. A recorrente sustenta que o ponto 20 dos factos provados se acha em contradição com o ponto 2 dos mesmo factos[18], no que respeita à periodicidade da contrapartida acordada entre as partes, pois que a quantia paga pela ré à autora, desde que se iniciou, nos termos do contrato, foi sempre anual, sendo a quantia de € 748,20 a conversão do montante de 150.000$00 em euros. Sustenta deste modo que deve passar a constar do ponto 20 dos factos provados que o pagamento do valor aí mencionado é anual. A recorrente sustenta que o ponto 22 dos factos provados deve ser excluído dos fundamentos de facto por constituir uma errada interpretação da matéria dada como provada no ponto 4 dos factos provados. Afirma a recorrente que a expressão “entre outros” que consta do ponto 6 dos factos provados[19] deve ser suprimida pois não foi feita prova de que à data da constituição da sociedade o seu objeto social tenha contemplado a referida expressão e, por outro lado, face ao acordado no contrato em causa nestes autos, o objeto social da sociedade ré teria de ser exclusivamente a exploração do solo e do subsolo da parcela que foi autorizada a explorar pela autora. A recorrente impugna o ponto 8 dos factos provados, na parte em que se refere à vigência do alvará[20], sustentando que está suspenso, abonando-se para tanto com excertos do depoimento produzido por CC, localizando-os na gravação e com o documento remetido a estes autos em 05 de abril de 2019, com a referência 79335366. Impugna o ponto 23 dos factos provados pretendendo que seja julgado não provado, alegando que a ré não produziu qualquer prova dessa matéria e que, ao invés, tem alegado uma coisa e o seu contrário, indicando ainda as passagens dos depoimentos de CC e de DD, localizando-as na gravação. Impugna o ponto 24 dos factos provados por, na sua perspetiva, nenhuma prova de tal factualidade ter sido produzida nos autos, devendo por isso julgar-se não provado. Impugna o ponto 25 dos factos provados pugnando por que seja julgado não provado invocando para tanto excertos do depoimento de CC que localiza na gravação. Finalmente, a recorrente impugna as alíneas a), b), e), f) e v) dos factos não provados, pretendendo que todas sejam julgadas provadas. No que respeita à alínea a) dos factos não provados, a recorrente apoia-se no teor do ponto 5 dos factos provados e nos depoimentos de EE, de FF e de BB, nos excertos que transcreve e localiza temporalmente na gravação. Quanto à alínea b) dos factos não provados, a recorrente alega que se não for a impropriedade da água para consumo em consequência da abertura do túnel ..., que outra razão pode haver para a paragem da atividade da ré? Tanto mais que a questão da determinação das caraterísticas químicas da água é algo que depende de a ré mandar proceder às análises necessárias e pertinentes. No que tange à alínea e), a recorrente pugna por que seja julgada provada por efeito da inversão do ónus da prova, pois que em 11 de fevereiro de 2020 requereu que a ré oferecesse certos documentos[21], o que apenas em parte satisfez, não obstante tenha sido notificada de despacho proferido em 27 de fevereiro de 2020[22] de que não oferecendo a documentação em causa, haveria inversão do ónus da prova. Relativamente à alínea f), a recorrente sustenta que basta a factualidade dada como provada no ponto 18 dos factos provados para que esta matéria se julgue provada, sendo inquestionável que a ré obteve lucros líquidos em cada ano pois que se assim não fosse, como é que a ré poderia adquirir imóveis, como adquiriu, nas Terras de Basto e se comprova pela documentação oferecida com o requerimento de 05 de janeiro de 2021[23]. Finalmente, no que respeita à alínea v) dos factos não provados, a recorrente assenta a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto nos depoimentos de EE e BB, nos excertos que transcreve e localiza temporalmente na gravação. O tribunal a quo motivou a matéria impugnada da forma que segue: “A factualidade constante dos pontos 1 a 9 baseou-se no contrato intitulado de “Contrato Atípico”, junto na p.i. como documento 1 (fls. 11 a 14), que aqui se dá por reproduzido, outorgado no dia 16 de janeiro de 1985, no Cartório Notarial de Amarante, em conjugação com as declarações do comparte, EE que, em 1984/85, negociou o referido contrato com o Eng. AA, atual sócio gerente da Ré, esclarecendo que aproveitaram a base do contrato anterior, intitulado “Contrato de Concessão”, datado de 27/5/1984, junto aos autos pela Autora na sessão de julgamento datada de 31/10/2023, que aqui se dá por reproduzido, que foi assinado pelas partes, mas que não chegou a ser executado, em virtude de desentendimentos (não tendo estado nas negociações desse primeiro contrato), tendo introduzido no segundo contrato duas alterações, a primeira no que se reporta à obrigatoriedade de uma prestação mínima e a segunda na alteração do montante a pagar à Autora do fator de 5 mil avos para 7 mil avos sobre os lucros líquidos apurados em cada ano civil, sendo essencial para o Eng. AA que o contrato tivesse a duração mínima de 50 anos, por ser um investimento elevado e de risco, pelo que embora tivesse tentado negociar um prazo inferior, acabou por aceitar os 50 anos exigidos por aquele, por causa dos postos de trabalho. Atento o teor do contrato e das declarações do comparte que o negociou, dúvidas inexistem que o contrato tinha a duração mínima de 50 anos. O referido comparte admitiu que podia ter celebrado o contrato sem a cláusula dos postos de trabalho, tudo dependendo do valor a pagar aos baldios, o que fez com que o Tribunal considerasse não provado que o contrato a que se alude no ponto 1 nunca teria sido outorgado pela Autora se o mesmo não criasse emprego na freguesia. Mais referiu que nas negociações questionou informalmente o Eng. AA relativamente a uma eventual desistência do contrato por parte daquele, tendo o mesmo respondido que se desistir não vai gastar dinheiro com as demolições e os baldios ficam com as construções, não tendo os baldios que o indemnizar. O comparte BB, professor, que fazia parte do Conselho Diretivo da Autora entre 1981 e 1984, tendo negociado o primeiro contrato com o Eng. AA e GG, referiu que a finalidade do contrato não era a renda mas a criação de emprego local, que o contrato tinha a duração de 50 anos renováveis por iguais períodos e que ficou acordado verbalmente que no final do contrato as construções nele efetuadas para exploração da A... ficavam para os baldios e se a fábrica fechar ou deixa o terreno limpo ou ficam as construções para os baldios. Apesar de não ter tido qualquer intervenção nas negociações e redação do segundo contrato, admitiu que nele nada se refere relativamente ao destino do equipamento e edificações aí existentes para a exploração da água no final do contrato, mas quem o negociou referiu-lhe que ficou acordado que no final do contrato as construções ficavam para os baldios. Admitiu que o segundo contrato era mais favorável para os baldios que o primeiro, que não previa uma renda mínima, estando o mesmo em vigor, mas quando assumiu o Conselho Diretivo, em 1992, renegociou o contrato com o Eng. AA e tal só não foi concretizado porque entrou a nova lei dos baldios. A renda era a percentagem sobre os lucros que consta no contrato mais 150 contos, nunca tendo sido paga qualquer percentagem sobre os lucros, por dizerem sempre que tinham prejuízo. Mais referiu que enviaram uma carta para o Ministério do Ambiente por temerem que a construção do túnel tivesse consequências gravosas para a freguesia, agindo para defender os baldios e não a Ré. Não obstante tais declarações dos compartes supra identificadas, sempre se dirá que é muito estranho que caso tivesse sido de facto acordado entre as partes o destino do equipamento e edificações aí existentes para a exploração da água no final do contrato, tal acordo não tivesse ficado a constar do referido contrato, não estando tal atuação de acordo com as regras da normalidade e da experiência, pelo que tal matéria foi considerada não provada. Relativamente à matéria constante dos pontos 6 e 26, relevou-se a escritura de constituição da sociedade Ré junta aos autos por esta, em 15/9/2020, como documento 1 e relatório elaborado pelo ROC como documento 2 que aqui se dão por reproduzidos, a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Baião, junto na p.i. como documento 2, que aqui se dá por reproduzido (fls. 14 v. a 17), comprovativos da constituição da sociedade “A..., Lda.” em 29/05/1991, com o objeto de exploração, transformação, engarrafamento e comercialização de água de mesa e seus derivados e comércio por grosso de bebidas alcoólicas, donde resulta que as obras realizadas no imóvel foram utilizadas para realizar o capital social da Ré (entrada em espécie), isto é, pertencem à sociedade, porquanto são o seu capital social. (…) A factualidade constante dos pontos 10 a 14 e 20 baseou-se no referido contrato junto na p.i. como documento 1 em conjugação com as declarações das próprias compartes da Freguesia ..., nomeadamente de FF, que trabalhou na Ré entre 1999 e 2014, referindo com total credibilidade e isenção, que saiu da Ré em junho de 2014 porque, à data, tinha três meses de salários em atraso e três a quatro anos de subsídios de Natal e de férias em atraso, sendo que desde 2008 que a Ré começou a atrasar o pagamento de salários, referindo convictamente que até ser pedida a insolvência da Ré, em 2014, a empresa nunca deixou de explorar a água, trabalhando 8 horas por dia, 40 horas por semana, tal como em 2009. E mesmo quando a Ré embargou a obra, continuaram a trabalhar de portas fechadas durante 15 dias, tendo estado na linha de enchimento, colocando datas nos rótulos anteriores ao embargo, fingindo que a água estava armazenada e, depois de ser levantada a providência, continuaram a trabalhar, mas de portas abertas. Tais declarações foram totalmente corroboradas pela comparte, HH, que trabalhou para a Ré de 1998 a 2014, exercendo as suas funções nas máquinas de enchimento, com uma interrupção de meio ano, estando a trabalhar na fábrica cerca de 40 a 50 pessoas da freguesia e que a mesma só fechou porque os trabalhadores pediram a insolvência da Ré, por causa dos salários em atraso. Embora a Ré lhes tivesse pago todos os salários para impedir a sua insolvência, tendo os trabalhadores desistido do pedido, conforme resulta do documento 3 junto na p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido, aquela nunca mais abriu portas e nunca mais lhes deu trabalho, mas até 2014 sempre procederam ao engarrafamento de água diretamente das captações, mesmo durante o período do embargo, colocando datas nos rótulos anteriores ao embargo, fingindo que a água estava armazenada, tendo ordens dos chefes para dizerem que a água estava contaminada e, depois de ser levantada a providência, continuaram a trabalhar, mas de portas abertas. Ora, tais declarações estão em total consonância com as faturas emitidas pela Ré, juntas na contestação como documentos 8 a 12, que aqui se dão por reproduzidas, datadas respetivamente de 2010, 2011 2012, 2013 e 2014, comprovativas da comercialização de água naquele período temporal. As declarações do comparte II foram pouco relevantes na medida em que o mesmo revelou não ter conhecimento direto dos factos, já que não negociou o contrato nem trabalhou na exploração das águas. Relevou, ainda, as declarações da testemunha DD, geólogo, que foi funcionário na Direção Geral de Minas, sendo esta entidade que dá o licenciamento para a exploração das águas, esclarecendo que não exercia funções nesse departamento de concessão de licenças, estando atualmente reformado, vive em ..., mas tem uma casa em ... e, a pedido do Professor BB, em representação dos Baldios, antes da construção do túnel, deu um parecer sobre a possibilidade da construção do túnel ... poder interferir com a marinheira que pertencia aos compartes, referindo nesse parecer que havia grande probabilidade da Ribeira ... secar, o que podia pôr em causa a pesca das trutas e a exploração da água. Mais referiu que não tem dúvidas que a construção do túnel afetou as A..., sendo que os aquíferos precisam de algum tempo para estabilizarem para se poder voltar a explorar a água, sendo que o subsolo da serra ... é em xisto com intercalações argilosas e o tempo para a estabilização dos aquíferos depende dos poluentes, ou seja, se estes forem produtos químicos, ferro ou magnésio a destabilização dos aquíferos pode ser permanente, se forem poeiras pode ser por pouco tempo. Mais esclareceu que o prazo razoável para saber se tal destabilização dos aquíferos é permanente ou reversível é muito variável, dependendo dos poluentes, podendo ser permanente ou demorar anos, meses ou dias e, esse tempo, só pode ser determinado através de análises químicas periódicas. Por sua vez, a testemunha JJ, Diretora dos Serviços dos Recursos Hidrogeológicos e Geotérmicos na Direção Geral de Energia e Geologia que, desde 1993, se dedica às águas naturais e de nascentes, tendo-lhe passado pelas mãos o licenciamento de captação e exploração das A..., tendo sido colega da testemunha DD, tendo ambos trabalhado no Instituto Geológico Mineiro, com total isenção e objetividade, esclareceu que o licenciamento das A... se mantém em vigor, já que não existe prazo para a inatividade da licença, sendo uma lacuna da lei, pelo que a qualquer momento a licença pode ser revalidada. Mais esclareceu que o detentor da licença enviou uma carta ao Instituto, datada de 12/8/2015, a informar da suspensão da exploração da água por remodelação da unidade fabril e que a exploração da água iria ser retomada em junho de 2016, tendo continuado a implementar o controle analítico anual. O industrial só informa a Direção Geral, em outubro de 2018, que está em condições de retomar a exploração da água, sendo que neste caso para retomar a exploração da água era necessário efetuar uma análise físico-química completa (análises que devem ser efetuadas de cinco em cinco anos), uma declaração de não dívida ao Estado e um documento atual, com menos de seis meses, de autorização dos baldios, sendo que este último documento de consentimento por parte dos baldios só é necessário por existir um processo em Tribunal e a Direção Geral não se quer sobrepor ao Tribunal. Em 29/10/2018 foi efetuada a análise físico-química completa à A... não havendo nada a apontar do ponto de vista das características da água, tendo as últimas análises sido enviadas em março/abril de 2023, referindo expressamente que a água não está contaminada, sendo que o perito do Tribunal na ação em que se discutia se houve alterações da qualidade e da quantidade das A... foi o seu colega KK que chegou à mesma conclusão, referindo que não existem evidências de que haja contaminação da água. Mais esclareceu que a exploração da A... pode recomeçar de imediato, só faltando a declaração dos baldios a autorizar tal exploração, não se podendo pronunciar sobre a quantidade de água porque o concessionário não está a explorar a água, não entendendo porque razão não está a efetuar tal exploração, não tendo as A... incumprido com o programa analítico. Ora, tais declarações estão em total consonância com a informação da Direção Geral de Energia e Geologia, junta aos autos em 4/4/2019 (fls. 130 a 132). Assim, da conjugação da prova supra elencada, podemos concluir apenas que após a saída dos trabalhadores, em 2014, a exploração da água não foi retomada pela Ré, não se tendo provado que a A... ficou contaminada com a construção do túnel e que a Ré tivesse parado a exploração da água por a mesma estar contaminada. Não se ignorando que a Ré explorou a A... ininterruptamente até 2014, não obstante as obras de construção o túnel se terem iniciado em 2009, realçando-se ainda que a própria Ré, nos motivos apresentados à Direção Geral para suspender a exploração da água não invoca sequer a sua contaminação ou mesmo uma necessidade de estabilização dos aquíferos, pelo contrário, justifica a suspensão com a remodelação da unidade fabril, conforme nos foi convictamente referido pela testemunha supra identificada. Não obstante a justificação apresentada pela Ré, entendemos que também não foi produzida qualquer prova da veracidade do motivo apresentado à Direção Geral de remodelação das instalações, razão pela qual, o tribunal considerou tal matéria não provada, considerando provado apenas que a Ré, por razões não concretamente apuradas, deixou de explorar, transformar, engarrafar e comercializar A... desde 2014 até à presente data, estando a monitorizar a evolução qualitativa e quantitativa da água, tendo realizado e comunicado normalmente as análises obrigatórias aos organismos oficiais. No que se reporta à factualidade constante do ponto 23 de que após a construção do túnel ..., a Ré pode garantir que a água tem qualidade para ser comercializada, mas não pode garantir as exatas características químicas da mesma, sempre se dirá que a testemunha LL, engenheiro florestal que exerce funções nos serviços florestais de Amarante, tendo entrevistado em 1993 o Engenheiro AA, tendo verificado que a fábrica é composta por um edifício com máquinas para captar e engarrafar ´água estando agora um anexo construído em cima da linha de água desconhecendo se é necessário a estabilização dos aquíferos por causa da construção do túnel. Não obstante, relevou-se as declarações do geólogo DD supra identificado de que os aquíferos precisam de algum tempo para estabilizarem e da própria testemunha JJ que referiu que, no caso, não houve contaminação imediata da água, mas admitiu que a contaminação pode ser a médio ou a longo prazo, pelo que é plausível que a Ré não possa garantir as exatas características da água, embora a mesma tenha qualidade para ser comercializada. Relativamente às declarações da testemunha MM, contabilista certificado da Autora desde 2012, o mesmo confirmou que a Ré continua a pagar à Autora a renda anual de € 748,20, conforme resulta das declarações anuais de rendimento da Autora e documentos 6 e 7, 47 v a 53, juntos na p.i., que aqui se dão por integralmente reproduzidos, pelo que tal matéria foi considerada como provada. Esclareceu, ainda, que as declarações modelo 22 de IRC, juntas aos autos pela Ré em 12/3/2020, reportam-se a informações do lucro tributável o que não expressa a situação patrimonial da empresa, admitindo que tal não seja sinónimo de resultados positivos, já que aos lucros têm que se abater os prejuízos dos anos anteriores, verificando-se que em 2015 está contemplada uma entrada de dinheiro que supõe corresponder à indemnização recebida por força do embargo interposto pela Ré à construção do túnel .... Assim, embora resulte das referidas declarações modelo 22 de IRC juntas aos autos pela Ré, em 12/3/2020, que em 2010, a Ré apresentou um resultado positivo de € 442.273,24, em 2011 apresentou um prejuízo de € 40.328,64, em 2012 apresentou um prejuízo de € 28.282,49, em 2013 apresentou um prejuízo de € 81.328,91, em 2014 apresentou um prejuízo de € 541.886,26, em 2015 apresentou um lucro de € 439.877,18, em 2016 apresentou um lucro de € 206.982,70, em 2017 apresentou um lucro de € 409.228,74 e em 2018 apresentou um prejuízo de € 1.082.450,52, sempre se dirá que o lucro tributável pode não expressar a situação patrimonial da empresa, podendo não ser sinónimo de resultados positivos, já que aos lucros têm que se abater os prejuízos dos anos anteriores, conforme foi referido pelo contabilista do Autor, pelo que não se considerou provado que a Ré teve lucros líquidos e não pagou ao Autor a contraprestação reportada à quantia anual que resultar da aplicação do fator sete mil avos. Por outro lado, sempre se dirá que as declarações modelo 22 de IRC reportadas aos anos de aos anos de 2015 e 2017 que indiciam a existência de entradas de dinheiro na Ré em conjugação com os documentos 3 (reconhecimento de dívida) e 4 (sentença do Tribunal da Instância Central Cível J2), juntos aos autos pela Ré, em 15/9/2020, por solicitação do Tribunal, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e escrituras públicas e certidões prediais, juntas aos autos pela Autora, em 5/1/2021, que aqui se dão por reproduzidas onde resulta que a Ré, em 2/11/2015, comprou um imóvel pelo preço global de € 330.000,00 e, em 27/4/2017, comprou um imóvel pelo preço de € 500.000,00, podemos concluir, com segurança, que a Ré recebeu da concessionária “B...”, a título de compensação de danos, quantia não concretamente apurada mas não inferior a € 1.000.000,00. A factualidade constante dos pontos 26 a 49 baseou-se no relatório pericial, junto aos autos em 7/11/2019, nos esclarecimentos dos peritos, juntos aos autos em 29/1/2020, em conjugação com os esclarecimentos prestados pelos peritos em julgamento, realçando-se que no valor global da construção, aquisição ou instalação daquela unidade fabril, atendeu-se ao ano de construção da mesma em 1993, sendo que relativamente ao edifício C atendeu-se aos esclarecimentos prestados em julgamento onde foi retificado o valor da construção, por a mesma ter sido efetuada em 2002, sendo o preço da construção por m2 mais elevado, tendo os peritos retificado o valor da construção desse edifício C para € 198.000,00. Mais se relevou os esclarecimentos juntos aos autos dos peritos que acrescentaram no valor global os caminhos pavimentados com betuminoso existentes no exterior dos edifícios, quer à frente quer atrás, tendo um custo total de € 14.400,00 que, por lapso, não ficaram a constar do relatório pericial, o que perfaz o valor total de € 852.400,00 e não o valor referenciado no relatório pericial de € 721.000,00. Os restantes factos não provados ficaram a dever-se à total ausência de prova credível, nomeadamente no que se reporta aos alegados danos que a Ré sofreu com a pendência da presente ação, estando, alegadamente, impedida de negociar e assinar contratos de fornecimento a médio e longo prazo com clientes, deixando de concretizar contratos comerciais.” Cumpre apreciar e decidir. Como é sabido, a impugnação da decisão da matéria de facto exige do impugnante a observância de diversos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, ou seja, a indicação dos concretos pontos de facto impugnados, dos concretos meios probatórios e da decisão que deve ser proferida sobre os pontos impugnados. No caso de os meios probatórios invocados pelo impugnante consistirem em provas gravadas, incumbe-lhe ainda indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda a impugnação. Os ónus impostos ao recorrente que pretende sindicar o julgamento da matéria de facto visam combater uma indiscriminada e vaga manifestação contra o julgamento de facto, obrigando-o a uma tomada de posição precisa quanto aos pontos de facto que entende mal julgados e ainda à indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada. Além disso, esses ónus processuais ajustam-se ao figurino paradigmático dos recursos no nosso sistema processual enquanto recursos de revisão ou de reponderação[24]. No entanto, afigura-se-nos que o ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, no que tange a indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, teve em vista essencialmente a situação em que a pretensão do recorrente se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão sob censura. De facto, essa indicação parece mais talhada para os casos em que o recorrente sustenta a existência de prova do contrário ou de contraprova daquela que na decisão sob censura foi relevada (veja-se o artigo 346º do Código Civil). Porém, estes casos não esgotam o universo das situações passíveis de motivar inconformismo contra a decisão de facto. Assim, o erro no julgamento da matéria de facto pode derivar simplesmente de o meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado não conduzir a tal resultado probatório. Por exemplo, é afirmado que se julga provado o facto X, com base no depoimento da testemunha Y, quando, analisadas as declarações prestadas, se chega à conclusão de que efetivamente essa testemunha nada afirmou que permita a prova de tal facto, não tendo feito qualquer referência direta ou indireta à matéria dada como provada. Outra situação que nos parece não ter sido diretamente contemplada na alínea b) do nº 1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, é a da alegada falta de credibilidade de um meio de prova pessoal aduzido para fundamentar um ponto de facto objeto de impugnação pelo recorrente. Nas situações antes enunciadas é manifesto que o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da impugnada tem que ser adequadamente entendido, sob pena de conduzir a resultados absurdos. Assim, no primeiro caso, parece que o recorrente observará suficientemente o ónus processual previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, indicando o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, não tendo que o reproduzir na totalidade para comprovar o que afirma, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal, bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação. Finalmente, a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente. Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, traduzindo-se antes na prática de ato inútil, legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil). Procedeu-se à audição dos esclarecimentos orais prestados pelos Senhores Peritos, bem como da prova pessoal produzida em três sessões da audiência final, examinando-se criticamente a prova documental e pericial junta aos autos. Apreciemos agora cada uma das questões suscitadas pela recorrente, sendo certo que atentas as diversas soluções plausíveis das questões decidendas, não se pode desde já e em bloco afirmar a total inutilidade da impugnação deduzida e ir-se-á ponto a ponto aferir da observância dos ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto. I. Apreciemos então a contradição dos pontos 39 e 40 dos factos provados e que se prende com a possibilidade de levantamento dos trabalhos, construções e equipamentos realizados pela ré na parcela de terreno que foi autorizada pela autora a explorar captando e comercializando a água existente no seu subsolo. Antes de avançar na análise da apontada contradição deve desde já dizer-se que a resposta pretendida pela recorrente é na sua parte final totalmente inaceitável, pois que afirmar que certo trabalho não é indemnizável constitui inequivocamente a enunciação de uma questão de direito e não uma questão de facto. Os pontos de facto em questão têm como fonte probatória as respostas aos quesitos 13 e 15 do relatório pericial unânime e ainda os esclarecimentos ao quesito 13º prestados pelos mesmo peritos. Por um lado, afirma-se no ponto 39º dos factos provados que não é possível à ré levantar as terraplanagens, pavimentação, edifícios, posto de transformação de energia elétrica, furos, bombas elétricas, silos, equipamento industrial, linhas de enchimento, rede de ar comprimido e máquinas, etc…, e, logo de seguida, no ponto 40 dos mesmos factos, reafirmando-se a insuscetibilidade de as obras serem levantadas, diz-se depois que o seu levantamento implica a destruição das edificações e construções que integram as instalações da unidade fabril, não tendo a generalidade dos materiais aplicados aproveitamento, devendo ser transportados a vazadouro e/ou sucata licenciados. É notório que o ponto 39 dos factos provados[25] está em contradição com a segunda parte do ponto 40 dos mesmos factos. Na verdade, ou uma certa obra é passível de ser levantada, removida ou não. As consequências de tal levantamento ou remoção nas obras e equipamentos são uma realidade diversa, sendo certo que se de tal levantamento ou remoção resultar a destruição das obras levantadas ou removidas, isso não contenderá com a possibilidade factual dessas operações, mas apenas com o eventual prejuízo que derivará de tais operações para o autor das obras e ou para o prédio em que essas obras foram implantadas[26]. A interpretação das respostas dos senhores peritos que serviram de base aos pontos 39 e 40 dos factos provados permitem, com a necessária segurança, concluir que os senhores peritos entendem que a generalidade das obras pode ser levantada, ainda que isso envolva a destruição dessas obras. Apesar desta conclusão pericial, estando nalguns pontos em causa também matéria do conhecimento comum, impõem-se algumas considerações para justificar a resposta que este tribunal dará à denunciada contradição. O primeiro aspeto a considerar respeita à operação de terraplenagem. Uma terraplenagem é por definição um resultado que se obtém aterrando ou desaterrando uma certa parcela de solo de modo a que se apresente plano ou nivelado[27]. Não se trata por isso de um objeto passível de ser removido, como uma construção, ainda que isso implique uma destruição total ou parcial da mesma, podendo, quando muito, ser eliminada a terraplenagem realizada reconstituindo, tanto quando possível, o solo no estado em que achava antes dessas operações. O mesmo sucede com um furo para captação de água, pois consiste numa perfuração no solo protegida com uma tubagem, podendo eventualmente ser removida a tubagem, selada a tubagem ou obstruída a perfuração. Porém, a remoção da tubagem e a obstrução da perfuração envolvem riscos de contaminação do aquífero. Assim, tudo ponderado, a matéria contida no ponto 39º dos factos provados e na primeira parte do ponto 40º dos mesmos factos deve passar para os factos não provados enquanto a segunda parte deste último ponto deve continuar nos factos provados com a seguinte redação: - O levantamento das obras implica a destruição das edificações e construções que integram as instalações da unidade fabril, não tendo a generalidade dos materiais aplicados aproveitamento, devendo ser transportados a vazadouro e/ou sucata licenciados. II. Apreciemos agora a alegada contradição da alínea c) dos factos não provados com o ponto 19 dos factos provados[28], pretendendo a recorrente que seja eliminada a alínea c) dos factos não provados e que o ponto 19 dos factos provados passe a ter nova redação com supressão da expressão “por razões não concretamente apuradas”. É jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse[29], não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário. Daí que não possa ocorrer contradição entre factos não provados. E bem se compreende que assim seja porquanto a resposta à matéria de facto não constitui um mero exercício de lógica. De facto, as respostas negativas podem resultar de nenhuma prova ter sido produzida quanto à matéria em causa ou ainda de a prova produzida não ter sido convincente quanto a todos os pontos de facto em apreço, circunstâncias em que bem se percebe que a não prova de certo segmento factual não constitui arrimo seguro para que se dê como provada a factualidade oposta também controvertida. Se acaso a resposta negativa a certo segmento de facto deriva da prova do contrário é que, se tal facto contrário também está questionado, deve essa matéria, necessariamente, obter resposta positiva. No entanto, se tal facto contrário também merecer do tribunal resposta negativa, não se tratará nessa eventualidade de contradição entre respostas negativas, mas antes de um erro de julgamento da matéria de facto. Situação diversa e que não tem colhido a unanimidade do nosso mais alto tribunal é a da contradição entre respostas negativas e positivas[30], como no caso em apreço sustenta a recorrente. Na nossa perspetiva, do ponto de vista lógico, não pode um nada em que se traduz uma resposta negativa colidir com algo em que se traduz uma resposta positiva. Porém, bem podem os pressupostos de uma resposta negativa envolver, necessariamente, a não prova, de outro facto, bem como verificar-se a situação inversa. Contudo, neste caso, à semelhança do que já se afirmou a propósito da contradição entre respostas negativas, o vício que se verifica não é de ordem lógica, sendo antes um erro na apreciação da prova. No caso em apreço, a recorrente refere que a alegação do ano de 2009 na petição inicial é um erro de escrita, como resultou da instrução do processo e da audiência final[31], pois que o ano de encerramento da atividade é o ano de 2014, que “não se pode extrair de um facto provado (“deixou de explorar,…” o seu oposto – o facto não provado (“deixando de proceder …”)”[32]. No caso dos autos é notório que não se verifica qualquer erro de escrita pois ao longo da petição inicial (artigos 15, 34, 35 e 54) e mesmo nas alegações de recurso (ponto VI da alínea A, segundo parágrafo, quando se analisa a contradição da alínea d) dos factos não provados com os pontos 10, 11, 12, 13 e 19 dos factos provados e a décima terceira conclusão das alegações de recurso), a ora recorrente refere-se à cessação da atividade da ré em 2009 ou 2010 e nunca requereu qualquer retificação das referidas alegações. Não há assim qualquer fundamento para que a alínea c) dos factos provados seja eliminada por alegado erro de escrita e muito menos para alteração do ponto 19 dos factos provados, improcedendo esta pretensão da recorrente. III. Afirma a recorrente que a alínea d) dos factos não provados[33] se acha em oposição com os pontos 10 a 13[34] e 19 dos factos provados e que deve ser dada como provada no seguimento dos pontos 10 a 13 e 19 dos factos provados, sob pena de, assim não se entendendo, não se compreender a forma como o tribunal apreciou livremente a prova. Ao contrário do que afirma a recorrente a alínea d) dos factos não provados não está em contradição com os pontos 10 a 13 e 19 dos factos provados, tanto mais que se deve ter como não alegada, e, ao invés, se acaso se deferisse a sua pretensão é que se criaria uma situação de contradição na factualidade provada. Improcede por isso esta pretensão da recorrente. IV. A recorrente sustenta que o ponto 20 dos factos provados se acha em contradição com o ponto 2 dos mesmos factos[35], no que respeita à periodicidade da contrapartida acordada entre as partes, pois que a quantia paga pela ré à autora, desde que se iniciou, nos termos do contrato, foi sempre anual, sendo a quantia de € 748,20 a conversão do montante de 150.000$00 em euros. Sustenta deste modo que deve passar a constar do ponto 20 dos factos provados que o pagamento do valor aí mencionado é anual. Neste ponto de facto, face aos termos do contrato (cláusula terceira do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985) e aos recibos de pagamento da contrapartida ajustada ente as partes (documentos nºs 5, 6 e 7 oferecidos pela ré com a sua contestação), é nítido que o tribunal a quo cometeu um lapso no ponto 20 dos factos provados ao referir que a contrapartida aí mencionada era mensal, devendo corrigir-se, passando a constar “anuais” onde ficou escrito “mensais”. V. A recorrente sustenta que o ponto 22 dos factos provados[36] deve ser excluído dos fundamentos de facto por constituir uma errada interpretação da matéria dada como provada no ponto 4 dos factos provados. Na realidade, os outorgantes do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985 não proferiram no contrato qualquer declaração com o conteúdo do ponto 22 dos factos provados. A nosso ver, o ponto 22 dos factos provados é uma interpretação das cláusulas segunda e terceira do contrato celebrado entre as partes em 16 de janeiro de 1985 e com o seguinte teor: “2º Essa autorização terá a duração do aludido alvará da concessão para exploração, captação e comercialização das águas atrás enunciadas, mas sempre revista aos cinquenta anos se o alvará exceder esse período. 3º A título de contraprestação da mesma autorização, o segundo outorgante ou quem o substituir, pagará a quantia anual que resultar da aplicação do factor sete mil avos aos lucros líquidos apurados em cada ano civil, nos primeiros dez anos, mas só após o início da laboração da fábrica e nunca menos de cento e cinquenta mil escudos, e de dez mil avos nos quarenta anos seguintes, ao fim dos quais será revista e actualizada.” Neste contexto, sendo a interpretação das declarações negociais matéria de direito (artigo 236º do Código Civil), deve excluir-se da factualidade provada o ponto 22, procedendo esta pretensão da recorrente. VI. Afirma a recorrente que a expressão “entre outros” que consta do ponto 6 dos factos provados[37] deve ser suprimida pois não foi feita prova de que à data da constituição da sociedade o seu objeto social tenha contemplado a referida expressão e, por outro lado, face ao acordado no contrato em causa nestes autos, o objeto social da sociedade ré teria de ser exclusivamente a exploração do solo e do subsolo da parcela que foi autorizada a explorar pela autora. Este ponto de facto é reprodução fiel do que a ora recorrente alegou no artigo 2º da petição inicial, pelo que se pode seriamente questionar a sua legitimidade para impugnar matéria que alegou. Porém, existe cópia de prova documental autêntica de que aquando da constituição da sociedade ré o seu objeto social era a exploração, transformação, engarrafamento e comercialização de água de mesa e seus derivados (vejam-se a informação do registo comercial oferecida como documento nº 2 pela autora com a sua petição inicial e a cópia do contrato de constituição da sociedade ré oferecida pela ré no seu requerimento de 15 de setembro de 2020, como primeiro documento – cláusula terceira). Neste contexto, visto o disposto na segunda parte do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos do Tribunal da Relação por força do previsto no nº 2 do artigo 663º do mesmo código, procede esta pretensão da recorrente, devendo o ponto 6 dos factos provados passar a ter a seguinte redação: - Na prossecução do fixado no referido contrato, a ré foi constituída em maio de 1991, sob a forma de sociedade comercial por quotas, com dois sócios, um deles o outorgante naquele, com o objeto social de “exploração, transformação, engarrafamento e comercialização de água de mesa e seus derivados”. VII. A recorrente impugna o ponto 8 dos factos provados, na parte em que se refere à vigência do alvará[38], sustentando que está suspenso, abonando-se para tanto com excertos do depoimento produzido por JJ, localizando-os na gravação e com o documento remetido a estes autos em 05 de abril de 2019, com a referência 79335366. O depoimento de JJ, Diretora de Serviços de Recursos Hidrogeológicos e Geotérmicos, da Direção-Geral de Energia e Geologia, desde maio de 2016, trabalhando nessa direção desde fevereiro de 2010, estando desde 01 de junho de 1993 a trabalhar no entretanto extinto Instituto Geológico e Mineiro, no sector das águas minerais e de nascente, confirmou o que já havia explicitado no ofício de 03 de abril de 2019 remetido ao tribunal a quo, ou seja, que não existe à luz do regime legal então vigente a figura do alvará, mas sim a de licença, que a licença de exploração das A... não tem prazo de validade e que o que se verifica é uma suspensão da exploração das águas que pode ser retomada a todo o tempo, observadas que sejam diversas obrigações legais e obtida autorização expressa da Direção-Geral de Energia e Geologia. Assim, improcede a impugnação da recorrente devendo, contudo, substituir-se a referência a “alvará” por “licença”, passando em consequência o ponto 8 dos factos provados a ter a seguinte redação: - Mais tarde, foi autorizada a transmissão dessa licença a favor da ré, estando a mesma atualmente em vigor. Igualmente, no ponto 7 dos factos provados onde incorretamente se refere o “alvará de licenciamento/autorização” deverá passar a constar apenas “licenciamento/autorização”. VIII. A recorrente impugna o ponto 23 dos factos provados, alegando que a ré não produziu qualquer prova dessa matéria e que, ao invés, tem alegado uma coisa e o seu contrário, indicando ainda as passagens dos depoimentos de JJ e de DD, localizando-as na gravação. DD, geólogo, reformado, ex-funcionário da Direção-Geral de Energia e Geologia, natural de ... e amigo do Professor BB, Presidente do Conselho Diretivo da Assembleia de Compartes dos Baldios ... de 1981 a 1984 e de 1991 a 2022 fez a pedido deste um parecer geológico para determinar o impacto das obras do túnel ... na Ribeira ... que alimentava o Ribeiro ..., tendo-se pronunciado no sentido de que a serem feitas as obras, havia grandes probabilidade de a Ribeira ... secar. Na sequência das obras, a Ribeira ... secou, o rio ficou assoreado e acabaram as .... As obras no túnel ... desenvolveram-se a cerca de quinhentos metros das captações das A... e, na sua perspetiva, afetaram a qualidade da água provenientes dessas captações. Referiu que os aquíferos precisam de tempo para estabilizar e que esse processo é mais demorado no caso de repouso do aquífero e mais rápido no caso de o aquífero estar a ser explorado, dependendo também dos subsolos e da velocidade de escoamento. Disse ainda que se o aquífero estiver contaminado, por exemplo com ferro ou magnésio, essa contaminação pode ser permanente. JJ referiu que a ré, não obstante a suspensão da exploração das A... desde agosto de 2015, tem cumprido o programa anual de análises químicas e bacteriológicas, nada havendo a apontar às caraterísticas dessa água, não tendo apresentado os resultados da análise físico-química completa quinquenal cuja colheita ocorreu em 29 de outubro de 2018[39]. Declarou que não há evidências de que as obras no túnel ... influíram na qualidade e na quantidade das A..., tal como não há evidências do contrário. Não existem nos autos quaisquer resultados de análises químicas e bacteriológicas às águas captadas pela ré na parcela dos Baldios da autora que foi autorizada a explorar antes das obras do túnel ... e depois destas obras e bem assim quaisquer resultados de ensaios de caudal, nem foi produzida qualquer prova pericial com tais objetivos. Neste contexto probatório, afigura-se-nos que apenas se pode dar como provado que após a construção do túnel ..., a ré pode garantir que a água tem qualidade para ser comercializada, devendo julgar-se não provado que a ré não pode garantir as exatas caraterísticas químicas da mesma, procedendo assim parcialmente esta impugnação da recorrente. IX. A recorrente impugna o ponto 24 dos factos provados por, na sua perspetiva, nenhuma prova de tal factualidade ter sido produzida nos autos, devendo por isso julgar-se não provado. A prova resultante do depoimento de JJ que se relevou para firmar a convicção probatória deste tribunal quando se conheceu a impugnação do ponto 23 dos factos provados permite também responder parcialmente de forma positiva a este ponto de facto, já que foi produzida prova de que a ré está a monitorizar a qualidade da água, não tendo sido produzida prova de que a ré está a monitorizar a evolução quantitativa da água. À semelhança do que se referiu quando se conheceu a impugnação do ponto 23 dos factos provados, uma vez mais se evidencia que não existem nos autos quaisquer resultados de análises químicas às águas exploradas pela ré na parcela dos Baldios da autora que foi autorizada a explorar antes das obras do Túnel ... e depois destas obras e bem assim quaisquer resultados de ensaios de caudal, nem foi produzida qualquer prova pericial com tais objetivos. Neste contexto probatório, a impugnação da recorrente deste ponto de facto procede parcialmente, devendo dar-se como provado que a ré está a monitorizar a qualidade da água, julgando-se não provado que a ré está a monitorizar a evolução da quantidade da água. X. A recorrente impugna o ponto 25 dos factos provados invocando para tanto excertos do depoimento de JJ que localiza na gravação. Ouvido integralmente o depoimento da testemunha JJ e que se resumiu nos seus traços essenciais quando se apreciou a impugnação do ponto 23 dos factos provados, existe base probatória bastante para concluir que a ré tem realizado e comunicado as análises químicas e bacteriológicas anuais à Direção-Geral de Energia, não tendo comunicado a análise físico-química quinquenal completa cuja colheita ocorreu em 29 de outubro de 2018. Neste contexto probatório, procede parcialmente a impugnação e, em consequência, deve o ponto 25 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: - a ré tem realizado e comunicado as análises químicas e bacteriológicas anuais à Direção-Geral de Energia, não tendo comunicado a análise físico-química quinquenal completa cuja colheita ocorreu em 29 de outubro de 2018. XI. A recorrente impugna a alínea a) dos factos não provados, apoiando-se, para tanto, no teor do ponto 5 dos factos provados e nos depoimentos de EE, de FF e de BB, nos excertos que transcreve e localiza temporalmente na gravação. No ponto 5 dos factos provados indicam-se que as finalidades visadas com a outorga do “contrato atípico” celebrado em 16 de janeiro de 1985 foram tornar lucrativo o terreno/prédio, domínio dos Baldios da Freguesia ... e a respetiva exploração de água e para haver criação de emprego na freguesia. EE, de setenta e um anos de idade, reformado da Guarda Nacional Republicana, membro do Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ... que outorgou o contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985 declarou que uma das finalidades do contrato era a criação de emprego para a Freguesia ..., contudo admitiu que essa finalidade poderia ter sido preterida com um aumento das contrapartidas pecuniárias e que o contrato poderia ter sido celebrado mesmo sem a cláusula de preferência dos compartes na admissão ao emprego na fábrica da ré. Referiu que essa finalidade foi importante para obter a adesão dos compartes à outorga do contrato. FF, de cinquenta e dois anos de idade, comparte da Assembleia de Comparte da Freguesia ..., trabalhadora num lar de idosos, trabalhou na fábrica da ré de 1999 a 2014, referiu que a maioria dos empregados da fábrica eram da Freguesia ... e que o encerramento da fábrica da ré teve um impacto negativo na referida freguesia por causa do desemprego daí resultante. BB, de setenta e sete anos de idade, professor reformado, Presidente do Conselho Diretivo da Assembleia de Compartes da Freguesia ..., de 1981 a 1984 e de 1991 a 2022, atualmente suplente do referido conselho diretivo, referiu que o objetivo principal prosseguido com a celebração do contrato para exploração da água nascida no Baldio da Freguesia ... era a criação de emprego para as pessoas da Freguesia ..., de modo a fixar as populações mais jovens e combater a desertificação e daí a previsão de uma cláusula preferencial na admissão ao emprego na fábrica da ré para o pessoal da aludida freguesia. Declarou que chegaram a trabalhar na fábrica da ré cinquenta a sessenta pessoas da Freguesia .... Sopesando a prova pessoal cujo conteúdo essencial se acaba de resumir, não obstante o que foi declarado pela testemunha BB, afigura-se-nos que não existe base probatória suficientemente firme para concluir que o contrato outorgado em 16 de janeiro de 1985 não seria celebrado se no mesmo não estivesse prevista a admissão preferencial de pessoal da Freguesia ... para o funcionamento da fábrica da ré. Além disso, na economia do contrato, a circunstância desta preferência surgir depois das cláusulas relativas ao prazo do contrato e às contrapartidas financeiras devidas pela ré pela concessão de autorização para pesquisa, captação e exploração das águas mineromedicinais em área dos Baldios da Freguesia ... é um indício de que não se trata de uma cláusula decisiva para a celebração do contrato, como pretende a recorrente. Assim, tudo ponderado, a nossa convicção probatória converge com a do tribunal recorrido, improcedendo a impugnação da recorrente desta alínea dos factos não provados. XII. Quanto à alínea b) dos factos não provados, a recorrente alega que se não for a impropriedade da água para consumo em consequência da abertura do túnel ..., que outra razão pode haver para a paragem da atividade da ré? Tanto mais que a questão da determinação das caraterísticas químicas da água é algo que depende de a ré mandar proceder às análises necessárias e pertinentes. No que respeita esta impugnação da recorrente, numa apreciação rigorosa, poderia afirmar-se não observado o ónus de indicação das provas que determinam resposta diversa da impugnada e, em consequência, rejeitar este segmento da impugnação da decisão da matéria de facto. Porém, numa apreciação mais flexível, cremos que se deve entender que a interrogação da ré remete para uma regra da experiência comum (veja-se a parte final do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil) ou uma presunção natural (artigo 349º do Código Civil), ou seja que todo aquele que tem em seu poder a possibilidade de utilizar produtivamente certo bem e o não faz é porque esse bem não está apto a desempenhar essa função. No entanto, essa “regra” não é constante pois outras razões podem existir para a não utilização do bem, no caso a exploração das águas. A impropriedade para o consumo das águas é de descartar, como já se evidenciou quando se apreciou a impugnação do ponto 23 dos factos provados. E outras razões podem existir para essa paragem, como seja pressionar uma renegociação contratual depois de a ré não ter conseguido adquirir por acessão industrial imobiliária a parcela dos Baldios da Freguesia ... em que foi autorizada a explorar água mineromedicinal ou manter uma conduta consonante com os alegados prejuízos causados na sua exploração com a construção do túnel ... e que lhe permitiram receber uma indemnização de pelo menos um milhão de euros. Assim, face ao exposto, improcede a impugnação desta alínea dos factos não provados. XIII. No que tange à alínea e) dos factos não provados, a recorrente pugna por que seja julgada provada por efeito da inversão do ónus da prova, pois que em 11 de fevereiro de 2020 requereu que a ré oferecesse certos documentos, o que apenas em parte satisfez, não obstante tenha sido notificada de despacho proferido em 27 de fevereiro de 2020 de que não oferecendo a documentação em causa, haveria inversão do ónus da prova[40]. No requerimento de 11 de fevereiro de 2020 a ora recorrente não identifica prova documental concreta cuja junção aos autos pretende seja feita pela ré, remetendo para os seus requerimentos probatórios na petição inicial, no intitulado articulado superveniente e no requerimento probatório apresentado na sequência do despacho saneador. Também o despacho proferido em 27 de fevereiro de 2020 não identifica precisamente a prova que se pretende que a ré junte aos autos. Nos seus requerimentos probatórios na petição inicial, no denominado articulado superveniente e depois da notificação do despacho saneador há uma pretensão reiterada da autora de que a ré seja notificada para juntar aos autos cópia do acordo celebrado no âmbito do procedimento cautelar destinado ao embargo das obras no túnel .... Ora, com o requerimento de 15 de setembro de 2020 a ré satisfez esta pretensão da autora. Neste circunstancialismo é de todo infundada a pretensão da recorrente de inversão do ónus da prova e de acordo com a qual competiria à ré provar que não recebeu três milhões de euros por causa dos prejuízos na exploração da água nos Baldios da Freguesia ... e decorrentes da construção do túnel ..., sob pena de inobservado tal ónus, se dever ter como provado o recebimento desse valor. Pelo exposto, improcede esta impugnação da recorrente. XIV. Relativamente à alínea f) dos factos não provados, a recorrente sustenta que basta a factualidade dada como provada no ponto 18 dos factos provados para que esta matéria se julgue provada, sendo inquestionável que a ré obteve lucros líquidos em cada ano pois que se assim não fosse, como é que a ré poderia adquirir imóveis, como adquiriu, nas Terras de Basto e se comprova pela documentação oferecida com o requerimento de 05 de janeiro de 2021? Do ponto 18 dos factos provados resulta que a ora recorrida reclamou da construção de dois piezómetros[41] junto aos seus furos de captação/exploração da água, com interposição de ações e providências cautelares, tendo tais ações terminado por transação entre todas as partes[42], recebendo a ré uma indemnização de quantia não concretamente apurada, mas não inferior a um milhão de euros. Com o seu requerimento de 05 de janeiro de 2021, a ora recorrente ofereceu os seguintes documentos: - cópia de uma certidão de escritura pública celebrada no Cartório da Sra. Notária NN, em Fafe, em 02 de novembro de 2015 e mediante a qual a sociedade ré adquiriu pelo preço global de trezentos e trinta mil euros um prédio urbano e respetivo recheio e um prédio rústico, imóveis sitos na freguesia e concelho ..., declarando a adquirente que os imóveis adquiridos se destinavam a revenda; - cópia de certidão de uma escritura pública celebrada no Cartório Notarial de OO, no Porto, no dia 27 de abril de 2017 e mediante a qual a sociedade ré adquiriu pelo preço de quinhentos mil euros um prédio misto sito em .... Será esta matéria bastante para concluir que a ré obteve lucros líquidos, ao que tudo indica nos dez anos subsequentes ao início da laboração, já que nos quarenta anos seguintes essa permilagem é de dez (veja-se a cláusula terceira do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985)? Contudo, os negócios a que respeitam os documentos oferecidos em 05 de janeiro de 2021, foram celebrados depois de decorridos dez anos sobre o início da laboração da ré, o que torna problemática a determinação precisa do período temporal que a recorrente tem em vista. Seja como for, afigura-se-nos que quer o que consta do ponto 18 dos factos provados, quer o que resulta da prova documental oferecida pela recorrente em 05 de janeiro de 2021 não é suficiente para firmar uma resposta positiva à alínea f) dos factos não provados. Para tanto, importava determinar o destino que foi dado à indemnização recebida pela ré e a proveniência do dinheiro usado para pagamento dos preços dos negócios celebrados pela ré, pois pode advir de suprimentos realizados pelos sócios. A nosso ver, isso só seria possível com um exame à contabilidade da ré desde o seu início da laboração, diligência probatória que não foi requerida por qualquer das partes e que não se justifica na medida em que a autora não alegou na petição inicial que a ré tivesse nalgum exercício tido lucros líquidos (vejam-se os artigos 27, 28 e 29 da petição inicial). Deste modo, neste circunstancialismo factual e probatório improcede esta impugnação da recorrente. XV. Finalmente, no que respeita à alínea v) dos factos não provados, a recorrente assenta a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto nos depoimentos de EE e BB, nos excertos que transcreve e localiza temporalmente na gravação. AA, sócio maioritário e gerente da ré, engenheiro civil, acerca desta factualidade referiu que não se falou do que seria das obras no fim do contrato e que nunca aceitaria que no termo do contrato essas obras ficassem para os baldios dado o elevado valor do investimento para construção da fábrica. Ao contrário, EE e BB declararam que foi pressuposto do contrato que no seu termo as obras realizadas na parcela de baldio que a ré foi autorizada a utilizar para pesquisa, captação e exploração de águas mineromedicinais ficariam na titularidade dos Baldios da Freguesia ... e que isso foi discutido numa assembleia de compartes que precedeu a outorga do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985. Qualquer dos depoentes é igualmente interessado na sorte deste litígio, o que deve ser relevado na aferição da sua credibilidade. A não inclusão no contrato desse acordo alegadamente existente é altamente implausível já que é uma matéria muito importante para qualquer das partes dado o custo dos serviços, materiais e equipamentos necessários para a pesquisa, captação, exploração e comercialização da água pela ré e a necessária alteração física da parcela do baldio em que tais trabalhos se vão desenvolver, pelo menos em parte[43]. Para os Baldios da Freguesia ... isso implicaria a aceitação de uma sua parcela com construções que não estava vocacionada para rentabilizar por si e que, dependendo do momento em que ocorresse a cessação do contrato, podiam não ter qualquer utilidade, mesmo para um terceiro, e só envolver gastos com a sua remoção. Para a ré isso implicaria a eventual abdicação dos valores despendidos para criação das condições necessárias para a sua laboração, independentemente da amortização desses gastos, dada a incerteza quanto ao termo do contrato desde logo em consequência dos riscos próprios da exploração. Assim, tudo ponderado, a convicção probatória desta instância converge com a do tribunal recorrido, pelo que improcede a impugnação desta alínea dos factos não provados. Em conclusão a impugnação da decisão da matéria de facto procede parcialmente e bem assim as alterações antes decididas, nos seguintes termos: I- o ponto 6 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: - Na prossecução do fixado no referido contrato, a ré foi constituída em maio de 1991, sob a forma de sociedade comercial por quotas, com dois sócios, um deles o outorgante naquele, com o objeto social de “exploração, transformação, engarrafamento e comercialização de água de mesa e seus derivados”; II- os pontos 7 e 8 dos factos provados passam a ter a seguinte redação: - O licenciamento/autorização para exploração da água de nascente aventado no dito contrato foi concedido por despacho ministerial de 31 de dezembro de 1991, a favor do subscritor do referido contrato; - Mais tarde, foi autorizada a transmissão dessa licença a favor da ré, estando a mesma atualmente em vigor; III- improcede a impugnação do ponto 19 dos factos provados; IV- o ponto 20 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: - A ré continuou a pagar à autora o valor mínimo fixado no ponto 3 do contrato em questão, que atualmente é de € 748,20 anuais; V- exclui-se da factualidade provada o ponto 22 dos factos provados; VI- a) o ponto 23 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: - a ré pode garantir que a água tem qualidade para ser comercializada; VI- b) a segunda parte do ponto 23 dos factos provados julga-se não provada, com a seguinte redação: - a ré não pode garantir as exatas caraterísticas químicas da água; VII- a) o ponto 24 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: - a ré está a monitorizar a qualidade da água; VII- b) a segunda parte do ponto 24 dos factos provados julga-se não provada com a seguinte redação: - a ré está a monitorizar a evolução da quantidade da água; VIII - o ponto 25 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: - a ré tem realizado e comunicado as análises químicas e bacteriológicas anuais à Direção-Geral de Energia, não tendo comunicado a análise físico-química quinquenal completa cuja colheita ocorreu em 29 de outubro de 2018; IX - a) a segunda parte do ponto 40 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: - O levantamento das obras implica a destruição das edificações e construções que integram as instalações da unidade fabril, não tendo a generalidade dos materiais aplicados aproveitamento, devendo ser transportados a vazadouro e/ou sucata licenciados; IX- b) o ponto 39 dos factos provados e a primeira parte do ponto 40 dos mesmos factos devem passar para a factualidade não provada, nos seguintes termos: - Não é possível à ré levantar as terraplenagens, pavimentação, edifícios, posto de transformação de energia elétrica, furos, bombas elétricas, silos, equipamento industrial, linhas de enchimento, rede de ar comprimido e máquinas, etc… - As obras não podem ser levantadas. X- improcede a impugnação da alínea a), b), c), d), e), f) e v) dos factos não provados. 3.3 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com as alterações decorrentes do conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente 3.3.1 Factos provados 3.3.1.1 O Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ..., em representação da Assembleia de Compartes da mesma freguesia, em observância de deliberação tomada em reunião realizada no dia 31 de outubro de 1984, por contrato junto com a petição inicial como documento 1, outorgado no dia 16 de janeiro de 1985, no Cartório Notarial de Amarante, autorizou AA, atualmente gerente da ré, “… ou quem por ele for nomeado, concretamente a sociedade a constituir oportunamente e de que o mesmo seja sócio a, partir dessa data, na área da zona de baldio atrás delimitada, exclusivamente para exploração do solo e subsolo, com trabalhos de pesquisa, captação e exploração das águas de mesa e mineromedicinais e seus derivados, nela proceda à instalação de equipamentos e edificações necessárias à exploração, designadamente edifícios comerciais ou industriais e acessos aos mesmos, com vista à industrialização e comercialização daquelas águas.”. 3.3.1.2 Em contrapartida, o outorgante AA obrigou-se a pagar ao outorgante Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ..., “a quantia anual que resultar da aplicação do fator sete mil avos aos lucros líquidos apurados em cada ano civil, nos primeiros dez anos, mas só após início da laboração da fábrica e nunca menos de 150.000$00 e, dez mil avos nos quarenta anos seguintes, ao fim dos quais será revista e atualizada”. 3.3.1.3 Foi, ainda, convencionada a obrigação do segundo outorgante, “a admitir preferencialmente o pessoal da Freguesia ..., necessário ao funcionamento da fábrica e demais trabalhos de exploração, em condições de igualdade com quaisquer outros concorrentes”. 3.3.1.4 Ficou a constar do referido contrato que “Essa autorização terá a duração do aludido alvará de concessão …, mas sempre revista aos cinquenta anos se o alvará exceder esse prazo”. 3.3.1.5 A deliberação de Assembleia de Compartes dos Baldios ... outorgou o contrato identificado no artigo 1º da petição inicial em 16/1/1985 para tornar lucrativo o terreno/prédio, domínio dos Baldios da Freguesia ... e a respetiva exploração de água e para haver criação de emprego na freguesia[44]. 3.3.1.6 Na prossecução do fixado no referido contrato, a ré foi constituída em maio de 1991, sob a forma de sociedade comercial por quotas, com dois sócios, um deles o outorgante naquele, com o objeto social de “exploração, transformação, engarrafamento e comercialização de água de mesa e seus derivados”. 3.3.1.7 O licenciamento/autorização para exploração da água de nascente aventado no dito contrato foi concedido por despacho ministerial de 31 de dezembro de 1991, a favor do subscritor do referido contrato. 3.3.1.8 Mais tarde, foi autorizada a transmissão dessa licença a favor da ré, estando a mesma atualmente em vigor. 3.3.1.9 A ré iniciou a laboração em 1993, em observância do referido contrato, admitiu ao seu serviço várias pessoas/trabalhadores da freguesia, alguns deles compartes dos correspondentes Baldios, designadamente, PP, QQ, RR, SS. 3.3.1.10 A partir de 2009, a ré começou a pagar com atraso os salários dos seus trabalhadores, tendo, a partir de 2011, deixado de pagar subsídios de férias e Natal aos seus trabalhadores e, em julho de 2014, havia 3 meses de salários em atraso. 3.3.1.11 Por via disso, alguns dos trabalhadores, com fundamento na falta de pagamento pontual das suas retribuições e, por via de outras circunstâncias, suspenderam os correlativos contratos individuais de trabalho. 3.3.1.12 Em 2014, os restantes trabalhadores decidiram instaurar um processo contra a ré no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J1, com o número 1004/14.1TBAMT, que visava a insolvência da ré, que terminou por desistência do pedido dos requerentes, em virtude do pagamento por parte da ré de todos os salários em atraso. 3.3.1.13 A partir da referida data[45], os requerentes da insolvência e outros trabalhadores deixaram, definitivamente, de exercer quaisquer funções ao serviço da ré. 3.3.1.14 A área do terreno/prédio, domínio dos Baldios da Freguesia ..., devidamente delimitada no referido contrato[46], para os fins neste assinalados, localiza-se em plena Serra ..., Freguesia ..., concelho de Amarante. 3.3.1.15 Por decisão do Estado foi construída a ..., sendo que um troço daquela, o que atravessa a Serra ..., desde .../... até à .../..., foi executado através de dois túneis paralelos, que se passou a denominar Túnel .... 3.3.1.16 As obras de construção do túnel iniciaram-se em 2009, tendo o túnel sido inaugurado em 2016. 3.3.1.17 As empresas responsáveis pela sua execução construíram dois piezómetros (furos/aparelhos que avaliam a compressibilidade dos líquidos), junto aos furos de captação/exploração da água pela ré. 3.3.1.18 Levando esta a reclamar dessa construção, com interposição de ações e providências cautelares, tendo tais ações terminado por transação entre todas as partes, tendo a ré recebido uma indemnização de quantia não concretamente apurada, mas não inferior a um milhão de euros. 3.3.1.19 Desde 2014 até à presente data, a ré, por razões não concretamente apuradas, deixou de explorar, transformar, engarrafar e comercializar a A.... 3.3.1.20 A ré continuou a pagar à autora o valor mínimo fixado no ponto 3 do contrato em questão, que atualmente é de € 748,20 anuais. 3.3.1.21 A contrapartida económica paga pela ré à autora só seria devida após o início de laboração da fábrica. 3.3.1.22 Após a construção do túnel ..., a ré pode garantir que a água tem qualidade para ser comercializada. 3.3.1.23 A ré está a monitorizar a qualidade da água. 3.3.1.24 A ré tem realizado e comunicado as análises químicas e bacteriológicas anuais à Direção-Geral de Energia, não tendo comunicado a análise físico-química quinquenal completa cuja colheita ocorreu em 29 de outubro de 2018. 3.3.1.25 A ré é dona de uma unidade industrial formada por um edifício em betão armado, com cobertura em aço inoxidável, de rés do chão e andar, com a área coberta de, pelo menos, 3.500 m2, com pequenas construções anexas, acessos pavimentados e vedados e zonas ajardinadas, sita no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Amarante. 3.3.1.26 O edifício “A”, construído há cerca de 25 anos, identificado na fotografia aérea extraída do “Google Earth” e anexa ao relatório pericial junto aos autos tem dois pisos (rés do chão e andar) e destina-se em geral a escritórios, laboratório e sanitários, tendo a área aproximada de 360 m2 (160 m2 por piso), tem o valor, à data, de € 96.000,00. 3.3.1.27 O edifício “B” é constituído por dois pisos (rés do chão e andar) e destina-se em geral a indústria e armazém. O rés do chão tem a área aproximada de 1.800 m2, tem o valor, à data, de € 324 000,00 e o andar tem a área aproximada de 540 m2, tem o valor, à data, de € 176.000,00. 3.3.1.28 O Edifício “C”, construído em 2002, tem um piso (rés do chão) e destina-se a armazém tendo a área aproximada de 1.100 m2, tem o valor, à data, de € 198.000,00. 3.3.1.29 Foram realizadas pavimentações exteriores na envolvente aos edifícios, vedações, fornecimento e aplicação de um posto de transformação de energia elétrica e executados três furos de captação de água, com o valor, à data de € 44.000,00. 3.3.1.30 Os caminhos pavimentados com betuminoso existentes no exterior dos edifícios, quer à frente quer atrás, têm um custo total de € 14.400,00. 3.3.1.31 A construção, aquisição ou instalação daquela unidade fabril teve um custo global estimado, no ano de 1993, de € 852.400,00. 3.3.1.32 Na generalidade, os edifícios são constituídos por estrutura de betão armado, ou estrutura mista de betão armado e perfis normalizados de ferro, com sapatas, lajes e vigas. 3.3.1.33 As coberturas adotam estruturas leves constituídas por vigas metálicas treliçadas, para suportarem as chapas de revestimento da cobertura que são na generalidade termolacadas tipo “sandwich”. 3.3.1.34 As paredes são de alvenaria rebocadas, areadas e pintadas. 3.3.1.35 Os pavimentos são em massame de betão do tipo industrial. As caixilharias são de alumínio lacado com vidros simples. Os portões das áreas de indústria e armazenagem são de fole. Na zona de escritórios e casas de banho os pavimentos estão revestidos a material cerâmico, sendo as divisórias em geral de madeira e vidro. 3.3.1.36 Para instalar a unidade fabril, a ré teve de realizar previamente trabalhos de terraplenagem. 3.3.1.37 Os edifícios e equipamentos acima descritos estão em bom estado de conservação. 3.3.1.38 O levantamento das obras implica a destruição das edificações e construções que integram as instalações da unidade fabril, não tendo a generalidade dos materiais aplicados aproveitamento, devendo ser transportados a vazadouro e/ou sucata licenciados. 3.3.1.39 As obras necessárias para remover toda a unidade fabril, são a demolição integral das edificações e demais construções, após a remoção das máquinas e equipamentos. 3.3.1.40 O custo da demolição incluindo o transporte dos produtos sobrantes (escombro) a vazadouro licenciado será superior a € 250.000,00. 3.3.1.41 O custo atual de edificar uma unidade fabril, com as caraterísticas da existente e considerada nova, é de € 1.164.000,00. 3.3.1.42 Todas as edificações e equipamentos suprarreferidos são necessários/indispensáveis à prossecução da atividade industrial da ré, isto é, exploração, captação e comercialização de água de mesa. 3.3.1.43 Para exercer a sua atividade, a ré teve de terraplenar a área íngreme de mato, construir todas as infraestruturas (edifícios, posto de transformação, pavimentação de acessos, furos de captação); instalar todo o equipamento necessário à captação e engarrafamento de água de mesa. 3.3.1.44 O valor do terreno, sem ter em consideração o subsolo (a água) é de € 30.000,00. 3.3.1.45 O valor atual do imóvel, como novo, adicionado o valor do terreno, no valor de € 30.000,00, tem o valor total de € 1.194.000,00, sendo o valor atual estimado da renda anual do imóvel de € 35 820,00, considerando apenas o arrendamento das instalações, excluindo o negócio que delas [nelas?] se possa desenvolver. 3.3.1.46 Os edifícios onde está instalada a unidade fabril, poderão ser adaptados para serem futuramente utilizados com outra funcionalidade, caso seja licenciável, após o desmantelamento das máquinas. 3.3.1.47 As máquinas e equipamentos destinados à produção, poderão ser reaproveitados para integrarem uma unidade fabril similar. 3.3.2 Factos não provados 3.3.2.1 Para além do referido no ponto 5 [3.3.1.5] que o contrato a que se alude no ponto 1 [3.3.1.1] nunca teria sido outorgado pelo autor se o mesmo [contrato] não criasse emprego na freguesia. 3.3.2.2 Com a construção do túnel, a água ficou imprópria para consumo e, em consequência, insuscetível de ser comercializada, o que fez com que a ré desistisse de continuar a sua atividade. 3.3.2.3 O que fez com que a ré, desde 2009, parasse a atividade de exploração de águas de mesa e mineromedicinais e seus derivados, deixando de proceder à captação de água, ao seu engarrafamento e à sua comercialização. 3.3.2.4 Para além do referido no ponto 10 [3.3.1.10] que desde 2010, a ré deixou de proceder ao pagamento das retribuições mensais, subsídios de férias e de Natal aos seus trabalhadores, tendo ocorrido a cessação dos contratos de trabalho. 3.3.2.5 Com a transação a que se alude no ponto 19 [3.3.1.19], a ré recebeu mais de € 3.000.000,00 (três milhões de euros). 3.3.2.6 A ré, não obstante os lucros líquidos obtidos, não pagou à autora a contraprestação reportada à “quantia anual que resultar da aplicação do fator sete mil avos aos lucros líquidos apurados em cada ano civil”. 3.3.2.7 Face às obras de construção do Túnel ..., a ré foi forçada a reduzir a sua atividade ao mínimo para estabilizar os aquíferos, a fim de garantir a mesma qualidade e quantidade da água aos clientes. 3.3.2.8 A ré tem um projeto em curso de remodelação das suas instalações. 3.3.2.9 Por causa dos trabalhos de execução do Túnel ..., a ré acabou por perder comercialmente a maior parte dos seus clientes nacionais; 3.3.2.10 As parcerias comerciais internacionais ainda em curso exigem garantias de caraterísticas e quantidade de água que a ré ainda não pode assegurar. 3.3.2.11 A menor atividade resulta da construção do Túnel ... que a própria autora ajudou a criar ou, pelo menos, nada fez para o evitar. 3.3.2.12 A autora não se opôs à construção do túnel. 3.3.2.13 Por omissão e ação, defendeu a execução do projeto de construção do Túnel ..., em detrimento dos seus próprios aquíferos. 3.3.2.14 Por não ser possível garantir as exatas caraterísticas químicas da água, a ré tem adiado o projeto de remodelação da fábrica, o que fez com que a exploração fosse lenta, porquanto as parcerias na exportação implicam a assinatura de contratos de médio e longo prazo. 3.3.2.15 A ré sofreu danos com a pendência da presente ação, estando a ré impedida de negociar e assinar contratos de fornecimento a médio e longo prazo com clientes. 3.3.2.16 A ré, em virtude da presente ação, já deixou de concretizar contratos comerciais. 3.3.2.17 Para além do referido no ponto 43 [3.3.1.41], a construção, aquisição ou instalação das benfeitorias teve um custo global superior a € 3.500.000,00. 3.3.2.18 Para além do referido nos pontos 26 a 43 [3.3.1.25 a 3.3.1.41], a parte principal do edifício, onde se encontram instaladas quatro linhas de engarrafamento, os serviços administrativos, o laboratório de análises, o refeitório e as instalações sanitárias, tem um comprimento de cerca de 120 metros e a largura de cerca de 20 metros e é constituída por rés do chão, com seis divisões assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, 4 vestíbulos e duas despensas e o andar com 8 divisões assoalhadas, casa de banho e vestíbulo. 3.3.2.19 Para além do referido nos pontos 26 a 43 [3.3.1.25 a 3.3.1.41], o armazém, construído no topo norte e no prolongamento da parte principal do edifício, tem 35 metros de largura, e destina-se ao armazenamento e constituição de “stocks” de água engarrafada. 3.3.2.20 Para além do referido nos pontos 26 a 43 [3.3.1.25 a 3.3.1.41], para além dessa unidade fabril, a ré também é dona de um pavilhão com cerca de 200 m2 para embalamento de água gaseificada, posto de transformação de energia elétrica, três furos de captação de água, revestidos a aço inoxidável, duas bombas de extração de água instaladas em dois furos de captação, que não é possível retirar, dois silos em aço inoxidável para armazenamento de água (que não é possível deslocar), silo para armazenagem de garrafas vazias, equipamento industrial (máquina de produção de garrafas de água, quatro linhas de enchimento, rede de ar comprimido, sala isotérmica de enchimento (que não é possível retirar, até porque foram desenhados e produzidos para aquele espaço). 3.3.2.21 A ré não pode garantir as exatas caraterísticas químicas da água. 3.3.2.22 A ré está a monitorizar a evolução quantitativa da água. 3.3.2.23 Não é possível à ré levantar as terraplenagens, pavimentação, edifícios, posto de transformação de energia elétrica, furos, bombas elétricas, silos, equipamento industrial, linhas de enchimento, rede de ar comprimido e máquinas, etc… 3.3.2.24 As obras não podem ser levantadas. 3.3.2.25 Foi informalmente acordado entre a autora e o Eng. AA que no final do contrato as edificações e equipamentos construídos pela ré ficariam a pertencer à autora. 4. Fundamentos de direito Da resolução do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985 com fundamento em incumprimento A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida porque, na sua perspetiva, da factualidade provada resulta que a ré está a violar as obrigações que assumiu no contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985, sendo esse inadimplemento bastante para operar a resolução desse contrato. Na petição inicial a autora fundamentou a sua pretensão de cessação do contrato celebrado com a ré essencialmente na caducidade do contrato que qualificou como contrato de arrendamento com fundamento no disposto no artigo 1051º, alíneas b), e) e g), do Código Civil e, subsidiariamente, na expiração do prazo de duração máxima do contrato de arrendamento previsto no artigo 1025º do Código Civil e, ainda, subsidiariamente, na resolução do contrato por “incumprimento exclusivo” da ré, nos termos dos artigos “432º, 437º, 1072,º, nº 2, al.) e 1083º, todos do CC.” Depois, por força do requerimento da autora de 26 de outubro de 2018, a pretensão de resolução contratual passou a assentar na “procedência dos factos alegados pela autora no que concerne ao incumprimento das obrigações assumidas pela ré com a outorga daquele, considerando o disposto no artigo 406º do CC.” Sublinhe-se que na apelação a recorrente não criticou expressamente a argumentação da decisão recorrida que julgou improcedente a sua pretensão de resolução contratual em virtude de não se verificar uma situação de incumprimento definitivo decorrente da sua perda de interesse na prestação da ré em consequência da mora desta e ainda por não ter havido conversão da mora em que se acharia a ré em incumprimento definitivo com recurso à interpelação admonitória prevista na segunda parte do nº 1 do artigo 808º do Código Civil. Na apelação, no que respeita a pretendida resolução do contrato, a recorrente refere, em síntese, na penúltima conclusão das alegações de recurso que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, isto é, ponto por ponto, não só na sua letra, mas também na sua razão/causa de ser de acordo com o princípio da boa fé”. Cumpre apreciar e decidir. De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 432º do Código Civil, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. No contrato celebrado pelas partes em 16 de janeiro de 1985 não existe qualquer cláusula resolutiva que confira a uma ou a ambas as partes o direito potestativo de, verificada certa situação, resolver o contrato. Na falta de uma cláusula resolutiva expressa, a pretensão resolutória da autora tem que ser aferida à luz das regras que disciplinam em geral a resolução contratual, seja em sede de impossibilidade culposa (artigo 801º, nº 2 do Código Civil), seja em sede de perda do interesse do credor ou de recusa do cumprimento (artigo 808º, nº 1 do Código Civil). Incumbe ao contraente que exerce o direito de resolução o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos desse direito potestativo extintivo (artigo 342º, nº 1, do Código Civil), não se incluindo entre estes a culpa do contraente inadimplente[47]. Embora a recorrente funde a sua pretensão resolutória no disposto no nº 1 do artigo 406º do Código Civil, especialmente no princípio da pontualidade no cumprimento dos contratos, na causa e razão de ser do contrato interpretadas de acordo com as regras da boa-fé, sem esforço se conclui que dessa fonte legal não resulta o direito de uma das partes no contrato poder unilateralmente pôr-lhe termo com fundamento em incumprimento da outra parte, mas apenas uma remissão para outras fontes em que tal direito potestativo extintivo seja facultado às partes. O contrato celebrado entre as partes tem natureza duradoura prevendo-se um prazo de duração da autorização concedida para exploração da parcela do baldio igual à “duração do aludido alvará da concessão em exploração, captação e comercialização das águas”, “mas sempre revista aos cinquenta anos se o alvará exceder esse período” (cláusula segunda do contrato). Em sede de contrapartidas financeiras, prevê-se que nos primeiros dez anos de vigência do contrato, após o início da laboração da fábrica da ré, a autora terá direito a receber da ré a permilagem de sete dos lucros líquidos apurados em cada ano civil e a permilagem de dez dos mesmos lucros nos quarenta anos subsequentes, ao fim dos quais será revista e atualizada, nunca podendo receber menos do que cento e cinquenta mil escudos em cada ano (cláusula terceira do contrato). Se relevarmos esta última previsão contratual, a duração inicial do contrato será de cinquenta anos acrescida do tempo decorrido entre a conclusão do contrato e o início da laboração da fábrica da ré, o que se verificou em 1993 (facto provado no ponto 3.3.1.9), o que remete o termo do prazo inicial do contrato para 2043. Se nos apegarmos à cláusula segunda do contrato, o termo do prazo inicial do contrato verificar-se-á em 2035. Como sair desta dissonância contratual quanto à duração do prazo inicial do contrato? Considerando que a reunião das condições necessárias para a fábrica da ré poder iniciar a captação e exploração das águas implica necessariamente um período de tempo mais ou menos longo, com a aquisição de equipamentos, com as necessárias construções e abertura e pavimentação de vias de acessos, sem descurar os pertinentes licenciamentos[48] e relevando a natureza parcialmente parciária do negócio celebrado entre as partes[49], cremos que à luz dos critérios interpretativos vertidos nos artigos 236º e 237º, ambos do Código Civil se deve entender que o contrato celebrado entre as partes tem a duração inicial de cinquenta anos contados desde o início da laboração da fábrica da ré. Da factualidade provada resulta que desde 2014 até à presente data, a ré, por razões não concretamente apuradas, deixou de explorar, transformar, engarrafar e comercializar a A... e que continuou a pagar à autora o valor mínimo fixado no ponto 3 do contrato em questão, que atualmente é de € 748,20 anuais (pontos 3.3.1.19 e 3.3.1.20 dos factos provados). Da factualidade não provada resulta que os factos que a autora invocou para justificar a paragem da ré na exploração da água não se provaram (vejam-se os factos não provados em 3.3.2.2 e 3.3.2.3), tal como não se provou a justificação avançada pela ré, na sua contestação[50] (vejam-se os factos não provados em 3.3.2.6 a 3.3.2.14). O contrato em causa é de longa duração, já que o seu prazo inicial é superior a cinquenta anos, prazo alongado que se compreende e justifica atento o investimento de valor elevado que a ré tem de realizar para que estejam reunidas as condições concretas para a exploração e comercialização da água e o tempo necessário para amortizar o investimento inicial. Em contrapartida da concessão pela autora de autorização à ré para pesquisa, captação e exploração de águas mineromedicinais e seus derivados na parcela de baldio cujo gozo foi concedido para tais fins, aí se incluindo a permissão para instalação de equipamento e edificações necessárias à exploração, designadamente edifícios comerciais ou industriais e acessos aos mesmos, com vista à industrialização e comercialização daquelas águas, a ré assumiu obrigações de natureza pecuniária, nos termos já antes referidos e uma obrigação de admitir preferencialmente o pessoal da Freguesia ... necessário ao funcionamento da fábrica e demais trabalhos de exploração, em condições de igualdade com quaisquer outros concorrentes. Não obstante a paragem da exploração pela ré das águas mineromedicinais nascidas no imóvel da autora desde 2014, por razões não concretamente apuradas, mas num momento em que as obras no Túnel ... ainda não tinham terminado (ponto 3.3.1.16), aquela tem procedido ao pagamento à autora do quantitativo pecuniário anual mínimo contratualmente previsto. Atente-se que se provou que, a partir de 2009, a ré começou a pagar com atraso os salários dos seus trabalhadores, tendo, a partir de 2011, deixado de pagar subsídios de férias e Natal aos seus trabalhadores e, em julho de 2014, havia 3 meses de salários em atraso e que, por via disso, alguns dos trabalhadores, com fundamento na falta de pagamento pontual das suas retribuições e, por via de outras circunstâncias, suspenderam os correlativos contratos individuais de trabalho e que em 2014, os restantes trabalhadores decidiram instaurar um processo contra a ré no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J1, com o número 1004/14.1TBAMT, que visava a insolvência da ré, que terminou por desistência do pedido dos requerentes, em virtude do pagamento por parte da ré de todos os salários em atraso e que a partir da referida data, os requerentes da insolvência e outros trabalhadores deixaram, definitivamente, de exercer quaisquer funções ao serviço da ré (pontos 3.3.1.10 a 3.3.1.13 dos factos provados). O início das dificuldades da ré em 2009 coincide com o início das obras no Túnel ..., obras que se prolongaram até 2016, pois que nesse ano ocorreu a inauguração da obra (ponto 3.3.1.16 dos factos provados). Provou-se ainda que as empresas responsáveis pela execução do Túnel ... construíram dois piezómetros (furos/aparelhos que avaliam a compressibilidade dos líquidos), junto aos furos de captação/exploração da água pela ré e que isso levou a ré a reclamar dessa construção, com interposição de ações e providências cautelares, tendo tais ações terminado por transação entre todas as partes, recebendo a ré uma indemnização de quantia não concretamente apurada, mas não inferior a um milhão de euros (pontos 3.3.1.17 e 3.3.1.18 dos factos provados). Recorde-se que a Assembleia de Compartes dos Baldios ... autorizou a outorga do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985 para tornar lucrativo o terreno/prédio, domínio dos Baldios da Freguesia ... e a respetiva exploração de água e para haver criação de emprego na freguesia (ponto 3.3.1.5 dos factos provados). Vimos antes que a sentença recorrida apreciou a pretensão de resolução contratual formulada pela ora recorrente à luz do incumprimento definitivo, da perda do interesse do credor na prestação em consequência da mora do devedor e da interpelação admonitória e concluiu, sem crítica da recorrente, pela não verificação dos necessários pressupostos para com base nessas situações jurídicas operar a resolução contratual pretendida pela ora recorrente. Porém, salvo melhor opinião, não se equacionou os reflexos da natureza duradoura do contrato nos pressupostos e fundamentos da resolução contratual, o que, em abstrato, confere alguma pertinência à persistente invocação pela recorrente da existência de incumprimento contratual da recorrida bastante para suportar a sua pretensão resolutória. A doutrina tem entendido que o figurino típico do direito de resolução vertido nos artigos 801º e 808º do Código Civil está especialmente talhado para os contratos de cumprimento instantâneo[51], razão pela qual se impõem alguns ajustamentos quando estejam em causa contratos duradouros. Assim, já o Sr. Professor Baptista Machado[52] referia que “[d]iferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada ou periódica criam uma relação contratual mais complexa que apresenta aspectos particulares no que se refere à valoração do inadimplemento para efeitos de resolução.” E acrescentava que “a particular natureza do contrato faz com que cada prestação ou cada inadimplemento não devam ser tomados e valorados isoladamente, mas, antes, com referência à relação contratual complexiva” e “[a]ssim, em regra, não bastará o inadimplemento de uma só prestação para fazer desaparecer o interesse do credor na subsistência da relação e para legitimar a resolução.” Afirmava ainda que “[o] credor terá normalmente interesse nas prestações subsequentes. Mas um inadimplemento, ainda que de menor importância, já poderá legitimar a resolução se, pela sua natureza e pelas circunstâncias de que se rodeou (p. ex., desordem nos negócios do devedor, desorganização da empresa fornecedora ou graves danos sofridos por esta) for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no exacto e fiel cumprimento das prestações subsequentes,”(…) “ou das obrigações contratuais em geral para o futuro.” (…) “Aqui o inadimplemento tem a função ou o valor de um elemento sintomático:” (…) “o que se pergunta é se ao inadimplemento de uma só prestação (ou a qualquer outra forma de inadimplemento) se pode atribuir o referido significado”[53]. Finalmente, referia o Ilustre Professor[54] que não era “de surpreender que neste domínio das relações duradoiras – sobretudo daquelas que na sua constituição ou no seu desenvolvimento impliquem uma ligação pessoal mais estreita – apareça com frequência como fundamento da resolução a «justa causa». E prosseguia expondo que “[o] conceito de «justa causa» é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto. Será uma «justa causa» ou um «fundamento importante» qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou o dever de fidelidade na relação associativa). A «justa causa» representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um «incumprimento»): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual”[55]. Após estas porventura excessivas citações é tempo de aferir se a factualidade provada é bastante para concluir pela reunião dos pressupostos necessários ao nascimento na esfera jurídica da autora do direito de resolução do contrato celebrado em 16 de janeiro de 1985, tendo desta feita em consideração a natureza duradoura do contrato que por este expediente legal se pretende extinguir e a modelação que esse meio de tutela do contraente adimplente sofre nesses casos. A paragem da laboração da fábrica da ré desde 2014 frustra uma das finalidades contratuais visadas pela autora com a celebração do contrato em 16 de janeiro de 1985 e que era a criação de emprego para pessoas da Freguesia ... (ponto 3.3.1.5 dos factos provados). Porém, atenta a factualidade provada em 3.3.1.10 a 3.3.1.13, 3.3.1.17 e 3.3.1.18, é lícito presumir que essa paragem da laboração da fábrica da ré teve pelo menos alguma conexão com as obras de construção do Túnel ... que se prolongaram até 2016, conexão que justifica o recebimento de uma indemnização pela ré de pelo menos um milhão de euros. A ré tem praticado atos que revelam alguma vontade de manter algumas das condições necessárias para que possa retomar a laboração (vejam-se os factos provados em 3.3.1.22 a 3.3.1.24) e tem cumprido a contrapartida pecuniária anual mínima que tem para com a autora. Por outro lado, a autora tem recebido estas contrapartidas, sem qualquer protesto ou reserva nos recibos que emitiu aquando desses recebimentos, não havendo notícia nos autos que tenha havido, entretanto, qualquer comunicação entre as partes por causa da paragem da laboração da ré em que, nomeadamente, a autora desse nota à ré da insustentabilidade da situação contratual. Assim, tudo sopesado, no referido circunstancialismo factual, não cremos que os factos sejam bastantes para integrar uma situação de inexigibilidade para a autora de continuação da relação contratual e, como tal, do nascimento na sua esfera jurídica do direito potestativo de resolução do contrato que celebrou com a ré em 16 de janeiro de 1985. Deste modo, improcede o recurso interposto pela Assembleia de Compartes dos Terrenos Baldios da Freguesia ... e, ainda que com fundamentos factuais e jurídicos distintos, confirma-se a sentença recorrida proferida em 03 de fevereiro de 2024, sendo as custas do recurso de apelação da responsabilidade da recorrente que, por beneficiar de isenção tributária (artigo 4º, nº 1, alínea x) do Regulamento das Custas Processuais), não as suporta. Atenta a improcedência da apelação não há que conhecer da reconvenção subsidiária nos termos previstos no nº 2 do artigo 665º do Código de Processo Civil. 5. Dispositivo Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em, não obstante algumas alterações na decisão da matéria de facto, julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Assembleia de Compartes dos Terrenos Baldios da Freguesia ... e, em consequência, ainda que com fundamentos fácticos e jurídicos distintos, em confirmar a sentença recorrida proferida em 03 de fevereiro de 2024, nos segmentos impugnados. Por ter decaído, as custas da apelação são da responsabilidade da recorrente que, porém, as não suportará dada a isenção de que beneficia, ex vi artigo 4º, nº 1, alínea x) do Regulamento das Custas Processuais. *** O presente acórdão compõe-se de sessenta e sete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário. |