Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | TEMPO DE TRABALHO ALTERAÇÃO DO LOCAL DE TRABALHO RETRIBUIÇÃO PRÉMIO DE ASSIDUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP20150921409/12.7TTMTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/21/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não é tempo de trabalho, a pagar como tal, o acréscimo de tempo de deslocação derivado de uma alteração unilateral lícita do local de trabalho. II - Provando-se apenas a instituição unilateral pelo empregador, de um prémio de assiduidade, de valor igual ao da retribuição mensal, e que o trabalhador, por ter sido assíduo, recebeu ao longo dos anos, sem mais elementos concretos, não logrou o trabalhador provar a natureza retributiva do mesmo, não se podendo sancionar a alteração de condições de atribuição do mesmo prémio. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 409/12.7TTMTS.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 447) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente em Matosinhos, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra C…, SA, NIPC ………, com sede no …, …, …, ….-… …, peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia global de 63.921,10€, acrescida dos juros de mora desde a data do vencimento das respectivas quantias parcelares integrantes. Em síntese, alegou que foi admitido em 1994, por D…, Lda, a qual, em 1999 cedeu definitivamente o seu contrato de trabalho à R., com o seu acordo do trabalhador, sendo o A. já nessa altura categorizado como chefe de divisão. O A. era o responsável pela manutenção de postos de combustível, e em 31.12.2011 passou à reforma. A R. dedica-se ao comércio por grosso de combustíveis líquidos, sólidos, gasosos e produtos derivados 2. São aplicáveis às partes os IRCTs do BTE 2/2006 (por força da Portaria 742/2006, de 31 de Julho), 46/2006 (por força da Portaria 496/2007, de 26 de Abril) e 35/2008 (por força da Portaria 1520/2008, de 24 de Dezembro), chamando-se à colação neste processo em particular as cláusulas 17ª, a) e 30ª, relativas à retribuição do trabalho suplementar. Do início a Agosto de 2008 o A. prestou serviço nas instalações da R. de …. No início de Setembro de 2008 o A. foi transferido pela R., de forma unilateral, para as instalações (da R.) da Rua …, …, freguesia de …, em Ovar, mantendo-lhe a R. o mesmo horário de apresentação e de saída do serviço. A transferência para … importava ao A. no mínimo mais 30 minutos no percurso (em automóvel da R.) de e para casa, ou seja, 1h por dia. A R. está obrigada a compensar o A. por essa hora diária a mais que o A. passou a ter de cumprir nas suas deslocações de e para o trabalho, como tempo de trabalho. São 753 horas, 1ªs horas, ao valor/hora de 15,29€ x 160% = 18.421,39€, mais o respectivo descanso compensatório não gozado x 25% x 200% = 9.210,69€. A R. não pagou ao A. os subsídios de refeição de Maio de 2005 a Novembro de 2010, nos dias em que prestou serviço externo, fora das instalações da R. Não o fez apesar de o A. ter preenchido o boletim mensal de ajudas de custo nos termos determinados pela R., segundo as regras do manual do Grupo E…, a que pertence. O valor total dos subsídios de alimentação que a R. deve ao A. ascende a 4.667,85€. Do início a final o A. não gozou 125 dias de férias vencidos, porque a R. lhe atribuiu serviço e não lhe permitiu gozar esses dias. Deve pois a Ré os dias de férias em falta, cujo cômputo, face às retribuições auferidas em cada ano, ascende a 9.334,08€ O A. auferia desde 1999 um prémio de assiduidade, correspondente a um mês de remuneração de base, pagável no mês de Abril de cada ano. A R. não pagou ao A. o prémio de assiduidade de 2010 vencido em Abril de 2011 nem o de 2011, vencido na data da cessação do contrato de trabalho, apesar de o A. não ter faltado nesses anos, devendo-lhe por isso 5.300,00€. O horário de trabalho do A. era de 2ª a 6ª feira, das 9 às 18, com intervalo das 13 às 14 horas. O A. prestou muitas horas de trabalho para além do horário, por ordem da R. e com o seu conhecimento e a sua não oposição, no interesse e em benefício do seu negócio, inclusive aos sábados e aos domingos. As horas prestadas a mais pelo A., que descreve, fazem-no credor da remuneração de trabalho suplementar, de descanso compensatório não concedido, de não gozo de descanso por trabalho em dia de descanso semanal obrigatório e em folga complementar, de indemnização por trabalho em dia de férias não gozado e de horas nocturnas. O pagamento das retribuições é devido em cada mês e são-lhe pois devidos juros de mora. Contestou a Ré pugnando pela total improcedência da acção. Em síntese, alegou que a transferência de … para Ovar se deveu ao encerramento das primeiras instalações, e foi realizada com o acordo do A. Durante a vigência do contrato de trabalho, o A. não solicitou à R. o pagamento da compensação pelo tempo gasto a mais no trajecto entre a sua habitação e o novo local de trabalho, a Ré não o pagou nem o A. se opôs a isso até à sua data de passagem à reforma. Por outro lado, decorrente das funções desempenhadas pelo A., este tinha que proceder a visitas aos diversos postos de combustível de que a R. é proprietária ou exploradora. O que significa que, na maioria dos dias de trabalho, o A. deslocava-se aos referidos postos de combustível, pelo que não efectuava deslocações entre a sua habitação e as referidas instalações de Ovar. No entanto, o A. não discrimina quais os dias em que se deslocou aos postos de combustível (cumprindo, para o efeito, o horário de trabalho) e os dias em que se deslocava aos postos de trabalho, pelo que, também por aqui, não é possível fixar o valor da retribuição devida pelo tempo gasto a mais. O A. recebeu os subsídios de refeição que reclama. O A. gozou os dias de férias a que tinha direito, tendo recebido o correspondente subsídio e retribuição de férias. Mais, o A. era gerente na sociedade D…, e enquanto tal, não era um subordinado dessa sociedade (que foi adquirida pela R., passando, a partir da data da aquisição, o A. a ser um trabalhador subordinado), pelo contrário, era ele quem dava ordens, geria e administrava a sociedade e participava na formação da vontade social. Aliás, o A. não cumulava as funções de gerente com a de trabalhador subordinado. Só a partir da data da cedência do contrato de trabalho - 31 de Março de 1999 passou a ser trabalhador subordinado da R. (sem funções de gerência). Por isso, até 31 de Março de 1999, era o A. quem decidia se tinha férias ou não e organizava todo o expediente referente à sociedade D…. O A. não reuniu os pressupostos de pagamento do prémio, que era de assiduidade e segurança, pois no período de 29 de Dezembro de 2010 a 19 de Dezembro de 2011, violou as regras de segurança em vigor na empresa R., nomeadamente ao exceder os limites de velocidade na utilização da viatura automóvel que lhe estava adstrita (com matrícula ..-JT-..). O pagamento das horas de trabalho realizadas fora do horário de trabalho (trabalho suplementar) pressupõe que o A. alegue, com referência a datas concretas (anos, dias e horas), em que prestou trabalho suplementar. O alegado trabalho suplementar - sem conceder quanto à sua não realização - não foi ordenado pela R., ou terá sido realizado sem o conhecimento da R., que assim, não pôde opor-se à sua realização. No que concerne aos pedidos de pagamento de retribuição pelo tempo gasto a mais, bem como ao pagamento das horas de trabalho fora do horário de trabalho (trabalho suplementar), não tendo o A. peticionado tais quantias na vigência do contrato de trabalho, só o tendo feito da presente acção, deverá concluir-se que exerceu o seu direito excedendo os limites da boa-fé e dos bons costumes e, até excedendo o fim social e económico do direito a que se arroga [ser remunerado pelo tempo a mais gasto no percurso de casa para o novo local de trabalho, bem como o pagamento das horas de trabalho suplementar]. O Autor apresentou resposta à contestação, na qual concluiu pela improcedência das excepções invocadas na contestação. A fls. 52 e 53 foi proferido despacho convidando o A. para apresentar uma nova petição inicial com vista a providenciar pelo suprimento das insuficiências ou imprecisões da matéria de facto alegada. O A. respondeu ao despacho convite apresentando nova petição inicial (cfr. fls. 56 a 64), face ao que a Ré apresentou nova contestação (cfr. fls. 176 a 182). Foi proferido despacho saneador, foi fixado o valor da acção em € 63.417,43 e foram seleccionados os factos assentes e controvertidos, sem reclamação. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e foi respondida a matéria de facto controvertida, de novo sem reclamação, e foi seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “IV - Decisão: Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se: I - Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação que B… move contra C…, SA e, em consequência, condeno esta a pagar àquele a quantia de 14.969,19 € (catorze mil, novecentos e sessenta e nove euros e dezanove cêntimos), a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento das respetivas quantias. II - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente acção quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré C…, SA. Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C.)”. O A. veio requerer a rectificação do erro de cálculo da sentença, pois na parte decisória se “condenou no pagamento (apenas) da quantia de 14.969,19€, quando, contas feitas a todos os valores atribuídos (2.047,95€ de subsídio de refeição + 10.384,70€ + 2.252,64€ + 2.336,97€ + 46,93€ de trabalho suplementar), o resultado da soma dá 17.069,19€ – artº 614º, nº 1, do NCPC”, rectificação que foi atendida, rectificando-se a sentença nos seguintes termos: (…)“- Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação que B… move contra C…, SA e, em consequência, condeno esta a pagar àquele a quantia de 17.069,19 € (dezassete mil, sessenta e nove euros e dezanove cêntimos), a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento das respetivas quantias”(…) Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso. O A, no seu recurso, apresentou a final as seguintes conclusões: 1ª A sentença cometeu erro de cálculo nos valores que reconheceu ao A. e que somam 17.069,19€ e não o valor constante do segmento decisório da condenação. 2ª A R. deve pagar ao A. as 753 horas de deslocação de e para o trabalho, como tempo de trabalho, por ter unilateralmente alterado o local de trabalho contratado, sem possibilidade de oposição, com fundamento na boa fé e na responsabilidade por facto lícito, nos termos gerais a que o artº 315º, nº 5, do CT2003, não se opõe, pois que apenas trata da questão dos custos da mobilidade geográfica. 3ª O A. tem direito aos dias de férias não gozados, devendo ser remetido para liquidação a respetiva quantificação. 4ª O A. tem direito aos prémios de assiduidade dos anos de 2010 e de 2011, pois a R. não podia alterar unilateralmente os seus pressupostos, por assumir natureza retributiva, e muito menos sem provar que informou e comunicou ao A., previamente, essa alteração e a possibilidade de corte dos prémios no caso de não cumprir os novos requisitos. NESTES TERMOS, - DEVE O RECURSO MERECER PROVIMENTO, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A CORREÇÃO DO ERRO DE CÁLCULO DA CONDENAÇÃO, O PAGAMENTO DE 753 HORAS DE DESLOCAÇÃO COMO TEMPO DE TRABALHO, DOS DIAS DE FÉRIAS NÃO GOZADOS E DOS PRÉMIOS DE ASSIDUIDADE DE 2010 E 2011. Contra-alegou a Ré e a final alinhando que: “Não tendo o Recorrente indicado as normas jurídicas violadas e o sentido com que as normas constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, como lhe competia [artigo 639.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código do Processo Civil, na actual redacção], não pode a Recorrida alegar que tais normas não foram violadas e que a interpretação devia ter sido outra e não aquela”. “Assim sem necessidade de mais considerações (…) conclui-se que, nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao presente recurso de Apelação, mantendo-se a sentença recorrida, determinando a absolvição da Recorrida (…)”. No seu recurso, a Ré formulou a final as seguintes conclusões: “A) Os artigos 6.º a 10.º da base instrutória foram incorrectamente julgados pelo tribunal a quo, porque a resposta não é compatível com os documentos juntos aos autos e com a produção da prova testemunhal (na globalidade); B) Face ao exposto, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada e, em conformidade, julgar inequivocamente que a respostas não podem, nem devem, ser positivas, mas negativas, pelo que contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o alegado trabalho suplementar não foi prévio e expressamente exigido pela R. ou não foi realizado de modo a não ser previsível a oposição desta; C) A decisão do Tribunal a quo considera que a R. - ora Recorrente - conheceu a realização do trabalho suplementar e não se opôs a tal realização. Mas não indicou as premissas para tal conclusão. Ou seja, não estão alegados factos que comprovem que o trabalho foi realizado em benefício da R. (nem foi alegado qual o trabalho e tarefas executadas, em que circunstâncias) e, se foi, de onde retirar que a R. nunca manifestou oposição; E) Não tendo o Autor alegado e demonstrado as premissas indicadas nas alíneas anteriores, a retribuição pela prestação do trabalho suplementar, bem como parte do subsídio de refeição (sendo que foi pago o que a R. reconhece, conforme documentos juntos aos autos), descanso compensatório, não gozo do dia de descanso semanal, horas nocturnas, não são efectivamente devidos; F) Decidindo de outra forma, o Tribunal a quo violou, aqui, as normas dos artigos 227.º, 229.º, 268.º, n.ºs 1 e 2, 269.º, todos do Código do Trabalho; São pois termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida (na parte referida abrangida pelo presente recurso), substituindo-a por outra que considere a acção totalmente improcedente com quanto exposto vai, (…)”. Contra-alegou o A. no recurso da Ré alinhando, em síntese, que: “I. O recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por inobservância dos requisitos legais do artº 640º, nº 1, maxime o da alínea b), do NCPC. II. A recorrente insurge-se contra as respostas aos quesitos 6º a 10º. Sem razão. Como fundamentou o tribunal a quo, foi produzida prova documental cabal da alegação produzida e que suportou adequadamente os factos firmados”. A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso do A., da rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto contida no recurso da Ré e do não provimento do seu recurso. Por despacho do relator foi convidado o Autor a aperfeiçoar as suas conclusões, indicando as normas jurídicas violadas, tendo o Autor apresentado renovado as suas quatro primeiras conclusões e acrescentado uma quinta, com o seguinte teor: “5ª – Com todo o respeito, a decisão recorrida violou as normas jurídicas seguintes: Quanto ao ponto I das alegações, do artº 762º do CC e dos artºs 155º/CT2003 e 197º/CT2009; quanto ao ponto II, do artº 334º do CC e dos artºs 211º, 212º, 213º e 155º nº 1, do CT2003, e do artº 609º nº 2 do CPC; e quanto ao ponto III, dos artºs 129º nº 1 d) e 258º do CT 2009. A Ré veio pronunciar-se no sentido de que o Autor não havia cumprido o convite, por ininteligibilidade ou deficiência da conclusão 5ª, que não sintetiza as razões de direito que deviam ter sido alinhadas nas alegações, devendo pois ser rejeitado o conhecimento do recurso. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II. Direito Delimitado o objecto dos recursos pelas conclusões dos recorrentes, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir, posto que foi deferido o erro de cálculo invocado pelo A., são: A) No recurso do A.: 1ª – saber se a R. deve pagar ao A. as 753 horas de deslocação de e para o trabalho, como tempo de trabalho, por ter unilateralmente alterado o local de trabalho contratado, sem possibilidade de oposição, com fundamento na boa fé e na responsabilidade por facto lícito, nos termos gerais a que o artº 315º, nº 5, do CT2003, não se opõe, pois que apenas trata da questão dos custos da mobilidade geográfica; 2ª – saber se o A. tem direito aos dias de férias não gozados, e se deve ser remetido para liquidação a respectiva quantificação; 3ª – saber se o A. tem direito aos prémios de assiduidade dos anos de 2010 e de 2011, pois a R. não podia alterar unilateralmente os seus pressupostos, por assumir natureza retributiva, e muito menos sem provar que informou e comunicou ao A., previamente, essa alteração e a possibilidade de corte dos prémios no caso de não cumprir os novos requisitos. B) No recurso da Ré: 1ª – saber se devem ser alteradas as respostas dadas pelo tribunal recorrido aos artigos 6º a 10º da Base Instrutória; 2ª – saber se não é devida a condenação em retribuição de trabalho suplementar, por não estar provado que o trabalho tenha sido em benefício da Ré e sem a sua oposição. III. Matéria de facto A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é, citamos, a seguinte: 1. O A. foi admitido em 1.3.1994, por D…, Lda, para lhe prestar serviço, sob a sua autoridade e direção, nas suas instalações sitas na Rua …, em …. - cfr. al. A) dos factos admitidos por acordo; 2. O A. era gerente na sociedade D…, Lda. - cfr. al. N) dos factos admitidos por acordo; 3. Enquanto exerceu funções de gerente, o A. dava ordens, geria e administrava a sociedade D…, decidindo se tinha férias ou não. - cfr. resp. ao ques. 11) da base instrutória; 4. Em 31.3.1999, a D… cedeu definitivamente o contrato de trabalho do A. à R., com o acordo do trabalhador, nessa altura já categorizado como chefe de divisão, conforme documento constante de fls. 10 cujo teor se dá por reproduzido. - cfr. al. B) dos factos admitidos por acordo; 5. A R. dedica-se ao comércio por grosso de combustíveis líquidos, sólidos, gasosos e produtos derivados, conforme documento constante de fls. 11 e 12 cujo teor se dá por reproduzido. - cfr. al. F) dos factos admitidos por acordo; 6. O A. era o responsável pela manutenção de postos de combustível. - cfr. al. C) dos factos admitidos por acordo; 7. O A. auferiu as seguintes remunerações de base (ilíquidas) ao serviço da R.: - em 1994 e em 1995, 210.370$00 - em 1996 e em 1997, 218.000$00, - em 1998, 225.000$00 - em 1999, 440.000$00 - em 2000, 455.000$00 - em 2001, 470.000$00 - em 2002, 2.424,00€ - em 2003 e em 2004, 2.500,00€ - em 2005, 2.540,00€ - em 2006 e em 2007, 2.565,00€ - em 2008, em 2009, em 2010 e em 2011, 2.650,00€. - cfr. al. E) dos factos admitidos por acordo; 8. Do início a Agosto de 2008 o A. prestou serviço nas instalações da R. de …. - cfr. al. G) dos factos admitidos por acordo; 9. No início de Setembro de 2008, o A. foi transferido pela R. para as instalações (da R.) da Rua …, …, freguesia de …, em Ovar, mantendo-lhe a R. o mesmo horário de apresentação e de saída do serviço. - cfr. al. H) dos factos admitidos por acordo; 10. Esta transferência deveu-se ao encerramento das instalações da R., sitas em …. - cfr. al. I) dos factos admitidos por acordo; 11. A transferência para … importava ao A., no mínimo, mais 30 minutos no percurso (em automóvel da R.) de e para casa, ou seja, 1h por dia. - cfr. resp. ao ques. 1) da base instrutória; 12. O A. despendeu cerca de 753 horas nessas deslocações. - cfr. resp. ao ques. 2) da base instrutória; 13. A R. não procedeu ao pagamento de qualquer quantia referente ao tempo gasto a mais no trajeto. - cfr. al. J) dos factos admitidos por acordo; 14. De julho de 2005 a novembro de 2010, a R. pagou ao A. os subsídios de refeição discriminados nos recibos de vencimento constantes de fls. 190 a 275. - cfr. resp. ao ques. 3) da base instrutória; 15. Nos anos de 1995 a 2004, o A. não gozou a totalidade dos dias de férias vencidos. - cfr. resp. ao ques. 4) da base instrutória; 16. O horário de trabalho do A. era de 2ª a 6ª feira, das 9 às 18, com intervalo das 13 às 14 horas. - cfr. al. K) dos factos admitidos por acordo; 17. O A. prestou para além do horário, por ordem da R. e com o seu conhecimento e a sua não oposição, no interesse e em benefício do seu negócio, inclusive aos sábados e aos domingos, as seguintes horas: Ano de 2007: Dia 8 de Maio, das 18h00 às 22h40, Dia 28 de Maio, das 18h00 às 22h45, Dia 6 de Julho, das 18h00 às 21h20, Dia 16 de Agosto, das 18h00 às 23h10, Dia 21 de Setembro, das 18h00 às 23h10, Dia 29 de Setembro (Sábado), das 08h30 às 19h30, Dia 12 de Outubro, das 18hoo às 22h10, Dia 25 de Outubro, das 18h00 às 21h40, Dia 8 de Novembro, das 18h00 às 24h00, Dia 14 de Novembro das 05h45 às 09h00, Dia 22 de Novembro, das 18h00 às 20h45. - cfr. resp. ao ques. 6) da base instrutória; 18. Ano de 2008: Dia 4 de Janeiro, das 18h00 às 22h00, Dia 22 de Janeiro, das 18h00 às 23h00, Dia 29 de Janeiro, das 18h00 às 21h20, Dia 12 de Fevereiro, das 18h00 às 21h15, Dia 19 de Fevereiro, das 18h00 às 21h10, Dia 22 de Fevereiro, das 18h00 às 21h15, Dia 4 de Março, das 18h00 às 21h00, Dia 11 de Março, das 18h00 às 21h50, Dia 1 de Abril, das 18h00 às 23h00, Dia 8 de Abril, das 18h00 às 21h15, Dia 15 de Abril, das 18h00 às 22h05, Dia 22 de Abril, das 18h00 às 21h45, Dia 23 de Abril, das 18h00 às 22h15, Dia 29 de Abril, das 18h00 às 20h55, Dia 6 de Maio, das 18h00 às 21h25, Dia 27 de Maio, das 18h00 às 21h00, Dia 31 de Maio (Sábado), das 09h30 às 15h10, Dia 3 de Junho, das 18h00 às 21h15, Dia 24 de Junho, das 18h00 às 21h30, Dia 5 de Agosto, das 18h00 às 21h00, Dia 12 de Agosto, das 18h00 às 20h50, Dia 26 de Agosto, das 18h00 às 21h10, Dia 9 de Setembro, das 18h00 às 21h45, Dia 16 de Setembro, das 18h00 às 21h00, Dia 23 de Setembro, das 18h00 às 20h00, Dia 7 de Outubro, das 18h00 às 21h00, Dia 14 de Outubro, das 18h00 às 21h40, Dia 21 de Outubro, das 18h00 às 22h20, Dia 28 de Outubro, das 18h00 às 21h15, Dia 7 de Novembro, das 18h00 às 22h15, Dia 17 de Novembro, das 18h00 às 21h45, Dia 18 de Novembro, das 18h00 às 21h15, Dia 25 de Novembro, das 18h00 às 22h10, Dia 16 de Dezembro, das 18h00 às 21h30, Dia 30 de Dezembro, das 18h00 às 21h45. - cfr. resp. ao ques. 7) da base instrutória; 19. Ano de 2009: Dia 13 de Janeiro, das 18h00 às 21h45, Dia 24 de Janeiro (Sábado), das 08h15 às 14h10, Dia 3 de Fevereiro, das 18h00 às 21h40, Dia 10 de Fevereiro, das 18h00 às 21h45, Dia 17 de Fevereiro, das 18h00 às 21h15, Dia 10 de Março, das 18h00 às 21h30, Dia 24 de Março, das 18h00 às 21h20, Dia 14 de Abril, das 18h00 às 21h40, Dia 28 de Abril, das 18h00 às 21h15, Dia 19 de Maio, das 18h00 às 21h25, Dia 16 de Junho, das 18h00 às 21h45, Dia 16 de Julho, das 07h15 às 08h15, e das 18h00 às 20h45, Dia 10 de Setembro, das 18h00 às 21h50, Dia 11 de Setembro, das 18h00 às 21h45, Dia 22 de Setembro, das 18h00 às 22h00, Dia 29 de Setembro, das 18h00 às 21h45, Dia 3 de Novembro, das 18h00 às 21h40, Dia 16 de Novembro, das 18h00 às 21h00. - cfr. resp. ao ques. 8) da base instrutória; 20. Ano de 2010: Dia 19 de Janeiro, das 18h00 às 20h30, Dia 22 de Janeiro, das 18h00 às 21h45, Dia 29 de Janeiro, das 18h00 às 20h45, Dia 24 de Fevereiro, das 18h00 às 20h35, Dia 27 de Fevereiro (Sábado), das 12h00 às 18h30, Dia 31 de Março, das 18h00 às 20h45, Dia 15 de Abril, das 18h00 às 22h30, Dia 16 de Abril, das 18h00 às 22h30, Dia 17 de Abril (Sábado), das 07h50 às 21h00, Dia 21 de Maio, das 18h00 às 21h15, Dia 27 de Maio, das 18h00 às 23h20, Dia 29 de Junho, das 18h00 às 20h55, Dia 6 de Agosto, das 18h00 às 20h45, Dia 17 de Agosto, das 18h00 às 20h45, Dia 19 de Agosto, das 18h00 às 20h30, Dia 6 de Setembro, das 18h00 às 20h23, Dia 18 de Novembro, das 18h00 às 19h49, Dia 7 de Dezembro, das 18h00 às 20h17, Dia 15 de Dezembro, das 18h00 às 20h05, Dia 20 de Dezembro, das 18h00 às 19h08. - cfr. resp. ao ques. 9) da base instrutória; 21. Ano de 2011: Dia 18 de Janeiro, das 18h00 às 19h54, Dia 24 de Fevereiro, das 18h00 às 19h48, Dia 16 de Março, das 18h00 às 20h09, Dia 4 de Maio, das 18h00 às 20h14, Dia 26 de Maio, das 18h00 às 20h20, Dia 7 de Junho, das 18h00 às 20h26, Dia 4 de Setembro (Domingo), das 14h45 às 20h47, Dia 27 de Setembro, das 18h00 às 20h29, Dia 6 de Dezembro das 18h00 às 21h38, Dia 22 de Dezembro (Dia de Férias), das 08h15 às 10h50. - cfr. resp. ao ques. 10) da base instrutória; 22. O A. auferia desde 1999 um prémio de assiduidade, correspondente a um mês de remuneração de base, pagável no mês de Abril de cada ano. - cfr. al. L) dos factos admitidos por acordo; 23. A partir de 2009, a Ré decidiu que o prémio de assiduidade referido na al. L) visava também compensar o cumprimento das regras de segurança na execução do trabalho. - cfr. resp. ao ques. 12) da base instrutória; 24. A R. não pagou ao A. o prémio de assiduidade de 2010 vencido em Abril de 2011, nem o de 2011, vencido na data da cessação do contrato de trabalho, apesar de o A. não ter faltado nesses anos. - cfr. al. M) dos factos admitidos por acordo; 25. No período de 29 de Dezembro de 2010 a 16 de Dezembro de 2011, o A. excedeu, por diversas vezes, os limites de velocidade na utilização da viatura automóvel que lhe estava adstrita (com matrícula 09-JT-86). - cfr. resp. ao ques. 13) da base instrutória. 26. Em 31.12.2011 o A. passou à reforma e desvinculou-se da R.. - cfr. al. D) dos factos admitidos por acordo. Apreciando: A) Do recurso do Autor: Questão prévia: o recorrente juntou com o seu recurso um documento para rebater a afirmação insustentada da sentença no sentido que tinha sido a Ré a instituir um prémio de assiduidade, visando com tal documento provar que tinha sido a sociedade D… a fazê-lo. Está provado que o A. auferia desde 1999 o referido prémio de assiduidade, e que o mesmo era pagável em Abril. Está também provado que o A. passou, digamos assim, para a Ré, em 31.3.1999, donde, se era a Ré que tinha criado o prémio, e se o prémio foi auferido em 1999, seria a Ré que logo, sem conhecer o A. e sem ter qualquer referência sobre a sua assiduidade e mesmo, sem ter decorrido qualquer eventual período de referência para o cômputo de assiduidade, lhe teria pago em Abril de 1999 o prémio. Esta interpretação dos factos provados é manifestamente improvável, mas para o caso de passar despercebido o pormenor, a cautela mandou o recorrente juntar o documento, recibo de vencimento de Março de 1999, que refere o pagamento do dito prémio ao A. Porém, desde logo os documentos servem para provar factos alegados, no caso não indicados, e nos termos do artigo 651º nº 1 do CPC só é de admitir a junção de documentos em recurso no caso em que a apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância – artigo 425º do CPC – ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Ora, dada a data do documento, é patente que a junção podia ser feita antes do encerramento da discussão, e não estamos perante o caso prevenido na parte final do nº 1 do artigo 651º. Na verdade, como a propósito de anterior mas idêntica disposição teorizava Antunes Varela: «A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte). A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.[1]» Assim sendo, não se admite a junção do documento, cujo desentranhamento se ordena, e condena-se o recorrente nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 UC (meia UC) – artigo 7º nº 4 e 8 e tabela II A item 7º, do Regulamento das Custas Processuais. Questão prévia sobre as conclusões do recurso do Autor: O Autor foi apenas e expressamente convidado para indicar as normas jurídicas violadas, e isso ele fez, e ainda que possa haver alguma deficiência, não é de molde a comprometer a rápida apreensão das razões da sua discordância do decidido em primeira instância, pelo que se decide tomar conhecimento do recurso. 1) O Autor peticionou a condenação da Ré no pagamento de 9.210,69€ a título de retribuição de mais de setecentas horas de tempo de deslocação por virtude da transferência de local de trabalho por mudança de instalações da Ré. Considera o Autor que tal tempo é tempo de trabalho, e que sendo lícita a mudança de instalações e a sua transferência, não só as despesas de transporte acrescidas lhe tinham de ser pagas, como igualmente o tempo que gastava a mais em deslocações, à razão de uma hora diária. A sentença não acolheu esta pretensão, fundando-se, essencialmente, em que o Código do Trabalho veio clarificar esta matéria e apenas prevê o pagamento das despesas de transporte já que o conceito não permite mais a sua extensão ao tempo de trabalho, isto é, o tempo de trabalho não é subsumível ao conceito de despesa. O recorrente não se conforma e entende que a responsabilidade da Ré pelo pagamento desse tempo se enquadra na responsabilidade civil por facto lícito, que não lhe era possível rescindir o contrato e que solução diversa é iníqua e injusta, na medida em que faz recair sobre o trabalhador um tempo de trabalho não pago. Invoca o recorrente que a deslocação é tempo de trabalho, tempo de disposição para a empregadora, tal como se vê no regime dos acidentes de trabalho, que cobrem a deslocação de casa para o trabalho e regresso. Começando já por aqui, neste particular não tem razão. É verdade que o trabalhador, para ir trabalhar, depende, mais ou menos, tempo na deslocação, e é verdade que ele, desde que sai de casa, está a disponibilizar o tempo a favor do empregador na medida em que pratica os actos necessários à prestação de serviço que se iniciará no local de trabalho, isto é, na medida em que se desloca, em que já vai a caminho. O que a legislação infortunística faz é estender a imposição de cobertura do risco, do local dominado e sob a responsabilidade do empregador – local de trabalho – ao lugar objectivamente não dominado por ninguém e pelo qual o trabalhador se moverá. Mas fá-lo com um objectivo muito específico, o de prevenir as incapacidades que resultem de acidentes, perante a evidência de que podem ocorrer acidentes nessa “terra de ninguém”, e optando por fazer corresponder à disposição do trabalhador em ir trabalhar e em ir trabalhar previsivelmente no dia seguinte (no que se inclui o regresso a casa) o benefício de protecção não por ele suportada mas pelo empregador. Daqui – desta intenção específica, nesta matéria específica que é a inevitabilidade dos acidentes – apenas resulta a consideração do tempo de deslocação como tempo de trabalho, para efeitos infortunísticos. Isto porém não autoriza a estender o conceito de tempo de trabalho ao tempo gasto em deslocação para qualquer efeito, encontrando-se similarmente outras ficções legais em termos infortunísticos que não têm paralelo no regime geral, vulgarmente, a definição de retribuição a considerar para o cálculo de pensões. É que, tempo de trabalho é, na definição legal – e a lei aplicável encontra-se, ex-vi do artigo 8º da Lei 99/2003 que aprovou o Código do Trabalho e dada a data da transferência, no regime codicístico – qualquer período em que o trabalhador está a desempenhar a actividade ou em que permanece adstrito a ela, bem como as interrupções e intervalos legalmente previstos – artigos 155º e 156º. Estar adstrito à prestação da actividade implica uma indisponibilização do tempo próprio para outra escolha, e parece ser uma situação outra que as interrupções e intervalos descritos no artigo 156º, embora neste se repita a fórmula “adstrito”. Simplesmente, não podemos dizer que o tempo de ir para ou voltar do trabalho é um tempo em que o trabalhador está adstrito ao trabalho, porque não existe eminência de chamada ao trabalho, pelo contrário, o trabalhador vai para casa descansar ou vem de descansar. De resto, o desenvolvimento do regime legal sobre a duração do trabalho, ao estabelecer, por regra, um período normal de trabalho, ao prevenir situações de trabalho suplementar, não se compatibilizaria com a natural diversidade dos lugares de residência dos trabalhadores: um que vivesse mais longe, se considerássemos a deslocação como tempo de trabalho trabalharia mais que outro que vivesse mais perto, e eventualmente teria de ser pago a título de trabalho suplementar. Ignorando o suposto do desemprego, menos acutilante em 2003, e no suposto que o trabalhador se candidata a um emprego de livre vontade – ele é, ao menos teoricamente, livre de não aceitar um emprego que se situe de tal modo longe da sua residência, que o faça gastar largas horas em deslocações – não parece defensável que o legislador tenha prevenido o equilíbrio de prestações entre as partes de modo a fazer recair inteiramente sobre o empregador o custo da mão de obra de que carece. Ainda assim, mesmo não encontrando uma definição legal que nos permita qualificar o tempo de deslocação para o emprego como tempo de trabalho, ainda assim haveríamos de dar razão ao recorrente? O recorrente convoca em seu auxílio um acórdão tirado em 2004, que interpreta o artigo 24º nº 3 da LCT no sentido de “I. Na letra e no espírito do art. 24º nº 3 da LCT cabe a interpretação de que “as despesas directamente impostas pela transferência” abrangem também as despesas que se relacionam com o aumento dos custos de transportes e de tempo gasto pelo trabalhador para se deslocar para o novo local de trabalho, sobretudo quando não é viável a mudança da sua residência. II- Não é conforme aos ditames da boa-fé que seja o trabalhador a suportar os maiores encargos de tempo e de custos para chegar ao seu local de trabalho, já que isso decorre de uma conduta - se bem que lícita - do empregador, ainda que a situação não configure prejuízo sério, que justifique a rescisão do contrato, pois é sobretudo nesses casos que a questão se coloca”. Estamos portanto já no domínio em que, sendo o local de trabalho um elemento essencial do contrato, pois que definidor da organização de vida do trabalhador, da conciliação da sua vida pessoal com a vida profissional, se admite que haja mudança de local de trabalho quando não haja prejuízo sério para o trabalhador ou se a mudança resultar da alteração do local do estabelecimento ou de parte dele. Se esta mudança, e vamos centrar-nos na mudança de estabelecimento que é o caso dos autos, causar prejuízo sério ao trabalhador, ele pode rescindir o contrato com direito a indemnização. Se não causar prejuízo sério, o trabalhador é obrigado à mudança de local de trabalho mas neste caso a entidade patronal custeará as despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela mudança. O aresto transcrito interpretou o conceito de despesas como abrangendo o tempo de deslocação, e invocou a boa-fé para impor ao empregador tal custeio. Com o Código do Trabalho de 2003 continua a manter-se o direito do empregador de mudar o local de trabalho em caso de mudança de estabelecimento, continuando o trabalhador a ter o direito de resolver o contrato e de auferir indemnização se a mudança lhe causar prejuízo sério – artigo 315º nº 2 e 4 – e, quanto a despesas, esclareceu-se que as que forem impostas pela transferência e que respeitarem a deslocações e mudança de residência são custeáveis pelo empregador. Passou-se portanto da fórmula “despesas” para “custos com deslocações e mudança de residência”, não havendo maneira de ir buscar ao elemento literal da interpretação um ponto de conexão que permita ainda pensar no pagamento do tempo das deslocações – o que tanto bastaria para defender que a posição do recorrente não pode proceder, por não ter um mínimo de correspondência no texto legal. Podemos ir buscá-la lá mais longe? Ao enquadramento característico dos intervenientes, ao princípio de repartição de deveres entre as partes ou à defesa dos interesses relevantes das mesmas, que o Direito do Trabalho opera? Podemos ir buscá-la aos princípios da boa-fé contratual? Podemos chegar à inconstitucionalidade da nova fórmula de reparação das despesas? O problema está mesmo no modo operativo da lei, a qualquer nível, na definição geral e abstracta duma situação: - se em concreto os trabalhadores podem viver mais próximo ou mais longe dos seus locais de trabalho, sempre em relação aos que vivem mais perto não chegaríamos a afirmar que o Código de 2003 tinha consagrado uma solução completamente desequilibrada e que afectava o princípio da justa retribuição do trabalho e que privava o trabalhador da sua vida privada, privando-o da dignidade e da capacidade de se desenvolver plenamente como pessoa. Donde, seja a nível constitucional ou infra-constitucional, nunca poderíamos em abstracto afirmar que isentar o empregador de pagar o tempo de deslocação a mais causado por uma mudança de local de trabalho violava gritantemente a repartição de encargos e levava a uma solução manifestamente injusta. Depende. Casos seguramente haverá em que sim. Mas para esses, a providência que a lei considerou é o mecanismo da invocação e prova do prejuízo sério e possibilidade de resolver o contrato com direito a indemnização. Se, sem mais prejuízos, o trabalhador, por força da mudança de local de trabalho, passa a deslocar-se todos os dias do Norte para o Sul, gastando seis horas diárias em trajecto, estas horas e o cansaço são mais que suficientes para integrarem prejuízo sério. Se a deslocação envolve apenas mais 8 quilómetros mas que os transportes públicos não cobrem, ou cobrem em 2 horas de mudanças de transporte para cada lado, ou o trabalhador passa a ter de ir a pé, então de novo estaremos perante prejuízo sério. Este mesmo mecanismo do prejuízo sério é o que o legislador oferece para defender o que consideraria excessivo em termos de repartição de custos: o empregador tem o direito de mudar de instalações, pode até ter necessidade absoluta de o fazer, suponhamos, um incêndio, pode até louvavelmente procurar reduzir os seus custos com instalações em vez de reduzir os custos com os trabalhadores, e o legislador considera que no caso em que não há prejuízo sério (a integrar pelos tribunais segundo as especialidades de cada caso concreto) não há afectação desmesurada, que fira o equilíbrio entre as partes, do direito do trabalhador à sua vida pessoal: é nisso que se resolve o binómio tempo de trabalho/tempo de descanso. Se não há prejuízo sério – é o caso, estamos a falar de meia hora a mais para ir e meia hora a mais para vir, ainda que no total tenha ascendido a mais de setecentas horas (mas a vida vive-se dia a dia) – então não há como ir buscar à boa-fé a solução do pagamento, pois que neste particular, como em muitos outros, há uma intervenção do legislador que se sobrepõe, num sentido ou noutro, ao que seria a renegociação de condições contratuais por via duma alteração entre sujeitos livres e iguais, ou dito de outro modo, está de boa-fé o empregador que cumpre a lei e se arroga os direitos dela decorrentes. Alinhamos pois na tese da sentença recorrida, da doutrina e jurisprudência nela citada quanto ao sentido de esclarecimento da alteração legislativa da LCT para o Código do Trabalho. Verifica-se ainda que, por falta de regulamentação legal geral sobre a matéria da responsabilidade civil por actos lícitos, não se encontrando lugar onde se preveja tal responsabilidade para o caso concreto em análise, não é possível dar razão ao recorrente. Assim improcede esta questão. 2) Quanto às férias não gozadas, ficou provado que nos anos de 1995 a 2004, o A. não gozou a totalidade dos dias de férias vencidos, mas já não ficou provado o que o A. alegara, de que assim acontecera porque a Ré lhe tinha atribuído serviço para esses dias. A sentença entendeu que, por o A. ser gerente, de facto e de direito, na sociedade D… e ter portanto competência para marcar o gozo das suas próprias férias, incorria em abuso de direito ao peticionar agora os dias de férias vencidos e não gozados, e, relativamente ao período em que passou a trabalhar para a Ré, que havendo todos os elementos para os provar, o A. fracassara nessa prova e não seria pois caso de relegar o apuramento para liquidação de sentença, dando-lhe uma segunda oportunidade e violando o caso julgado. O recorrente afirma que era gerente mas era simultaneamente subordinado, como resulta do facto provado nº 1, e que por isso era preciso, para chegar ao abuso de direito, ter-se provado que podia ter gozado a totalidade das férias, ou seja, que não fora por conveniência da Ré, devido ao excesso de trabalho, que as férias não tinham sido gozadas na totalidade. O recorrente afirma ainda que relativamente ao período posterior, a sentença vai em contrário da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça. Ora bem, quanto ao primeiro período, não está em causa que o A. fosse trabalhador subordinado – a partir do facto nº 1 e a partir da ausência de qualquer facto quanto à suspensão do contrato de trabalho – e não se vê donde resulta a afirmação que era gerente de direito, sobretudo quando se respondeu restritivamente ao quesito 11º, onde se perguntava se o A., enquanto gerente, participava na formação da vontade social. Portanto, aquilo com que ficamos é uma gerência de facto. Ficámos também com a prova de que o Autor não tinha gozado todos os dias a que tinha direito, sem se poderem imputar esses dias a anos específicos. Se alguns desses dias se localizassem nos anos em que o Autor exerceu funções de gerência, a retribuição desses dias não podia ser reclamada pelo Autor por via dessa gerência que lhe permitia decidir se tinha ou não férias? Da não prova, salvo o devido respeito, da não condição de trabalhador subordinado ao tempo do exercício da gerência, resulta que o Autor tinha direito a férias e que esse direito era irrenunciável. Portanto, o Autor podendo, de facto, decidir não ter férias, não o podia fazer de direito, quer dizer, a sua vontade enquanto gerente é irrelevante, não deve ser considerada, e mais, não temos dados nenhuns, outros, para a caracterização de uma violação manifesta da boa fé e do fim económico ou social do direito, nem é da simples conduta que se afirma uma confiança na não reclamação futura do direito. Repare-se, o Autor não provou que a Ré lhe atribuiu serviço nesses dias, mas a Ré também não provou nada sobre a razão pela qual o Autor trabalhou em vez de decidir gozar as suas férias. Portanto, como dizíamos, não temos nenhuns outros dados senão a sua irrelevante vontade relativamente a um direito ao qual não podia renunciar. Quanto ao segundo período, uma coisa é certa a partir do facto provado de não gozo da totalidade das férias: um dia pelo menos dessas férias a que o A. tinha direito ele não gozou, e devia ter gozado. Quer isto dizer que o direito à retribuição desse dia que devia ter sido de férias e não de trabalho o A. demonstrou ter. Assim, por um dia que fosse, sempre haveria de determinar o seu apuramento em liquidação de sentença. Na verdade, e ainda que extraído a propósito da questão do trabalho suplementar, mas aqui inteiramente aplicável, entendemos aderir à tese do Supremo constante do acórdão proferido em 18.2.2011 no processo 25/07.5TTFAR.E1.S1, que passamos a citar: “Mau grado alguma controvérsia jurisprudencial à volta desta questão, não parece, à luz da justiça material, que se possa premiar aquele que formula ab initio um pedido genérico e penalizar o que apresenta, desde logo, um pedido específico, sendo, por isso, de condenar no que se liquidar em execução de sentença tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no de ter sido formulado um pedido específico e não ter sido possível determinar o objecto ou a quantidade da condenação (cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 71 e Rodrigues Bastos, Notas, III, 232/233). É este, de resto, o caminho que ultimamente tem vindo as ser trilhado por este Supremo Tribunal e, nomeadamente, por esta Secção, sendo oportuno referir o que a respeito do problema se escreveu no Ac. de 08-03-2006, no recurso nº 3846/05 - 4ª Secção: «O art.º 471.º [do Código de Processo Civil] regula a petição inicial e, situando-se no dealbar da acção - em que imperam proeminentes razões de certeza - percebe-se que estipule, como regra, a dedução dum pedido específico. O art.º 661.º-2, por sua vez, já disciplina uma parte adjectiva final, subsequente à instrução e discussão da causa, e previne a situação em que se provou a existência do direito, sucedendo apenas que o tribunal se encontra impossibilitado de proferir decisão específica por não ter logrado alcançar o objecto e a quantidade que corporizam esse já reconhecido direito. Neste caso, é de aceitar por evidentes razões de justiça e de equidade, que o tribunal se abstenha de absolver o réu - porque demonstrada a existência da obrigação - muito embora se perceba também a inconveniência - porque arbitrária - de uma condenação quantificada. Ora, existindo uma regra como a do art.º 661º-2, faz sentido que ela deva funcionar (também) na assinalada situação» (no mesmo sentido, podem ver-se ainda os Acs. deste Tribunal de 03-05-2006, recurso nº 572/06, de 25-06-2008, recurso nº 4384/07, de 17-122009, recurso nº 713/05.OTTGMR.S1 e de 28-04-2010, recurso nº 182/07.OMAI.S1). Em conclusão, só a completa inconcludência probatória da existência do direito é que conduzirá à improcedência da respectiva pretensão, devendo proferir-se condenação ilíquida, perante a simples ausência de elementos suficientes para determinar o montante em dívida, contanto que demonstrado fique o incumprimento da obrigação contratual”. Procede nesta parte o recurso, devendo condenar-se a Ré a pagar ao A. a retribuição dos dias de férias não gozados no período de 1995 a 2004, a apurar em liquidação de sentença. 3) Quanto ao prémio de assiduidade considerou-se que a Ré o havia instituído e por isso era livre de alterar as suas condições de obtenção, designadamente transformando-o num prémio de assiduidade e segurança, e que o Autor, nos anos em que reclamava o prémio, tendo sido assíduo, não havia porém cumprido normas de segurança, não tendo pois direito ao prémio. Defende o recorrente que o prémio constituía retribuição e que mesmo que pudesse ser alterado, não lhe haviam sido comunicadas as novas regras de atribuição, pelo que mantinha direito ao prémio. O prémio, como se viu a propósito da questão prévia de junção do documento, não foi instituído pela Ré, mas pela sociedade D…, o que porém se mostra indiferente, sobretudo quando desacompanhado da prova de que essa instituição foi negociada em termos do contrato do Autor, pois nesse caso estamos a falar duma volição duma entidade que não subsiste e da assunção dela pela entidade subsequente, à qual se imputa e reclama o pagamento. Tinha o prémio natureza retributiva e por isso não podia ser retirado, ou melhor, ainda que modificado ou alterado, não podia deixar o correspondente valor de ser pago, por força da irredutibilidade da retribuição? Atento o período em que o prémio foi recebido, importa convocar diversa legislação, toda porém coincidente e gradualmente aperfeiçoada no sentido do seu esclarecimento. O artigo 88º da LCT dispunha que “1. Não se consideram retribuição as gratificações extraordinárias concedidas pela entidade patronal como recompensa ou prémio pelos bons serviços do trabalhador. 2. O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição”. Por sua vez, esta disciplina passou ao Código do Trabalho de 2003 na fórmula do artigo 261º que dispunha: “1. Não se consideram retribuição: a) (…) b) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido. 2. O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele. (…)” E finalmente o Código de 2009 consagrou, no artigo 260º, que: “1 – Não se consideram retribuição: a)(…) b) (…) c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido; d) (…) 2 - (…) 3 – O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica: a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele; b) (…)”. Vemos assim como em todos os regimes o legislador definiu o que era e o que não era retribuição, o que fosse indefinido caindo sob a presunção de retribuição, mas ao que fosse por si claramente excluído competia outro regime de alegação e prova. Com efeito, quando uma atribuição cujo título não é posto em causa pelo trabalhador – é o caso, é um prémio, um prémio instituído como de assiduidade – e cuja substância também não é posta em causa – o prémio era mesmo de assiduidade, tanto que foi recebido porque esta assiduidade foi cumprida e porque o foi, o prémio devia ter continuado a ser pago – não é ao empregador que compete provar que se trata dum prémio que o legislador exclui expressamente do conceito de retribuição (ou seja, não estamos no domínio da presunção de retribuição), mas ao trabalhador que compete provar a chamada “excepção à excepção”, isto é, que se verificam as condições segundo as quais, e perante os diversos regimes, o prémio (excepção à retribuição) deve ser considerado (excepcionalmente) retribuição. Ora, o que temos em matéria de facto provada é apenas a instituição de um prémio de assiduidade, no valor de uma retribuição mensal, a pagar regularmente em Abril de cada ano, o seu recebimento, a alteração das condições da sua atribuição a dada altura, de modo a abranger o cumprimento de normas de segurança. Relativamente aos anos em que o mesmo não foi pago, o que temos é que o Autor cumpriu a assiduidade mas não as normas de segurança. Se nos colocarmos ao tempo da instituição do prémio, não temos factualidade provada no sentido de que o prémio deriva do contrato do Autor ou das normas que o regem, nem que em tal contrato subsequentemente tenha havido alteração nesse sentido. Embora tenha sido regular o seu pagamento, também não temos factos que nos permitam considerar que integra os usos. O Código Civil estabelece no seu art. 1.º serem fontes imediatas de direito as leis e as normas corporativas, vindo no seu art. 3.º, n.º 1 a especificar a posição dos “usos” ao estatuir que “são juridicamente atendíveis quando a lei o determine” os usos não contrários aos princípios da boa fé. Os “usos” referidos no art. 3.º do Código Civil são as práticas ou usos de facto, como ensina Mota Pinto[2], não constituindo verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte do chamado direito consuetudinário. Correspondem, sim, a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da obrigatoriedade[3]. O Direito do Trabalho é um dos sectores da ordem jurídica em que é tradicionalmente reconhecido um relevo particular aos usos, não só pela importância que as práticas associadas a determinadas profissões têm na organização do vínculo do trabalho, como ainda porque os usos da empresa são frequentemente tomados em consideração para integrar aspectos do conteúdo do contrato individual de trabalho que não tenham sido expressamente definidos pelas partes[4]. A assiduidade corresponde ao dever básico de qualquer trabalhador, não podendo considerar-se que em determinados sectores há uma tendência para a não assiduidade e há por isso a necessidade de a incentivar. Haveríamos portanto de ter mais alguns factos concretos que nos permitissem caracterizar um uso numa determinada forma de pagamento, e não temos, nomeadamente qual a prática da empresa, ao longo dos anos, relativamente aos demais trabalhadores, no que concerne ao pagamento do dito prémio de assiduidade. Deste modo, ao tempo da instituição do prémio não podemos afirmar o seu carácter retributivo, ou melhor, o Autor não provou a excepção à regra da não retribuição. Também não cremos que, mantendo-se a regularidade do pagamento – no fundo, o Autor recebia um mês adicional de salário por ano por ser assíduo – ela tenha feito com que o tal recebimento integrasse a retribuição ao abrigo dos regimes legais subsequentes, pois que essencialmente são idênticos: ou a natureza retributiva depende do contrato ou das normas que o regem, ou dos usos. Assim sendo, não se afirmando a natureza retributiva do prémio de assiduidade em causa, pelo contrário remetendo-se o mesmo para o domínio da liberalidade, ele não está abrangido pela regra da irredutibilidade da retribuição, podendo ser livremente alterado, sem necessidade sequer de, apesar duma alteração formal, se manter o nível de pagamento. Por fim, quanto ao argumento de que a alteração não foi comunicada, os factos provados não nos dão conta disso. Improcede pois esta questão. B) Do recurso da Ré: 1) Como bem notam o recorrido e a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem de ser rejeitada, por incumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do CPC. Na verdade, querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, num julgamento em que a prova testemunhal foi gravada e em que a convicção do tribunal recorrido se baseou tanto na prova testemunhal como documental, a recorrente havia de ter indicado as testemunhas concretas cuja audição se revelaria necessária ao seu propósito, bem como as passagens concretas dos seus depoimentos, com indicação do início e termo das mesmas, não lhe bastando a referência genérica a todas as testemunhas, sem as identificar, e sem indicar tais passagens. Acresce que a referência aos documentos também não vem concretizada. O que a recorrente pede é uma reapreciação global da prova produzida, mas isso está fora da previsão legislativa sobre o que sejam os poderes da Relação, ou melhor, para que a Relação forme a sua convicção própria, o recorrente há-de indicar a razão da sua discordância relativamente à apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido. Nestes termos, rejeita-se a pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 2) Na mesma senda, não tem a recorrente razão na questão da falta de factos que permitam a condenação no trabalho suplementar, como muito lapidarmente indicou a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta: o facto nº 17, provado, e que a recorrente nem sequer pôs em causa expressamente, adquire para os autos que “O A. prestou para além do horário, por ordem da R. e com o seu conhecimento e a sua não oposição, no interesse e em benefício do seu negócio, inclusive aos sábados e aos domingos, as seguintes horas: (…)”, ou seja, justamente aquilo que a recorrente invoca que os autos não contêm. Improcede pois o recurso da Ré na sua globalidade, devendo a mesma suportar as inerentes custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC. Em conclusão: procede parcialmente o recurso do Autor, devendo revogar-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré do pedido de pagamento da retribuição dos dias de férias não gozados no período de 1995 a 2004, devendo outrossim condenar-se a Ré a pagar ao A. tal retribuição, a apurar em liquidação de sentença. Custas, do recurso do Autor, por ambas as partes, na proporção do seu decaimento. Custas do recurso da Ré pela mesma – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC. Custas pelo incidente de junção indevida de documento pelo Autor, recorrente. IV. Decisão Nos termos supra expostos acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar: 1 – parcialmente procedente o recurso do Autor, revogando a sentença recorrida no seu ponto decisório nº II, na parte em que absolveu a Ré do pedido de pagamento da retribuição dos dias de férias não gozados no período de 1995 a 2004, parte que substitui pelo presente acórdão que condena a Ré a pagar ao A. tal retribuição, a apurar em liquidação deste acórdão; 2 – Em julgar improcedente o recurso da Ré; 3 – Condenar ambas as partes nas custas do recurso do Autor, na proporção do seu decaimento e condenar a Ré nas custas do seu recurso; condenar ainda o Autor, recorrente, em 0,5 UC (meia UC) pela junção indevida de documento. Porto, 21.9.2015 Eduardo Petersen Silva Paula Maria Roberto Fernanda Soares _____________ [1] In RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e ss. [2] In “Teoria Geral do Direito Civil”, p.33. [3] Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Dogmática Geral”, parte I, Almedina 2005, p. 220. [4] Vide M. R. Palma Ramalho, ob. cit., p. 221. _____________ Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do CPC: I. Não é tempo de trabalho, a pagar como tal, o acréscimo de tempo de deslocação derivado de uma alteração unilateral lícita do local de trabalho. II. Provando-se apenas a instituição unilateral pelo empregador, de um prémio de assiduidade, de valor igual ao da retribuição mensal, e que o trabalhador, por ter sido assíduo, recebeu ao longo dos anos, sem mais elementos concretos, não logrou o trabalhador provar a natureza retributiva do mesmo, não se podendo sancionar a alteração de condições de atribuição do mesmo prémio. Eduardo Petersen Silva (Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil). |