Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
100/19.3T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PRAZOS DE PRESCRIÇÃO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
Nº do Documento: RP20201209100/19.3T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 12/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Prescrevem no prazo de 5 anos (prescrição de curto prazo), nos termos de especial disposição - al. e), do art. 310º, do Código Civil, a derrogar a geral, constante do art 309º - as obrigações relativas às quotas (partes/frações/prestações) em que se dividiu a prestação de amortização do capital mutuado com os juros (una).
II - Determinante na referida consagração especial, apesar de se tratar de uma obrigação unitária, é a circunstância de as prestações em que foi repartida a amortização do capital serem realizadas conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, envolvendo-se ambos (capital e juros) numa só prestação (fracionada no seu pagamento).
III - Emergindo a obrigação exequenda do contrato de crédito ao consumo (não de resolução do mesmo, sequer operada), e acordado o montante do capital e juros, a pagar em 60 prestações mensais, incumprida prestação, com vencimento de todas as subsequentes, o prazo de prescrição continua a ser o quinquenal;
IV - O referido fica a dever-se ao facto de o vencimento, antecipado, de todas as prestações do contrato de mútuo subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido - sempre parte da obrigação una de capital e juros -, nos termos de cláusula do contrato conforme ao estatuído no artigo 781º, do Código Civil - na consideração da circunstância de tal vencimento não implicar a obrigação de pagar os juros remuneratórios nelas incorporados, como decidido foi no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/3/2009; DR, 1ª Série, de 5/5/2009 - não altera a natureza jurídica da obrigação (que contratual continua a ser, apesar da perda do benefício do prazo) e, por isso, também não altera a subsunção jurídica a efetuar, nela baseada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 100/19.3T8LOU-A.P1
Processo do Juízo de Execução de Lousada – Juiz 2
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: Embargada/Exequente B…, SARL
Recorrido: Executada C…

Por apenso à execução comum que B… lhe moveu, veio a executada, C…, deduzir embargos de executado, pretendendo a extinção da execução, alegando, para tanto, a prescrição dos juros de mora e, bem assim, do capital.
A exequente contestou pugnando pela improcedência dos embargos.
Entendendo-se reunir o processo os elementos necessários, foi proferida decisão de mérito no despacho saneador, tendo a mesma o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada a presente oposição, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso quanto à executada embargante C….
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Custas a cargo da exequente”.
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A embargada/exequente apresentou recurso de apelação pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue os embargos improcedentes, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
A. A resolução do contrato de crédito atinge a totalidade do negócio (artigo 289.º, do Código Civil).
B. Uma vez que a resolução do contrato atinge a totalidade do negócio jurídico celebrado, o contrato deixará de ser um contrato de prestação continuada de amortização de capital e juros e passa a ser uma obrigação única de restituição de capital, já que as condições contratuais estabelecidas deixam de produzir efeitos (no que respeita a amortização de capital e juros em prestações continuadas).
C. Desta forma, deixando de existir a natureza jurídica de prestações continuadas de amortização de capital e juros, não há o que se falar em aplicação do prazo de prescrição de 5 (cinco) anos disposto no artigo 310, al. e) e d) do Código Civil e a obrigação de restituição passar a estar subordinado ao prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos disposto no artigo 309 do mesmo diplomo legal.
D. No mesmo sentido, os juros remuneratórios ou convencionais deixam de existir quanto às parcelas futuras, sendo aplicável somente até à data da resolução do contrato e, portanto, não há o que se falar em aplicação do prazo de prescrição de 5 (cinco) anos disposto noartigo310, al, d), doCódigoCivil e a obrigação, como um todo e indivisível, de restituição da dívida passa a estar subordinada ao prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos disposto no artigo 309 do mesmo diplomo legal.
E. Assim por todo o exposto, só se poderá concluir não ter a sentença fundamento.
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A apelada/embargante/executada apresentou contra-alegações a pugnar pela confirmação da decisão recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A) A sentença ora recorrida não merece qualquer reparo, pois é uma decisão formal e materialmente justa e houve uma correta aplicação do direito.
B) Do teor do contrato referido e celebrado entre as partes, resulta que a causa da relação jurídica subjacente é o Contrato de Crédito ao Consumo, no caso, tendo em conta que a obrigação engloba a restituição do capital mutuado e os juros e demais encargos, as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros pelo que se mostra preenchida a previsão da citada alínea e) do artigo 310.º, relativa a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (no mesmo sentido Ac. Do TRP de 11.04.2019 in Proc. 3790/16.5T8OAZA.P1).
C) A prescrição consubstancia-se no instituto pelo qual se opera a extinção de direitos subjectivos, quando estes não são exercidos pelo respectivo titular durante um determinado período de tempo, fixado por lei.
D) O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, sendo que, depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular e que, se a dívida for assumida por terceiro, a prescrição continua a correr em benefício dele, a não ser que a assunção importe reconhecimento interruptivo da prescrição – artigos 306.º e 308.º do Código Civil.
E) A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente; mas é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo o reconhecimento tácito relevante apenas quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam – artigos 323.º e 325.º do Código Civil.
F) Ora, sucede que apenas em 09.01.2019 a apelante deu à execução o contrato ao consumo incumprido e resolvido em 2002.
G) Todavia, nesta altura já haviam decorrido o prazo de 5 anos, e a obrigação da apelante, então mutuária, estava extinta por prescrição de curto prazo de 5 anos.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é, apenas, a seguinte:
- Saber se o prazo de prescrição do capital e juros peticionados na execução é o geral, de 20 anos, dada a resolução do contrato de mútuo (operada pela carta junta com o requerimento executivo) ou se preenchidos estão os pressupostos da aplicação da prescrição especial de curto prazo (5 anos).
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos provados, com relevância, para a decisão:
1. D…o, S.A, celebrou, no âmbito da sua atividade, em 20.07.2000, com os executados, o contrato de crédito, ao qual foi atribuído o n.º ……….., conforme documento junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por reproduzido, sendo o crédito concedido de 1.013.246$00, a pagar em 60 prestações mensais, no valor total de 1.567.680$00, vencendo-se a 1ª em 20/8/2000;
2. O referido contrato tinha como objeto um empréstimo para a aquisição de um veículo automóvel;
3. Apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, os executados não efetuaram, até à presente data, qualquer pagamento, nem prestaram qualquer justificação, situação que motivou o envio aos mesmos, em 02.08.2002 da missiva junta com o req. executivo cujo teor se dá por reproduzido;
4. D…, S.A, em 17/10/2007, mudou a firma para Banco D…, S.A.;
5. Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 18 de Maio de 2012, o Banco D…, S.A., cedeu à sociedade B…, S.A.R.L., os créditos que detinha sobre os ora executados, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias (cfr. docs. nº 1 e 2 juntos com oreq. Executivo);
6. A ação executiva foi instaurada em 09.01.2019.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Do erro da decisão de mérito: falta de verificação dos pressupostos da prescrição específica e do enquadramento da prescrição na ordinária face à resolução do contrato de mútuo oneroso.
Insurge-se a apelante contra a decisão que julgou os embargos de executado procedentes e extinta a execução, nos termos do nº4, do art. 732º, do Código de Processo Civil, por verificada se mostrar a prescrição da obrigação, preenchida estando a previsão da alínea e) do artigo 310.º, do Código Civil - diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência -, relativa a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, pois que a relação jurídica subjacente ao título executivo é um contrato de crédito ao consumo celebrado em 20.07.2000, no valor de 1.013.246$00, a restituir em 60 prestações mensais com juros, sendo que as prestações em que as partes fracionaram a obrigação configuram a restituição fracionada do capital acrescido dos juros, entendendo a recorrente que por ter resolvido o contrato a prescrição deixou de se poder enquadrar em qualquer prescrição específica.
Fundamenta o Tribunal a quo que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não podem deixar de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações (citando o Ac. do TRP de 24.03.2014 Proc. nº 4273/11.5TBMTS-A.P1, in dgsi.pt[1]), e como no caso, em que os executados incumpriram o contrato em 29.05.2002 e, face do incumprimento, foi o mesmo resolvido e exigida a totalidade do capital em 02.08.2002, por carta do banco enviada aos executados, iniciando-se em tal data o prazo previsto nos artº 310º e tendo, apenas, em 09.01.2019 a exequente dado entrada à execução, decorrido estava já o prazo de 5 anos e, por isso, extinta, por prescrição, a obrigação, podendo, validamente, os executados, nos termos do artº 304, do CC, recusar o cumprimento.
Considerou, pois, o Tribunal a quo ser aplicável ao caso, em que ocorreu incumprimento de contrato de mútuo, o prazo especial de prescrição consagrado no art. 310º, mais curto, no confronto com o prazo ordinário de vinte anos, estatuído no art. 309º, que o apelante entende aplicável dada a resolução operada mediante a declaração que junta com o requerimento inicial da ação executiva, a fundamentar a execução.
Aponta a apelante à decisão recorrida erro de direito, que funda na resolução do contrato de mútuo, a que está associado o prazo de prescrição geral, ordinário – de 20 anos -, ainda não decorrido.
A questão a resolver é, assim, a de saber se, como efeito de resolução do contrato de crédito ao consumo, se operou, na obrigação dos devedores, a transmutação de prazo específico de prescrição em prazo geral.
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Começa por se referir que a prescrição, que tanto pode ser invocada por ação como por exceção, traduz a repercussão do tempo nas relações jurídicas, consequência do caráter de ordem pública de que se reveste o instituto, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico[2], “é frequentemente considerada contrária à justiça e à moral, sendo muitas vezes questionada a sua necessidade e oportunidade. (…) Distintas razões concorrem para a sua justificação: probabilidade de o dever ter já sido cumprido, presunção de renúncia do titular do direito, sanção da sua negligência, consolidação de situações de facto, proteção do devedor contra dificuldades de prova, promoção do exercício oportuno de direitos, etc.” Valores essenciais de segurança e certeza jurídicas falam mais alto, prevalecendo sobre a justiça, tensão que tem de ser temperada, surgindo a prescrição, de qualquer modo, “como uma forma de sanção da inércia ou negligência injustificada do titular que não exerce o direito em período razoável. A passividade sugere que já não está interessado na invocação do direito, por isso se considera que, em tais casos, deixa de merecer a tutela jurídica”[3].
Em função de ponderações efetuadas pelo legislador, são consagrados, conforme as diversas situações, distintos prazos de prescrição, como decorre da “Subsecção II”, arts 309º e segs, sendo que aquele artigo consagra o “Prazo ordinário”, que é de “vinte anos”, aplicável, sempre, independentemente da boa ou má fé de quem invoca a prescrição, na ausência de prazo especial.
Resulta, pois, a prescrição “de dois fatores: inércia do titular do direito e decurso do tempo. E o período necessário para produção do efeito prescricional será aquele que, para o caso, for fixado”[4].
Vejamos se o caso se enquadra em alguma situação de prazo especial, caso em que será esse o aplicável, conforme o brocardo lex specialis derogat generalis, ou se, na falta dele, se subsume ao prazo geral, como a apelante pretende.
O artigo 310º, que a embargante invocou e o Tribunal convocou para a solução do caso, consagra, com a epígrafe “Prescrição de cinco anos”, casos de prescrição extintiva com prazo especial mais reduzido, prescrição de curto prazo, estatuindo “Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
O reduzido prazo justifica-se, pela ideia de tutela do devedor, nestas situações em que estão em causa direitos que têm por objeto prestações periódicas e as prescrições de curto prazo destinam-se essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria geral, II, 1966, pág 452)[5], presidindo, pois, a esta opção do legislador dar “prevalência ao interesse do devedor em não acumular múltiplos encargos, perante a inércia do credor”, sendo que “As obrigações abrangidas por este preceito pressupõem diversos atos de execução, a satisfazer regularmente”[6] (sublinhado e negrito nosso).
Ora, quanto a estas prestações periódicas e à fixação em tais casos, do prazo quinquenal de prescrição, a ratio é “atenta a autonomização promovida entre o prazo prescricional aplicável ao uno (i.e., à obrigação) – prazo ordinário de vinte anos (v. o art. 309º) – e ao múltiplo (i.e., a cada prestação singular que integra o complexo duradouro) – precisamente o prazo especial de cinco anos”[7] (negrito nosso). E “A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Moraes Antunes (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p.79)”[8]. Refere a mesma autora “julga-se que o critério que se impõe observar, na correta aplicação do artigo 310º, é precisamente o da periodicidade do direito, isto é, a circunstância de nos encontrarmos perante prestações que se constituem e se vencem, em certo e determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulação de dívida. O artigo 310º não pode, nesta medida, ser dissociado da ideia de prestação periódica. Esclarecendo o conceito de prestações periódicas, o Acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2009 (processo 08A3952) – “Prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo são prestações de natureza duradoura que, não sendo de execução continuada, se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos – verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos - e de formação correspondente a esses períodos, indicando-se habitualmente como exemplos da espécie as prestações do locatário, do fornecedor de bens de consumo ao respectivo estabelecimento de venda, do consumidor de água ou electricidade. Em regra, as prestações reiteradas ou repetidas são periódicas pois que se formam, como dito, com certa periodicidade, renovando-se. A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respectivo objecto, anda ligada ao factor tempo, de que depende”[9].
E cumpre deixar claro que, no enquadramento jurídico do caso, dentro deste preceito, se deve verificar, em primeiro lugar, se o mesmo “é enquadrável nalguma das primeiras alíneas de tal preceito legal – máxime na situação prevista na al. e) – só depois se passando, se necessário, à interpretação da norma residual que consta da al. g): ou seja, há, em primeiro lugar, que verificar se, na situação litigiosa, o crédito feito valer pelo exequente se consubstancia em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; e só no caso de a resposta a esta questão ser negativa cumprirá verificar se o crédito feito valer pela entidade exequente se pode configurar como conjunto de prestações periodicamente renováveis, susceptível de caber na norma residual constante da citada al. g)”[10].
E o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação[11], valendo tal prazo para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo[12].
Ora, o enquadramento na situação consagrada na al. e), do art. 310º, exige uma análise das circunstâncias do caso concreto, sendo que o curto prazo de prescrição de cinco anos é o que se aplica a um crédito proveniente de prestações de um mútuo pagáveis com os juros, como bem considerou o Tribunal a quo, sendo que a “estipulação de um plano de pagamento de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas (ou mais, como no caso) fracções, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração do capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista”[13]. Na “situação prevista na al. e) não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração”[14].
E o prazo prescricional de cinco anos inicia-se para cada uma das quotas que se vencer e não para o todo. Na linha do sustentado por Vaz Serra, nos Trabalhos Preparatórios, o C.C. vigente impõe um prazo prescricional único, de curta duração, aplicável a capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta. Releva, pois, uma perspectiva de análise atomística[15].
Destarte, a prestações do contrato de mútuo de amortização do capital pagáveis com os juros é aplicável o prazo especial de cinco anos, assim o consagrando expressamente a lei (referida al.e)) e sendo essa, como vimos, a interpretação que dela é feita, quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, na sua aplicação casuística.
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Analisemos a questão suscitada, da diversa natureza jurídica da dívida adveniente da, afirmada, resolução do contrato de mútuo e dos efeitos desta.
Invoca a apelante a resolução do contrato de mútuo e os seus efeitos, a fundamentar o prazo de prescrição, ordinário, que pretende aplicável, sustentando que com a declaração de resolução o contrato se extinguiu, dando a relação contratual, havida entre as partes, lugar a uma relação de liquidação, com obrigações de restituição do prestado e, tendo o contrato deixado de produzir efeitos (deixando de haver prestações de amortização de capital e juros), passando a haver lugar à restituição do capital, constituiu uma nova obrigação, única, de restituição do capital entregue.
Na verdade, regulando-se os efeitos da resolução do contrato de mútuo pelas regras gerais (arts. 432º e segs), verifica-se que estatui o art. 433º que a resolução é equiparada, na falta de disposição especial, à nulidade ou anulabilidade do contrato, aplicando-se o art. 289º que, ao estabelecer uma ineficácia superveniente do contrato com eficácia retroativa, visa colocar as partes na situação em que estariam se o contrato não tivesse sido celebrado. Para esse efeito, institui-se uma relação de liquidação através da qual se restituem as prestações já efetuadas, que devem ser realizadas simultaneamente (art. 290º).[16]. Sendo a regra a de que a resolução do contrato tem eficácia retroativa, tal implica para além da extinção para o futuro das obrigações das partes, o surgimento de obrigações de restituição, destinadas a colocar as partes no mesmo estado em que se encontravam antes da celebração do contrato, com constituição de uma relação de liquidação. E não estaríamos perante prestação periódica emergente, com autonomia, de relação jurídica unitária de que aquela prestação derive[17], subsumível ao artigo 310º, mas perante uma obrigação de restituição, una, emergente da resolução do contrato, subordinada ao prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos disposto no artigo 309º.
Ora, em consequência da mora no pagamento de prestações e nos termos das cláusulas do contrato celebrado (cfr. contrato junto com o requerimento inicial da execução a que alude o f. p. nº1), venceram-se todas a prestações do mesmo (o que, também, decorre do consagrado no art. 781º), em data anterior a 2/8/2002, e caso tivesse sido resolvido, na referida data, efetivamente passaria, então, a haver uma obrigação de restituição (por força do artigo 289.º, aplicável ex vi art. 433.º do Código Civil). E resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobavam o pagamento do capital e juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não teria aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configuraria como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”[18].
Porém, a carta a que alude o f.p. nº3, que a exequente junta com o requerimento executivo, não pode ser qualificada como uma declaração de resolução contratual e, para operar a resolução, tinha, desde logo, o direito de ter sido exercido mediante declaração à parte faltosa, nos termos do nº1, do art. 436º, o que se não verificou.
Pela referida carta, apenas é concedido aos devedores um prazo para pagamento do montante em dívida ou apresentação de proposta de pagamento, sob pena de procedimento judicial contra os mesmos, de nenhuma declaração de resolução do contrato, a extingui-lo, se tratando.
Acresce que, como se constata do requerimento executivo, o que a exequente pretende é o pagamento coercivo, de para além de parte do capital, dos juros.
E, na verdade, não resolvido o contrato, pois que a afirmada carta junta de nenhuma declaração de resolução se trata, “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos” e “neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”[19].
Assim se decidiu o STJ, no citado Acórdão, onde convoca a Jurisprudência daquele Supremo Tribunal[20] (Ac. de 27/3/14, proferido por esta mesma Secção no P. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1), em que se entendeu, em caso em que estava igualmente em causa a efectivação de direitos emergentes de um mútuo bancário, que:
1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.
2. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 24 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referentemente ao capital de 7.326.147$00, enquadra -se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil[21],
aí se reforçando, o mesmo sucedendo no presente caso, que “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que - por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.
Ora, no caso dos autos, como decorre da matéria de facto apurada, as partes estipularam efectivamente, no âmbito da operação de crédito que gerou a dívida da executada, o pagamento da mesma em 60 prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que dita a aplicação do estatuído na referida al. e) do art. 310º - e, consequentemente, do prazo prescricional de 5 anos à totalidade de tais prestações globais e parceladas[22].
Vencidas e exigidas todas as prestações - vencimento imediato esse ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781º[23] - e incumprido o contrato em 29/5/2002 e proposta a execução apenas em 2019, não pode deixar de se ter por verificada a exceção de prescrição, sendo que a natureza jurídica das prestações se não alterou, continuando a ser frações/quotas/prestações de amortização da prestação (una[24] – obrigação de prestação fracionada ou repartida) de capital e juros, pelo que, contrariamente ao que a apelante pretende, se não pode deixar de falar em ser aplicável o prazo especial de prescrição de 5 (cinco) anos, explicitamente consagrado na al. e), do art. 310º, do Código Civil, o que afasta o prazo geral de prescrição, estatuído no artigo 309 do mesmo diplomo legal, estando prescritas todas as prestações (de capital e juros).
Na verdade, o vencimento antecipado, por perda de benefício do prazo por parte do devedor (na sequência de mora e de interpelação, necessária, dos devedores nesse sentido) das prestações vincendas do contrato de mútuo, nos termos estipulados no contrato e estatuídos no artigo 781º, do Código Civil, que respeita, sempre, a parte da obrigação una de capital e juros acordada, não altera a natureza jurídica do crédito e da correlativa, obrigação assumida, de fonte contratual. O imediato vencimento das prestações subsequentes àquela ou àquelas que deixaram de ser pagas, nos termos do referido preceito decorre de regras aplicáveis ao contrato, não traduzindo situação de resolução contratual[25]
E a circunstância de tal vencimento das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implicar a obrigação de pagar os juros remuneratórios nelas incorporados, como decidido foi no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/3/2009; DR, 1ª Série, de 5/5/2009[26], o que mantém actualidade[27], não altera, também, a subsunção, a efetuar em função da referida natureza da obrigação - quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” -, que permanece a mesma – prestações contratuais em que se fracionou a amortização do capital mutuado pagáveis com os juros.
Em suma: não resolvido o contrato de mútuo, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos de especial e explicita disposição - al. e), do art. 310º, do Código Civil, a derrogar a geral, constante do art 309º - as obrigações relativas às quotas (partes/frações/prestações) em que se dividiu a prestação de amortização do capital mutuado com os juros (una), mesmo que com antecipação de vencimento, nos termos do art. 781º, do Código Civil ou de cláusula com redação a ele conforme, que lhe não altera a natureza jurídica, sempre contratual.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Porto, 9 de dezembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Faz a decisão recorrida referência ao aí citado: “mesmo que se considere incondicionalmente que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros têm natureza de prestações periodicamente renováveis, o enquadramento no artigo 310.º do Código Civil não é contrariado pela letra da lei e pela interpretação da mesma; especificamente, não é contrariada pelo ensinamento do Prof. Vaz Serra, citado pelo recorrente. Transcrevendo a citação feita no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proferido em 8 de Maio de 2007, no âmbito do processo 3218/03.0TBVIS-A.C1, igualmente disponível na base de dados do IGFEJ – www.dgsi.pt): «No que respeita às chamadas prescrições de curto prazo sem natureza presuntiva, como é o caso das prestações periódicas renováveis, o Prof. Vaz Serra, no seu Estudo sobre Prescrição Extintiva e Caducidade, in BMJ 106, p.107, explicita assim a sua motivação, citando os tratadistas Planiol, Ripert e Radouant: “A razão essencial desta prescrição, que remonta ao nosso antigo direito francês, claramente indicada nos trabalhos preparatórios, é proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos”. E, precisamente sobre o problema das fracções de capital, expende o mesmo Prof. (ob. cit. p.113-114): “Com os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão, § 197º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros”», entendimento “também acolhido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Maio de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo 2/1993, página 82”, e no Ac. do TRC de 8 Maio de 2007, proc. n.° 3218/03.0TBVIS-A.C1. in www.dgsi.pt” e que “O mesmo não foi prejudicado nem contrariado pela publicação do Decreto-lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores”.
[2] Sendo que “a prescrição não é, em rigor, uma causa de extinção das obrigações, atribuindo apenas ao devedor que a invoque “a faculdade de se recusar a cumprir ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” (neste sentido, p.ex., Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, 1988:67; Heinrich Ewald Hörster, 1992:214, e Pedro Pais de Vasconcelos, 2012: 328, para quem “a prescrição não extingue o direito nem a vinculação”; contra Brandão Proença, 2011:51, e Luís Carvalho Fernandes, 2010: 694, que define prescrição como “a extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido o seu cumprimento, como dever de justiça”). Com efeito, “o pagamento espontâneo da dívida prescrita é que gera o efeito extintivo que a prescrição não produziu” o que demonstra como mesmo depois da prescrição subsiste um débito e um devedor (Vitucci, 1980:30)” Júlio Gomes, anotação ao artigo 304º, com a epígrafe, “Efeitos da prescrição”, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 748 e seg.
[3] Rita Canas da Silva, Nota sobre a subsecção em geral em Anotação à “Subsecção I,- Disposições gerais” da “Secção II - Prescrição, in Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord), volume 1, Almedina, pág 374
[4] Ibidem, pág. 381
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 280
[6] Rita Canas da Silva, Idem, pág. 382
[7] Ibidem, pág. 382
[8] Júlio Gomes, anotação ao artigo 310º, Idem, pág. 755 e seg.
[9] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 124 e seg.
[10] Ac. STJ de 29/9/2016, proc. 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Relator: Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego), in dgsi.pt
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, Idem, pág 280
[12] Ana Filipa Morais Antunes, Idem, pág. 124
[13] Ibidem, pág 128
[14] Ibidem, pág 127
[15] Ibidem, pág 128
[16] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, idem, pág 101
[17] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Idem, pág 280
[18] Ac. RC de 12/6/2018, proc. 17012/17.8YIPRT.C1 (Relator: Sr Juiz Desembargador Jorge Arcanjo), in dgsi.pt
[19] Ac. STJ de 29/9/2016, proc. 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Relator: Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego), in dgsi.pt
[20] E neste sentido vem sendo a orientação jurisprudencial, que julgamos dominante em todos os Tribunais Superiores: a mencionada na decisão recorrida e pela apelada e, ainda, relativamente à do STJ, cfr Ac. de 6/6/19, proc. 902/14.7T8GMR-A.G1.S1, Relator Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes), onde se considerou “A previsão da al. e) do art. 310.º do CC exige que o vencimento das prestações remuneratórias coincida temporalmente com o vencimento das prestações de amortização do capital – em suma, exige a natureza unitária das prestações –, impondo ao credor um dever de diligência na cobrança dos seus créditos e tutelando, paralelamente, o interesse do devedor em não ser confrontado, a destempo, com a acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos”; e das Relações: cfr. Ac. RP de 9/12/2020, Proc. 17977/19.5T8PRT.P1, Relatora: Sra Desembargadora Fátima Andrade, em que a ora relatora figura como Adjunta, onde se decidiu “I- Prescrevem no prazo de cinco anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, relativas a contrato de mútuo.II- A antecipação do vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo por incumprimento nos termos do artigo 781º do CC não altera a natureza do crédito e assim o regime prescricional aplicável ao mesmo mantém-se”; Acs. RE de 7/11/2019, proc. 1599/18.0T8SLV-A.E1,Relator:Juiz Desembargador Manuel Bargado), onde se refere “I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do artigo 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.II - A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” e de 14/3/2019, proc. 1806/13.6TBPTM-A.E1(Relatora: Sra Juíza Desembargadora Ana Margarida Leite), onde se decide “Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, al. e), do Código Civil, as prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, em que se fracionou a obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros”; Ac. RL de 15/2/2018, proc. 828/16.0T8SXL.L1-6 (Relatora: Sra Desembargadora Ana Paula Carvalho), onde se refere “Apesar da obrigação incumprida incidir sobre quotas vencidas e vincendas – de amortização do capital pagáveis com juros – nos termos do artigo 781º do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição de cinco anos a que se alude nas alíneas e) e/ou g) do artigo 310º do C.C., pois a prescrição respeita a cada uma das prestações e não ao todo em dívida”; todos acessíveis in dgsi.pt.
[21] Citando-se o aí escrito, e seguido no Ac. de 29/9/2016,“Na verdade, se é certo que a disciplina legal estatuída na alínea e) do art.º 310.º do C.Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”, o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial.
Convenhamos que das considerações, difundidas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” se retira lição diferente daquela que o recorrente pretende divulgar.
Como nelas se contêm “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida
Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
A obrigação assumida pelos signatários do contrato, confirmamos nós, compartimentada num mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil”.
[22] Referido Ac. STJ de 29/9/2016
[23] Estatuindo o referido artigo, com a epígrafe “Dívida liquidável em prestações”, “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
[24] Cfr Galvão de Teles, Obrigações, 3º, pág 159 “Nas dívidas a prestações há uma só obrigação cujo objeto é dividido em frações, com vencimentos intervalados.
Nas dívidas periódicas há uma pluralidade de obrigações distintas embora todas emergentes de um vinculo fundamental, de que nascem sucessivamente”.
[25] Ac. RL de 15/12/1999, BMJ, 492, 483.
[26] Aí se decidiu “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781º do CC não implica a obrigação de pagamentodos juros remuneratórios nelas incorporados”.
[27] Cfr Ac. da RP de 12/10/2020, proc. 2742/16.0T8VFR.P1, Relator: Sr. Desembargador Jorge Seabra, onde se decidiu “I. A doutrina do Acórdão Uniformizador n.º 7/09 mantém-se válida e em vigor após a entrada em vigor do DL n.º 133/2009, de 2.06.
II. A possibilidade ressalvada no aludido Acórdão de as partes convencionarem regime distinto do previsto no artigo 781º, do Código Civil, não significa que as partes possam, em contrato de crédito ao consumo, convencionar a inclusão de juros remuneratórios no valor das prestações vencidas após a interpelação do mutuário para efeitos de antecipação de todas as rendas que se venceriam até ao final do contrato e se este perdurasse até essa data.
III. Os juros remuneratórios, exprimindo o rendimento financeiro do capital mutuado pelo período de tempo em que o credor dele está desapossado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado e reclamado pelo credor/mutuante, mas apenas nas prestações vencidas antes dessa antecipação”.