Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
39515/22.2YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP2024012539515/22.2YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que a parte tenha a possibilidade de se pronunciar sobre os factos que sejam complemento ou concretização dos que tenham sido alegados, e resultem da instrução da causa (art. 5.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil), não é necessário que o juiz despache no sentido de, especial e expressamente, lhe ser dada a palavra para o efeito. Também não é forçoso que, para assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, tenha de proferir despacho sinalizando às partes a relevância de tais factos e a sua possível aquisição processual.
II - Se, como ocorre no caso dos autos, são as partes a invocar a relevância de tais factos complementares ou concretizadores no esclarecimento e compreensão dos alegados nos articulados, para sobre eles incidir prova pericial (deferida), e a, para a sua prova e contraprova, lhes dedicarem os seus recursos instrutórios e debates, encontra-se devidamente garantido o contraditório esclarecido exigido por lei.
III - No âmbito do contrato de empreitada, a procedência da exceção de não cumprimento do contrato (art. 428.º do Cód. Civil) invocada pelo dono da obra conduz à absolvição do pedido.
IV - O caso julgado que se formar sobre esta decisão está sujeito ao regime previsto no art. 621.º do Cód. Proc. Civil, pelo que, se o empreiteiro concluir ulteriormente a obra sem defeitos ou oferecer o cumprimento desta sua obrigação (não tendo a outra parte aceitado a prestação que lhe é oferecida ou não tendo pratica os atos necessários ao cumprimento), e caso não seja pago o preço, poderá propor nova ação, sem que esta exceção lhe possa ser oposta novamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 39515/22.2YIPRT.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Local Cível de Paços de Ferreira
Recorrente(s) A..., L.da
Recorrido(a/s) B..., L.da

Sumário
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Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

A..., L.da, apresentou um requerimento de injunção, ulteriormente distribuído como ação declarativa com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra B..., L.da, para pagamento da quantia total de € 5.597,90.
Para tanto, alegou que, a pedido da ré, lhe forneceu e montou os materiais discriminados na fatura que junta, cujo preço aquela pagou apenas parcialmente, existindo ainda uma quantia remanescente por pagar.

Citada a ré, apresentou contestação, defendendo-se por exceção perentória e por impugnação.

Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação improcedente, concluindo nos seguintes termos:
Em face do exposto, decido julgar a presente ação inteiramente improcedente e, em consequência:
a) Absolvo a ré dos pedidos formulados;

Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso de apelação, concluindo, no essencial:
V- Sendo a questão de facto contida na resposta ao ponto 5 da matéria de facto, iminentemente técnica, e sustentada no Laudo Pericial, a resposta dada pelo Senhor Perito, não permite ao Tribunal ir tão longe quanto foi, nomeadamente, concluir pela inadequação do perfil e pela insegurança pelo facto alguns dos vidros varejarem.
VI – O tribunal recorrido quanto ao ponto quinto da matéria de facto apenas podia assentar ou dar como provado que: Os vidros colocados nos caixilhos de maior dimensão na obra realizada pela autora para a ré, ao nível da cave, varejam e podem colocar questões de segurança. (…)
VIII - A questão de direito, da aptidão da obra para o uso ordinário ou previsto no contrato, bem assim o complexo de obrigações a cargo do empreiteiro, encerra em si mesma várias Questões de facto sobre as quais o Tribunal não se pronunciou nem sequer as colocou.
IX – Importava indagar se foi proposto à ré pela autora, em momento prévio à orçamentação, outro ou outros perfis, de maior dimensões e qualidade superior para a obra, que evitassem o varejamento dos vidros (…), importaria também averiguar se apesar da proposta de outro ou outros perfis de maior dimensão e qualidade superior a opção da ré foi pelo perfil de menor preço e por último o importaria apurar se o material escolhido e colocado exclui a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. (…)
XVI – Acresce que estando a ré assessorada por técnico (arquiteto) autor do projeto da estrutura, cabia a este a pronuncia sobre a escolha da sua cliente e devia a ré pedir opinião técnica, não cabendo à autora enquanto mera construtora da estrutura emitir uma opinião e passar por cima do técnico e autor do projeto. (…)
XVIII – Acresce que a própria exceção de não cumprimento, ainda que tivesse algum fundamento e não cremos que tenha, não pode levar à absolvição do R. da obrigação de pagar o preço.
XIX – O que na douta sentença deveria ter sido feito, a admitir-se que há defeito de obra, traduzido na inadequação do perfil ao fim a que era destinado (…) era condenar a ré no pagamento do preço na condição prévia da autora eliminar o pretenso defeito, doutro modo a ré goza a obra, leia-se disfruta dos materiais e trabalho da autora sem pagar a parte do preço em falta e sem se preocupar com os defeitos ou com a inadequação da obra ao respetivo fim.

Conclui a apelante pela revogação da sentença recorrida e procedência da ação.

A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

II. Objeto do recurso

Face às conclusões das alegações de recurso, as questões de facto a decidir são a pretendida alteração do ponto 5 dos factos provados e a existência de omissão de pronúncia sobre questões de facto relevantes.
As questões de direito a tratar são as seguintes:
– Mérito da ação;
– Exceção de não cumprimento invocada pela ré.
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III. Fundamentação

A apreciação do mérito do recurso implica que se tenha em consideração a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto provada, que se passa a indicar (inserindo-se, para melhor apreensão, a identificação do tema da factualidade em causa).

Factos provados

1. Estipulação contratual

1 – A autora tem por objeto o fabrico de estruturas metálicas de alumínio e vidro, pintura e colocação de vidros, montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia, construção de edifícios, fabricação de portas, janelas e elementos em metal e sua colocação, fabricação de estruturas metálicas em ferro e alumínio e sua colocação.
2 – No exercício da sua atividade, a autora forneceu à ré e montou nas instalações desta, mediante solicitação da mesma, os bens descriminados na fatura ..., datada de 5 de novembro de 2020 e com vencimento a 5 de novembro de 2020, no valor de € 7.320,00.
3 – A referida fatura reporta-se aos seguintes bens:
##ArtigoDescriçãoQtdValor
a) 9000Fixo com 3590x12801,00598,00
b) 9000Tubo 40x40 ( q06) 1,0052,61
c) 9000Fixo com 1920x2985 1,00735,30
d) 9000Porta abrir com fixo lateral com 1450x29851,00733,60
e) 9000Fixo com 3425x2980 1,001251,77
f) 9000Fixo com 1700x19051,00419,88
g) 9000Fixo com 1735x1285 1,00305,04
h) 9000Porta abrir com fixo lateral com 3295x26251,001199,76
i) 9000Porta abrir com fixo lateral com 2610x27951,001044,67
j) 9000Porta abrir 1 folha com 990x2620 1,00459,37
k) 9000Porta abrir 1 folha com 1095x2615 1,00520,00
7 320,00

2. Cumprimento do contrato

4 – A ré pagou € 2.040,00, aquando da adjudicação, tendo ficado por pagar o valor remanescente de € 5.280,00, não obstante interpelação ao pagamento.
5 – O perfil de alumínio utilizado não foi o adequado, pois os vidros abanam, criando insegurança.
6 – Só com novo material se consegue conferir segurança aos vidros.
7 – Os perfis de alumínio foram seguros com parafusos.
8 – A ré comunicou à autora a existência de defeitos na obra logo após a sua conclusão, tendo pedido uma solução para os mesmos.

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

1. Ponto quinto da decisão respeitante à matéria de facto

Começa a apelante por sustentar que “[o] tribunal recorrido, quanto ao ponto quinto da matéria de facto, apenas podia assentar ou dar como provado que: Os vidros colocados nos caixilhos de maior dimensão na obra realizada pela autora para a ré, ao nível da cave, varejam e podem colocar questões de segurança” (conclusão VI das alegações de recurso).
Conforme resulta da fundamentação de facto, o tribunal a quo deu por provado que:
5 – O perfil de alumínio utilizado não foi o adequado, pois os vidros abanam, criando insegurança.
O tribunal a quo motivou a sua convicção, no que respeita à factualidade impugnada, nos seguintes termos:
De acordo com o relatório pericial, (…) os dois vidros/elementos fixos situados na cave junto à escada “varejam” ou abanam, com prejuízo para a sua segurança, defeito que considera eliminável ou reparável com a colocação de perfis de alumínio de maior secção.
Ainda sem nos debruçarmos sobre o relatório pericial, podemos, desde já, reconhecer propriedade à impugnação da decisão respeitante à matéria de facto apresentada pela apelante. Considerando o âmbito (mais vasto) da empreitada, a decisão do tribunal a quo excede o que resulta do meio de prova invocado.
Do relatório pericial, sobre esta questão, efetivamente, apenas resulta o seguinte:
7º Se os defeitos colocam em risco a segurança de pessoas e bens?
O Perito apenas ressalva a questão de varejamento de alguns elementos envidraçados, que causa desconforto bem como pode colocar questões de segurança. Esta situação deveria ter sido acautelada nos caixilhos com a maior altura, pois varejam. Concretamente esta situação verifica-se nos dois elementos fixos, na cave, junto à escada. (…)

Com base neste meio de prova, apenas pode ser dado por provado que:
5 – Na obra realizada pela autora para a ré, os dois elementos fixos com a maior altura, situados na cave, junto à escada, oscilam, causando desconforto e comprometendo a segurança.
Procede, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, nos termos referidos.

2. Omissão de pronúncia sobre questões de facto relevantes

Defende a apelante na conclusão IX das alegações de recurso, que:
a) “importava indagar se foi proposto à ré pela autora, em momento prévio à orçamentação, outro ou outros perfis, de maior dimensões e qualidade superior para a obra, que evitassem o varejamento dos vidros”;
b) “importaria também averiguar se apesar da proposta de outro ou outros perfis de maior dimensão e qualidade superior a opção da ré foi pelo perfil de menor preço”;
c) “importaria apurar se o material escolhido e colocado exclui a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.

Não esclarece a apelante por que via foram processualmente adquiridos os factos em questão, em conformidade com o disposto no art. 5.º do Cód. Proc. Civil.
É só nas alegações de recurso que a autora, pela primeira vez, invoca a referida matéria que defende que o tribunal a quo tinha que ter apurado. Acresce que o faz, no corpo das alegações de recurso, a propósito da “Análise da aplicação do direito” (e não no âmbito da “Analise da questão de facto (…)”), nos seguintes termos:
«(…) Esta questão de direito, da aptidão da obra para o uso ordinário ou previsto no contrato, bem assim o complexo de obrigações a cargo do empreiteiro decorrente da aptidão da obra para o uso ordinário ou previsto no contrato, encerra em si mesma várias questões de facto sobre as quais o Tribunal não se pronunciou.
Em primeiro lugar importaria indagar se foi proposto à R. pela A. no momento prévio ao da orçamentação, outro ou outros perfis, de maior dimensões e qualidade superior, que evitassem o varejamento dos vidros e automaticamente afastasse a questão de segurança que o Senhor Perito coloca como hipótese.
Em segundo lugar importaria averiguar se apesar da proposta de outro ou outros perfis maior dimensão e qualidade superior a opção da R. foi pelo perfil de menor preço, com o desconforto do varejamento e onde a questão da segurança se pode colocar.
Em terceiro importaria apurar se o material escolhido e colocado exclui a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. (…)».

Não esclarece a apelante por que via foram processualmente adquiridos os factos em questão, em conformidade com o disposto no art. 5.º do Cód. Proc. Civil.
É só nas alegações de recurso que a autora, pela primeira vez, invoca a referida matéria que defende que o tribunal a quo tinha que ter apurado. Acresce que o faz, no corpo das alegações de recurso, a propósito da “Análise da aplicação do direito” (e não no âmbito da “Analise da questão de facto (…)”), nos seguintes termos:
«(…) Esta questão de direito, da aptidão da obra para o uso ordinário ou previsto no contrato, bem assim o complexo de obrigações a cargo do empreiteiro decorrente da aptidão da obra para o uso ordinário ou previsto no contrato, encerra em si mesma várias questões de facto sobre as quais o Tribunal não se pronunciou.
Em primeiro lugar importaria indagar se foi proposto à R. pela A. no momento prévio ao da orçamentação, outro ou outros perfis, de maior dimensões e qualidade superior, que evitassem o varejamento dos vidros e automaticamente afastasse a questão de segurança que o Senhor Perito coloca como hipótese.
Em segundo lugar importaria averiguar se apesar da proposta de outro ou outros perfis maior dimensão e qualidade superior a opção da R. foi pelo perfil de menor preço, com o desconforto do varejamento e onde a questão da segurança se pode colocar.
Em terceiro importaria apurar se o material escolhido e colocado exclui a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. (…)».

A factualidade que assumiria relevância jurídica seria a seguinte: ‘a autora propôs à ré um perfil de maiores dimensões e qualidade superior, que evitava a oscilação do elemento, isto explicando à demandada, também explicando que o perfil por esta escolhido, também proposto pela autora, permitiria tal oscilação’. Ora, nunca a autora alegou tais factos no processo: mesmo nestas alegações de recurso, invoca que falta pronúncia sobre a referida matéria sem das referidas alegações resultar onde e quando foi alegado terem sido praticados tais factos.
Sobre as partes recai o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas – art. 5.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. A matéria que agora, em sede de alegações de recurso, refere ser essencial e não ter sido apurada, nunca foi anteriormente alegada, sequer no requerimento em que se pronunciou sobre o objeto da perícia e em que também exerceu o contraditório quanto aos defeitos invocados pela ré na oposição (requerimento de 12-09-2022, ref. 8179243, no qual a autora, no seu art. 27.º, alegou o seguinte: “Saber se o material empregue, está ou não indicado para a obra será necessário saber qual o material contratado e na ausência de especificação do material contratado tem que atentar-se no preço da empreitada versus material, pois que ninguém pode pedir ouro se paga ferro.)”
A consideração, no processo, da matéria em causa para afastar a responsabilidade da autora quanto ao defeito provado (varejamento), pressupunha que a mesma tivesse sido alegada pela autora, e não o foi.

A apelante também não esclarece qual o sentido da decisão de facto que entende dever ser proferida sobre tais questões. Apenas indica o seguinte conteúdo, que nada de relevante acrescenta à decisão de facto: “a ré escolheu o perfil de alumínio exclusivamente em função do seu preço” – segunda conclusão XI.

Dispõe o art. 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil que, “[q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
A indicação dos meios probatórios que impunham decisão diferente (al. b)) deve, por um lado, ser consequente, isto é, deve compreender a explicação dessa imposição – por exemplo, uma testemunha ter afirmado aquilo que se pretende que seja dado por provado ou ter negado aquilo que se pretende que seja dado por não provado. Por outro lado, quando a impugnação seja fundada em prova gravada, deve o apelante, conforme resulta do disposto no art. 640.º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
A falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, incluindo a falta de indicação das passagens da gravação em que o recorrente funda a sua impugnação, determina a “imediata rejeição do recurso na respetiva parte” (art. 640.º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil). Com efeito, a lei não consente aqui a prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento da alegação, contrariamente ao que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.
A apelante invoca nas duas conclusões XI e na conclusão XII o depoimento da testemunha AA para prova da existência de “opções de escolha dadas à R no que ao perfil se reporta e que a R. nessa opção atentou apenas no preço.” Da parte do depoimento indicado pela apelante e transcrito na conclusão XII o que se retira é que “foram mostrados vários modelos de alumínio, preferiram sempre o alumínio mais barato, e nós fizemos o orçamento e o trabalho conforme eles solicitaram.”
Como acima já ficou dito, nenhuma relevância assume o facto em causa (ter a ré escolhido a opção mais barata de entre as opções que lhe foram apresentadas pela autora).

No caso dos autos, constata-se que a alegação, quanto à impugnação agora apreciada, não satisfaz os ónus estabelecidos art. 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
Não pode, pois, ser admitido o recurso sobre a decisão da matéria de facto, na parte agora tratada, nada se alterando, em resultado desta impugnação, na factualidade fixada em 1.ª instância.

3. Alteração oficiosa da matéria de facto

As partes consideraram relevante o apuramento das seguintes questões “o perfil de alumínio foi mal colocado?” e quais os “custos no caso de a correção obrigar à retirada daquele material e à substituição por outro?”. Assim sendo, estas questões foram incluídas no objeto da perícia realizada, tendo merecido as seguintes respostas no relatório pericial:
3. Se o perfil de alumínio foi mal colocado?
Após análise o perito constata que na generalidade o perfil de alumínio não se encontra mal colocado, no entanto carece de afinação de portas no seu fecho, carece de afinação uma porta ao nível da cave da loja que raspa no soalho de madeira. Assim sendo e conforme referido, deverá ser realizada uma afinação geral, colocação de elementos em EPDM para fecho da furação de aperto da caixilharia. Foi ainda realizada uma averiguação à verticalidade das serralharias e vidros no sentido de averiguar a existência de algum desaprumo.
(…)
10. Como deve ocorrer a correção dos defeitos?
Do que foi analisado pelo perito, o mesmo considera que o vão fixo referido, junto da escada, deveria ser objeto de atenção específica, pela dimensão, que facilmente constata ao leigo o varejamento do mesmo. Assim, nesse vão deveria ter sido utilizado um perfil de maior seção, inércia que lhe permitisse diminuir o varejamento da estrutura e vidro. Os demais defeitos levantados pelo Perito são objeto de intervenção simples.
11. Estimativa de custos no caso de a correção obrigar à retirada daquele material e à substituição por outro?
Conforme referido pelo Perito, deverá apenas ser colocado um vão fixo composto por caixilharia metálica de cor preto grafite, da mesma série, com dois vidros fixos, vão melhor referenciado com as dimensões 3425*2980 mm. Estima este perito que para a substituição deste vão seja necessário a importância de € 3000,00 acrescido de IVA à taxa legal.

Pela sua importância, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario), impõe-se alterar a decisão de facto, de modo a incluir os transcritos factos relevantes apurados através da perícia realizada – sobre a admissibilidade da alteração oficiosa, cfr. o Ac. do STJ de 17-10-2019 (3901/15.8T8AVR.P1.S1), bem como António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 357 e 358.
Importa aqui referir que, para que a parte tenha a possibilidade de se pronunciar sobre os factos que sejam complemento ou concretização dos que tenham sido alegados, e resultem da instrução da causa (art. 5.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil), não é necessário que o juiz despache no sentido de, especial e expressamente, lhe ser dada a palavra para o efeito. Também não é forçoso que, para assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, tenha de proferir despacho sinalizando às partes a relevância de tais factos e a sua possível aquisição processual.
Se, como ocorre no caso dos autos, são as partes a invocar a relevância de tais factos e a, para a sua prova e contraprova, lhes dedicarem os seus recursos instrutórios e debates – quanto a estes, refira-se, por exemplo, as alegações da mandatária da autora, aos 1m55s e aos 6m00s da gravação –, encontra-se devidamente garantido o contraditório exigido por lei. Justifica-se, pois, dada a sua relevância, que se julgue provada a factualidade apurada nas duas respostas transcritas a quesitos formulados pelas partes.

4. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto e de conhecimento oficioso

Cumpre agora extrair as necessárias consequências da análise da prova produzida. Em resultado da reapreciação desta, altera-se o ponto 5 – fundamentação de facto acima exarada –, passando este a ter o seguinte conteúdo:
5 – Na obra realizada pela autora para a ré, os dois elementos fixos com a maior altura, situados na cave, junto à escada, oscilam, causando desconforto e comprometendo a segurança.
Aditam-se ao leque dos factos provados os seguintes pontos:
5-A – Os trabalhos necessários à eliminação da patologia referida no ponto 5 – factos provados – têm um custo de € 3.000,00.
5-B – Para além da patologia referida no ponto 5 – factos provados –, os elementos da obra executada pela autora carecem de afinação geral, devendo ainda ser colocada borracha termoplástica EPDM (ethylene propylene diene methylene rubber) para fecho da furação de aperto da caixilharia.

No mais, deve ser mantida a decisão de facto do tribunal a quo, improcedendo a sua impugnação.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito a abordar:
1. Do mérito da ação
2. Da exceção de não cumprimento do contrato

1. Do mérito da ação

Sobre a qualificação da relação contratual intercedente entre as partes e sobre os fundamentos da ação, basta-nos dar por reproduzida a decisão de mérito proferida pelo tribunal a quo. De todo o modo, sempre se acrescenta que, independentemente da qualificação jurídica que se faça deste contrato (aquele que resultou provado) – e é incontroverso que estamos perante um contrato de empreitada –, os direitos dele emergentes que se pretendem exercer por via desta ação encontram-se estipulados pelas partes por um modo não contrário a norma imperativa ou à ordem pública. Por força do acordo firmado entre as partes, deveria a ré efetuar a contraprestação acordada. O pagamento ou a existência de um acordo extintivo da obrigação é matéria de exceção não provada pela ré.
Determina o art. 406.º, n.º 1, do Cód. Civil que o contrato deve ser pontualmente cumprido. Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, pode o credor exigir judicialmente o seu cumprimento art. 817.º do Cód. Civil.
Não sendo a obrigação cumprida no tempo devido, constitui-se o devedor em mora. Tal circunstância determina a sua obrigação de reparar os danos causados à credora com este atraso art. 804.º, n.os 1 e 2, do Cód. Civil. Nos termos do art. 805.º, n.º 1, do Cód. Civil, o devedor constitui-se em mora com a interpelação. Finalmente, determina o n.º 1 do art. 806.º do mesmo diploma que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”. “Os juros devidos são os juros legais (...)” idem, n.º 2.
Em suma, tendo a obra sido concluída, está a ação em condições de proceder, salvo se for julgada procedente alguma exceção perentória.

2. Da exceção de não cumprimento do contrato

Entregue a obra, tem o dono o ónus de a verificar e de a aceitar (se conforme), e o dever de pagar o preço acordado – arts. 1211.º, n.º 2, e 1218.º do Cód. Civil. No caso dos autos, a ré não aceitou expressamente a obra nem pagou o preço. Defendeu-se, justificando o seu incumprimento do pagamento do preço, invocando a exceptio non rite adimpleti contractus (art. 428.º do Cód. Civil).
A exceptio só pode proceder se for invocada no momento do cumprimento da obrigação a cargo do excipiens. Todavia, esta causa de justificação do incumprimento (que afasta o ilícito contratual) só opera “enquanto o outro” contraente “não oferecer o seu cumprimento”, pelo menos em simultâneo – cfr. o art. 428.º, n.º 1, do Cód. Civil.
No âmbito do contrato de empreitada, a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono da obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação – Ac. do STJ de 26-11-2009, proc. n.º 674/02.8TJVNF.S1. Destes pressupostos deve o excipiens fazer prova em juízo. No caso dos autos assim o logrou fazer (ver ponto 8. dos factos provados).
Provado o defeito e a sua reclamação, caberia à autora provar que o eliminou definitivamente ou que ofereceu o cumprimento desta sua obrigação, não tendo a outra parte aceitado a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não tendo praticado os atos necessários ao cumprimento da obrigação (art. 813.º do Cód. Civil). Não o logrou fazer nem resulta dos factos provados que tenha oferecido o cumprimento da sua obrigação, tendo este sido recusado (art. 813.º do Cód. Civil).
Procede, pois, a exceptio non rite adimpleti contractus.

O art. 610.º do Cód. Proc. Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, ao caso de procedência da exceção de não cumprimento do contrato, o que conduz a que, numa tal eventualidade, haja lugar a uma absolvição do pedido – assim, ver o Ac. do TRP de 26-10-2017, proc. n.º 49228/15.6YIPRT.P1.
Se procedente a exceção, “conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673º do Código de Processo Civil [atual art. 621.º], quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como exceção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como exceção perentória (cfr. artigo 493.º, n.º 2 [atual art. 576.º])”, conforme é referido no Ac. do STJ de 30-09-2010, proc. n.º 184/06.4TBTND.C1.S1. No mesmo sentido, mais descritivamente, é referido no sumário do Ac. do TRP de 30-01-2012, proc. n.º 3341/08.5TBVCD.P1, que, não sendo “admissível a figura da condenação condicional”, “verificada a exceção [material] dilatória de não cumprimento do contrato, a decisão será de absolvição do pedido, que será temporária, sem que se forme caso julgado, caso a outra parte venha a cumprir integralmente a obrigação”, pelo que, “havendo alteração de circunstâncias, nomeadamente pelo cumprimento pela outra parte, cessa a eficácia da exceção (…), podendo ser proposta outra ação contra a que [a] invocou” – cfr., ainda, os recentes acórdãos deste TRP de 15-12-2021, proc. n.º 40421/19.3YIPRT.P1, e de 23-10-2023, proc. n.º 348/21.0T8VCD.P1.
Concluímos, assim, pela procedência da exceção material dilatória invocada, improcedendo o pedido da autora, com os limites agora sublinhados, podendo a autora propor nova ação, se não for integralmente pago o preço, se concluir a obra sem defeitos ou se oferecer o cumprimento (recusado pela ré) dos trabalhos em falta referidos nos fundamentos de facto deste acórdão.

IV. Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença apelada, tendo o caso julgado que sobre esta se formar os limites previstos no art. 621.º do Cód. Proc. Civil, nos termos acima explicados no ponto 2 (Da exceção de não cumprimento do contrato) .
Custas a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
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Notifique.
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Porto, 25 de janeiro de 2024
Ana Luísa Loureiro
Manuela Machado
Isabel Peixoto Pereira