Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RUI MOREIRA | ||
| Descritores: | LEGITIMIDADE PARA RECORRER RECURSO DE REVISÃO SIMULAÇÃO TERCEIRO PREJUDICADO HERDEIRO LEGITIMÁRIO | ||
| Nº do Documento: | RP20220504946/18.0T8SJM-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/04/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - No caso de o acto simulado se consubstanciar numa acção tendente à produção de determinado efeito jurídico, a tutela dos interesses do herdeiro legitimário em vida do autor da sucessão compreende a sua legitimação para interpor recurso de revisão, por via da respectiva subsunção ao conceito de terceiro previsto no art. 631º, nº 3 do CPC. II - A impugnação de uma sentença proveniente de uma acção simulada, por recurso de revisão interposto por virtual herdeiro legitimário, não está dependente do preenchimento dos requisitos da nulidade do negócio por simulação, nos termos do art. 240º, nº 1, do C. Civil. III - Um recurso de revisão, constituindo uma válvula de segurança perante a hipótese do não uso do poder/dever atribuído ao tribunal pelo art. 612º do CPC, dificilmente poderá constituir abuso de direito. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº: 946/18.0T8SJM-A P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 1 Recurso de Revisão REL. N.º 668 Relator: Rui Moreira Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Andrade Miranda * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1- RELATÓRIO Por apenso à acção que AA propôs contra o seu pai BB, pedindo a anulação de uma doação que lhe fez e que teve por objecto o quinhão hereditário na herança indivisa aberta por óbito da sua mãe CC, invocando erro na formação da sua vontade, acção essa julgada procedente após ausência de contestação do réu, veio DD, irmão da autora e filho do réu, interpor recurso extraordinário da revisão da respectiva sentença, invocando a simulação da causa, por ambas as partes.. Alegou, em suma, que o seu pai e sua irmã autos se conluiaram para obter, por via de sentença, o regresso do quinhão doado ao património da irmã, o que o prejudica a si, enquanto herdeiro legitimário do seu pai. Por isso não foi contestada a acção e foi anulada a doação, esvaziando desse quinhão o património do pai, relativamente ao qual será herdeiro. Acrescentou que tal acordo de vontades – de propor a acção e de não a contestar - é contrário à posição de ambos os recorridos num outro processo que o ora recorrente antes intentara contra o seu pai, onde pediu e obteve a anulação de paralela doação do seu próprio quinhão hereditário da mesma herança. Ali, o pai impugnou e a irmã testemunhou em oposição aos fundamentos então alegados para invalidação da sua doação – feita no mesmo acto que a da sua irmã. Porém, agora, em conluio, por via da acção não contestada, vieram alcançar o mesmo fim, mas em relação à doação do quinhão da irmã, ora recorrida. O recurso foi admitido e prosseguiram os seus termos, com a contestação dos recorridos. Como relatado na decisão em crise, (em termos esclarecedores e que, por isso, simplesmente aqui se adoptam) a Recorrida AA excepcionou a ilegitimidade activa do Recorrente para o recurso, alegando que o mesmo, enquanto virtual herdeiro legitimário do seu pai, não tem, em vida deste, qualquer direito ou expectativa legítima que lhe permita pôr em causa qualquer disposição do património paterno. Mais explicou que a acção em causa foi por si proposta exactamente em consequência do êxito de idêntica pretensão exercida pelo seu irmão, em processo anterior, onde obteve a anulação da sua doação ao pai, do quinhão hereditário na herança da mãe, na medida em que tal doação fora feita por ambos os filhos, em simultâneo e no pressuposto de que ficariam em pé de igualdade. Tendo o ora Recorrente logrado a anulação da sua doação ao pai, tal igualdade só seria reposta com a anulação da sua própria doação. Daí que tenha intentado a acção cuja sentença está gora sob este recurso O Recorrido BB, relatando idêntica factualidade veio, ainda, descrever o conteúdo do litígio que o tem oposto ao seu filho, ora Recorrente, concluindo pela falta de interesse em agir do Recorrente, dada a circunstância de a sua qualidade de virtual herdeiro legitimário não lhe conferir quaisquer direitos sobre seu o património, enquanto for vivo. O processo foi saneado, foram fixados o objecto do litígio e os temas de prova e admitidos os requerimentos instrutórios. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão nos termos da qual o recurso foi julgado procedente, tendo sido decretada a anulação da sentença que dele era objecto. É contra esta decisão que vem interposto recurso de apelação, por cada um dos recorridos. A recorrida AA, termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões: 1. Os elementos de prova constantes dos autos não permitem sustentar que a falta de contestação da ação a que o recurso de revisão se apensa foi resultado de acordo simulatório entre a Recorrente e seu pai, no sentido de causar prejuízo ao seu irmão. 2. De tais elementos probatórios apenas resulta que a Recorrente instaurou a ação e o seu pai não a contestou. 3. Impõe-se assim a alteração da decisão da matéria de factos quanto aos pontos 8, 9 e 10 do elenco dos factos provados no sentido de deles ser retirada a menção a qualquer acordo. 4. Nos termos do disposto no artigo 5º do C.P.Civil devem ser considerados pelo julgador os factos instrumentais que resultem da instrução do processo. 5. Porque resultado do depoimento do Recorrido, devem ser aditados ao elenco dos factos provados os seguintes factos: a) A doação foi feita pelo Recorrido e pela irmã, em igualdade de circunstâncias a pedido do pai, com promessa do mesmo de que faria em vida a partilha de todo o património (seu e da falecida esposa) entre os dois filhos. b) O Recorrido DD instaurou a presente ação com o propósito de a Recorrente nada receber da herança de sua mãe, justificando a sua pretensão pelo facto de a sua irmã não ter, como ele, instaurado a ação há quatro ou cinco anos. 6. O recurso de revisão com fundamento na al. g) do artigo 696º do C.P. pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença - artigo 631º nº 3 do C. P. Civil. 7. Relativamente ao quinhão hereditário da Recorrente na herança da sua mãe, o Recorrido não é nem nunca foi titular de qualquer direito. Pelo que; 8. A decisão que anulou a doação desse quinhão feita pela Recorrente a seu pai, não causou nem poderia causar qualquer prejuízo. 9. Em razão dessa doação, quando muito, o Recorrido poderia ter uma expectativa de no futuro vir a receber parte desse quinhão hereditário, caso a doação não fosse anulada. Contudo; 10. As expectativas jurídicas apenas merecem a tutela do direito quando são legítimas, o que não é o caso dos autos. 11. Tendo a Recorrente doado a seu pai o quinhão hereditário na herança da sua mãe no exclusivo propósito de, aquando da partilha das heranças de seus pais, ficar em pé de igualdade com o seu irmão que, pela mesma escritura, também doava ao pai o seu quinhão hereditário na mesma herança, ao requerer judicialmente a anulação da sua doação, readquirindo o seu quinhão hereditário, não pode o ora Recorrido, legitimamente: i. Ter a expectativa de vir a receber em futura partilha da herança do seu pai parte do quinhão hereditário da sua irmã, na herança da mãe de ambos; ii. Expectar que a aqui Recorrente, perante a anulação da sua doação, não pugnasse também pela anulação da sua. 12. A simulação de litígio judicial / fraude processual tem lugar quando as partes, de comum acordo, criam a aparência do litígio cujo efeito querem relativamente a terceiro ou apenas entre si, mas com intuito de prejudicar terceiro. 13. O acordo simulatório de litígio pressupõe a alegação de uma situação de facto que não qualquer correspondência com a realidade de facto. 14. Na ação a que o recurso se apensa foi instaurada com vista à anulação de uma doação feita a seu pai do seu quinhão na herança da sua mãe. 15. Os fundamentos de facto alegados com vista à produção daquele efeito jurídico têm inteira correspondência com a realidade dos factos, não configurando uma realidade jurídico processual apenas resultante da revelia do réu naquela ação, o que nem sequer é posto em causa pelo Recorrido. 16. Ao instaurar a ação, a Recorrente não teve o intuito de causar prejuízo ao Recorrido, seu irmão, mas apenas o propósito exclusivo de repor a sua posição igualitária em futura partilha, posição igualitária essa, desfeita pelo facto de o Recorrido ter requerido judicialmente a anulação da doação do seu quinhão na mesma herança que, pela mesma escritura e nas mesmas circunstâncias, havia feito a seu pai. 17. Ao interpor o recurso de revisão da sentença que anulou a doação feita pela Recorrente, quando pelos mesmos fundamentos requereu a anulação da doação que nas mesmas circunstâncias e na mesma escritura havia feito, o Recorrido age em manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. 18. E justificar a sua reação à sentença que anulou a doação feita pela Recorrente por via do recurso de revisão, com o facto de esta não ter como ele instaurado a ação há quatro ou cinco anos, o Recorrido litiga com evidente má-fé. 19. Foi violado o disposto nos artigos 696º al g), 631º nº 3 ambos do C.P.Civil e 334º do C.Civil. * Por sua vez, na apelação por si interposta, BB conclui nos seguintes termos:“1. O Tribunal a quo, e no que concerne à matéria de facto, julgou incorrectamente os factos que deu como provados sob os nºs 8, 9 e 10. A saber, (…). 2. O Recorrente igualmente não se conforma com o segmento da sentença recorrida que refere “Não há quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa …” Isto porque, há factos alegados e provados nos autos que, atento o objecto do recurso e os temas de prova fixados, são também factos essenciais e relevantes a uma boa decisão da causa e, por isso deviam ter sido levados aos factos provados. Não o tendo feito, também nesta parte a douta sentença sub judice padece de incorrecto julgamento. 3. De entre esses, e concretamente: a. A Autora AA só aceitou outorgar aquela escritura de doação porque o seu irmão DD também o fazia e para assim ficarem em condições de igualdade. b. O Recorrente DD sabia: i. que para o seu Pai sempre ficou claro de que a sua irmã apenas aceitava outorgar tal escritura na exacta medida e nos precisos termos em que o viesse também a fazer; ii. que a sua irmã não teria outorgado tal escritura se ponderasse a possibilidade de a mesma, relativamente a si, pudesse vir a ser anulada; iii. que se esta possibilidade fosse, à data dessa escritura, por ela conhecida ou sequer admitida como possível, não teria querido o negócio ou, e pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu; iv. e que esta não teria outorgado aquela escritura de doação do quinhão hereditário a favor do seu Pai, se o seu irmão também não o tivesse feito. b. A Autora AA só aceitou outorgar aquela escritura de doação porque o seu irmão DD também o fazia e para assim ficarem em condições de igualdade. c. O Recorrente DD sabe e está perfeitamente consciente de que, julgado procedente o presente recurso de revisão e anulada a sentença proferida no processo comum de que este recurso é apenso, com isso a sua irmã AA vê seriamente diminuída a sua expectativa de recebimento de qualquer bem/direito sobre o património da sua mãe que, sendo todo transferido para o seu pai, aquele, por via daquela doação, haveria, à morte deste, vir a ser distribuído igualmente pelos dois filhos, e que com isso a prejudica. d. No início de 2016 o Recorrente DD esteve presente, com o Pai, ora Recorrente, e com a sua irmã AA, em ”… várias reuniões com vista à “partilha” entre si dos quinhões hereditários que cada um teria direito, desconsiderando as escrituras referidas em 04) e 06), por óbito da referida CC,” escrituras que são as de habilitação outorgada em 04-03-2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro ..., foram declarados herdeiros de CC, o réu BB, o autor DD e AA.” e “… declarou doar ao réu e este declarou aceitar a doação “do quinhão hereditário que possui na herança, líquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, CC”, declarando ainda que “o valor desta doação é de cento e quarenta e nove mil euros, sendo o respetivo valor patrimonial inferior”. … e a escritura publica “ … designada de “Constituição Gratuita e Temporária de Usufruto”, outorgada em 27-12-2011, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... do Livro ... a fls. ... vº, do Livro ..., o réu declarou constituir usufruto gratuito a favor do autor e de AA, dos prédios referidos em (05)-(i), (xi) e (xii) e o autor declarou aceitar a doação nos precisos termos exarados.” 4. São os seguintes os concretos meios probatórios que impõem uma decisão diversa da recorrida, sobre os pontos da matéria de facto acima impugnada: I) prova documental: toda a prova documental junta aos autos, seja pelo Recorrente DD com o seu articulado inicial, bem como todos os documentos juntos pelo Recorrido BB com o seu articulado resposta, e cujos integrais conteúdos se têm aqui por reproduzidos. II) prova testemunhal: as declarações da Recorrida AA, prestadas no dia 15/10/2021 (cfr. acta de fls…, refª 118310286), as quais foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, “H@bilus Media Studio”, com início pelas 10h15m58s e termo pelas 10h39m46s, ainda do Recorrente DD, declarações prestadas no dia 15/10/2021 (cfr. acta de fls…, refª 118310286), H@bilus Media Studio, com início pelas 10h41m13s e termo pelas 11h21m16s, e ainda das testemunhas EE, declarações prestadas no dia 15/10/2021 (cfr. acta de fls…, refª 118310286), H@bilus Media Studio, com início pelas 11h23m09s e termo pelas 11h38m25s, e FF, declarações prestadas no dia 15/10/2021 (cfr. acta de fls…, refª 118310286), H@bilus Media Studio, com início pelas 11h45m51s e termo pelas 11h47m54s. 5. O recurso à matéria de facto funda-se nas seguintes as passagens da gravação relativas aos depoimentos de casa um dos acima identificados: AA, do seu depoimento, os seguintes segmentos: 02m56s a 06m45s; 18m29s a 19m45s; 20m49s a 21m28s e 21m49 a 21:28s; DD, do seu depoimento, os seguintes segmentos: 01m:15s a 03m36s; 04m:12s a 11m00s, de onde se destaca, no minuto 04m18s; e ainda 20m30s a 36m50s, de onde se destaca, no minuto 36:15s; EE, do seu depoimento, os seguintes segmentos: 07m10s a 09m30s e10m23s a 10m45s; e, por último FF, do seu depoimento, o seguinte segmento: 01m15s a 02m03s. 6. Apesar da oposição que o Recorrido BB moveu naquela acção nº 2716/16.0T8VFR, a partir do momento em que aí, seja no que concerne à matéria de facto, seja no que concerne à matéria de direito, se decidiu como decidiu, e, sobretudo, a partir do momento em que tal decisão transitou em julgado … é manifesto que a Recorrida AA passou também a ter um litígio com o seu pai, na medida em que, assim sendo, e também quanto a si, passou a pretender a anulação da doação que fizera do seu quinhão naquela herança. 7. Este litígio que fica mais evidente, se considerado o que consta da douta sentença sob recurso, quando, e transcreve-se ”Só que, caso o Recorrido tivesse optado por doar de novo o referido quinhão hereditário que recebera em doação da sua filha a esta, para repor a situação de igualdade de ambos os filhos perante a herança da mãe, sempre essa doação podia, em sede de posterior partilha por seu óbito, sofrer redução nos termos do disposto no artigo 2168º do Código Civil sendo a anulação da doação a via mais segura de fazer regressar ao património da doadora (sua filha) o quinhão hereditário que a mesma lhe doara em conjunto com o irmão (outro herdeiro na mesma herança).” 8. Nenhuma prova foi produzida que permita a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que o Recorrido BB acordou antecipadamente com a sua filha AA a propositura da acção de que este recurso é apenso. 9. O Recorrente DD a par do ora Recorrente BB sabiam que a Recorrida AA, … só aceitou outorgar esta escritura de doação porque lhe foi explicado que o seu irmão DD também o faria, … apenas aceitava outorgar tal escritura na exacta medida e nos precisos termos em que o seu irmão o viesse também a fazer; … não teria alguma vez outorgado tal escritura se ponderasse a possibilidade de a mesma, e relativamente ao seu irmão DD, pudesse vir a ser anulada. 10. Ao não o impugnar estes factos no seu recurso de revisão, o Recorrente DD aceita-os como verdadeiros. 11. Deve ser proferida decisão que julgue não provados os factos que, na douta sentença sub judice foram levados, sob os nºs 8, 9 e 10 à matéria de facto provada. 12. Devem ser aditados os seguintes factos à matéria de facto provada nos autos: a. A Autora AA só aceitou outorgar aquela escritura de doação porque o seu irmão DD também o fazia e para assim ficarem em condições de igualdade. b. O Recorrente DD sabia: que para o seu Pai sempre ficou claro de que a sua irmã apenas aceitava outorgar tal escritura na exacta medida e nos precisos termos em que o viesse também a fazer; que a sua irmã não teria outorgado tal escritura se ponderasse a possibilidade de a mesma, relativamente a si, pudesse vir a ser anulada; que se esta possibilidade fosse, à data dessa escritura, por ela conhecida ou sequer admitida como possível, não teria querido o negócio ou, e pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu; e que esta não teria outorgado aquela escritura de doação do quinhão hereditário a favor do seu Pai, se o seu irmão também não o tivesse feito. c. Pelo menos desde 04/03/2010 que o Recorrente DD e o Recorrido BB, ora Recorrente, tinham conhecimento e estavam perfeitamente conscientes de todos estes factos e, também, pelo menos desde 04/03/2010 que qualquer um deles tinha conhecimento e estava perfeitamente consciente de que a Recorrida AA apenas aceitou fazer idêntica doação para que, ela e o seu irmão, ficassem em pé de igualdade e que não teria alguma vez outorgado essa escritura de doação do quinhão hereditário se ponderasse a possibilidade de a mesma, relativamente ao seu irmão DD, pudesse vir a ser anulada. d. O Recorrente DD sabe e está perfeitamente consciente de que, julgado procedente o presente recurso de revisão e anulada a sentença proferida no processo comum de que este recurso é apenso, com isso a sua irmã AA vê seriamente diminuída a sua expectativa de recebimento de qualquer bem/direito sobre o património da sua mãe que, sendo todo transferido para o seu pai, aquele, por via daquela doação, haveria, à morte deste, vir a ser distribuído igualmente pelos dois filhos, e que com isso a prejudica. e. No início de 2016 o Recorrente DD esteve presente, com o Pai, ora Recorrente, e com a sua irmã AA, em ”… várias reuniões com vista à “partilha” entre si dos quinhões hereditários que cada um teria direito, desconsiderando as escrituras referidas em 04) e 06), por óbito da referida CC,” escrituras que são as de habilitação outorgada em 04-03-2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro ..., foram declarados herdeiros de CC, o réu BB, o autor DD e AA.” e “… declarou doar ao réu e este declarou aceitar a doação “do quinhão hereditário que possui na herança, líquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, CC”, declarando ainda que “o valor desta doação é de cento e quarenta e nove mil euros, sendo o respetivo valor patrimonial inferior”. … e a escritura publica “ … designada de “Constituição Gratuita e Temporária de Usufruto”, outorgada em 27-12-2011, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... do Livro ... a fls. ... vº, do Livro ..., o réu declarou constituir usufruto gratuito a favor do autor e de AA, dos prédios referidos em (05)-(i), (xi) e (xii) e o autor declarou aceitar a doação nos precisos termos exarados.” 13. O Recorrente DD não alegou factos de onde se extraia que os Recorridos tenham praticado actos com o intuito de o prejudicar. 14. Não se provou que tenha existido por parte do Recorrido BB um qualquer intuito, ou intenção, de prejudicar o Recorrente, seu filho, DD. 15. O art. 242º, nº 2 do Código Civil só reconhece que ”A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.”, intuito de os prejudicar que é um requisito cumulativo e essencial. 16. Provado como está, nos autos, que “A Autora não teria alguma vez outorgado a escritura de doação do quinhão hereditário se ponderasse a possibilidade de a mesma, e relativamente ao seu irmão DD, pudesse vir a ser anulada”, não é possível afirmar-se que, com a acção de que este recurso é apenso, as partes tiveram o intuito de prejudicar o Recorrente DD. 17. Em vida do autor da sucessão, só específicas razões que decorram de uma essencial intenção de prejudicar – e que não se verificam nos autos - é que justificam o tratamento específico dado aos herdeiros legitimários pelo nº 2 do artigo 242.º do Código Civil. 18. O nº 3 do art. 631º do CPC apenas se refere a “… terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença … “ e não a terceiro que possa vir a ser prejudicado. São situações manifestamente diferentes. 19. O Recorrente DD, enquanto presuntivo herdeiro legitimário do seu pai, o Recorrido BB, ora Recorrente, não tem, assim, legitimidade para invocar o presente recurso de revisão. 20. O acto processual simulado supõe o conceito legal de simulação. A simulação verifica-se pela concorrência dos seguintes requisitos: divergência entre a vontade real e a vontade declarada; intuito de enganar terceiros; acordo simulatório. 21. Nos autos, e no que concerne ao ora Recorrente BB, pelo menos, não há uma qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada nem um qualquer intuito de enganar terceiros … 22. Segundo o disposto no art. 334º do Código Civil “É ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso de direito é do conhecimento oficioso. 23. Verifica-se abuso do direito quando se exerce de modo anormal um direito próprio, respeitando a sua estrutura formal, mas violando a sua afectação substancial, funcional e teleológica, isto é, contrariando o interesse que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito. 24. Com o presente recurso de revisão o Recorrente DD não pretende reparar um qualquer prejuízo … mas antes, por esta via, obter um benefício, não do Recorrido BB, mas à custa de evidente prejuízo para a sua irmã, AA !! 25. Ao contrário do que conclui a douta sentença sub judice o comportamento do Recorrente DD, ao interpor o presente recurso de revisão, é, assim, abusivo. 26. Este abuso de direito é ainda mais flagrante quando este Recorrente DD sempre soube, e que mais não seja, que “A Autora não teria alguma vez outorgado a escritura de doação do quinhão hereditário se ponderasse a possibilidade de a mesma, e relativamente ao seu irmão DD, pudesse vir a ser anulada”. 27. Ainda, na medida em que todas as reuniões que o Recorrente DD realizou com o aqui Recorrente BB com ” … vista à “partilha”, o foram sempre também com a sua irmã, a Recorrida AA, relativamente à partilha dos quinhões de cada um (do quinhão do seu pai, do seu, e também do quinhão da sua irmã “ … por óbito da referida CC … “ e sempre ” … desconsiderando as escrituras … “ identificadas nos autos, o Recorrente DD revela um comportamento que é tudo menos honesto, ou correcto, ou leal, antes sendo ofensivo do fim a que se destina o seu direito e mesmo clamorosamente atentatório do direito. 28. Com isso defrauda ou fera uma legítima expectativa e confiança, que sabia ter criado e que sabia existir, seja no ora Recorrente BB seja, e sobretudo, em relação à sua irmã. O que consubstancia um claro venire contra factum proprium. 29. A decisão recorrida fez uma errada interpretação com o que violou o disposto nos artº 242º, nº 2 e 334º do Código Civil, bem como nos artºs 631º, nº 3 e al. c) conjugada com a al. g) do artº 696º, estes do Cód. Proc. Civil, impondo-se a sua revogação. * O apelado não ofereceu resposta ao recurso.* O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.Foi recebido nesta Relação, cabendo decidi-lo. * 2- FUNDAMENTAÇÃOO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC. Na apelação de AA, identificam-se as seguintes questões: - Alteração do teor dos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados, deles se retirando a menção a qualquer acordo; - Adição aos factos provados, dos seguintes: a) A doação foi feita pelo Recorrido e pela irmã, em igualdade de circunstâncias a pedido do pai, com promessa do mesmo de que faria em vida a partilha de todo o património (seu e da falecida esposa) entre os dois filhos; b) O Recorrido DD instaurou a presente ação com o propósito de a Recorrente nada receber da herança de sua mãe, justificando a sua pretensão pelo facto de a sua irmã não ter, como ele, instaurado a acção há quatro ou cinco anos. - Ausência de qualquer direito ou expectativa legítima do seu irmão, que deva ser tutelada pelo recurso de revisão. - Inexistência de simulação processual, quer por não serem irreais os pressupostos da acção, quer por não visarem prejudicar o irmão, mas apenas repor uma situação de igualdade em futura partilha, como anteriormente acordado. - Abuso de direito do recorrente, por pretender impedir algo que ele próprio consumou: a anulação da doação do quinhão hereditário na herança da mãe de ambos. * Por sua vez, na apelação do recorrido BB, detectam-se as seguintes questões:- Exclusão dos factos descritos sob os pontos 8, 9 e 10 do elenco dos factos provados; - Adição, aos factos provados, dos seguintes: a. A Autora AA só aceitou outorgar aquela escritura de doação porque o seu irmão DD também o fazia e para assim ficarem em condições de igualdade. b. O Recorrente DD sabia: que para o seu Pai sempre ficou claro de que a sua irmã apenas aceitava outorgar tal escritura na exacta medida e nos precisos termos em que o viesse também a fazer; que a sua irmã não teria outorgado tal escritura se ponderasse a possibilidade de a mesma, relativamente a si, pudesse vir a ser anulada; que se esta possibilidade fosse, à data dessa escritura, por ela conhecida ou sequer admitida como possível, não teria querido o negócio ou, e pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu; e que esta não teria outorgado aquela escritura de doação do quinhão hereditário a favor do seu Pai, se o seu irmão também não o tivesse feito. c. Pelo menos desde 04/03/2010 que o Recorrente DD e o Recorrido BB, ora Recorrente, tinham conhecimento e estavam perfeitamente conscientes de todos estes factos e, também, pelo menos desde 04/03/2010 que qualquer um deles tinha conhecimento e estava perfeitamente consciente de que a Recorrida AA apenas aceitou fazer idêntica doação para que, ela e o seu irmão, ficassem em pé de igualdade e que não teria alguma vez outorgado essa escritura de doação do quinhão hereditário se ponderasse a possibilidade de a mesma, relativamente ao seu irmão DD, pudesse vir a ser anulada. d. O Recorrente DD sabe e está perfeitamente consciente de que, julgado procedente o presente recurso de revisão e anulada a sentença proferida no processo comum de que este recurso é apenso, com isso a sua irmã AA vê seriamente diminuída a sua expectativa de recebimento de qualquer bem/direito sobre o património da sua mãe que, sendo todo transferido para o seu pai, aquele, por via daquela doação, haveria, à morte deste, vir a ser distribuído igualmente pelos dois filhos, e que com isso a prejudica. e. No início de 2016 o Recorrente DD esteve presente, com o Pai, ora Recorrente, e com a sua irmã AA, em ”… várias reuniões com vista à “partilha” entre si dos quinhões hereditários que cada um teria direito, desconsiderando as escrituras referidas em 04) e 06), por óbito da referida CC,” escrituras que são as de habilitação outorgada em 04-03-2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro ..., foram declarados herdeiros de CC, o réu BB, o autor DD e AA.” e “… declarou doar ao réu e este declarou aceitar a doação “do quinhão hereditário que possui na herança, líquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, CC”, declarando ainda que “o valor desta doação é de cento e quarenta e nove mil euros, sendo o respetivo valor patrimonial inferior”. … e a escritura publica “ … designada de “Constituição Gratuita e Temporária de Usufruto”, outorgada em 27-12-2011, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... do Livro ... a fls. ... vº, do Livro ..., o réu declarou constituir usufruto gratuito a favor do autor e de AA, dos prédios referidos em (05)-(i), (xi) e (xii) e o autor declarou aceitar a doação nos precisos termos exarados.” - Ausência de simulação processual, por não haver divergência entre as vontades e os actos praticados no processo e por não haver intuito de enganar ou prejudicar terceiros; - Ausência de legitimidade do recorrente para pedir a revisão da sentença anulada; - Abuso de direito por parte do recorrente. * Para a decisão da questão enunciada, é necessário atentar no rol dos factos provados constante da decisão recorrida, bem como na justificação quanto à ausência de factos não provados:“Provados: 1. Em 29/08/2016, o aqui Recorrente, na qualidade de Autor, propôs contra seu pai BB, aqui Recorrido, uma acção declarativa de condenação com processo comum que correu os seus termos por este Juízo Central Cível de Stª Maria da Feira – Juiz 3, sob o nº 2716/16.0T8VFR; 2. Ali peticionou que fosse decretada a anulação da doação do quinhão hereditário que este havia feito ao ali Réu através de escritura pública de “Habilitação de herdeiros – Doações”, outorgada em 4/03/2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro ..., retornando ao aqui recorrente o quinhão hereditário que lhe cabe na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, CC, e fosse ordenado o cancelamento do(s) registo(s) predial(is) com base nela efectuados a favor do ali Réu, tudo conforme documento de fls. 57 a 63 que aqui se dá por integralmente reproduzido; 3. Naquela acção o ali Réu BB apresentou articulado de contestação cujo teor é o de fls, 81 verso a 92 e aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual arguiu, além de defesa por impugnação, a excepção de caducidade, invocou a confirmação enquanto modalidade de sanação da anulabilidade e a excepção substantiva de abuso de direito e ainda sustentou litigância de má-fé por parte do ali Autor e ora recorrente. 4. Frustrada a tentativa de conciliação naquela acção que correu termos sob o número 2716/16.0T8VFR veio a ter lugar a audiência de julgamento e, após, foi proferida sentença, cujo teor é o de fls. 36 a 48 e aqui se dá por integralmente reproduzido, em 12/10/2018, transitada em julgado em 19/11/2018, a qual, julgando a mencionada ação, totalmente, procedente com base na verificação de vício da vontade do ali Autor emitente daquela declaração de vontade (doação daquele seu quinhão hereditário) na sequência de dolo do ali Réu, determinou a anulação da doação feita pelo aqui recorrente e ali Autor ao ali Réu, através da mencionada escritura pública de “Habilitação de herdeiros – Doações”, outorgada em 4/03/2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro .... 5. Após o trânsito em julgado dessa sentença o recorrente requereu em 16/01/2019, na qualidade e enquanto interessado/herdeiro legitimário da sua falecida mãe um procedimento de inventário “mortis causa” para partilha dos bens deixados no Cartório Notarial ..., que corre os seus termos sob o nº ..., no qual o aqui Réu exerce funções de cabeça de casal nomeado. 6. O Recorrido, ali cabeça de casal apresentou um requerimento naquele inventário, em 4/12/2019, através do qual este veio alegar ser a Autora nesta ação - a sua filha AA -, era também ela “herdeira legitimária” naquele processo de inventário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da falecida mãe/esposa CC, e, como tal, com legitimidade para também intervir, nessa qualidade, em tal procedimento de inventário, a par do aqui recorrente e do Réu nesta acção, tendo junto uma cópia do articulado da petição inicial e da sentença proferida nos autos de que este apenso é recurso, já transitada em julgado. 7. Foi por via do referido requerimento que o Recorrente teve conhecimento da acção de que este recurso é apenso. 8. Os Recorridos acordaram a propositura da acção de que este recurso é apenso e a sua não contestação como forma de obterem a anulação da doação ali peticionada. 9. Tendo ambos acordado em que o Recorrido BB não contestasse a pretensão da Recorrida, quando citado, com vista a assim vir a ser reconhecida a esta a qualidade de “herdeira” da mencionada falecida mãe CC. 10.E por forma a que a mesma (re)adquirisse “equivalente” quinhão hereditário àquele que o recorrente obtivera na acção número 2716/16.0T8VFR. 11.Para tanto a Autora arguiu o que consta da petição inicial dos autos principais cujo se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente invocando a sentença dos autos que correram termos sob o número 2716/16.0T8VFR e alegando que o vício na formação da vontade que foi julgado ter ocorrido nessa sentença a afectou em igual medida e ainda que “nunca teria outorgado aquela escritura de doação do quinhão hereditário a favor do Réu se o seu irmão também não o tivesse feito e, sobretudo, se alguma vez ponderasse que, no que ao irmão concerne, a mesma pudesse vir a ser alguma vez anulada”. 12. No seu depoimento como testemunha nos autos que correram termos sob o número 2716/16.0T8VFR a aqui Recorrida afirmou nomeadamente, que a doação dos quinhões hereditários por óbito da sua mãe pela mesma e pelo seu irmão, aqui Recorrente, ao pai de ambos visou apenas proteger o património do Recorrente por força de dívidas que teria e que aceitou fazer idêntica doação para que ficassem ambos em pé de igualdade. 13.Por escritura pública de habilitação outorgada em 04-03-2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro ..., foram declarados herdeiros de CC, o réu BB, o Autor DD e AA. 14. Na mesma escritura referida Recorrente e Recorrida declararam doar ao Recorrido e este declarou aceitar a doação “do quinhão hereditário que possuíam na herança, líquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, CC 15.A Autora não teria alguma vez outorgado a escritura de doação do quinhão hereditário se ponderasse a possibilidade de a mesma, e relativamente ao seu irmão DD, pudesse vir a ser anulada. 16. A doação foi feita por DD e pela irmã AA, em igualdade de circunstâncias, a pedido do pai, com promessa do mesmo de que faria em vida a partilha de todo o património (seu e da falecida esposa) entre os dois filhos (acrescentado conforma decisão infra). Não há quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa sendo excessiva e espúria toda a factualidade trazida aos autos relativa ao patrocínio forense dos vários litígios entre as partes (articulado do Recorrente) ou relativa aos referidos litígios (articulado do Recorrido).” * Como se constata da identificação das questões suscitadas em cada uma das apelações, elas sobrepõem-se quase integralmente. Nessa medida, nada obsta a que sejam apreciadas conjuntamente, o que é, de resto, adequado por razões de eficiência.Começam ambos os apelantes a impugnar a decisão da matéria de facto. Tal iniciativa depende da observância do regime processual previsto no art. 640º do CPC, em especial no tocante à especificação dos factos impugnados e ao sentido alternativo defendido, bem como à individualização dos meios de prova aptos a justificar a alteração, incluindo a concretização dos segmentos gravados de depoimentos pertinentes. No caso, é evidente que ambos os apelantes observaram tal regime, sendo de admitir as suas impugnações, também nessa parte. Os factos visados por ambos os apelantes são os descritos sob os pontos 8º, 9º e 10º, que justapostos, se traduzem no seguinte: os Recorridos acordaram a propositura da acção a que este recurso está apenso, como forma de obterem a anulação da doação ali posta em crise, tendo ambos acordado que o ali réu BB não contestasse, quando citado, com vista a vir a ser reconhecida à ali autora a qualidade de “herdeira” da falecida mãe CC e a que ela viesse a (re)adquirir “equivalente” quinhão hereditário àquele que o recorrente obtivera na acção número 2716/16.0T8VFR. É irrelevante a ligeira diferença entre o objectivo de cada uma das apelações: a apelante AA apenas pede que se exclua deste encadeamento de factos o enunciado acordo entre si e seu pai, que estaria na génese da estratégia; o apelante BB pretende que se dê tudo por não provado. Assim, importa, em suma, discutir se deve concluir-se pela existência de um tal acordo entre pai e filha, na génese da iniciativa de propositura de uma acção de anulação da doação, que haveria de ser não contestada, para que a doação fosse anulada e o quinhão doado ao pai voltasse ao património da filha AA, assim se repondo a situação igualitária de ambos os filhos na partilha da herança da mãe. Como é óbvio, tratando-se de um facto psicológico que não se conhece que tenha sido verbalizado a alguém, ou pelo menos a alguém que o tenha vindo declarar, nem reduzido a escrito ou a outro meio de prova, a sua verificação haverá de operar-se por outras vias, designadamente por presunção judicial, extraindo-se esse facto, sendo caso disso, de outros que se conheçam. No caso, essa comunhão de vontades entre os recorridos, ora apelantes, torna-se evidente em função de diferentes elementos, sendo certo que, a este propósito, se torna difícil acrescentar o que quer que seja à completa e esclarecedora motivação do tribunal recorrido, a que totalmente se adere. Diz-se na sentença: “A prova das alíneas 8 a 10 resultou da conjugação dos depoimentos de ambos os Recorridos e do teor da própria petição inicial dos autos de que este recurso é apenso - onde a ali Autora e aqui Recorrida claramente “diz ao que vem” alegando expressamente que o móbil desta acção foi a anulação da doação feita pelo seu irmão através da acção que correu termos sob o número 2716/16.0T8VFR. Conjugados tais meios de prova com as regras da experiência comum e face à manifesta oposição entre o comportamento passivo do aqui Recorrido nesta acção e a oposição que moveu a idêntica pretensão do Recorrente naqueles autos é imperativo concluir que entre os Recorridos nunca ocorreu efectivo litígio sobre o objecto dos autos. Não colheu credibilidade alguma por manifestamente ensaiada a falta de memória do Recorrido BB bem como não foi crível a alegação de que desconhecia o objecto deste recurso e da acção principal. A sua filha, aliás, admitiu ter explicado ao seu pai a razão da propositura da acção em recurso e afirmou que o mesmo a entendeu a sua razão de ser. A referida AA teve um depoimento credível por ter alegado, novamente, que nunca sentiu que o pai a tenha querido enganar quando doou àquele o quinhão hereditário na herança da mãe e reafirmou o que fora já o seu depoimento nos autos que correram termos sob o número 2716/16.0T8VFR e o que alegara na petição inicial da acção de que este apenso é recurso – que o irmão doou o quinhão dessa herança ao seu pai para a salvaguardar dos credores e que ela, depoente, fez o mesmo para ficarem em pé de igualdade. É manifesto que a propositura da acção e o acordo entre os Recorridos de a mesma não ser contestada visou um efeito jurídico que lhes foi explicado/aconselhado por jurista pois não é do conhecimento comum o raciocínio que leva à opção por essa via. Por forma a recolocar a igualdade entre os seus filhos relativamente ao património da herança materna após a anulação da doação do seu filho restaria ao Recorrido transmitir de novo, gratuitamente, tal quinhão à sua filha. Só que, caso o Recorrido tivesse optado por doar de novo o referido quinhão hereditário que recebera em doação da sua filha a esta, para repor a situação de igualdade de ambos os filhos perante a herança da mãe, sempre essa doação podia, em sede de posterior partilha por seu óbito, sofrer redução nos termos do disposto no artigo 2168º do Código Civil sendo a anulação da doação a via mais segura de fazer regressar ao património da doadora (sua filha) o quinhão hereditário que a mesma lhe doara em conjunto com o irmão (outro herdeiro na mesma herança).” Como resulta do exposto, bem como da assentada do depoimento de AA, a acção de onde emerge a sentença revidenda não visou a anulação de uma doação por a respectiva autora – a referida AA – ter sido enganada pelo seu pai – o donatário – quanto aos fundamentos, ao conteúdo ou ao fim do negócio. Visou, isso sim, colocá-la “em pé de igualdade com o seu irmão, relativamente à herança de ambos.” A existência desse objectivo comum aos recorridos emerge claramente dos termos da acção de anulação da doação do respectivo quinhão hereditário, intentada pelo agora recorrente contra o seu pai e só pode inferir-se disso mesmo a escolha conjunta, isto é, por acordo, da solução: a propositura de uma acção, nos mesmos termos, pela outra doadora, do outro quinhão da mesma herança. E nesta, para se assegurar esse fim, mas diferentemente do que aconteceu na acção proposta pelo filho, o pai não contestaria, com isso precipitando o termo da acção e o seu resultado: a procedência da pretensão da anulação, por efeito da confissão ficta dos factos alegados pela autora. É em coerência com isso que a recorrida declarou, conforme lavrado em acta, “que nunca se sentiu enganada pelo seu pai e que o que foi alegado nos autos principais decorreu da vontade da sua mandatária visando apenas a vontade da depoente de ser colocada em pé de igualdade com o seu irmão.” De resto, esta intenção é perfeitamente compreensível: o irmão doou o seu quinhão na herança da mãe ao seu pai, e para que a recorrida não ficasse beneficiada na partilha, doou também o seu. Perante a inversão da situação, em resultado da anulação promovida pelo seu irmão, a mesma igualdade só se conseguiria com paralela anulação da doação que ela própria realizara, pois que – como bem assinalou a sentença recorrida – uma doação de sinal contrária sempre poderia ser levada em conta futuramente, numa eventual partilha da herança do pai, por via do instituto da colação. Assim, a propositura da acção foi a solução simples, mais simples se tornando perante a prévia certeza da ausência de contestação. Acresce que, se dúvidas houvesse, a própria invocação, em termos semelhantes, do instituto do abuso de direito, em ambas as apelações de AA e do seu pai BB, logo as resolveria, na medida em que traduz em termos idênticos essa vontade comum de igualação da posição dos dois irmãos, quer na partilha da herança da mãe, quer numa eventual futura partilha da herança do pai. A aparente razoabilidade dessas intenções de ambos os recorridos, constituindo questão que infra se discutirá, designadamente em sede do abuso de direito invocado, não exclui, porém, que a acção de que procede este recurso de revisão seja uma ficção de litígio, face à inexistência de uma efectiva divergência de vontades e objectivos entre autora e réu, bem como face à irrealidade do fundamento invocado para justificar a anulação da doação, como expressamente confessado pela recorrida. Circunstâncias estas perfeitamente verificadas em face da ausência de contestação e que, conforme tudo o que se expôs e que se alicerça ainda na motivação do tribunal recorrido, só conduz a que nenhuma crítica ao juízo desse tribunal sobre a matéria dos itens 8º a 10º do rol de factos provados se justifique. Improcederão, pois, quanto a esta questão ambas as apelações, mantendo-se nos seus precisos termos a matéria dada por provada em tais itens. * De seguida, pretende a apelante AA que se adite ao rol de factos provados a seguinte matéria:a) A doação foi feita pelo Recorrido e pela irmã, em igualdade de circunstâncias a pedido do pai, com promessa do mesmo de que faria em vida a partilha de todo o património (seu e da falecida esposa) entre os dois filhos; b) O Recorrido DD instaurou a presente acção com o propósito de a Recorrente nada receber da herança de sua mãe, justificando a sua pretensão pelo facto de a sua irmã não ter, como ele, instaurado a acção há quatro ou cinco anos. No que respeita à motivação da doação – matéria a que se refere a precedente al. a) - foi referido pela apelante AA que tal se deveu à intenção de subtrair o quinhão hereditário do irmão na herança da mão aos credores deste. É o que consta da assentada, que invoca a confirmação, no depoimento de parte, das declarações prestadas como testemunha na acção de anulação do irmão DD. Já este, ora apelado, referiu no seu próprio depoimento que a doação se destinava a reunir todo o património, para dele o pai de ambos fazer partilha em vida. Ou seja, nesta apelação, a apelante pretende que se adite ao elenco dos factos provados o facto resultante da versão do irmão e não da sua. Independentemente da utilidade de tal facto, atento o teor da assentada do depoimento de parte do autor do recurso de revisão, não há dúvidas de que o mesmo pode dar-se por provado. Assim, aos factos provados, sob o nº 16., será adicionada a seguinte matéria: “A doação foi feita por DD e pela irmã AA, em igualdade de circunstâncias, a pedido do pai, com promessa do mesmo de que faria em vida a partilha de todo o património (seu e da falecida esposa) entre os dois filhos.” Desde já se acrescentará tal matéria ao elenco dos factos provados descrita supra, com referência a esta decisão. Já quanto à matéria da al. b), constata-se ser ela absolutamente conclusiva, quanto aos efeitos da propositura do recurso, e ser irrelevante para a decisão a proferir, no mais, designadamente quanto à justificação apresentada pelo próprio autor do recurso de revisão para a sua propositura. Defere-se, assim, parcialmente a pretensão a apelante, nesta parte. * Ainda sobre a matéria de facto, o apelante BB pretende o seu alargamento aos factos seguintes:a. A Autora AA só aceitou outorgar aquela escritura de doação porque o seu irmão DD também o fazia e para assim ficarem em condições de igualdade. Quanto a esta matéria, a sua parte útil já consta da adição anteriormente determinada, sob o item 16º agora acrescentado. A matéria proposta pelo apelante, descrita sob as als. b) e c) supra reproduzidas, na sua parte relevante, já se encontra inscrita nos factos provados, nos itens 15º e 16º (agora acrescentado). Inútil, pois, qualquer alteração complementar, a este propósito. A matéria descrita sob a al. d) [d. O Recorrente DD sabe e está perfeitamente consciente de que, julgado procedente o presente recurso de revisão e anulada a sentença proferida no processo comum de que este recurso é apenso, com isso a sua irmã AA vê seriamente diminuída a sua expectativa de recebimento de qualquer bem/direito sobre o património da sua mãe que, sendo todo transferido para o seu pai, aquele, por via daquela doação, haveria, à morte deste, vir a ser distribuído igualmente pelos dois filhos, e que com isso a prejudica.] é absolutamente conclusiva, traduzindo o efeito da procedência do recurso de revisão, sendo indiferente afirmar a sua consciência por parte do autor do recurso, pois que tal é inerente à vontade subjacente à correspondente iniciativa processual Por fim, quanto à matéria da al e) [No início de 2016 o Recorrente DD esteve presente, com o Pai, ora Recorrente, e com a sua irmã AA, em ”… várias reuniões com vista à “partilha” entre si dos quinhões hereditários que cada um teria direito, desconsiderando as escrituras referidas em 04) e 06), por óbito da referida CC,” escrituras que são as de habilitação outorgada em 04-03-2010, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... a fls. ... vº, do Livro ..., foram declarados herdeiros de CC, o réu BB, o autor DD e AA.” e “… declarou doar ao réu e este declarou aceitar a doação “do quinhão hereditário que possui na herança, líquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, CC”, declarando ainda que “o valor desta doação é de cento e quarenta e nove mil euros, sendo o respetivo valor patrimonial inferior”. … e a escritura publica “ … designada de “Constituição Gratuita e Temporária de Usufruto”, outorgada em 27-12-2011, no Cartório Notarial em S. João da Madeira, lavrada de fls. ... do Livro ... a fls. ... vº, do Livro ..., o réu declarou constituir usufruto gratuito a favor do autor e de AA, dos prédios referidos em (05)-(i), (xi) e (xii) e o autor declarou aceitar a doação nos precisos termos exarados.”] verifica-se ser ela totalmente irrelevante para a decisão do presente recurso de revisão, não se justificando a sua inclusão entre a factualidade dada por provada. * Nada mais, cumpre, pois, alterar no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, a qual se mostra assim devidamente estabilizada.* A questão sucessivamente colocada pela apelante AA é igualmente repetida no recurso interposto pelo seu pai BB, respeitando, na essência, à legitimidade do recorrente para interpor o presente recurso de revisão, por não ser parte na causa; por respeitar à discussão sobre a transmissão um bem próprio do apelante a que, pelo facto de ser seu virtual herdeiro legitimário, o autor do recurso, DD, não tem qualquer direito; e por não terem os ora apelantes tido qualquer pretensão de enganar ou prejudicar o referido DD, não lhe tendo determinado qualquer prejuízo.Também sobre esta questão será difícil complementar a boa solução proferida pelo tribunal a quo, que começou por assinalar que o recorrente DD não assume a qualidade de herdeiro legitimário do recorrido e ora apelante BB, enquanto este for vivo. Terá, porém, a expectativa de o vir a ser. Como se afirma na sentença em crise, “Caso sobreviva ao seu pai e não haja qualquer declaração de indignidade sucessória é expectável que, à morte deste, venha a ser seu herdeiro legitimário.” Essa expectativa merece tutela, permitindo ao virtual herdeiro legitimário reagir contra um negócio simulado que prejudique o património do autor da sucessão. É o que se passa, por exemplo, por via da previsão constante do art. 242º, nº 2 do CPC. No caso de o acto simulado se consubstanciar numa acção tendente à produção de determinado efeito jurídico, essa tutela compreende a legitimação do virtual herdeiro legitimário para interpor recurso de revisão, por via da respectiva subsunção ao conceito de terceiro previsto no art. 631º, nº 3 do CPC, desde que tal recurso de revisão tenha o fundamento previsto na al. g) do art. 696º do mesmo código. Sobre este tema, nesta secção do TRP, em acórdão também subscrito pelo ora relator, já ocorreu pronúncia em termos que aqui se reproduzem e adoptam, por se entender corresponderem à solução legal (Ac. de 13/9/2016, proc. nº 1871/10.8TBVCD-C.P1; relator Igreja Matos). Diz-se aí: “Recorde-se que o artigo 631º, nº3 estatui expressamente que o recurso previsto nesta alínea [al. g) do art. 696º do CPC] «pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença». (…) Em termos históricos, os herdeiros legitimários foram tidos como fazendo parte desta noção de “terceiro” já no CPC de 1939. Assim, nesse regime do CPC de 1939, em que o conceito de terceiro com legitimidade para efeito de recurso extraordinário de oposição de terceiro era mais restrito até do que o regime actual, Alberto dos Reis, no seu CPC Anotado, vol. VI, pág. 425 e 426, já explicava que o recurso em causa «foi instituído para tutela dos terceiros sujeitos à eficácia reflexa do caso julgado, para os terceiros prejudicados, não nos seus direitos mas nos seus interesses patrimoniais, pela declaração contida na sentença.» E a seguir acrescentava sintomaticamente: «Os exemplos característicos são os dos credores e dos herdeiros legitimários.» Ora, os interesses patrimoniais das recorrentes foram alegadamente prejudicados conforme estas alegam (…) ao referirem a repercussão dos actos processuais simulados e sentença deles decorrente no património “de si próprias”. Por isso, no caso desse acórdão se revogou a decisão ali recorrida, que decidira pela “…ilegitimidade das filhas dos réus na medida em que estaria em causa o património dos pais, ambos vivos, e não o seu”, considerando que, “tratando-se de herdeiras legitimárias, a legitimidade dos herdeiros para agir quanto ao acto simulado em vida do simulador apenas existe quando o acto foi praticado com o intuito de o prejudicar.” Admite-se, pois, a legitimidade do recorrente DD, enquanto herdeiro legitimário de BB, para, ainda em vida deste, interpor recurso de revisão de uma sentença como a aqui recorrida, que, mesmo não afectando qualquer direito seu, atinge negativamente os seus interesses patrimoniais, designadamente por reduzir, por via de uma acção judicial simulada, o património que expectavelmente constituirá uma herança da qual será herdeiro. Rejeita-se, simultaneamente, a tese segundo a qual a impugnação de uma sentença transitada proveniente de uma acção simulada, por recurso de revisão interposto por qualquer terceiro, incluindo um virtual herdeiro legitimário, esteja dependente do preenchimento dos requisitos da nulidade do negócio por simulação, nos termos do art. 240º, nº 1, do C. Civil. A legitimidade advém-lhe do disposto no art. 631º, nº3 do CPC, conclusão esta que inequivocamente aproveita ao recorrente DD, para interpor o recurso de revisão sob apreciação. De resto, a este propósito, escreveu-se ainda no acórdão citado: “Nas palavras de Lebre de Freitas (C. Proc. Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed. p. 695 e 696) “Tem lugar a simulação processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si. Tem lugar a fraude processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa predisposta no interesse geral”. (…) De todo modo, citando o mesmo Lebre de Freitas, “a simulação do litígio, comum a ambas as figuras, passa quase sempre, mediante prévio acordo das partes, entre si conluiadas, pela alegação pelo A., não contraditada ou ficticiamente contraditada pelo R., duma versão fáctica não correspondente à realidade”. (…) Reforce-se que a lei põe o acento tónico no litígio em si mesmo e não no comportamento das partes, individualmente consideradas.” Os caracteres que acabam de se enunciar estão claramente presentes na situação sub judice. Com efeito, na acção de anulação da doação do quinhão de AA ao seu pai, por ela interposta, veio ela alegar que o pai a enganara, tal como enganara o seu irmão, fazendo-o outorgar a doação do quinhão hereditário na herança da mãe contra uma promessa de partilha em vida do património dessa herança e do seu próprio, que jamais pretendia cumprir. Com efeito, só isso se pode inferir da sua alegação de que não teria outorgado a escritura se ponderasse a possibilidade de a mesma, relativamente ao seu irmão, poder vir a ser anulada e que o erro reportado ao seu irmão é o mesmo erro em que ela incorreu (art. 22º a 28º da petição da acção de anulação). Porém, confessadamente (por ela) se verificou que jamais ocorrera um tal engano. Como acima já se afirmou, o que era pretendido pela autora AA, num contexto e com um objectivo que continua a ser também o do pai BB, como se evidencia no actual recurso de apelação, era que a situação dos irmãos ficasse igualada, com a obliteração da doação do quinhão de cada um, tal como previamente fora igualada pela doação paralela de cada um dos quinhões, por cada um dos irmãos. Com efeito, apesar de se ter provado que também a doação de AA foi feita a pedido do pai e mediante a promessa de que faria em vida a partilha de todo o património, já não se demonstra que a sua pretensão de anulação dessa doação se baseie na convicção de ter sido enganada, perante a ausência dessa partilha em vida, como aconteceu na acção de anulação do seu irmão. Torna-se, pois, evidente a divergência entre o fundamento da acção – o dolo do pai, viciador da vontade de doar da autora AA – e a realidade, constituída pela intenção partilhada por ambas as partes, de recuperação da situação de igualdade daquela para com o seu irmão, em relação à partilha da herança da mãe e relativamente ao que este adquirira posição vantajosa, ao conseguir a anulação da doação do seu próprio quinhão hereditário. A acção constituiu assim, na definição de Lebre de Freitas, uma fraude processual, tendente a afectar os interesses patrimoniais de DD, ainda que à luz de uma motivação tida por justificada, pelos dois intervenientes no processo judicial simulado. Tal basta para que se considere preenchida a al. g) do disposto no art. 696º do CPC, justificando a procedência do recurso de revisão e, nos termos do nº 2 do art. 701º, para que se decrete a anulação da sentença que dele era objecto. Pelo exposto, também quanto a tais questões improcedem as razões dos apelantes. * Cumpre, então, apreciar a questão do alegado abuso de direito de DD, ao interpor este recurso de revisão, questão esta colocada também por ambos os apelantes.Os termos do abuso de direito invocado são simples: - O recorrente DD aceitou doar o seu quinhão hereditário ao pai, para que este efectuasse, em vida, a partilha de todo o seu património, incluindo a herança da sua mulher, mãe daquele. - Só em razão dessa doação e desse objectivo AA aceitou doar o seu próprio quinhão, nessa herança. - Porque o pai não fez a partilha, DD obteve a anulação da sua doação; - Perante isto, AA interpôs acção para obter idêntica anulação da sua doação; - DD age em abuso de direito ao obstar ao resultado dessa acção, que decretara a anulação da doação de AA, ao arguir a sua simulação no presente recurso de revisão. Os pressupostos que constituem a premissa menor da alegação do abuso de direito, respeitantes à actuação de cada uma das partes, suas motivações e resultados, mostram-se suficientemente adquiridos, em face da factualidade dada por provada. Daí, aliás, a afirmação da irrelevância da adição de qualquer factualidade complementar que, em qualquer caso, jamais poderia estender-se às afirmações conclusivas que, a esse propósito, os apelantes também sugeriram. O tribunal a quo rejeitou, porém, que a pretensão do recorrente DD consubstanciada neste recurso de revisão pudesse constituir abuso de direito. Referiu, então, o seguinte: “Ponderando toda a factualidade trazida aos autos, nomeadamente o comportamento processual dos Recorridos nos autos que correram termos sob o número 2716/16.0T8VFR, em que pugnaram, ambos no mesmo sentido, um como Réu outro como testemunha, pela falta de fundamento da pretensão do ali Autor e aqui Recorrente e pela inexistência de qualquer vício de vontade que afectasse a doação, não pode qualificar-se o comportamento do aqui Recorrente, ao interpor o presente recurso de revisão, como abusivo, ofensivo do fim a que se destina o seu direito ou clamorosamente atentatório do direito.” Como se salienta neste excerto da sentença sob recurso, o que é incongruente é a actuação dos ora apelantes: na acção de anulação da doação intentada por DD, quer o seu pai, ali réu, quer a sua irmã, ali testemunha, sustentaram a ausência de dolo do donatário dos quinhões (o pai), defendendo a ausência dos pressupostos dessa anulação. Porém, na acção de onde provém a sentença revidenda, é a irmã AA a alegar esse mesmo dolo, com a concordância do seu pai, que nada contestou. Pelo contrário, através do recurso de revisão, o recorrente vincula o pai e a irmã à mesma posição que haviam sustentado (embora em diferentes posições processuais) na acção por si intentada, salientando, perante todo o histórico do seu relacionamento a propósito da herança da mãe, como o litígio constituído pela acção interposta pela irmã contra o pai era uma ficção. Nestas circunstâncias, cuja realidade se apurou, constata-se, por um lado, que de forma alguma o recurso de revisão constitui um venire contra factum proprium por parte do recorrente. O facto de ele ter logrado demonstrar os pressupostos de viciação da sua vontade, justificando a anulação da sua doação, não é de ordem contrária a que se oponha a que a sua irmã invoque, numa acção a que foi alheio e que decorreu sem qualquer oposição, ter incorrido em idêntico vício de vontade. A isto acresce que a eliminação de uma sentença proferida em resultado de uma acção simulada, a pedido de um terceiro que em resultado dela viu interesses seus afectados, muito dificilmente poderá constituir o exercício ilegítimo de um direito, por ultrapassar manifestamente os limites da boa fé ou do exercício desse direito, ou seja, por constituir uma clamorosa ofensa da justiça. O efeito directo do exercício desse direito, isto é, do direito ao recurso de revisão, é a eliminação da ordem jurídica de um acto simulado, fraudulento, que essa mesma ordem jurídica não pode admitir. De resto, o legislador comete ao tribunal o poder de prevenir essa mesma fraude, nos termos do art. 612º do CPC, dispondo: “Quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado (…), a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes.” Assim, a eliminação de uma sentença proveniente de uma simulação processual, por via de um recurso de revisão, constituindo uma válvula de segurança perante a hipótese do não uso do poder/dever previsto nesta norma, ainda que por iniciativa de um terceiro cujos interesses resultem prejudicados por essa sentença, dificilmente poderá constituir um acto de ofensa clamorosa da justiça, um exercício manifestamente excessivo relativamente à salvaguarda de interesses ou direitos subjectivos. A conclusão, neste caso concreto, pela não verificação dos pressupostos de abuso no exercício do direito ao recurso de revisão não significa, todavia, qualquer reconhecimento da intangibilidade dos interesses do recorrente DD tidos como condição da sua legitimidade para a interposição desse mesmo recurso. Traduz, isso sim, que perante os interesses verificados e a intolerabilidade, para a ordem jurídica, de uma sentença proveniente de uma acção judicial simulada, não pode ter-se como manifestamente excessiva ou clamorosamente ofensiva da justiça a solução de erradicação de tal sentença, mesmo que se admita que aqueles interesses possam vir a ceder perante o reconhecimento de outros que se lhes venham a impor noutras circunstâncias. Com efeito, não se ignora a motivação das partes na acção de anulação a que este recurso de revisão se dirige, o contexto desta e a justeza de uma solução que, eventualmente decretada noutras circunstâncias processuais, designadamente no âmbito da intervenção de todos os sujeitos da relação material controvertida, possa conduzir à igualdade de AA e de DD na partilha da herança familiar, quando for caso disso. Todavia, o que não pode é ter-se como integrador de abuso de direito um recurso de revisão tendente à anulação de uma sentença proveniente de uma acção simulada, que decorreu à margem da própria discussão da eventual legitimidade, ou não, daqueles interesses. Por todo o exposto, rejeita-se que o recorrente tenha incorrido em abuso de direito, ao interpor o presente recurso de revisão. Também quanto a esta questão cumpre, pois, afirmar a improcedência de ambos os recursos. * Na ausência de outras questões, resta concluir pela improcedência de ambas as apelações, na plena confirmação da douta decisão recorrida.* Sumariando (art. 663º, nº 7 do CPC):………………………………………. ………………………………………. ………………………………………. 3 - DECISÃO Em conclusão, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, na confirmação integral da douta decisão recorrida. Custas pelos apelantes, relativamente a cada um dos respectivos recursos. Reg e not. Porto, 4/5/2022 Rui Moreira João Diogo Rodrigues Anabela Miranda |